Intervenção do deputado Honório Novo na Assembleia de República, em 1 de Junho de 2012, dia em que foi debatido o projecto de resolução do Partido Comunista Português sobre a necessidade urgente de renegociação da dívida.
É urgente renegociar a dívida pública portuguesa
«Senhora Presidente
Senhores Deputados
O País soube ontem que a queda na receita dos impostos indiretos totais foi muito maior do que o Governo admitira na execução orçamental de Abril. Afinal, os impostos indiretos não caíram só 3,5%; caíram 6,8%! A receita não caiu só 233 milhões de euros! Caiu 472 milhões, o dobro do que o Governo dissera.
Pior: estima-se já um previsível descalabro na execução orçamental.
Esta é uma constatação que não surpreende o PCP. Como a vida comprova, as políticas de empobrecimento da Troika estão a provocar a forte diminuição da atividade económica e uma queda das receitas fiscais e das contribuições, e o aumento das prestações sociais para fazer face à evolução dramática do desemprego. Esta espiral negativa está mais uma vez a conduzir ao disparar do défice orçamental, estimado em 7,4% no final do primeiro trimestre, 40% do valor total previsto para todo o ano, 2,9 p.p. acima do défice previsto pelo Governo para 2012 (4,5%)!
É a este beco sem saída que nos conduzem as políticas da Troika e o Pacto de Agressão com que o FMI, a UE e o BCE querem fazer vergar os trabalhadores e o Povo de um País com quase novecentos anos de história!
Senhora Presidente
Senhores Deputados
Um ano depois do Governo PS/Sócrates, de braço dado com o PSD e o CDS, terem assinado o Memorando da Troika, o País está mais pobre, os trabalhadores e o Povo perderam salários, subsídios e reformas, as falências sucedem-se aos milhares (vejam-se os exemplos da restauração e da construção civil), o desemprego atinge valores dramáticos, as manchas de pobreza e de exclusão social aumentam de forma insustentável e os jovens portugueses deixaram de ter perspetivas de futuro digno no País onde nasceram e de onde, apesar de tudo, recusam ser expulsos.
Um ano depois do Pacto de Agressão, este é um caminho que nos vai conduzir a mais cortes na saúde e na educação, a novos e mais gravosos cortes de salários e de subsídios de desemprego, a novos aumentos da carga fiscal e a mais operações de venda ao desbarato de empresas públicas estratégicas para satisfazer a voracidade dos grupos económicos e financeiros.
Um ano depois o País está bem pior e, como então tínhamos avisado, nem mesmo a dívida pública desceu, bem pelo contrário. Em 2011 pagamos mais de 6200 milhões de euros de juros e encargos, com uma taxa média superior à de 2010 (4,1%). Apesar disso, a dívida pública continuou sempre a aumentar, subiu para 184 mil milhões, mais 23 mil milhões de euros que em 2010.
Ao contrário do que PS, PSD e CDS insinuaram há um ano, a dívida pública não está nem vai diminuir. Pelo contrário, vai continuar a aumentar. Em 2014, o País vai pagar 8300 milhões de euros de juros e encargos para que a dívida suba para um valor de 200 mil milhões de euros. É o próprio Governo quem o diz!
Senhora Presidente
Senhores Deputados
O serviço da dívida, incluindo o que resulta do empréstimo de 78 mil milhões concedido por contrapartida das condições políticas aviltantes impostas no Memorando da Troika, conjugado com a fortíssima contração da atividade económica fazem com que a dívida pública seja impagável nas atuais condições.
Este é o caminho do desastre que nos pode conduzir a um novo resgate, e com ele a mais Troika, a mais ingerência e usurpação da soberania nacional, a mais ataques ao quadro constitucional resultante do 25 de Abril.
Há que travar este caminho. Há que criar um outro rumo, uma alternativa patriótica que rompa com o Memorando da Troika, uma alternativa de esquerda que rompa com as políticas do Pacto de Agressão.
Uma alternativa que, tal como fizemos em Abril de 2011 e hoje atualizamos, estabelece as orientações a usar pelo Governo para renegociar a dívida pública, determinando a sua origem, legitimidade e natureza, fixando um serviço de dívida compatível com as condições de crescimento da economia portuguesa que inclua adequados períodos de carência, prazos alargados de amortização e pagamentos anuais de juros indexados ao crescimento das nossas exportações.
Uma alternativa que a par da dinamização de instrumentos de poupança e da diversificação das fontes de financiamento, defende a reutilização de parte da tranche do empréstimo da Troika destinado à recapitalização da banca privada, afetando-a também à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e ao financiamento direto da economia.
Uma alternativa que, a par de cortes ou rescisões unilaterais de contratos abusivos em PPPs, ou com rendas elétricas, aposte num forte crescimento centrado na dinamização do mercado interno com a dignificação de salários e reformas, promova o investimento público reprodutivo e a plena utilização dos fundos comunitários, reforce e proteja a capacidade produtiva nacional e o setor empresarial do Estado permitindo, desta forma, substituir importações e reforçar a componente exportadora, tornando o país menos dependente e mais capaz de equilibrar de forma sustentável as contas públicas.
Estas são as ideias centrais da resolução que o PCP hoje apresenta.
Com a convicção que elas constituem o consenso mínimo para travar o caminho para o abismo a que nos estão a conduzir a Troika e este Governo.
Com a convicção de que elas defendem Portugal, os trabalhadores e o nosso Povo.
Com a certeza de que constituem uma barreira contra a submissão do País face a imposições e a interesses externos.
Disse.»
Nota: Na hora da votação, PSD, CDS-PP e PS insistiram em não querer admitir o óbvio e votaram contra. A sua intransigência, à beira do precipício, está a sair cada vez mais cara aos portugueses.