quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Cóleras e Sorrisos


Tenham sido ou não uma provocação, destinadas a testar a capacidade de resposta dos muçulmanos, as famigeradas caricaturas dinamarquesas (na minha opinião, com um tema venenoso e de mau gosto), acabaram por trazer um benefício: voltar a pôr na ordem do dia, um problema que sempre se tem mantido em aberto. Quais são os limites da liberdade? O que é isso da liberdade com responsabilidade? Qual a fronteira entre liberdade plena e tépida condescendência? Será proibido proibir? Uma coisa é certa: quando os usos e abusos da liberdade se movimentam no plano cívico, mais pontapé, menos pontapé, mais queixa, menos queixa, o problema resolve-se. Porém, quando as religiões entram em cena, quando os púlpitos e as mesquitas se transformam em locais de desassossego, o caldo fica entornado.
Por caminhos ínvios andam as religiões, quando entronizadas de poder, visam impor os seus códigos de conduta, preceitos e regras, sabendo que a humanidade, tanto física como espiritualmente, se alicerça na diversidade. Mal vão também os políticos ditos laicos, que se dizem grandes e zelosos campeões das liberdades de expressão, quando assustados com a violência desencadeada, verberam contra os excessos de liberdade e a “irresponsabilidade” dos artistas do humor. Eu que sou agnóstico, costumo condescender e temperar estas situações com um pensamento: Se Deus, ao dar liberdade ao homem, permitiu que ele cultivasse a crítica, a comédia e a licenciosidade, é porque não estava muito interessado em que o homem respeitasse, sem vacilar, a sua intocabilidade e honorabilidade, dando razão a Albert Camus, quando disse que talvez sejamos mesmo livres e responsáveis, o que faz com que Deus não seja todo-poderoso. Apesar de tudo, é o que se sabe: os homens entenderam tornar-se, nuns casos, mais papistas que o Papa, noutros, mais puros que o próprio Profeta. Salman Ruschdie sofreu uma “fatwa” (decreto corânico) em 1989, que o condenava à morte, lançada pelos hayatolas iranianos, por ter escrito e publicado os seus VERSÍCULOS SATÂNICOS, tendo vivido largos anos na clandestinidade. Quanto ao Prémio Nobel José Saramago, foi anatemizado pelo Vaticano e vetado como candidato a um prémio literário, por um certo Lúcio Lara, subsecretário de estado da cultura português, quando escreveu e publicou o seu EVANGELO SEGUNDO JESUS CRISTO. Já o filme EU VOS SAÚDO, MARIA de Jean-Luc Godard, esteve impedido de ser exibido, ao passo que A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO de Martin Scorcese, enfrentou reacções hostis de múltiplos quadrantes, sobretudo católicos, prolongando-se até há muito pouco tempo, em alguns países, a proibição da sua exibição. Foi preciso surgir em 2002 uma adaptação cinematográfica d’O CRIME DO PADRE AMARO, romance de Eça de Queirós, editado pela primeira vez em 1875, e que explorava as consequências do celibato sacerdotal, para que os espíritos ficassem ao rubro. Antes mesmo do início das filmagens no México, já lavrava muita polémica, onde vários grupos de inspiração católica, tentaram por todos os meios impedir a sua realização. E isto é só para falarmos de alguns casos recentes, deixando de lado as mordaças impostas pelas mesas censórias e os autos de fé da Santa Inquisição, ou as colossais fogueiras alimentadas, na época do Califado, com os papiros, ditos heréticos e blasfemos, guardados na biblioteca de Alexandria.
A questão central destas confrontações não é uma luta entre culturas e civilizações, mas sim um braço de ferro entre o laicismo e o fundamentalismo religioso, entre a realidade e a superstição, entre a tolerância e a intransigência, entre uso da liberdade de expressão, fundamento das democracias, e algumas listas (umas mais extensas que outras) de restrições ao seu exercício. Embora eu respeite todas as religiões, e entenda que no contexto histórico, todas elas são responsáveis por diferentes modelos civilizacionais, também reconheço que, tanto podem amplificar como embotar os sentidos e a clarividência dos povos, tornando-se factor de perturbação e dando origem a situações bem pouco concordantes com a sua missão. Ao longo dos tempos, os provocadores, seja a que quadrante pertençam, sabem como usar qualquer pretexto, no caso o religioso, para ressuscitarem medos e preconceitos. Porém, as pessoas, seja a que quadrante pertençam, também são suficientemente inteligentes e sagazes, para saberem distinguir o essencial do acessório, desprezando e ignorando as provocações brandidas por agitadores, sejam eles supostos agressores ou pretensos ofendidos, deixando que elas se extingam como fogos fátuos. Sobre o planeta haverá sempre uns mais sisudos, e outros mais liberais, e nem todos os estômagos aceitam digerir as mesmas comidas. Dou um exemplo: ainda há dias a VISÃO publicou uma caricatura do Rui, onde a bandeira portuguesa aparecia confundida com o logótipo do Windows da Microsoft, parodiando os acordos que Sócrates estabeleceu com Bill Gates. Haverá quem veja nisto apenas uma colagem e um gracejo bem conseguidos, assim como haverá também quem veja no desenho, uma insuportável afronta ao mais carismático dos símbolos nacionais. O objectivo da caricatura é exactamente esse. Há que desfigurar a realidade, carregando-a de contrastes e cores fortes, em suma, há que ser mordaz, provocar o choque, pisar o risco, espicaçar os espíritos, subverter as normas e os cânones, para que a crítica e o anedótico atinjam o alvo e surtam efeito.
Cristo e o Vaticano, o Profeta e o Islão, Moisés e a Sinagoga, ou os ensinamentos do venerável Buda, isto para só falar das principais religiões, podem ficar descansados! Não serão caricaturas, afinal expressões do efémero burlesco, venham de que lado vierem, que calarão as fés e as convicções religiosas. Todas as pirotecnias que visam incendiar os espíritos e os sentidos, podem ser acirradas e instrumentalizadas, mas como todas as cóleras, se as remetermos para o seu verdadeiro lugar, apagar-se-ão por falta de combustível, e no fim, poucos vestígios sobrarão.
Com a criatividade temporariamente inquinada, gostei de ver que os dramas e turbulências provocados pelas caricaturas, tivessem sido superados com a realização de um torneio de desenhos humorísticos (embora, na minha opinião, novamente orientados para um tema de mau gosto), desta feita desencadeado pelo lado muçulmano, para ver quem possui maior grau de acidez e acutilância. Direi mais: tudo devia ter começado por aí, com as ofensas a dirimirem-se com canetas, pincéis e tinta-da-china, e não com o habitual folclore das bandeiras queimadas e das embaixadas vandalizadas, mais um punhado de políticos a acotovelarem-se e a colarem-se aos acontecimentos, tentando facturar prestígio e visibilidade. Agora, das duas uma: ou os alvos atingidos vão reclamar ruidosamente, ou todos vão ficar calados como homenzinhos mal comportados. A frio, e quando há culpas mútuas no cartório, o silêncio não é de ouro, mas de chumbo.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

GRANDE e simples


Lisboa, Praça de Londres. Estátua de Guerra Junqueiro, grande poeta português (1850-1923), que nos deixou poemas de crítica social e clerical como A MORTE DE D. JOÃO, A VELHICE DO PADRE ETERNO, MUSA EM FÉRIAS, FINIS PATRIAE, A INGLATERRA, CANÇÃO DO ÓDIO, e outros de lirismo singelo como OS SIMPLES, ORAÇÃO AO PÃO e ORAÇÃO À LUZ.

