quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Três Repúblicas



A instauração do regime republicano em Portugal está quase a fazer um século de vida, tendo sido marcado por três períodos, cada um deles com a sua identidade própria. É certo que o mundo evolui, as condições da sociedade de há cem anos não são as mesmas de hoje, a História não se repete, porém, a propensão para tropeçar em erros do mesmo tipo, continua a ser uma constante da natureza humana, sobretudo quando se fica indiferente ao capital de experiência acumulada. Por isso, convém recordar a advertência formulada por George Santayana, quando afirmou que se não tirarmos algumas lições do passado, corremos o risco de voltar a repeti-lo. Hoje, quase 32 anos depois da restauração da democracia com a Revolução do 25 de Abril, e quando há tantas vozes a apregoarem que o regime entrou em crise, seria útil, antes de propor a terapêutica, elaborar um diagnóstico, radiografando o nosso processo histórico, em busca das causas profundas para o nosso actual estado de desalento.
Bem vistas as coisas, sempre fomos melhores gastadores que investidores. Após o grande crescimento provocado pelos descobrimentos, iniciados no século XV com a dinastia de Avis, a riqueza gerada pelo comércio com as Índias e o Brasil, em que a coroa era o grande beneficiário e administrador, não teve uma aplicação notória, porque faltava gente preparada para gerir e multiplicar a riqueza. Demos novos mundos ao mundo, mas quem disso se aproveitou foram os outros, até que, pouco a pouco, e pelas mais variadas razões, acabámos em Álcacer-Quibir e anexados por Castela, abraçados a um “sebastianismo” redutor.
Sessenta anos depois, e apesar de restaurada a independência em1640, iniciou-se com Portugal um longo e lento processo de declínio, que se veio estendendo até aos dias de hoje. No reinado de D.João V, o ouro que vinha do Brasil foi usado para satisfazer a megalomania e a ostentação real, como a construção do convento de Mafra e a transformação do país numa espécie de palco de uma grande ópera sacra, em que a Igreja era o actor principal. As prioridades da realeza tinham muito a ver com os seus hábitos e desejos sumptuários, e nada a ver com a valorização e beneficiação do país. Excepção deste estado de coisas foi o reinado de D.José e do seu todo-poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), cultor do despotismo esclarecido, que a par do reforço do poder régio, com a perseguição das vozes e poderes dissonantes, além de reconstruir a Lisboa mártir do terramoto de1755, se abalançou a modernizar o país, equipando-o com indústrias, das quais muitas foram sobrevivendo até aos nossos dias. Porém, eram também muitos os “estrangeirados”, como D.Luís da Cunha, Luís António Verney e outros, que viviam longe do provincianismo lusitano, das arremetidas da Inquisição e do cheiro a carne queimada dos autos-de-fé. Portugal era um deserto onde não havia políticos, nem economistas, nem educação, e os poucos homens de letras, sábios e cientistas que havia, apenas tinham oportunidade de trabalhar em relativa tranquilidade, obtendo estímulos e reconhecimento nos exílios forçados, longe do país, aliás, condição que continua a verificar-se nos dias de hoje, embora com outras motivações. Nos últimos 500 anos da sua história editorial, Portugal sofreu 420 anos de censura, iniciada com as reais mesas censórias e os autos-de-fé da Santa Inquisição, e a acabar nas rasuras do lápis azul dos Serviços de Censura do Estado Novo e nas apreensões da polícia política, concluindo-se que a publicação de livros em Portugal foi uma actividade cultural levada a cabo com uma taxa de repressão de 84 por cento. Isso explica porque é que os movimentos e as novas ideias que eclodiram além fronteiras, ou chegavam demasiado tarde, ou nunca chegavam, porque é que predominava o analfabetismo e se glorificava a ignorância e a pobreza de espírito, com as vidas ocupadas exclusivamente com a sobrevivência. Isso acaba por explicar também porque temos, na actualidade, 1 milhão de analfabetos, o que correspondente a 9% da população do país, isto sem contar com o analfabetismo funcional e a iliteracia, agravando-se o precoce abandono escolar, causa primeira da baixa qualificação da população e de um atraso congénito. Progressivamente, ia-se desinvestindo nas pessoas, deixando grassar a ignorância, a desqualificação, a boçalidade. Num país eminentemente agrícola, os portugueses limitavam-se a serem pagadores de impostos, arrebanhados aos campos, para as obras que entretanto se iam fazendo, ou para as toscas e indisciplinadas fileiras do exército, quando era preciso travar alguma guerra. Quanto aos outros, que por uma razão ou outra, ficavam fora deste esquema, que se amanhassem.

A primeira República, organizada à volta de um regime eminentemente parlamentar, durou perto de 16 anos e iniciou-se com a implantação da república no dia 5 de Outubro de 1910. Era uma época em que a monarquia, com o regicídio ainda fresco na memória de todos, tinha atingido o ponto mais alto do descrédito, tornando-se incapaz de gerir crises, encontrar soluções e consensos. Naquele dia, a instauração da república esteve a um passo de não se concretizar, por demasiado improviso e falta de coordenação. Quando os revoltosos republicanos, descrentes do sucesso, já debandavam às mãos cheias das barricadas da Rotunda, convictos que a sua aventura havia fracassado, porque o exército se demarcara do golpe e o seu comandante se suicidou, o impensável aconteceu: a família real, com as malas já feitas, decidiu, pelo sim, pelo não, abandonar Portugal, rumo ao exílio em Inglaterra. O poder não caiu na rua. A queda da monarquia acabou por ser uma das mudanças de regime mais pacíficas e indolores que se conhecem, chegando a instauração do novo regime a ser divulgado, nos locais mais recônditos do país, através do telégrafo. Entre incrédulo e atabalhoado, o impreparado aparelho republicano acabou por ocupar o vácuo criado, mas a ambição de poder era desmedida, de tal modo que, num curto espaço de tempo, o antigo grande Partido Republicado acabou por se pulverizar numa miríade de novos partidos, alguns deles bem insignificantes e quase nada representativos.
Desta primeira experiência republicana, em que o país de viu liberto de uma monarquia moribunda e ineficaz, ficou-nos um período algo turbulento, de ânimos exaltados, fruto de um novo regime que experimentava, pela primeira vez, o pleno usufruto do poder, muito embora os seus principais protagonistas já houvessem passado pelas instituições da monarquia constitucional. O aspecto mais marcante deste primeiro período republicano foi o extremo anti clericalismo, que culminou na expulsão das ordens religiosas e a nacionalização dos bens da igreja.
A monarquia havia negligenciado o estado educacional e cultural do país, em benefício de iniciativas de cariz material, como sejam a implantação da rede de caminhos-de-ferro e alguns troços de estradas. A monarquia preocupava-se com as coisas, ao passo que a república, pelo contrário, interessava-se pelas pessoas, criando o Ministério da Educação Pública, promovendo a instalação de centros de ensino e fazendo da disseminação da educação básica uma grande causa.
O excessivo peso institucional do Congresso na vida política do país, e uma permanente anarquia parlamentar, que fazia e desfazia governos entre surtidas monárquicas, arruaças bombistas, tiroteio, assassinatos e revoluções palacianas, foi a característica mais marcante da vida política da primeira república. Portugal era, entre os principais países da Europa, recordista em instabilidade parlamentar, presidencial e governamental, levando a que começasse a grassar o abstencionismo junto do eleitorado, não como censura ou rejeição do jovem regime propriamente dito, mas sim fruto de promessas incumpridas, múltiplas traições e desilusões protagonizadas pelos políticos, que facilmente esqueciam ser a governação a sua principal função. Aqueles consumiam todas as suas energias nas guerrilhas entre partidos adversários, e também nas lutas internas e interesses mesquinhos dos seus próprios partidos, e não a encontrarem soluções para as muitas carências do país e da população. Em dezasseis anos de regime republicano houve sete eleições para o Parlamento, oito para a Presidência da República e quarenta e cinco ministérios, com estes últimos a terem uma duração média de escassos quatro meses. O Parlamento, órgão que interferia em todos os detalhes da vida governativa, se por um lado constituía um poderoso travão às ambições e um filtro da corrupção política, mantendo a governação sob permanente controlo, por outro, apresentava-se como um permanente foco de instabilidade, fazendo cair ministérios, quantas vezes por questões menores e insignificantes.
O país acabou ainda por se envolver na fase final da Primeira Grande Guerra, por força dos compromissos que a aliança com a Inglaterra impunha, bem como a salvaguarda da integridade do seu império colonial, por um lado ameaçado pelos alemães, e por outro, sujeito a uma eventual partilha, caso a derrota dos alemães se concretizasse. Esta intervenção foi levada a cabo por um corpo expedicionário de 50.000 homens, indisciplinados e mal preparados, que foram despejados nos campos de batalha da Flandres em 1917. Lançados no braseiro e enfrentando as divisões alemãs, esta intervenção acabou por se traduzir em 6.000 prisioneiros, 7.000 mortos, inúmeros estropiados e gaseados, e deixando os cofres públicos vazios. De crise em crise e com ditaduras de permeio, o regime sobreviveu mais oito anos, até que sobreveio o golpe militar de 28 de Maio de 1926, capitaneado pelo general Gomes da Costa, que redundou, durante os dois primeiros anos, numa ditadura militar, resvalando depois para a ditadura do Estado Novo.