Três Repúblicas



A instauração do regime republicano em Portugal está quase a fazer um século de vida, tendo sido marcado por três períodos, cada um deles com a sua identidade própria. É certo que o mundo evolui, as condições da sociedade de há cem anos não são as mesmas de hoje, a História não se repete, porém, a propensão para tropeçar em erros do mesmo tipo, continua a ser uma constante da natureza humana, sobretudo quando se fica indiferente ao capital de experiência acumulada. Por isso, convém recordar a advertência formulada por George Santayana, quando afirmou que se não tirarmos algumas lições do passado, corremos o risco de voltar a repeti-lo. Hoje, quase 32 anos depois da restauração da democracia com a Revolução do 25 de Abril, e quando há tantas vozes a apregoarem que o regime entrou em crise, seria útil, antes de propor a terapêutica, elaborar um diagnóstico, radiografando o nosso processo histórico, em busca das causas profundas para o nosso actual estado de desalento.
Bem vistas as coisas, sempre fomos melhores gastadores que investidores. Após o grande crescimento provocado pelos descobrimentos, iniciados no século XV com a dinastia de Avis, a riqueza gerada pelo comércio com as Índias e o Brasil, em que a coroa era o grande beneficiário e administrador, não teve uma aplicação notória, porque faltava gente preparada para gerir e multiplicar a riqueza. Demos novos mundos ao mundo, mas quem disso se aproveitou foram os outros, até que, pouco a pouco, e pelas mais variadas razões, acabámos em Álcacer-Quibir e anexados por Castela, abraçados a um “sebastianismo” redutor.
Sessenta anos depois, e apesar de restaurada a independência em1640, iniciou-se com Portugal um longo e lento processo de declínio, que se veio estendendo até aos dias de hoje. No reinado de D.João V, o ouro que vinha do Brasil foi usado para satisfazer a megalomania e a ostentação real, como a construção do convento de Mafra e a transformação do país numa espécie de palco de uma grande ópera sacra, em que a Igreja era o actor principal. As prioridades da realeza tinham muito a ver com os seus hábitos e desejos sumptuários, e nada a ver com a valorização e beneficiação do país. Excepção deste estado de coisas foi o reinado de D.José e do seu todo-poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), cultor do despotismo esclarecido, que a par do reforço do poder régio, com a perseguição das vozes e poderes dissonantes, além de reconstruir a Lisboa mártir do terramoto de1755, se abalançou a modernizar o país, equipando-o com indústrias, das quais muitas foram sobrevivendo até aos nossos dias. Porém, eram também muitos os “estrangeirados”, como D.Luís da Cunha, Luís António Verney e outros, que viviam longe do provincianismo lusitano, das arremetidas da Inquisição e do cheiro a carne queimada dos autos-de-fé. Portugal era um deserto onde não havia políticos, nem economistas, nem educação, e os poucos homens de letras, sábios e cientistas que havia, apenas tinham oportunidade de trabalhar em relativa tranquilidade, obtendo estímulos e reconhecimento nos exílios forçados, longe do país, aliás, condição que continua a verificar-se nos dias de hoje, embora com outras motivações. Nos últimos 500 anos da sua história editorial, Portugal sofreu 420 anos de censura, iniciada com as reais mesas censórias e os autos-de-fé da Santa Inquisição, e a acabar nas rasuras do lápis azul dos Serviços de Censura do Estado Novo e nas apreensões da polícia política, concluindo-se que a publicação de livros em Portugal foi uma actividade cultural levada a cabo com uma taxa de repressão de 84 por cento. Isso explica porque é que os movimentos e as novas ideias que eclodiram além fronteiras, ou chegavam demasiado tarde, ou nunca chegavam, porque é que predominava o analfabetismo e se glorificava a ignorância e a pobreza de espírito, com as vidas ocupadas exclusivamente com a sobrevivência. Isso acaba por explicar também porque temos, na actualidade, 1 milhão de analfabetos, o que correspondente a 9% da população do país, isto sem contar com o analfabetismo funcional e a iliteracia, agravando-se o precoce abandono escolar, causa primeira da baixa qualificação da população e de um atraso congénito. Progressivamente, ia-se desinvestindo nas pessoas, deixando grassar a ignorância, a desqualificação, a boçalidade. Num país eminentemente agrícola, os portugueses limitavam-se a serem pagadores de impostos, arrebanhados aos campos, para as obras que entretanto se iam fazendo, ou para as toscas e indisciplinadas fileiras do exército, quando era preciso travar alguma guerra. Quanto aos outros, que por uma razão ou outra, ficavam fora deste esquema, que se amanhassem.

A primeira República, organizada à volta de um regime eminentemente parlamentar, durou perto de 16 anos e iniciou-se com a implantação da república no dia 5 de Outubro de 1910. Era uma época em que a monarquia, com o regicídio ainda fresco na memória de todos, tinha atingido o ponto mais alto do descrédito, tornando-se incapaz de gerir crises, encontrar soluções e consensos. Naquele dia, a instauração da república esteve a um passo de não se concretizar, por demasiado improviso e falta de coordenação. Quando os revoltosos republicanos, descrentes do sucesso, já debandavam às mãos cheias das barricadas da Rotunda, convictos que a sua aventura havia fracassado, porque o exército se demarcara do golpe e o seu comandante se suicidou, o impensável aconteceu: a família real, com as malas já feitas, decidiu, pelo sim, pelo não, abandonar Portugal, rumo ao exílio em Inglaterra. O poder não caiu na rua. A queda da monarquia acabou por ser uma das mudanças de regime mais pacíficas e indolores que se conhecem, chegando a instauração do novo regime a ser divulgado, nos locais mais recônditos do país, através do telégrafo. Entre incrédulo e atabalhoado, o impreparado aparelho republicano acabou por ocupar o vácuo criado, mas a ambição de poder era desmedida, de tal modo que, num curto espaço de tempo, o antigo grande Partido Republicado acabou por se pulverizar numa miríade de novos partidos, alguns deles bem insignificantes e quase nada representativos.
Desta primeira experiência republicana, em que o país de viu liberto de uma monarquia moribunda e ineficaz, ficou-nos um período algo turbulento, de ânimos exaltados, fruto de um novo regime que experimentava, pela primeira vez, o pleno usufruto do poder, muito embora os seus principais protagonistas já houvessem passado pelas instituições da monarquia constitucional. O aspecto mais marcante deste primeiro período republicano foi o extremo anti clericalismo, que culminou na expulsão das ordens religiosas e a nacionalização dos bens da igreja.
A monarquia havia negligenciado o estado educacional e cultural do país, em benefício de iniciativas de cariz material, como sejam a implantação da rede de caminhos-de-ferro e alguns troços de estradas. A monarquia preocupava-se com as coisas, ao passo que a república, pelo contrário, interessava-se pelas pessoas, criando o Ministério da Educação Pública, promovendo a instalação de centros de ensino e fazendo da disseminação da educação básica uma grande causa.
O excessivo peso institucional do Congresso na vida política do país, e uma permanente anarquia parlamentar, que fazia e desfazia governos entre surtidas monárquicas, arruaças bombistas, tiroteio, assassinatos e revoluções palacianas, foi a característica mais marcante da vida política da primeira república. Portugal era, entre os principais países da Europa, recordista em instabilidade parlamentar, presidencial e governamental, levando a que começasse a grassar o abstencionismo junto do eleitorado, não como censura ou rejeição do jovem regime propriamente dito, mas sim fruto de promessas incumpridas, múltiplas traições e desilusões protagonizadas pelos políticos, que facilmente esqueciam ser a governação a sua principal função. Aqueles consumiam todas as suas energias nas guerrilhas entre partidos adversários, e também nas lutas internas e interesses mesquinhos dos seus próprios partidos, e não a encontrarem soluções para as muitas carências do país e da população. Em dezasseis anos de regime republicano houve sete eleições para o Parlamento, oito para a Presidência da República e quarenta e cinco ministérios, com estes últimos a terem uma duração média de escassos quatro meses. O Parlamento, órgão que interferia em todos os detalhes da vida governativa, se por um lado constituía um poderoso travão às ambições e um filtro da corrupção política, mantendo a governação sob permanente controlo, por outro, apresentava-se como um permanente foco de instabilidade, fazendo cair ministérios, quantas vezes por questões menores e insignificantes.
O país acabou ainda por se envolver na fase final da Primeira Grande Guerra, por força dos compromissos que a aliança com a Inglaterra impunha, bem como a salvaguarda da integridade do seu império colonial, por um lado ameaçado pelos alemães, e por outro, sujeito a uma eventual partilha, caso a derrota dos alemães se concretizasse. Esta intervenção foi levada a cabo por um corpo expedicionário de 50.000 homens, indisciplinados e mal preparados, que foram despejados nos campos de batalha da Flandres em 1917. Lançados no braseiro e enfrentando as divisões alemãs, esta intervenção acabou por se traduzir em 6.000 prisioneiros, 7.000 mortos, inúmeros estropiados e gaseados, e deixando os cofres públicos vazios. De crise em crise e com ditaduras de permeio, o regime sobreviveu mais oito anos, até que sobreveio o golpe militar de 28 de Maio de 1926, capitaneado pelo general Gomes da Costa, que redundou, durante os dois primeiros anos, numa ditadura militar, resvalando depois para a ditadura do Estado Novo.

A segunda República, foi um período marcado pela ditadura de Oliveira Salazar, um professor de finanças, que se arvorou em salvador da pátria e edificou um regime que baptizou de Estado Novo. Grassou durante 48 longos anos, e caracterizou-se por uma inquestionável estabilidade governativa, própria dos governos autoritários. Teve 3 Presidentes da República (Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás) e 2 governos, o primeiro, o mais longo de todos, conduzido com mão de ferro pelo todo-poderoso Prof. Salazar, e o último, pelo Prof. Marcello Caetano, que fora em tempos delfim do ditador, e que assumiu as funções, quando o primeiro, física e mentalmente incapacitado por um acidente, foi retirado de funções. Tal estabilidade governativa foi feita à custa do cerceamento das liberdades fundamentais e da instauração de um regime que se arrogava ser, para consumo externo, uma “democracia orgânica”, mas que na realidade não passava de um simulacro caricatural do sistema democrático. Cá dentro grassava um estado policial e repressivo, onde o essencial era saber ler, escrever, contar, rezar e trabalhar sem questionar. Ter acesso a mais altos voos era um privilégio a que muito poucos tinham acesso, sobretudo depois de manifestarem, por obras e pensamentos, a sua inquestionável fidelidade ao regime.
Os actuais adeptos do longo consulado salazarista esforçam-se por apagar tudo o que diga respeito ao estado policial-fascista que foi erigido, adaptado do modelo orgânico e institucional de Mussolini e da máquina repressiva do III Reich alemão. Preferem enaltecer outras iniciativas do regime, tais como sublinhar o meritório esforço que o ditador despendeu a equilibrar as contas públicas (o tal défice todo-poderoso) e a promover a acumulação de reservas de ouro, para arrancar o país à extrema pobreza e ao atraso em que a 1ª. República o deixara, objectivo que não concretizou, mascarando-o com uma paz e a segurança feita à custa da limitação das liberdades. Na verdade, o povo pouco mais ganhou que a segurança das prisões e a paz dos cemitérios. Por outro lado, teríamos ficado a dever-lhe também a manutenção do país ao abrigo de todas as consequências geradas pela Segunda Guerra Mundial, não sem que antes disso, em 1936, haja apoiado descaradamente o pronunciamento e a guerra civil espanhola, desencadeada pelo futuro ditador Franco. A vizinhança da novel República Espanhola era coisa que não lhe interessava, já que esta poderia tornar-se uma potencial exportadora para Portugal das "perigosas" ideias e práticas políticas que o Estado Novo estava tão empenhado em erradicar. Na altura da Segunda Guerra Mundial, momento alto em que as democracias se confrontaram com os fascismos, optou por escudar-se numa conspícua e bizarra neutralidade, porque ao envolver-se no conflito, estaria a comprometer os seus desígnios. Salazar era astuto, tinha um projecto pessoal de poder e sabia que só o poderia levar à prática com sucesso, se isolasse o país, disciplinando e silenciando as suas vozes e pensamento. Não queria partilhar esse projecto com ninguém, nem tão pouco tolerava que alguém nele se viesse intrometer. Desde o primeiro momento que pisara os corredores do poder, Salazar sabia o que queria, e para onde ia. O objectivo era submeter o povo à autoridade secular e religiosa, com padrões mínimos de instrução, sem ambições, reduzido à condição de força de trabalho humilde, domesticada e quase-forçada, arredado das ideias e opiniões contrárias ao regime, por uma impiedosa e castradora censura dos meios de comunicação social, permanentemente vigiado e reprimido pela polícia política, que se encarregava de distribuir os adversários políticos do regime, pela colónia penal do Tarrafal, e as prisões do Aljube, Caxias e Peniche.
A riqueza que entretanto ia sendo acumulada pouco ou nada tinha a ver com um tecido económico dinâmico, gerador de riqueza e de trabalho. As grandes fortunas iam-se fazendo à custa da exploração desmedida que o mossuliniano Estatuto Nacional do Trabalho permitia, ao mesmo tempo que o país ia vivendo de uma pseudo-indústria de turismo, do investimento estrangeiro e dos monopólios que estavam nas mãos de meia dúzia de famílias. Em vez de abrir o país ao desenvolvimento e progresso, deixou que o país se fosse exaurindo na exportação de mão-de-obra, através das sucessivas vagas de emigração, vindo depois a encherem-se os cofres do estado com as remessas dessa mesma emigração, num simulacro de prosperidade. As grandes conquista, descobertas, escolas e ideias que irrompiam pelo mundo fora, apenas nos afloravam, quase como meras curiosidades, dissimuladas por entre alguma informação filtrada que ia chegando até nós, importada de forma clandestina. Eleições era uma matéria rigorosamente controlada pelo aparelho repressivo e policial, não deixando que as mensagens oposicionistas chegassem aos destinatários, nem que as urnas fornecessem surpresas. Já em 1948 havia ocorrido um primeiro sobressalto com a candidatura oposicionista de Norton de Matos, mas foi nas eleições presidenciais de 1958, quando se apresentou como candidato da oposição o general Humberto Delgado, um “desertor” das fileiras do Estado Novo, que o regime tremeu. Foi tal o susto (Delgado teria ganho as eleições, caso a sua candidatura não houvesse sofrido toda a espécie de obstruções e os resultados não tivessem sido manipulados) que de imediato o regime procedeu a uma alteração constitucional, acabando com o sufrágio universal do presidente, e deixando a sua eleição/nomeação entregue à assembleia nacional, totalmente dominada pelo regime, travestida das funções de cinzento colégio eleitoral, para o cumprir as futuras investiduras. Quanto a Delgado, que apesar de exilado se mantinha activo, logo incómodo para o regime, viria a ser assassinado pela polícia política, em 1965, junto à fronteira de Espanha.
Depois disto, imerso numa imensa mediocridade e combatido por largos sectores da sociedade, fosse às claras ou na clandestinidade, o regime ia entrando em decadência. Sendo quase certo que o regime dificilmente sobreviveria ao seu mentor, a guerra colonial que irrompeu em 1961, fruto da mesquinhez e do isolacionismo salazarista, que teimava em ignorar os novos tempos que emergiram após a Segunda Guerra Mundial, e que traziam a marca da promoção e emancipação dos povos, acabou por ser o derradeiro balão de oxigénio que manteve vivo o regime, apenas adiando o colapso que já se vinha anunciando.
Acabaram por ser os militares, endurecidos por essa guerra colonial interminável, que se estendia por três frentes, e cuja vitória militar se tornava cada vez mais improvável, que se rebelaram e desceram à rua em 25 de Abril, apeando o regime, e manifestando a intenção de devolverem, ao país e à república, a sua matriz republicana e democrática. Em boa verdade, quando o regime caiu em 25 de Abril de 1974, para além da exaustão resultante de 48 anos de autoritarismo e de 13 anos de guerra, que consumia homens e recursos, o país ainda era, tal como fim da primeira república, e no dealbar do Estado Novo, em 1926, para além de um anacronismo político, a nação mais pobre e atrasada da Europa.