A segunda República, foi um período marcado pela ditadura de Oliveira Salazar, um professor de finanças, que se arvorou em salvador da pátria e edificou um regime que baptizou de Estado Novo. Grassou durante 48 longos anos, e caracterizou-se por uma inquestionável estabilidade governativa, própria dos governos autoritários. Teve 3 Presidentes da República (Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás) e 2 governos, o primeiro, o mais longo de todos, conduzido com mão de ferro pelo todo-poderoso Prof. Salazar, e o último, pelo Prof. Marcello Caetano, que fora em tempos delfim do ditador, e que assumiu as funções, quando o primeiro, física e mentalmente incapacitado por um acidente, foi retirado de funções. Tal estabilidade governativa foi feita à custa do cerceamento das liberdades fundamentais e da instauração de um regime que se arrogava ser, para consumo externo, uma “democracia orgânica”, mas que na realidade não passava de um simulacro caricatural do sistema democrático. Cá dentro grassava um estado policial e repressivo, onde o essencial era saber ler, escrever, contar, rezar e trabalhar sem questionar. Ter acesso a mais altos voos era um privilégio a que muito poucos tinham acesso, sobretudo depois de manifestarem, por obras e pensamentos, a sua inquestionável fidelidade ao regime.
Os actuais adeptos do longo consulado salazarista esforçam-se por apagar tudo o que diga respeito ao estado policial-fascista que foi erigido, adaptado do modelo orgânico e institucional de Mussolini e da máquina repressiva do III Reich alemão. Preferem enaltecer outras iniciativas do regime, tais como sublinhar o meritório esforço que o ditador despendeu a equilibrar as contas públicas (o tal défice todo-poderoso) e a promover a acumulação de reservas de ouro, para arrancar o país à extrema pobreza e ao atraso em que a 1ª. República o deixara, objectivo que não concretizou, mascarando-o com uma paz e a segurança feita à custa da limitação das liberdades. Na verdade, o povo pouco mais ganhou que a segurança das prisões e a paz dos cemitérios. Por outro lado, teríamos ficado a dever-lhe também a manutenção do país ao abrigo de todas as consequências geradas pela Segunda Guerra Mundial, não sem que antes disso, em 1936, haja apoiado descaradamente o pronunciamento e a guerra civil espanhola, desencadeada pelo futuro ditador Franco. A vizinhança da novel República Espanhola era coisa que não lhe interessava, já que esta poderia tornar-se uma potencial exportadora para Portugal das "perigosas" ideias e práticas políticas que o Estado Novo estava tão empenhado em erradicar. Na altura da Segunda Guerra Mundial, momento alto em que as democracias se confrontaram com os fascismos, optou por escudar-se numa conspícua e bizarra neutralidade, porque ao envolver-se no conflito, estaria a comprometer os seus desígnios. Salazar era astuto, tinha um projecto pessoal de poder e sabia que só o poderia levar à prática com sucesso, se isolasse o país, disciplinando e silenciando as suas vozes e pensamento. Não queria partilhar esse projecto com ninguém, nem tão pouco tolerava que alguém nele se viesse intrometer. Desde o primeiro momento que pisara os corredores do poder, Salazar sabia o que queria, e para onde ia. O objectivo era submeter o povo à autoridade secular e religiosa, com padrões mínimos de instrução, sem ambições, reduzido à condição de força de trabalho humilde, domesticada e quase-forçada, arredado das ideias e opiniões contrárias ao regime, por uma impiedosa e castradora censura dos meios de comunicação social, permanentemente vigiado e reprimido pela polícia política, que se encarregava de distribuir os adversários políticos do regime, pela colónia penal do Tarrafal, e as prisões do Aljube, Caxias e Peniche.
A riqueza que entretanto ia sendo acumulada pouco ou nada tinha a ver com um tecido económico dinâmico, gerador de riqueza e de trabalho. As grandes fortunas iam-se fazendo à custa da exploração desmedida que o mossuliniano Estatuto Nacional do Trabalho permitia, ao mesmo tempo que o país ia vivendo de uma pseudo-indústria de turismo, do investimento estrangeiro e dos monopólios que estavam nas mãos de meia dúzia de famílias. Em vez de abrir o país ao desenvolvimento e progresso, deixou que o país se fosse exaurindo na exportação de mão-de-obra, através das sucessivas vagas de emigração, vindo depois a encherem-se os cofres do estado com as remessas dessa mesma emigração, num simulacro de prosperidade. As grandes conquista, descobertas, escolas e ideias que irrompiam pelo mundo fora, apenas nos afloravam, quase como meras curiosidades, dissimuladas por entre alguma informação filtrada que ia chegando até nós, importada de forma clandestina. Eleições era uma matéria rigorosamente controlada pelo aparelho repressivo e policial, não deixando que as mensagens oposicionistas chegassem aos destinatários, nem que as urnas fornecessem surpresas. Já em 1948 havia ocorrido um primeiro sobressalto com a candidatura oposicionista de Norton de Matos, mas foi nas eleições presidenciais de 1958, quando se apresentou como candidato da oposição o general Humberto Delgado, um “desertor” das fileiras do Estado Novo, que o regime tremeu. Foi tal o susto (Delgado teria ganho as eleições, caso a sua candidatura não houvesse sofrido toda a espécie de obstruções e os resultados não tivessem sido manipulados) que de imediato o regime procedeu a uma alteração constitucional, acabando com o sufrágio universal do presidente, e deixando a sua eleição/nomeação entregue à assembleia nacional, totalmente dominada pelo regime, travestida das funções de cinzento colégio eleitoral, para o cumprir as futuras investiduras. Quanto a Delgado, que apesar de exilado se mantinha activo, logo incómodo para o regime, viria a ser assassinado pela polícia política, em 1965, junto à fronteira de Espanha.
Depois disto, imerso numa imensa mediocridade e combatido por largos sectores da sociedade, fosse às claras ou na clandestinidade, o regime ia entrando em decadência. Sendo quase certo que o regime dificilmente sobreviveria ao seu mentor, a guerra colonial que irrompeu em 1961, fruto da mesquinhez e do isolacionismo salazarista, que teimava em ignorar os novos tempos que emergiram após a Segunda Guerra Mundial, e que traziam a marca da promoção e emancipação dos povos, acabou por ser o derradeiro balão de oxigénio que manteve vivo o regime, apenas adiando o colapso que já se vinha anunciando.
Acabaram por ser os militares, endurecidos por essa guerra colonial interminável, que se estendia por três frentes, e cuja vitória militar se tornava cada vez mais improvável, que se rebelaram e desceram à rua em 25 de Abril, apeando o regime, e manifestando a intenção de devolverem, ao país e à república, a sua matriz republicana e democrática. Em boa verdade, quando o regime caiu em 25 de Abril de 1974, para além da exaustão resultante de 48 anos de autoritarismo e de 13 anos de guerra, que consumia homens e recursos, o país ainda era, tal como fim da primeira república, e no dealbar do Estado Novo, em 1926, para além de um anacronismo político, a nação mais pobre e atrasada da Europa.

A terceira República, engloba o período que se estende, desde a revolução do 25 de Abril de 1974, até à actualidade. Desmembrou o estado totalitário, e na fase mais aguda de um conturbado processo revolucionários, procedeu ao desmembramento dos monopólios, a um arrojado programa de nacionalizações e reforma agrária. Levou a cabo a descolonização, acabando por fazer regredir o espaço territorial português para as fronteiras anteriores aos descobrimentos, foi gerador de uma nova Constituição, que reorganizou o país à volta de um regime democrático de matriz semi-presidencial, estruturado à volta de meia dúzia de partidos políticos, que passaram a cobrir, com razoável eficácia, o espectro sociológico do país. Até à data, teve 5 Presidentes da República (o sexto vai tomar posse dentro de dias), 6 Governos Provisórios e 16 Governos Constitucionais. Definitivamente encerrado o processo relativo ao seu passado colonial, com a adesão de Portugal à União Europeia, em 1986, o país passou a deslocar os seus centros de interesse para uma Europa que, sendo já uma potência económica, sem ser ainda uma unidade política, tem vindo a colher novas adesões, que também vão multiplicando as contradições e dificuldades.
Enumerar aqui todos os governos que até hoje se sucederam na ribalta política, seria fastidioso, além de que, dada a sua proximidade temporal, ainda persistem muitas memórias deles. Grosso modo, diremos apenas que todos eles, quase sem nenhuma excepção, enveredaram por promover vagas sucessivas de privatizações, restituindo os mais importantes sectores económicos e financeiros ao grande capital, reduzindo ao mínimo o sector empresarial do estado, mesmo em áreas consideradas estratégicas.
Por outro lado, entre 1985 e 1995, os muitos milhões de euros que entraram no país, vindos da União Europeia, esvaíram-se sabe-se lá para onde, e acabaram por não criar os alicerces duradouros e virados para a criação de riqueza produtiva, ficando muito longe de promover a qualificação dos portugueses, que continua a decair. Tal como o ouro do Brasil referido na introdução, os milhões europeus esvaíram-se em obras de estadão e pouco ou nada contribuíram para a criação de oportunidades, o revigoramento do tecido económico e a consequente elevação das condições de vida do país, ao passo que a agricultura e as pescas, longe de se modernizarem, acabaram desmanteladas e quase reduzidas a actividades de subsistência. Onde foram desaguar aqueles caudalosos rios de dinheiro? Quem deles beneficiou?
Deixaram-nos muitos milhares de quilómetros de auto-estradas, muitos viadutos, muitos “elefantes brancos” e uma indústria de betão que entra logo em crise assim que abranda a sofreguidão edificadora do estado, ao passo que a reorientação dos recursos e das competências ficaram-se pelas boas intenções.
A modernização e o desenvolvimento do país são, na actualidade, mais uma aparência que uma realidade, mantendo-se o país, apesar das quotidianas injecções de subsídios comunitários, um exemplo de descoordenação, ausência de rigor e sistemática falha de objectivos, o que conduz a que Portugal permaneça como um dos elos mais fracos da cadeia europeia, ocupando insistentemente os últimos lugares do “ranking” europeu.
O próprio Estado e a Administração Pública só aparentemente se modernizaram, sendo muitos os processos ainda tradicionais, que datam do século XIX, dos primórdios da república e do extenso consulado salazarista.
Do mais anónimo cidadão, até ao mais notável empresário, todos exigem ser beneficiários do subsidiarismo crónico que se instalou no país, o qual funciona como um sistema compensatório alternativo, face à ausência de projectos estruturantes, à ineficácia do aparelho administrativo e à mesquinhez e incompetência dos actores políticos. Com a alternância do poder, instalou-se a disseminação de clientelismos, secretas promiscuidades entre o poder político e os agentes económicos, o que potencia a difusão de favorecimentos e a instalação de uma generalizada corrupção, que alastra os todos os sectores da sociedade. Os programas de governo acabaram por tornar-se réplicas de outros anteriores, com ligeiras alterações de interesse e circunstância, onde está ausente qualquer vestígio de inovação e imaginação, sendo rara e minimamente cumpridos, quando não acontece serem cumpridos às avessas.
O guterrismo pensava que conseguia governar o país sem mexer uma palha, e que os problemas se resolveriam por si. O barrosismo pensava que conseguia governar o país virando tudo do avesso. Quanto ao santanismo, até há poucos meses, ainda pensava que conseguia governar como se tudo não passasse de um espectáculo de circo, com distribuição de caramelos pelo meio. Curiosamente, o socialista José Sócrates, apoiado numa maioria absoluta e na cartilha da “dama de ferro”, acaba por levar à prática as políticas que o barrosismo e o santanismo, ou não tiveram tempo, ou nunca se afoitaram a aplicar.
Portugal sempre foi uma identidade bem demarcada no contexto ibérico, porém, neste momento, dada a sua irrelevância económica, começa a assistir-se à perda de voz activa nas instâncias europeias, à deserção e transferência de muitos centros de decisão para Espanha, o que a breve prazo levará à diluição da nossa importância política, passando a ostentarmos, em termos de importância, o estatuto de região. Não é o regime democrático, como alguns sebastianistas pretendem, que é responsável pelo estado deplorável em que nos encontramos, mais sim quem tendo nas mãos as alavancas do poder, sob a capa e em nome dessa mesma democracia, gesto a gesto, passo a passo, empurraram o país para a presente situação. Hoje, tal como em 1926, aquando dos primeiros passos de Salazar pelos corredores do poder, é a questão do crónico défice orçamental que mobiliza, agora de forma contraditória, atabalhoada e imprecisa, alguns arremedos de gestão dos dinheiros públicos. Hoje, com o tempo mais que esgotado, torna-se necessário efectuar um salto qualitativo, já que, para além de alguns simulacros de modernização, panaceias e mezinhas avulsas, que descambaram em outras tantas experiências fracassadas, fomos incapazes de conceber e introduzir, no momento próprio, projectos de crescimento, coerente e sustentado, que fossem considerados e unanimemente aceites como desígnios e causas nacionais.
Será isto uma terceira República que reedita os vícios da primeira, ou apenas mais um lanço descendente, feito de compromissos secretamente lavrados, em tempos de cega globalização, entre mercenários da coisa pública e do apátrida sector capitalista, para que o país se apague?