A terceira República, engloba o período que se estende, desde a revolução do 25 de Abril de 1974, até à actualidade. Desmembrou o estado totalitário, e na fase mais aguda de um conturbado processo revolucionários, procedeu ao desmembramento dos monopólios, a um arrojado programa de nacionalizações e reforma agrária. Levou a cabo a descolonização, acabando por fazer regredir o espaço territorial português para as fronteiras anteriores aos descobrimentos, foi gerador de uma nova Constituição, que reorganizou o país à volta de um regime democrático de matriz semi-presidencial, estruturado à volta de meia dúzia de partidos políticos, que passaram a cobrir, com razoável eficácia, o espectro sociológico do país. Até à data, teve 5 Presidentes da República (o sexto vai tomar posse dentro de dias), 6 Governos Provisórios e 16 Governos Constitucionais. Definitivamente encerrado o processo relativo ao seu passado colonial, com a adesão de Portugal à União Europeia, em 1986, o país passou a deslocar os seus centros de interesse para uma Europa que, sendo já uma potência económica, sem ser ainda uma unidade política, tem vindo a colher novas adesões, que também vão multiplicando as contradições e dificuldades.
Enumerar aqui todos os governos que até hoje se sucederam na ribalta política, seria fastidioso, além de que, dada a sua proximidade temporal, ainda persistem muitas memórias deles. Grosso modo, diremos apenas que todos eles, quase sem nenhuma excepção, enveredaram por promover vagas sucessivas de privatizações, restituindo os mais importantes sectores económicos e financeiros ao grande capital, reduzindo ao mínimo o sector empresarial do estado, mesmo em áreas consideradas estratégicas.
Por outro lado, entre 1985 e 1995, os muitos milhões de euros que entraram no país, vindos da União Europeia, esvaíram-se sabe-se lá para onde, e acabaram por não criar os alicerces duradouros e virados para a criação de riqueza produtiva, ficando muito longe de promover a qualificação dos portugueses, que continua a decair. Tal como o ouro do Brasil referido na introdução, os milhões europeus esvaíram-se em obras de estadão e pouco ou nada contribuíram para a criação de oportunidades, o revigoramento do tecido económico e a consequente elevação das condições de vida do país, ao passo que a agricultura e as pescas, longe de se modernizarem, acabaram desmanteladas e quase reduzidas a actividades de subsistência. Onde foram desaguar aqueles caudalosos rios de dinheiro? Quem deles beneficiou?
Deixaram-nos muitos milhares de quilómetros de auto-estradas, muitos viadutos, muitos “elefantes brancos” e uma indústria de betão que entra logo em crise assim que abranda a sofreguidão edificadora do estado, ao passo que a reorientação dos recursos e das competências ficaram-se pelas boas intenções.
A modernização e o desenvolvimento do país são, na actualidade, mais uma aparência que uma realidade, mantendo-se o país, apesar das quotidianas injecções de subsídios comunitários, um exemplo de descoordenação, ausência de rigor e sistemática falha de objectivos, o que conduz a que Portugal permaneça como um dos elos mais fracos da cadeia europeia, ocupando insistentemente os últimos lugares do “ranking” europeu.
O próprio Estado e a Administração Pública só aparentemente se modernizaram, sendo muitos os processos ainda tradicionais, que datam do século XIX, dos primórdios da república e do extenso consulado salazarista.
Do mais anónimo cidadão, até ao mais notável empresário, todos exigem ser beneficiários do subsidiarismo crónico que se instalou no país, o qual funciona como um sistema compensatório alternativo, face à ausência de projectos estruturantes, à ineficácia do aparelho administrativo e à mesquinhez e incompetência dos actores políticos. Com a alternância do poder, instalou-se a disseminação de clientelismos, secretas promiscuidades entre o poder político e os agentes económicos, o que potencia a difusão de favorecimentos e a instalação de uma generalizada corrupção, que alastra os todos os sectores da sociedade. Os programas de governo acabaram por tornar-se réplicas de outros anteriores, com ligeiras alterações de interesse e circunstância, onde está ausente qualquer vestígio de inovação e imaginação, sendo rara e minimamente cumpridos, quando não acontece serem cumpridos às avessas.
O guterrismo pensava que conseguia governar o país sem mexer uma palha, e que os problemas se resolveriam por si. O barrosismo pensava que conseguia governar o país virando tudo do avesso. Quanto ao santanismo, até há poucos meses, ainda pensava que conseguia governar como se tudo não passasse de um espectáculo de circo, com distribuição de caramelos pelo meio. Curiosamente, o socialista José Sócrates, apoiado numa maioria absoluta e na cartilha da “dama de ferro”, acaba por levar à prática as políticas que o barrosismo e o santanismo, ou não tiveram tempo, ou nunca se afoitaram a aplicar.
Portugal sempre foi uma identidade bem demarcada no contexto ibérico, porém, neste momento, dada a sua irrelevância económica, começa a assistir-se à perda de voz activa nas instâncias europeias, à deserção e transferência de muitos centros de decisão para Espanha, o que a breve prazo levará à diluição da nossa importância política, passando a ostentarmos, em termos de importância, o estatuto de região. Não é o regime democrático, como alguns sebastianistas pretendem, que é responsável pelo estado deplorável em que nos encontramos, mais sim quem tendo nas mãos as alavancas do poder, sob a capa e em nome dessa mesma democracia, gesto a gesto, passo a passo, empurraram o país para a presente situação. Hoje, tal como em 1926, aquando dos primeiros passos de Salazar pelos corredores do poder, é a questão do crónico défice orçamental que mobiliza, agora de forma contraditória, atabalhoada e imprecisa, alguns arremedos de gestão dos dinheiros públicos. Hoje, com o tempo mais que esgotado, torna-se necessário efectuar um salto qualitativo, já que, para além de alguns simulacros de modernização, panaceias e mezinhas avulsas, que descambaram em outras tantas experiências fracassadas, fomos incapazes de conceber e introduzir, no momento próprio, projectos de crescimento, coerente e sustentado, que fossem considerados e unanimemente aceites como desígnios e causas nacionais.
Será isto uma terceira República que reedita os vícios da primeira, ou apenas mais um lanço descendente, feito de compromissos secretamente lavrados, em tempos de cega globalização, entre mercenários da coisa pública e do apátrida sector capitalista, para que o país se apague?

Notas Soltas


A Sonae lançou uma OPA (Operação Pública de Aquisição) hostil sobre a Portugal Telecom, mostrando que o empresário Belmiro de Azevedo continua empenhado em manter o crescimento do seu império económico. Se for bem sucedido na sua operação, o Estado (que por agora não interfere, mas lá no íntimo até talvez agradeça) perde o controle de uma grande empresa do sector empresarial do estado, mas encaixa uns quantos milhões para ver se equilibra o orçamento, ou esbanjar como é seu costume, sendo que a operação, se for concretizada, pouco ou nada acrescentará ao desenvolvimento económico de que o país carece. Indiferente aos problemas do país, e enquanto os grandes tubarões se divertem a jogar ao Monopólio, o governo deixa que empresas estratégicas sejam vendidas a retalho e a pataco, para que alguns poucos fiquem cada vez mais ricos, e todos os outros cada vez mais pobres.

Ainda não está tudo dito nem visto, mas o facto de Belmiro de Azevedo, ostentando dotes de áugure, ter afirmado, há uns meses atrás, que Cavaco Silva iria ser um excelente Presidente da República, para ombrear com o excelente Primeiro-Ministro que Sócrates já era, dá bem uma ideia do que pensam os grandes empresários, sobre as agradáveis perspectivas de uma coabitação abençoada pelo espírito santo do bloco central, que tanto pode dar em união de facto como em casamento de conveniência. Com a actual OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom em curso, começa a ficar explicada a afabilidade e deferência com que o governo encara a operação. Naturalmente, amor com amor se paga.