Notas Soltas


A Sonae lançou uma OPA (Operação Pública de Aquisição) hostil sobre a Portugal Telecom, mostrando que o empresário Belmiro de Azevedo continua empenhado em manter o crescimento do seu império económico. Se for bem sucedido na sua operação, o Estado (que por agora não interfere, mas lá no íntimo até talvez agradeça) perde o controle de uma grande empresa do sector empresarial do estado, mas encaixa uns quantos milhões para ver se equilibra o orçamento, ou esbanjar como é seu costume, sendo que a operação, se for concretizada, pouco ou nada acrescentará ao desenvolvimento económico de que o país carece. Indiferente aos problemas do país, e enquanto os grandes tubarões se divertem a jogar ao Monopólio, o governo deixa que empresas estratégicas sejam vendidas a retalho e a pataco, para que alguns poucos fiquem cada vez mais ricos, e todos os outros cada vez mais pobres.

Ainda não está tudo dito nem visto, mas o facto de Belmiro de Azevedo, ostentando dotes de áugure, ter afirmado, há uns meses atrás, que Cavaco Silva iria ser um excelente Presidente da República, para ombrear com o excelente Primeiro-Ministro que Sócrates já era, dá bem uma ideia do que pensam os grandes empresários, sobre as agradáveis perspectivas de uma coabitação abençoada pelo espírito santo do bloco central, que tanto pode dar em união de facto como em casamento de conveniência. Com a actual OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom em curso, começa a ficar explicada a afabilidade e deferência com que o governo encara a operação. Naturalmente, amor com amor se paga.

No país em que um qualquer Valentim (com mais direito de antena que qualquer outro português) se permite humilhar e ameaçar um agente da PSP em plena via pública, em que uma Fátima fugida à justiça regressa à terrinha para ganhar as eleições, para logo a seguir a justiça fazer recuar o processo para a estaca zero, para já não falar em Apitos Dourados, Freeports, Facturas Falsas, Aeroporto de Macau, corrupção nos Impostos e na Direcção Geral de Viação, Universidades Modernas, Casas Pias, Furacões, Portucales, Eurominas, e mais um interminável cortejo de arrastamentos, prescrições e respectivos arquivamentos, chamar a isto imunidade ou impunidade não faz grande diferença. Assim sendo, talvez a expressão mais adequada seja o de estarmos a viver numa sociedade corrompida até ao tutano.

Até Abril, em obras que avançam a passo acelerado, e contrariando a tão apregoada falta de verbas, vão ser gastos mais uns quantos milhões de euros para levantar em Évora um Centro de Estágio para a Selecção Nacional de Futebol, com vista ao campeonato do mundo que se disputa este ano. Depois dos dez (10) estádios de futebol, que ostentámos garbosamente durante o campeonato da Europa de 2004, e que actualmente nos estão a dar imenso jeito, temos agora mais uma obra que prima por contrariar a nossa pelintrice, ser eminentemente necessária e inadiável, enquanto escolas, tribunais, hospitais e outras estruturas de utilidade pública, umas são exíguas, outras metem água, ao passo que outras correm o risco de derrocada. (*)

Tive o meu primeiro sobressalto que quase tocou a raiva, quando assisti, nos idos de 60 do século passado, ao filme de Trufault, que se intitulava FARENHEIT 451, baseado no romance de ficção científica de Ray Bradbury, esse mesmo, onde as brigadas de bombeiros tinham a diabólica missão de atear o fogo a bibliotecas inteiras, reeditando os autos de fé do III Reich, e onde os poucos resistentes, optavam, cada um, por decorar uma obra da sua preferência, para mais tarde a declamar de memória, salvando-a assim de um trágico e fatal esquecimento. À época, lembro-me de ter ficado revoltado, porque todos os tostões que amealhava eram para resgatar livros em segunda mão aos alfarrabistas de rua (como aquele concorrido pátio ao lado do cinema Éden), e não concebia que o fruto da criatividade do espírito humano, adquirido com tanto sacrifício, e tratado com tanto cuidado e desvelo, pudesse ser inspiradora de perseguições e combustível para alimentar fogueiras.
Agora, a propósito das reacções desencadeadas pela publicação de algumas caricaturas, começo a acreditar que estamos a viver tempos complexos e perigosos. Ai das civilizações e da paz, quando as religiões se introduzem nas relações entre os povos, e vice-versa! Ai das artes e das culturas, quando a intolerância e as inquisições voltam a querer ditar regras, impedindo que os seres humanos cultivem a comédia e o grotesco, contando histórias licenciosas e exercitando o riso.

Na América as coisas passam-se assim: um empregado foi despedido porque, fora das horas de serviço, foi visto a consumir uma marca de cerveja, concorrente da marca para que trabalhava. O patrão diz que quem faz as regras é ele, e quem não gostar, paciência...
Nos EUA não há legislação que proteja quem trabalha, contra prepotências deste tipo, que roçam o mais retinto fascismo.

Folheei aquela revista e a páginas tantas, estava lá a casa que foi de Karen Blixen, a dinamarquesa que nos primórdios do século passado, cheia de coragem e com aquelas saias imensas a roçar os tornozelos, andou pelo Quénia a lutar contra as mentalidades, fórmulas e intransigências do espírito colonizador. Continuo a não saber se aquele morro sobranceiro ao vale dominado pelas montanhas Ngong, onde os leões, ao fim da tarde, se vinham deitar, como se viessem venerar o local que recebera os restos mortais de Finch Hatton, o homem que não queria pertencer a ninguém, nem a lado nenhum, é verdadeiro, ou se não passa de um produto da ficção que Sidney Pollack, genialmente, materializou para o cinema, baseado no livro que Karen nos deixou. Assim, voltei a rever o filme “Out of Africa” (África Minha), com a sua história simples, nostálgica, recheada de humanidade, imagens fortes e emoções, quando o mundo e muitas convenções estavam em vias de sofrer mais um safanão.


Falando ainda sobre cinema, cada filme de Andrei Tarkovsky, o cineasta que nos deixou “Andrey Rubliov”, “Solaris” e “Stalker”, é um mergulho em apneia, nas profundezas dos seres humanos e das suas relações com o universo.
(*) Publicado no EXPRESSO de 2006-02-11 com o título “Futebóis”.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Notícias do Choque


Ao mesmo tempo que constou que uma delegação portuguesa teria sido recebida no MIT, e sabendo-se que o governo era o impulsionador da possível parceria, logo parte interessada nestas diligências, devendo mesmo chefiá-las, ficámos perplexos por aquela não integrar um único representante governamental. Laconicamente, fomos informados que tais contactos continuam apenas a nível exploratório, que é o mesmo que dizer, que os preclaros e ocupadíssimos ministros desta parvónia têm mais que fazer.
Entretanto, o governo colou-se sofregamente à vinda de Bill Gates (um gestor implacável) a Portugal, esforçando-se por envolver e associar o patrão da Microsoft ao nosso conturbado Plano/choque Tecnológico, tão necessitado de credibilidade, nem que fosse à custa de pomposos espectáculos mediáticos, protagonizados por uma pindérica força de intervenção ministerial (o que talvez justifique a ausência do governo na delegação junto do MIT) e condecorações à mistura. Bill Gates é uma personagem controversa, que tanto venera Leonardo da Vinci (um estudioso e prolífico espírito da Renascença, multidisciplinar, inventivo e inovador), com quem se identifica, dando prioridade à frutificação das aptidões e competências, como elimina, sem compaixão e com audaciosa alma florentina, os seus adversários e concorrentes, usando e abusando da sua posição dominante. Porém, através da fundação que gere com a sua mulher, também é capaz de partilhar a sua imensa fortuna em projectos filantrópicos que pretendem erradicar doenças e epidemias, nas zonas mais fustigadas do planeta. Mas sempre que as oportunidades de negócio se oferecem, sempre que as “janelas” se abrem, não deixa os créditos por mãos alheias, indo tão longe quanto possível, não cedendo um palmo dos “territórios” conquistados, nem mesmo quando fica a braços com acções judiciais, acusando-o de práticas monopolistas, que secam tudo à sua volta. Numa área que exigia a ponderação de soluções alternativas (que já existem) ao domínio planetário da Microsoft, e uma prudente diversificação de opções, o governo, deslumbrado com a presença do homem mais rico do mundo, não pensou duas vezes. Entregou-se de olhos fechados e com um sorriso parolo nos braços do “mago” de Seattle. Resumindo: Bill Gates, como implacável homem de negócios que é, não vem dar nada a Portugal, tendo-se limitado a estabelecer protocolos e acordos para que a sua empresa ministre a tão desejada formação em tecnologias de informação, de que o país carece, passando depois a usufruir das dependências instaladas e recolhendo os respectivos lucros.

sábado, janeiro 28, 2006

Porque Será?


Porque será que tantas pessoas, desde ministros, secretários de estado, economistas, comentadores e jornalistas, quando se referem às iniciativas que vão sendo tomadas, para supostamente desenvolver o país, optam sempre por falar em APOSTAS, quando o que precisamos são de PROJECTOS?
Será isto alguma deformação provocada pelo sucesso do Euromilhões?

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Sete Quadras


À porta da igreja matriz
Dizem que estamos de tanga
Chega o padre mais o juiz
Mandam tocar a charanga

Vem depois o regedor
Logo atrás a meretriz
Vem disfarçado o cantor
Mais o ministro e a actriz

À sombra da igreja matriz
Todos esperam um milagre
Dizem o barbeiro e o petiz
Que o vinho virou vinagre

Toca o sino rezam as gentes
Anda tudo aos encontrões
Pede-se chuva entre dentes
E mais uns quantos tostões

No fundo da igreja matriz
Há três poços de ilusões
Só que estar bem e feliz
São sonhos do euromilhões

Cantam-se ave-marias
Já lá vem o sacristão
Racha lenha o Malaquias
P’ra trocar suor por pão

No adro da igreja matriz
Dizem que estamos de parra
Pois se isto não é um país
Talvez seja a grande farra

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Os Medos


Em 1955, no rescaldo da guerra da Coreia e da sanha “macartista”, quando ainda vinha longe a guerra do Vietname, e outros tantos conflitos em que os EUA se envolveram posteriormente, o economista brasileiro Olympio Guilherme, no seu livro intitulado “URSS & USA”, escreveu algumas curiosas linhas sobre a mentalidade do povo norte-americano, as quais passamos a transcrever:

“Nos Estados Unidos tive a impressão de que o medo domina quase todos os espíritos. Paira no ar uma nuvem negra de temores e apreensões. O americano de hoje vê fantasmas em toda a parte, pressente a aproximação de um desastre que pode estoirar amanhã, hoje mesmo, talvez daqui a instantes. É o complexo de Pearl-Harbour. Ninguém confia em ninguém. Quando se fala sobre a Rússia, no meio de uma palestra em que a referência surge naturalmente, como uma consequência lógica do raciocínio, todo o mundo baixa a voz ou se cala, entreolhando-se com suspeita mal disfarçada. Há delatores em cada canto. A Rússia passou a ser um tabu, sobre o qual não se discute a não ser para repetir, com ênfase mecânica, os chavões cediços da propaganda estereotipada, que acabou por envenenar todo um povo sensível à sua influência e sem a necessária cultura para possuir qualquer dose de discernimento sobre assuntos de política internacional, muito acima da sua compreensão (…) Essa campanha conseguiu infiltrar-se, até, entre os espíritos mais esclarecidos, e, com raras excepções, entre a sua “elite” mais culta, onde estabeleceu confusões sumamente desastrosas para o equilíbrio da orientação que essas mesmas “elites” são chamadas a imprimir na opinião pública”.

Já correram 60 anos sobre estas palavras, no entanto, elas mantêm-se tão válidas e actuais como se tivessem sido redigidas ontem. Para que isso seja apreendido, basta substituir, respectivamente, as expressões Pearl-Harbour por 11 de Setembro, e a Rússia pelo Islão, provando que o povo americano, de lá para cá, aprendeu muito pouco, continuando a deixar-se manipular por quem realmente beneficia com os medos e papões que são largados à solta.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Formas de Vida


A vida é um processo tão bizarro, inesperado e interminável, e são tantas as suas formas, que é como se tivéssemos apenas o conhecimento de um único grão de areia, entre todos os que existem nos vastíssimos areais do universo.

A Luz e o Abismo


José Sócrates não procura o diálogo nem os consensos. Já era conhecida a sua propensão para o autoritarismo, e ele próprio, em entrevistas, já se havia classificado com “um animal feroz”, denunciando um perfil de intransigência e agressividade. Prefere a via da confrontação, afrontando tudo e todos, abrangendo uma larga faixa que vai da administração pública, até ao sistema judicial, polícias e militares, mas deixando com livre-trânsito quem continua de facto a contribuir para a depauperação do país. Por outro lado, e frente às dificuldades que parece estar longe de controlar, escolheu injectar o pânico no subconsciente das pessoas. Que melhor remédio haverá para calar as vozes da indignação e fazer recuar os espíritos rebeldes, do que ameaçar com um futuro negro, um abismo ao virar da esquina, em consequência da perspectiva de falência, a curto prazo, da segurança social?
Levando à prática o que Durão Barroso e Santana Lopes nunca se arriscaram a materializar, vamos ser brindados com a versão envergonhada de um novo modelo de bloco central, com o poder partilhado entre um governo liderado pela facção “tatcherista” do PS, e uma presidência de direita do PSD/PP, suportada pelos grandes interesses económicos e financeiros, afinal, com objectivos não tão distantes e inconciliáveis, como poderá parecer à primeira vista. Longos e tristes dias se avizinham!
Embora noutro estado e com outros cambiantes, mantêm-se os vícios e aberrações da má governação. De paixões e promessas irrealizadas, passando por pântanos e tangas, temos tido de tudo. Ao desvario circense de um Santana Lopes, sucede-se a deriva prepotente de José Sócrates, disparando em todas as direcções, sem alvos prioritários nem uma estratégia que liberte o país do amplexo que o mantém na senda do declínio.
Onde muitos vêem a determinação que tem faltado aos políticos, eu vejo uma determinação que faz recair sobre os justos a factura de governações despropositadas, avulsas e sem profundidade. Em todo o aparelho de estado e da administração pública continua a imperar (agora com outras cores) a falta de decência e transparência, a anarquia e redundância nas competências, as estruturas inoperacionais, a organização disfuncional e a epidémica ausência de responsabilização.
Quem ouve falar os ministros da cultura, da economia, da agricultura e pescas, e mais uns quantos secretários de estado, logo percebe porque se diz que continuamos a “arrastar a quilha pelo fundo”. Debitam umas quantas alarvidades, banalidades e lugares comuns, enunciam um punhado de “apostas” para tirar o barco do atascanço, garantem que vão “tomar medidas”, dizem umas mentiras pelo meio e desandam de peito inchado, convencidos que a missão ficou cumprida e que já se vê a luz ao fundo do túnel.
Na verdade, os vícios de uma governação que navega à vista, mais as derivas de um orçamento despótico e canibal, continuam a fazer recair sobre os contribuintes e os trabalhadores, a responsabilidade de equilibrar, o que outros insistem e persistem em desequilibrar. São muitos os políticos que se acotovelam para propagar a ideia, transformando-a em verdade absoluta, de que o país está mal e não descola da crise endémica em que se arrasta há anos, porque os trabalhadores têm regalias a mais, descansam demais, têm protecção a mais, e espante-se, até talvez ganhem demais. É altura de os cidadãos começarem a perceber que, para além de serem os amortecedores e únicos pagadores de tudo o que de bom e mau, se faz e não faz no país, também continuam a ser os “bodes expiatórios” por excelência, de todos os males e fantasias congeminadas por uma casta de governantes de terceira escolha, incapazes de gerir a sua economia doméstica, quanto mais um ministério ou o país.
Mantendo-se incólumes as estruturas corrompidas, decadentes e inoperativas, mantendo-se os compadrios e intocadas as incompetências instaladas, é cada vez mais evidente que o futuro, do cinzento carregado passará ao negro. A alternância entre a imagem do abismo e da claridade ao fundo do túnel tem os dias contados, porque o saco está recheado de patranhas e a paciência tem limites. Estruturar, organizar e responsabilizar são as três acções prioritárias para mudar este curso, que a manter-se, só poderá fixar, em definitivo, o caminho para o abismo.