No país em que um qualquer Valentim (com mais direito de antena que qualquer outro português) se permite humilhar e ameaçar um agente da PSP em plena via pública, em que uma Fátima fugida à justiça regressa à terrinha para ganhar as eleições, para logo a seguir a justiça fazer recuar o processo para a estaca zero, para já não falar em Apitos Dourados, Freeports, Facturas Falsas, Aeroporto de Macau, corrupção nos Impostos e na Direcção Geral de Viação, Universidades Modernas, Casas Pias, Furacões, Portucales, Eurominas, e mais um interminável cortejo de arrastamentos, prescrições e respectivos arquivamentos, chamar a isto imunidade ou impunidade não faz grande diferença. Assim sendo, talvez a expressão mais adequada seja o de estarmos a viver numa sociedade corrompida até ao tutano.

Até Abril, em obras que avançam a passo acelerado, e contrariando a tão apregoada falta de verbas, vão ser gastos mais uns quantos milhões de euros para levantar em Évora um Centro de Estágio para a Selecção Nacional de Futebol, com vista ao campeonato do mundo que se disputa este ano. Depois dos dez (10) estádios de futebol, que ostentámos garbosamente durante o campeonato da Europa de 2004, e que actualmente nos estão a dar imenso jeito, temos agora mais uma obra que prima por contrariar a nossa pelintrice, ser eminentemente necessária e inadiável, enquanto escolas, tribunais, hospitais e outras estruturas de utilidade pública, umas são exíguas, outras metem água, ao passo que outras correm o risco de derrocada. (*)

Tive o meu primeiro sobressalto que quase tocou a raiva, quando assisti, nos idos de 60 do século passado, ao filme de Trufault, que se intitulava FARENHEIT 451, baseado no romance de ficção científica de Ray Bradbury, esse mesmo, onde as brigadas de bombeiros tinham a diabólica missão de atear o fogo a bibliotecas inteiras, reeditando os autos de fé do III Reich, e onde os poucos resistentes, optavam, cada um, por decorar uma obra da sua preferência, para mais tarde a declamar de memória, salvando-a assim de um trágico e fatal esquecimento. À época, lembro-me de ter ficado revoltado, porque todos os tostões que amealhava eram para resgatar livros em segunda mão aos alfarrabistas de rua (como aquele concorrido pátio ao lado do cinema Éden), e não concebia que o fruto da criatividade do espírito humano, adquirido com tanto sacrifício, e tratado com tanto cuidado e desvelo, pudesse ser inspiradora de perseguições e combustível para alimentar fogueiras.
Agora, a propósito das reacções desencadeadas pela publicação de algumas caricaturas, começo a acreditar que estamos a viver tempos complexos e perigosos. Ai das civilizações e da paz, quando as religiões se introduzem nas relações entre os povos, e vice-versa! Ai das artes e das culturas, quando a intolerância e as inquisições voltam a querer ditar regras, impedindo que os seres humanos cultivem a comédia e o grotesco, contando histórias licenciosas e exercitando o riso.

Na América as coisas passam-se assim: um empregado foi despedido porque, fora das horas de serviço, foi visto a consumir uma marca de cerveja, concorrente da marca para que trabalhava. O patrão diz que quem faz as regras é ele, e quem não gostar, paciência...
Nos EUA não há legislação que proteja quem trabalha, contra prepotências deste tipo, que roçam o mais retinto fascismo.

Folheei aquela revista e a páginas tantas, estava lá a casa que foi de Karen Blixen, a dinamarquesa que nos primórdios do século passado, cheia de coragem e com aquelas saias imensas a roçar os tornozelos, andou pelo Quénia a lutar contra as mentalidades, fórmulas e intransigências do espírito colonizador. Continuo a não saber se aquele morro sobranceiro ao vale dominado pelas montanhas Ngong, onde os leões, ao fim da tarde, se vinham deitar, como se viessem venerar o local que recebera os restos mortais de Finch Hatton, o homem que não queria pertencer a ninguém, nem a lado nenhum, é verdadeiro, ou se não passa de um produto da ficção que Sidney Pollack, genialmente, materializou para o cinema, baseado no livro que Karen nos deixou. Assim, voltei a rever o filme “Out of Africa” (África Minha), com a sua história simples, nostálgica, recheada de humanidade, imagens fortes e emoções, quando o mundo e muitas convenções estavam em vias de sofrer mais um safanão.


Falando ainda sobre cinema, cada filme de Andrei Tarkovsky, o cineasta que nos deixou “Andrey Rubliov”, “Solaris” e “Stalker”, é um mergulho em apneia, nas profundezas dos seres humanos e das suas relações com o universo.
(*) Publicado no EXPRESSO de 2006-02-11 com o título “Futebóis”.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Notícias do Choque


Ao mesmo tempo que constou que uma delegação portuguesa teria sido recebida no MIT, e sabendo-se que o governo era o impulsionador da possível parceria, logo parte interessada nestas diligências, devendo mesmo chefiá-las, ficámos perplexos por aquela não integrar um único representante governamental. Laconicamente, fomos informados que tais contactos continuam apenas a nível exploratório, que é o mesmo que dizer, que os preclaros e ocupadíssimos ministros desta parvónia têm mais que fazer.
Entretanto, o governo colou-se sofregamente à vinda de Bill Gates (um gestor implacável) a Portugal, esforçando-se por envolver e associar o patrão da Microsoft ao nosso conturbado Plano/choque Tecnológico, tão necessitado de credibilidade, nem que fosse à custa de pomposos espectáculos mediáticos, protagonizados por uma pindérica força de intervenção ministerial (o que talvez justifique a ausência do governo na delegação junto do MIT) e condecorações à mistura. Bill Gates é uma personagem controversa, que tanto venera Leonardo da Vinci (um estudioso e prolífico espírito da Renascença, multidisciplinar, inventivo e inovador), com quem se identifica, dando prioridade à frutificação das aptidões e competências, como elimina, sem compaixão e com audaciosa alma florentina, os seus adversários e concorrentes, usando e abusando da sua posição dominante. Porém, através da fundação que gere com a sua mulher, também é capaz de partilhar a sua imensa fortuna em projectos filantrópicos que pretendem erradicar doenças e epidemias, nas zonas mais fustigadas do planeta. Mas sempre que as oportunidades de negócio se oferecem, sempre que as “janelas” se abrem, não deixa os créditos por mãos alheias, indo tão longe quanto possível, não cedendo um palmo dos “territórios” conquistados, nem mesmo quando fica a braços com acções judiciais, acusando-o de práticas monopolistas, que secam tudo à sua volta. Numa área que exigia a ponderação de soluções alternativas (que já existem) ao domínio planetário da Microsoft, e uma prudente diversificação de opções, o governo, deslumbrado com a presença do homem mais rico do mundo, não pensou duas vezes. Entregou-se de olhos fechados e com um sorriso parolo nos braços do “mago” de Seattle. Resumindo: Bill Gates, como implacável homem de negócios que é, não vem dar nada a Portugal, tendo-se limitado a estabelecer protocolos e acordos para que a sua empresa ministre a tão desejada formação em tecnologias de informação, de que o país carece, passando depois a usufruir das dependências instaladas e recolhendo os respectivos lucros.

sábado, janeiro 28, 2006

Porque Será?


Porque será que tantas pessoas, desde ministros, secretários de estado, economistas, comentadores e jornalistas, quando se referem às iniciativas que vão sendo tomadas, para supostamente desenvolver o país, optam sempre por falar em APOSTAS, quando o que precisamos são de PROJECTOS?
Será isto alguma deformação provocada pelo sucesso do Euromilhões?