domingo, janeiro 22, 2006

O Anticiclone


O ambicionado plano tecnológico, inicialmente referido por José Sócrates como o “choque” tecnológico, e desde a primeira hora apontado como uma referência incontornável, que iria colocar Portugal no pelotão da frente, nasceu mal e continua a andar de mão em mão. Já vai no terceiro coordenador, e agora, o primeiro, que se tinha demitido, por discordâncias com a forma como o plano era conduzido, resolveu chamar as coisas pelos nomes, questionando em público o primeiro-ministro, sobre um tal protocolo com o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que tinha por objectivo a investigação aplicada e desenvolvimento de tecnologias, envolvendo um vasto leque de universidades e empresas, e vocacionado para aplicação dos resultados nestas últimas, e que andaria a marinar há largos meses pelas secretárias dos ministros, sendo que um deles lhe era particularmente hostil. José Sócrates, visivelmente incomodado com a interpelação, e conhecidas que são as suas reacções epidérmicas, algo violentas e ruidosas, disparou a matar: disse que o tal projecto irá para a frente e será anunciado quando o governo muito bem entender, e não por iniciativa e pressão de um qualquer funcionário público, esquecendo-se que também ele é funcionário público. Com esta saída, sinal de manifesta prosápia e má educação, não só tentou humilhar o interpelante e ex-coordenador Prof. Dr. José Tavares, mas também todos os funcionários públicos do país, tentando relegá-los para o lugar das coisas banais, dispensáveis e sem importância.
Enfiando a carapuça de ser o tal ministro adverso ao projecto MIT, Mariano Gago saltou para a ribalta dos telejornais e veio dizer, com manifesta inabilidade, que as afirmações do ex-coordenador não passavam de falsidades, mais graves ainda pelo facto de serem veiculadas por um bolseiro pago pelo estado português (cala-te ou cortamos-te a mesada), ao que o Prof. Dr. José Tavares contrapôs com a exibição de provas documentais, que se necessário for, trará a público. Habituados como estamos a que o governo apenas funcione por estímulos, vamos aguardar os próximos capítulos deste episódio. Quanto ao Prof. Dr. José Tavares, é motivo de inspiração para todos os portugueses. Desde o memorável “obviamente demito-o!” que o general Humberto Delgado soletrou, referindo-se a Salazar, que não via quem fosse tão corajoso, afrontando o poder, cara a cara e com todas as letras, provando que a força da razão será sempre mais forte que a razão da força.
No pólo oposto, temos o Instituto de Meteorologia (com a tutela do mesmo ministro Mariano Gago), cuja administração decidiu instalar, em tempo recorde, um sofisticado e complexo sistema de acessos e controle de presenças, que chega ao ponto de utilizar as tecnologias de ponta de controlo biométrico de impressões digitais, como se estivéssemos a falar das instalações do SIS, de um ministério da defesa ou dos negócios estrangeiros. Foi gasta, sem pestanejar, uma verba de aproximadamente 55.000 euros (11.000 contos), numa instituição que, por força das limitações orçamentais, tem vindo a cortar no papel higiénico, nos tinteiros e papel para as impressoras, e sobrevive com estações meteorológicas inoperacionais e outras coisas mais. Neste caso, uma versão popularucha do choque tecnológico, a roçar a paranóia securitária, não encontrou entraves, talvez porque o anticiclone dos Açores corra o risco de sequestro.
Da administração do Instituto de Meteorologia não se podia esperar mais. A sua iniciativa não foi além da constatação da necessidade premente de instalar uns quantos torniquetes e câmaras de vigilância, produzir alguns cartões, passes e autorizações para perto de 250 funcionários, e quem não sabe mais do que isto, a mais não é obrigado. Em última instância, quem de facto é responsável, foi quem nomeou tais eminências para gerir os destinos da meteorologia nacional, subscrevendo sem pestanejar, esta ridícula parcela do tal “choque tecnológico”, como um contributo para transformar Portugal numa moderna sociedade do conhecimento.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Cavaco


É um político medíocre. É um economista medíocre. Se chegar à presidência da república, não destoará: será o presidente de um país que, graças ao trabalho persistente de muitos outros cavacos, se vai tornando cada vez mais medíocre.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Deus Pagão


Este Neptuno, o congénere romano do grego Poseidon, deus dos mares, filho de Saturno, irmão de Júpiter e de Plutão, é da autoria do escultor Machado de Castro (1731-1822). Na sequência do terramoto de 1755, que destruiu grande parte do Chiado e da Freguesia dos Mártires, e aquando da reconstrução pombalina, foi edificado no topo da actual Rua Garret, o monumental Chafariz do Loreto, o qual foi ornamentado com a referida estátua. Depois disso Neptuno deambulou por outras paragens. Teria sido arrumado no Museu Arqueológico do Carmo, mas os anos 50 do século passado vieram encontrá-lo a reinar sobre as águas de um lago, no centro da Praça do Chile. Depois disso, todo o conjunto foi transplantado para o Largo de D. Estefânia, onde ainda hoje permanece.

sábado, janeiro 07, 2006

Santos e Pecadores


Já conhecíamos a veia polémica de Ribeiro e Castro, depois de aquele ter afirmado que o terrorismo era sempre induzido pelas ideologias de esquerda, mas agora a sua inspiração foi mais longe, descendo ao pormenor de afirmar que Ernesto “Che” Guevara foi, nem mais nem menos, um dos grandes assassinos do final do século XX.
A exibição de um raciocínio deste tipo exige sempre que invoquemos o seu contrário. Quando falamos do branco, logo o negro nos salta ao caminho. Quando ficamos cercados pelo frio, logo a languidez do calor vem disputar os recantos da nossa imaginação, ao passo que, ao conceito de grande molestador, bárbaro e genocida, contrapõe-se sempre a ideia de uma grande alma, casta, benfeitora e farta de pureza.
Nesta ordem de ideias e com tais rasgos de grande justiceiro, ao Castro apenas faltará mover as competentes influências, no sentido de serem iniciados os processos de beatificação, por manifestos actos de santidade e piedosa benemerência, de um punhado de figuras gradas do tal século XX, com quem a Humanidade se tem enternecido, e da qual é devedora, por ideias e actos redentores da “civilização”, entre as quais se incluem Adolfo Hitler, Francisco Franco, Suharto, Idi Amin Dada, Augusto Pinochet, Mobutu Seseseko, François Duvalier e Phol Pot, todos eles gente de primeira água, de uma lista bem mais extensa. Monstro, monstro, foi o tal carniceiro “Che”, e não os seus contrários, como os devotos Baptistas, Somozas, Videlas, Stroessneres e quejandos, todos homens de paz, progresso e prosperidade, cujo vermelho com que encharcaram os seus países, não era sangue, mas apenas umas torpes confusões de esquerdistas daltónicos.
Senhor de tais dotes de cruzado, fico a aguardar que o tal Castro se suplante a si próprio, não sem que vá deixando aqui uma advertência. Não basta considerá-lo apenas como mais um combatente doméstico do “eixo do mal”, um educador de pacotilha, uma anomalia ou um trágico cómico de serviço, porque haverá sempre quem o leve a sério. Basta recordar que o próprio Francisco Franco, à sombra de Guernica e dos pelotões de fuzilamento, se proclamava caudilho de Espanha “pela graça de Deus”, havendo muitos que acreditavam piamente nele, com os tenebrosos resultados que se conhecem.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Represálias à Portuguesa


As empresas, ao processarem os vencimentos dos seus trabalhadores, descontam-lhes o respectivo IRS. Os trabalhadores chegam ao fim do ano e fazem as respectivas declarações, em conformidade com o que lhes foi retido na fonte. Como descontaram mais do que o devido, têm direito a ser reembolsados, porém, as Finanças não procedem a algumas dessas devoluções, porque as empresas continuaram a reter, indevidamente, as verbas de IRS descontadas aos trabalhadores (algumas chegam mesmo a apropriar-se desses valores), não efectuando a respectiva entrega ao Estado.
Moral da história: paga o justo pelo pecador.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Pontos nos is


Quando os políticos, por tudo e por nada, enchem a boca com a palavra democracia, isso é sinal evidente de que aquela está a ser corrompida. “Estamos a prestar um serviço à democracia”, dizem eles, quando na realidade estão a prestar serviços a si próprios e aos seus amigos. A democracia não precisa que lhe dediquem serviços. Sustenta-se e enobrece-se a si própria, pelo bom uso que dela fazemos. É isso sim, um instrumento através do qual se prestam serviços às comunidades e aos países, e não um pretexto para que certos políticos, escudando-se atrás dos veredictos eleitorais, simulem estar a representar e a defender os interesses de quem os elegeu. Prova disso são as promessas incumpridas ou concretizadas às avessas. Na verdade, estão a negociar as suas carreiras, ao mesmo tempo que estreitam relações e fazem favores a outros poderes, entre os quais o poder económico e financeiro.

Quando a palavra de ordem é “aproveitar enquanto é tempo” e “salve-se quem puder”, e já muito poucos se impressionam, indiferentes ao grande lamaçal que vai alastrando, isso é porque há um país que está a agonizar, entre risos, patranhas, embustes, falta de pudor, um galão e uma torrada, concursos na TV e férias a crédito. Primeiro perde-se a dimensão e sentido da realidade, depois a vergonha. Perde-se depois a independência económica, e por último a independência política.

Já ninguém se indigna quando o homem mais poderoso da Terra declara que iniciou uma guerra com um saldo de 30 mil mortos, por um erro de informação. Quem isto escreveu foi Eduardo Lourenço, ensaísta português.

Por cá, os médicos das urgências vão passar a receber à peça, tratando doentes como quem vende cosméticos, porta-a-porta e à comissão.

Recapitulemos

Primeira Arte - Dança
Segunda Arte - Teatro
Terceira Arte - Música
Quarta Arte - Literatura
Quinta Arte - Pintura
Sexta Arte - Escultura
Sétima Arte - Cinema

O artista, seja ele pintor, escultor, músico, poeta, escritor, fotógrafo ou realizador de cinema, sempre foi, e será, um manipulador dos meios de expressão que tem ao seu alcance. A finalidade da arte está em que as pessoas se sintam e deixem ser manipuladas, sem que isso afecte a sua liberdade, o seu discernimento e o seu livre arbítrio.

domingo, janeiro 01, 2006

Novo Caderno


Será que o melhor dos mundos está limitado a ser o mundo que é possível ter? NÃO! Também nada nos diz que não se deva dar vida às línguas mortas. A frase latina GUTTA CAVET LAPIDEM, significa em bom português que a água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Por isso, deixemos as palavras correrem e fazerem o seu trabalho.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Com Todas as Letras


Diz a sabedoria popular que não há fumo sem fogo, e quando começa a transpirar para o domínio público que existe a intenção de avançar com a privatização da água, é altura de começarmos, não a ficarmos preocupados - porque essa atitude já deveria vir de longe - mas genuinamente indignados.
O poder, porque é protagonizado pelos humanos (o tal sujeito do Fenómeno Humano do padre Pierre Theilhard de Chardin) e seus desígnios, tanto é capaz de gerar as mais justas e legítimas soluções para a civilização e o bem-estar social, como as mais vis das condições ou a mais abjecta das torpezas. Depois da privatização dos (maus) cuidados de saúde, arrisca-se agora a ideia de uma hipotética privatização da água, assim como se poderá falar amanhã da entrega da administração pública à iniciativa privada, da venda em hasta pública dos monumentos nacionais, das praias e da orla marítima, ou da instauração de um imposto sobre o consumo do ar. Não há nada como começar a falar no assunto, banalizando-o, para que a ideia ganha raízes e adeptos, dissipando assim o estigma do escandaloso.
A minha revolta e indignação exigem que termine este comentário (e talvez este ano), tomando de empréstimo a expressão que José Saramago usou num dos seus Cadernos de Lanzarote, para rematar uma situação similar:
- E se fossem privatizar a puta que os pariu…

sábado, dezembro 10, 2005

A Cadeira de Seis Pernas



Uma cadeira de seis pernas é um objecto difícil de descrever, se não for acompanhado de um esboço clarificador, como o que juntamos a este artigo. Tiradas as dúvidas, falta saber para que serve esta curiosa peça de mobiliário. É simples: é sempre utilizada pela mesma pessoa, umas vezes com responsabilidades governativas, nesse caso sentando-se do lado A, outras vezes como sócio de um escritório de advogados, e nessa função sentando-se do lado B. Exemplifiquemos: quando o protagonista estava sentado do lado A, isto é, com funções governativas, tinha que assegurar os interesses do Estado e do país, contra as pretensões de uma empresa de nome Eurominas, ao passo que quando se sentava do lado B, tinha por objectivo lutar pela garantia de satisfação das exigências dessa mesma Eurominas, mesmo que do outro lado estivesse o tal Estado, em cujo governo servira, sentado do lado A.
Explicadas as curiosas e múltiplas funções da cadeira de seis pernas, passemos aos factos.