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Sete Quadras


À porta da igreja matriz
Dizem que estamos de tanga
Chega o padre mais o juiz
Mandam tocar a charanga

Vem depois o regedor
Logo atrás a meretriz
Vem disfarçado o cantor
Mais o ministro e a actriz

À sombra da igreja matriz
Todos esperam um milagre
Dizem o barbeiro e o petiz
Que o vinho virou vinagre

Toca o sino rezam as gentes
Anda tudo aos encontrões
Pede-se chuva entre dentes
E mais uns quantos tostões

No fundo da igreja matriz
Há três poços de ilusões
Só que estar bem e feliz
São sonhos do euromilhões

Cantam-se ave-marias
Já lá vem o sacristão
Racha lenha o Malaquias
P’ra trocar suor por pão

No adro da igreja matriz
Dizem que estamos de parra
Pois se isto não é um país
Talvez seja a grande farra

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Os Medos


Em 1955, no rescaldo da guerra da Coreia e da sanha “macartista”, quando ainda vinha longe a guerra do Vietname, e outros tantos conflitos em que os EUA se envolveram posteriormente, o economista brasileiro Olympio Guilherme, no seu livro intitulado “URSS & USA”, escreveu algumas curiosas linhas sobre a mentalidade do povo norte-americano, as quais passamos a transcrever:

“Nos Estados Unidos tive a impressão de que o medo domina quase todos os espíritos. Paira no ar uma nuvem negra de temores e apreensões. O americano de hoje vê fantasmas em toda a parte, pressente a aproximação de um desastre que pode estoirar amanhã, hoje mesmo, talvez daqui a instantes. É o complexo de Pearl-Harbour. Ninguém confia em ninguém. Quando se fala sobre a Rússia, no meio de uma palestra em que a referência surge naturalmente, como uma consequência lógica do raciocínio, todo o mundo baixa a voz ou se cala, entreolhando-se com suspeita mal disfarçada. Há delatores em cada canto. A Rússia passou a ser um tabu, sobre o qual não se discute a não ser para repetir, com ênfase mecânica, os chavões cediços da propaganda estereotipada, que acabou por envenenar todo um povo sensível à sua influência e sem a necessária cultura para possuir qualquer dose de discernimento sobre assuntos de política internacional, muito acima da sua compreensão (…) Essa campanha conseguiu infiltrar-se, até, entre os espíritos mais esclarecidos, e, com raras excepções, entre a sua “elite” mais culta, onde estabeleceu confusões sumamente desastrosas para o equilíbrio da orientação que essas mesmas “elites” são chamadas a imprimir na opinião pública”.

Já correram 60 anos sobre estas palavras, no entanto, elas mantêm-se tão válidas e actuais como se tivessem sido redigidas ontem. Para que isso seja apreendido, basta substituir, respectivamente, as expressões Pearl-Harbour por 11 de Setembro, e a Rússia pelo Islão, provando que o povo americano, de lá para cá, aprendeu muito pouco, continuando a deixar-se manipular por quem realmente beneficia com os medos e papões que são largados à solta.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Formas de Vida


A vida é um processo tão bizarro, inesperado e interminável, e são tantas as suas formas, que é como se tivéssemos apenas o conhecimento de um único grão de areia, entre todos os que existem nos vastíssimos areais do universo.

A Luz e o Abismo


José Sócrates não procura o diálogo nem os consensos. Já era conhecida a sua propensão para o autoritarismo, e ele próprio, em entrevistas, já se havia classificado com “um animal feroz”, denunciando um perfil de intransigência e agressividade. Prefere a via da confrontação, afrontando tudo e todos, abrangendo uma larga faixa que vai da administração pública, até ao sistema judicial, polícias e militares, mas deixando com livre-trânsito quem continua de facto a contribuir para a depauperação do país. Por outro lado, e frente às dificuldades que parece estar longe de controlar, escolheu injectar o pânico no subconsciente das pessoas. Que melhor remédio haverá para calar as vozes da indignação e fazer recuar os espíritos rebeldes, do que ameaçar com um futuro negro, um abismo ao virar da esquina, em consequência da perspectiva de falência, a curto prazo, da segurança social?
Levando à prática o que Durão Barroso e Santana Lopes nunca se arriscaram a materializar, vamos ser brindados com a versão envergonhada de um novo modelo de bloco central, com o poder partilhado entre um governo liderado pela facção “tatcherista” do PS, e uma presidência de direita do PSD/PP, suportada pelos grandes interesses económicos e financeiros, afinal, com objectivos não tão distantes e inconciliáveis, como poderá parecer à primeira vista. Longos e tristes dias se avizinham!
Embora noutro estado e com outros cambiantes, mantêm-se os vícios e aberrações da má governação. De paixões e promessas irrealizadas, passando por pântanos e tangas, temos tido de tudo. Ao desvario circense de um Santana Lopes, sucede-se a deriva prepotente de José Sócrates, disparando em todas as direcções, sem alvos prioritários nem uma estratégia que liberte o país do amplexo que o mantém na senda do declínio.
Onde muitos vêem a determinação que tem faltado aos políticos, eu vejo uma determinação que faz recair sobre os justos a factura de governações despropositadas, avulsas e sem profundidade. Em todo o aparelho de estado e da administração pública continua a imperar (agora com outras cores) a falta de decência e transparência, a anarquia e redundância nas competências, as estruturas inoperacionais, a organização disfuncional e a epidémica ausência de responsabilização.
Quem ouve falar os ministros da cultura, da economia, da agricultura e pescas, e mais uns quantos secretários de estado, logo percebe porque se diz que continuamos a “arrastar a quilha pelo fundo”. Debitam umas quantas alarvidades, banalidades e lugares comuns, enunciam um punhado de “apostas” para tirar o barco do atascanço, garantem que vão “tomar medidas”, dizem umas mentiras pelo meio e desandam de peito inchado, convencidos que a missão ficou cumprida e que já se vê a luz ao fundo do túnel.
Na verdade, os vícios de uma governação que navega à vista, mais as derivas de um orçamento despótico e canibal, continuam a fazer recair sobre os contribuintes e os trabalhadores, a responsabilidade de equilibrar, o que outros insistem e persistem em desequilibrar. São muitos os políticos que se acotovelam para propagar a ideia, transformando-a em verdade absoluta, de que o país está mal e não descola da crise endémica em que se arrasta há anos, porque os trabalhadores têm regalias a mais, descansam demais, têm protecção a mais, e espante-se, até talvez ganhem demais. É altura de os cidadãos começarem a perceber que, para além de serem os amortecedores e únicos pagadores de tudo o que de bom e mau, se faz e não faz no país, também continuam a ser os “bodes expiatórios” por excelência, de todos os males e fantasias congeminadas por uma casta de governantes de terceira escolha, incapazes de gerir a sua economia doméstica, quanto mais um ministério ou o país.
Mantendo-se incólumes as estruturas corrompidas, decadentes e inoperativas, mantendo-se os compadrios e intocadas as incompetências instaladas, é cada vez mais evidente que o futuro, do cinzento carregado passará ao negro. A alternância entre a imagem do abismo e da claridade ao fundo do túnel tem os dias contados, porque o saco está recheado de patranhas e a paciência tem limites. Estruturar, organizar e responsabilizar são as três acções prioritárias para mudar este curso, que a manter-se, só poderá fixar, em definitivo, o caminho para o abismo.

domingo, janeiro 22, 2006

O Anticiclone


O ambicionado plano tecnológico, inicialmente referido por José Sócrates como o “choque” tecnológico, e desde a primeira hora apontado como uma referência incontornável, que iria colocar Portugal no pelotão da frente, nasceu mal e continua a andar de mão em mão. Já vai no terceiro coordenador, e agora, o primeiro, que se tinha demitido, por discordâncias com a forma como o plano era conduzido, resolveu chamar as coisas pelos nomes, questionando em público o primeiro-ministro, sobre um tal protocolo com o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que tinha por objectivo a investigação aplicada e desenvolvimento de tecnologias, envolvendo um vasto leque de universidades e empresas, e vocacionado para aplicação dos resultados nestas últimas, e que andaria a marinar há largos meses pelas secretárias dos ministros, sendo que um deles lhe era particularmente hostil. José Sócrates, visivelmente incomodado com a interpelação, e conhecidas que são as suas reacções epidérmicas, algo violentas e ruidosas, disparou a matar: disse que o tal projecto irá para a frente e será anunciado quando o governo muito bem entender, e não por iniciativa e pressão de um qualquer funcionário público, esquecendo-se que também ele é funcionário público. Com esta saída, sinal de manifesta prosápia e má educação, não só tentou humilhar o interpelante e ex-coordenador Prof. Dr. José Tavares, mas também todos os funcionários públicos do país, tentando relegá-los para o lugar das coisas banais, dispensáveis e sem importância.
Enfiando a carapuça de ser o tal ministro adverso ao projecto MIT, Mariano Gago saltou para a ribalta dos telejornais e veio dizer, com manifesta inabilidade, que as afirmações do ex-coordenador não passavam de falsidades, mais graves ainda pelo facto de serem veiculadas por um bolseiro pago pelo estado português (cala-te ou cortamos-te a mesada), ao que o Prof. Dr. José Tavares contrapôs com a exibição de provas documentais, que se necessário for, trará a público. Habituados como estamos a que o governo apenas funcione por estímulos, vamos aguardar os próximos capítulos deste episódio. Quanto ao Prof. Dr. José Tavares, é motivo de inspiração para todos os portugueses. Desde o memorável “obviamente demito-o!” que o general Humberto Delgado soletrou, referindo-se a Salazar, que não via quem fosse tão corajoso, afrontando o poder, cara a cara e com todas as letras, provando que a força da razão será sempre mais forte que a razão da força.
No pólo oposto, temos o Instituto de Meteorologia (com a tutela do mesmo ministro Mariano Gago), cuja administração decidiu instalar, em tempo recorde, um sofisticado e complexo sistema de acessos e controle de presenças, que chega ao ponto de utilizar as tecnologias de ponta de controlo biométrico de impressões digitais, como se estivéssemos a falar das instalações do SIS, de um ministério da defesa ou dos negócios estrangeiros. Foi gasta, sem pestanejar, uma verba de aproximadamente 55.000 euros (11.000 contos), numa instituição que, por força das limitações orçamentais, tem vindo a cortar no papel higiénico, nos tinteiros e papel para as impressoras, e sobrevive com estações meteorológicas inoperacionais e outras coisas mais. Neste caso, uma versão popularucha do choque tecnológico, a roçar a paranóia securitária, não encontrou entraves, talvez porque o anticiclone dos Açores corra o risco de sequestro.
Da administração do Instituto de Meteorologia não se podia esperar mais. A sua iniciativa não foi além da constatação da necessidade premente de instalar uns quantos torniquetes e câmaras de vigilância, produzir alguns cartões, passes e autorizações para perto de 250 funcionários, e quem não sabe mais do que isto, a mais não é obrigado. Em última instância, quem de facto é responsável, foi quem nomeou tais eminências para gerir os destinos da meteorologia nacional, subscrevendo sem pestanejar, esta ridícula parcela do tal “choque tecnológico”, como um contributo para transformar Portugal numa moderna sociedade do conhecimento.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Cavaco


É um político medíocre. É um economista medíocre. Se chegar à presidência da república, não destoará: será o presidente de um país que, graças ao trabalho persistente de muitos outros cavacos, se vai tornando cada vez mais medíocre.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Deus Pagão


Este Neptuno, o congénere romano do grego Poseidon, deus dos mares, filho de Saturno, irmão de Júpiter e de Plutão, é da autoria do escultor Machado de Castro (1731-1822). Na sequência do terramoto de 1755, que destruiu grande parte do Chiado e da Freguesia dos Mártires, e aquando da reconstrução pombalina, foi edificado no topo da actual Rua Garret, o monumental Chafariz do Loreto, o qual foi ornamentado com a referida estátua. Depois disso Neptuno deambulou por outras paragens. Teria sido arrumado no Museu Arqueológico do Carmo, mas os anos 50 do século passado vieram encontrá-lo a reinar sobre as águas de um lago, no centro da Praça do Chile. Depois disso, todo o conjunto foi transplantado para o Largo de D. Estefânia, onde ainda hoje permanece.

sábado, janeiro 07, 2006

Santos e Pecadores


Já conhecíamos a veia polémica de Ribeiro e Castro, depois de aquele ter afirmado que o terrorismo era sempre induzido pelas ideologias de esquerda, mas agora a sua inspiração foi mais longe, descendo ao pormenor de afirmar que Ernesto “Che” Guevara foi, nem mais nem menos, um dos grandes assassinos do final do século XX.
A exibição de um raciocínio deste tipo exige sempre que invoquemos o seu contrário. Quando falamos do branco, logo o negro nos salta ao caminho. Quando ficamos cercados pelo frio, logo a languidez do calor vem disputar os recantos da nossa imaginação, ao passo que, ao conceito de grande molestador, bárbaro e genocida, contrapõe-se sempre a ideia de uma grande alma, casta, benfeitora e farta de pureza.
Nesta ordem de ideias e com tais rasgos de grande justiceiro, ao Castro apenas faltará mover as competentes influências, no sentido de serem iniciados os processos de beatificação, por manifestos actos de santidade e piedosa benemerência, de um punhado de figuras gradas do tal século XX, com quem a Humanidade se tem enternecido, e da qual é devedora, por ideias e actos redentores da “civilização”, entre as quais se incluem Adolfo Hitler, Francisco Franco, Suharto, Idi Amin Dada, Augusto Pinochet, Mobutu Seseseko, François Duvalier e Phol Pot, todos eles gente de primeira água, de uma lista bem mais extensa. Monstro, monstro, foi o tal carniceiro “Che”, e não os seus contrários, como os devotos Baptistas, Somozas, Videlas, Stroessneres e quejandos, todos homens de paz, progresso e prosperidade, cujo vermelho com que encharcaram os seus países, não era sangue, mas apenas umas torpes confusões de esquerdistas daltónicos.
Senhor de tais dotes de cruzado, fico a aguardar que o tal Castro se suplante a si próprio, não sem que vá deixando aqui uma advertência. Não basta considerá-lo apenas como mais um combatente doméstico do “eixo do mal”, um educador de pacotilha, uma anomalia ou um trágico cómico de serviço, porque haverá sempre quem o leve a sério. Basta recordar que o próprio Francisco Franco, à sombra de Guernica e dos pelotões de fuzilamento, se proclamava caudilho de Espanha “pela graça de Deus”, havendo muitos que acreditavam piamente nele, com os tenebrosos resultados que se conhecem.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Represálias à Portuguesa


As empresas, ao processarem os vencimentos dos seus trabalhadores, descontam-lhes o respectivo IRS. Os trabalhadores chegam ao fim do ano e fazem as respectivas declarações, em conformidade com o que lhes foi retido na fonte. Como descontaram mais do que o devido, têm direito a ser reembolsados, porém, as Finanças não procedem a algumas dessas devoluções, porque as empresas continuaram a reter, indevidamente, as verbas de IRS descontadas aos trabalhadores (algumas chegam mesmo a apropriar-se desses valores), não efectuando a respectiva entrega ao Estado.
Moral da história: paga o justo pelo pecador.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Pontos nos is


Quando os políticos, por tudo e por nada, enchem a boca com a palavra democracia, isso é sinal evidente de que aquela está a ser corrompida. “Estamos a prestar um serviço à democracia”, dizem eles, quando na realidade estão a prestar serviços a si próprios e aos seus amigos. A democracia não precisa que lhe dediquem serviços. Sustenta-se e enobrece-se a si própria, pelo bom uso que dela fazemos. É isso sim, um instrumento através do qual se prestam serviços às comunidades e aos países, e não um pretexto para que certos políticos, escudando-se atrás dos veredictos eleitorais, simulem estar a representar e a defender os interesses de quem os elegeu. Prova disso são as promessas incumpridas ou concretizadas às avessas. Na verdade, estão a negociar as suas carreiras, ao mesmo tempo que estreitam relações e fazem favores a outros poderes, entre os quais o poder económico e financeiro.

Quando a palavra de ordem é “aproveitar enquanto é tempo” e “salve-se quem puder”, e já muito poucos se impressionam, indiferentes ao grande lamaçal que vai alastrando, isso é porque há um país que está a agonizar, entre risos, patranhas, embustes, falta de pudor, um galão e uma torrada, concursos na TV e férias a crédito. Primeiro perde-se a dimensão e sentido da realidade, depois a vergonha. Perde-se depois a independência económica, e por último a independência política.

Já ninguém se indigna quando o homem mais poderoso da Terra declara que iniciou uma guerra com um saldo de 30 mil mortos, por um erro de informação. Quem isto escreveu foi Eduardo Lourenço, ensaísta português.

Por cá, os médicos das urgências vão passar a receber à peça, tratando doentes como quem vende cosméticos, porta-a-porta e à comissão.

Recapitulemos

Primeira Arte - Dança
Segunda Arte - Teatro
Terceira Arte - Música
Quarta Arte - Literatura
Quinta Arte - Pintura
Sexta Arte - Escultura
Sétima Arte - Cinema

O artista, seja ele pintor, escultor, músico, poeta, escritor, fotógrafo ou realizador de cinema, sempre foi, e será, um manipulador dos meios de expressão que tem ao seu alcance. A finalidade da arte está em que as pessoas se sintam e deixem ser manipuladas, sem que isso afecte a sua liberdade, o seu discernimento e o seu livre arbítrio.

domingo, janeiro 01, 2006

Novo Caderno


Será que o melhor dos mundos está limitado a ser o mundo que é possível ter? NÃO! Também nada nos diz que não se deva dar vida às línguas mortas. A frase latina GUTTA CAVET LAPIDEM, significa em bom português que a água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Por isso, deixemos as palavras correrem e fazerem o seu trabalho.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Com Todas as Letras


Diz a sabedoria popular que não há fumo sem fogo, e quando começa a transpirar para o domínio público que existe a intenção de avançar com a privatização da água, é altura de começarmos, não a ficarmos preocupados - porque essa atitude já deveria vir de longe - mas genuinamente indignados.
O poder, porque é protagonizado pelos humanos (o tal sujeito do Fenómeno Humano do padre Pierre Theilhard de Chardin) e seus desígnios, tanto é capaz de gerar as mais justas e legítimas soluções para a civilização e o bem-estar social, como as mais vis das condições ou a mais abjecta das torpezas. Depois da privatização dos (maus) cuidados de saúde, arrisca-se agora a ideia de uma hipotética privatização da água, assim como se poderá falar amanhã da entrega da administração pública à iniciativa privada, da venda em hasta pública dos monumentos nacionais, das praias e da orla marítima, ou da instauração de um imposto sobre o consumo do ar. Não há nada como começar a falar no assunto, banalizando-o, para que a ideia ganha raízes e adeptos, dissipando assim o estigma do escandaloso.
A minha revolta e indignação exigem que termine este comentário (e talvez este ano), tomando de empréstimo a expressão que José Saramago usou num dos seus Cadernos de Lanzarote, para rematar uma situação similar:
- E se fossem privatizar a puta que os pariu…

sábado, dezembro 10, 2005

A Cadeira de Seis Pernas



Uma cadeira de seis pernas é um objecto difícil de descrever, se não for acompanhado de um esboço clarificador, como o que juntamos a este artigo. Tiradas as dúvidas, falta saber para que serve esta curiosa peça de mobiliário. É simples: é sempre utilizada pela mesma pessoa, umas vezes com responsabilidades governativas, nesse caso sentando-se do lado A, outras vezes como sócio de um escritório de advogados, e nessa função sentando-se do lado B. Exemplifiquemos: quando o protagonista estava sentado do lado A, isto é, com funções governativas, tinha que assegurar os interesses do Estado e do país, contra as pretensões de uma empresa de nome Eurominas, ao passo que quando se sentava do lado B, tinha por objectivo lutar pela garantia de satisfação das exigências dessa mesma Eurominas, mesmo que do outro lado estivesse o tal Estado, em cujo governo servira, sentado do lado A.
Explicadas as curiosas e múltiplas funções da cadeira de seis pernas, passemos aos factos.

Em 1974, ainda antes do 25 de Abril, o governo de Marcello Caetano atribuiu uma concessão de exploração de ligas de manganês, ao grupo francês Pechiney, com a cedência de terrenos e energia eléctrica a preços simbólicos, para a instalação da empresa Eurominas.
Em 1986 a EDP altera o custo das tarifas de electricidade, o que não é aceite pela Eurominas. Como não se chega a qualquer acordo, a empresa suspende o fornecimento de energia, levando a que a Eurominas decida interromper a laboração.
Em 1995, perante a cessação da actividade, o governo de Cavaco Silva assina um decreto que faz reverter para o domínio público os terrenos e instalações da Eurominas, sem direito a qualquer indemnização.
A Eurominas desencadeia acções judiciais contra o Estado, com vista a ser ressarcida de tal decisão, exigindo uma indemnização de 16 milhões de contos, ao mesmo tempo que efectua contactos com o recém-empossado governo de António Guterres.
O ministro António Vitorino recebe a incumbência de negociar com a Eurominas. Em 2001, contrariando a decisão do governo de Cavaco Silva, e sem nunca ser revogado o decreto que lhe deu origem, o executivo do PS, num acordo extra-judicial, decide conceder à Eurominas uma compensação de 2,3 milhões de contos, em troca do abandono das acções judiciais movidas contra o Estado e da reivindicação de direitos sobre os terrenos e instalações abandonados.
O ministro João Cravinho e o Tesouro, baseados em vários pareceres, recusam-se a pagar a dita indemnização, argumentando não existir enquadramento legal para tal encargo. Só em Outubro o Ministério das Finanças autoriza o pagamento, tendo que recorrer, para o efeito, a uma interpretação muito livre e flexível do primitivo decreto-lei de 1974, da lavra do governo de Marcello Caetano.
Até 2003 o pagamento é efectuado em três tranches. Sabe-se agora que nas negociações esteve envolvido um escritório de advogados, detido por António Vitorino, José Lamego e António Costa, sendo que os dois primeiros, repartiam a sua actividade entre o governação e a actividade no dito escritório, isto é, ocupando alternadamente a tal cadeira de seis pernas, umas vezes como negociadores por parte do Estado, outras vezes como defensores dos interesses da Eurominas.

Assim se explica para onde vai o dinheiro dos contribuintes. Assim se delapida o património português, desde o material até ao moral. Assim se vai percebendo porque vamos de mal a pior, e isso nada tem a ver com produtividade, competitividade e as outras balelas do costume. Há suspeitas de favorecimento, e sabe-se lá de mais o quê. O assunto vai baixar a uma comissão de inquérito da Assembleia da República, que esperemos faça a sua obrigação e chegue a conclusões dignas de nota. Até lá vai continuar a passear-se por aí muita gente séria, excepto quando não se estão a rir de nós...

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Reino dos Céus


O cardeal Grocholewsky, numa carta que enviou aos padres da comunidade católica, na sua qualidade de responsável pela Congregação para a Educação Católica, exprimiu-se com uma curiosa analogia. Na opinião deste prelado, assim como as pessoas que sofrem de vertigens não podem aspirar a ser astronautas, também a ordenação de padres está vedada a homossexuais. Na sua preocupação de defender o indefensável, fez confusão entre uma orientação sexual, que tem a ver com as humanas preferências, e certas perturbações do equilíbrio, localizadas nas células sensitivas do ouvido interno. Indo um pouco mais longe, é como dizer que no exercício da medicina, as mulheres devessem estar impedidas de se especializarem em ginecologia, pois isso seria um sinal evidente de apetência por pessoas do mesmo sexo.
O recurso a tais argumentos, demonstram bem que tanto este cardeal como o seu Vaticano, insistem em não terem os pés assentes na terra.