Em 1974, ainda antes do 25 de Abril, o governo de Marcello Caetano atribuiu uma concessão de exploração de ligas de manganês, ao grupo francês Pechiney, com a cedência de terrenos e energia eléctrica a preços simbólicos, para a instalação da empresa Eurominas.
Em 1986 a EDP altera o custo das tarifas de electricidade, o que não é aceite pela Eurominas. Como não se chega a qualquer acordo, a empresa suspende o fornecimento de energia, levando a que a Eurominas decida interromper a laboração.
Em 1995, perante a cessação da actividade, o governo de Cavaco Silva assina um decreto que faz reverter para o domínio público os terrenos e instalações da Eurominas, sem direito a qualquer indemnização.
A Eurominas desencadeia acções judiciais contra o Estado, com vista a ser ressarcida de tal decisão, exigindo uma indemnização de 16 milhões de contos, ao mesmo tempo que efectua contactos com o recém-empossado governo de António Guterres.
O ministro António Vitorino recebe a incumbência de negociar com a Eurominas. Em 2001, contrariando a decisão do governo de Cavaco Silva, e sem nunca ser revogado o decreto que lhe deu origem, o executivo do PS, num acordo extra-judicial, decide conceder à Eurominas uma compensação de 2,3 milhões de contos, em troca do abandono das acções judiciais movidas contra o Estado e da reivindicação de direitos sobre os terrenos e instalações abandonados.
O ministro João Cravinho e o Tesouro, baseados em vários pareceres, recusam-se a pagar a dita indemnização, argumentando não existir enquadramento legal para tal encargo. Só em Outubro o Ministério das Finanças autoriza o pagamento, tendo que recorrer, para o efeito, a uma interpretação muito livre e flexível do primitivo decreto-lei de 1974, da lavra do governo de Marcello Caetano.
Até 2003 o pagamento é efectuado em três tranches. Sabe-se agora que nas negociações esteve envolvido um escritório de advogados, detido por António Vitorino, José Lamego e António Costa, sendo que os dois primeiros, repartiam a sua actividade entre o governação e a actividade no dito escritório, isto é, ocupando alternadamente a tal cadeira de seis pernas, umas vezes como negociadores por parte do Estado, outras vezes como defensores dos interesses da Eurominas.

Assim se explica para onde vai o dinheiro dos contribuintes. Assim se delapida o património português, desde o material até ao moral. Assim se vai percebendo porque vamos de mal a pior, e isso nada tem a ver com produtividade, competitividade e as outras balelas do costume. Há suspeitas de favorecimento, e sabe-se lá de mais o quê. O assunto vai baixar a uma comissão de inquérito da Assembleia da República, que esperemos faça a sua obrigação e chegue a conclusões dignas de nota. Até lá vai continuar a passear-se por aí muita gente séria, excepto quando não se estão a rir de nós...

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Reino dos Céus


O cardeal Grocholewsky, numa carta que enviou aos padres da comunidade católica, na sua qualidade de responsável pela Congregação para a Educação Católica, exprimiu-se com uma curiosa analogia. Na opinião deste prelado, assim como as pessoas que sofrem de vertigens não podem aspirar a ser astronautas, também a ordenação de padres está vedada a homossexuais. Na sua preocupação de defender o indefensável, fez confusão entre uma orientação sexual, que tem a ver com as humanas preferências, e certas perturbações do equilíbrio, localizadas nas células sensitivas do ouvido interno. Indo um pouco mais longe, é como dizer que no exercício da medicina, as mulheres devessem estar impedidas de se especializarem em ginecologia, pois isso seria um sinal evidente de apetência por pessoas do mesmo sexo.
O recurso a tais argumentos, demonstram bem que tanto este cardeal como o seu Vaticano, insistem em não terem os pés assentes na terra.

sábado, dezembro 03, 2005

Publicidade


O candidato a Presidente da República, Cavaco Silva, com aquele esgar, com pretensões a ser um sorriso permanentemente afivelado, aproveitou a entrevista que deu ontem à RTP1, para fazer publicidade encapotada. Eu explico: Pelo menos, em duas ocasiões, a perguntas da entrevistadora, não deu qualquer resposta, limitando-se a informar que o assunto vem muito bem explicado na sua recentemente publicada AUTOBIOGRAFIA. O homem que não tinha dúvidas e não lia jornais, com uma marretada “matou dois coelhos”, primeiro mostrando-se durante 30 minutos como candidato (porque dizer, continua a dizer muito pouco), e depois aproveitando o tempo de antena para publicitar gratuitamente o seu livrinho, ao melhor estilo das tele-vendas. Será que com este ardil a obra vai esgotar? Olhem que espertinho, hem!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Má Pontaria!


O submarino é reconhecido como sendo uma arma eminentemente estratégica, uma arma de ataque por excelência. Assim, não se compreende que Portugal, no actual contexto da americaníssima NATO, queira ser possuidor de 3 (três) armas deste tipo, a não ser que queira ser objecto de alguma risota complacente. Tais armas, contrariando o que enunciava o ex-ministro da defesa Paulo Portas, não são instrumentos vocacionados para patrulhar a ZEE, zelando para não ocorram pescarias à margem da lei, lavagens camufladas de tanques dos petroleiros, e muito menos para efectuar perseguições ao narcotráfico, provando que até nas escolhas de material de guerra, continua a persistir a má pontaria.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Patetices!


O choque tecnológico, aquilo que pretendia ser um dilúvio de ideias, uma enxurrada de projectos, perdeu impacto e transformou-se em simples plano, sem espessura, sem orientação, sem objectivos, como uma simples folha de papel em branco. Por isso mesmo, o primeiro ministro chamou a si a tutela e coordenação do plano. Inquirido sobre se esta alteração de liderança tinha alguma coisa a ver com as 7 recentes demissões de especialistas envolvidos no projecto, o ministro de economia, sempre de resposta pronta e surpreendente, afirmou com uma ênfase, quase a roçar o tom bíblico, que tudo isto já estava delineado há muito tempo, mesmo antes de Sócrates ter assumido os destinos do PS. Quer isto dizer que os alquimistas do Largo do Rato não dormem e as pessoas vão passando enquanto que o projecto fica, numa versão actualizada do provérbio que dizia que “os cães ladram e a caravana passa”.
Com esta determinação, os congressos de Vilar de Perdizes, o genoma humano e o escaravelho da batata que se cuidem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Reflectir e Perguntar


Estou quase tentado a concluir que se está a tornar desnecessário insistirmos em caracterizar e criticar a sociedade portuguesa actual. Em termos genéricos, já tudo foi dito. Para isso basta recapitular o que escreveu Eça de Queirós, há respectivamente 138 e 134 anos, e que a seguir se transcreve. Não acreditamos em fados, destinos e fatalidades, porém, curiosamente, quase tudo se ajusta às mentalidades, às competências e à situação actual do país. Basta ler, reflectir e perguntar: - Com tanto tempo decorrido, será que não aprendemos nada?

Em 1867 Eça de Queirós escreveu:
"Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a con­cepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?"

Mais tarde, em 1871, voltou a escrever:
”Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"

Pórtico para o Mar


GUTTA CAVET LAPIDEM - Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Pormenor do litoral algarvio, na primavera morna de 1975.

Então e os Outros?

Os EUA foram acusados de utilização de armas químicas, neste caso o fósforo branco e o agente MK77 (uma variante do napalm utilizado no Vietname), contra populações civis iraquianas, durante uma ofensiva contra Fallujah, em Novembro de 2004. A referida arma química tem um efeito devastador sobre os corpos, queimando-os e dissolvendo-os até aos ossos, porém, mantendo intactas as roupas. Até agora, mantém-se indeterminado o número de vítimas daquela ocorrência, porque habitualmente as tropas americanas não disponiblizam essas informações, classificadas de sensíveis.
Talvez este seja o momento propício para se equiparar este acontecimento ao tão falado caso da aldeia curda de Halabja, onde 5.000 civis foram dizimados pelo exército iraquiano de Saddam Hussein, em 1988, com recurso a armas químicas, naquele caso um gás de nervos.
Podem dizer-me que as armas são cegas, não distinguindo combatentes de simples população civil, que é difícil saber quem está naquele momento, voluntária ou involuntáriamente, no perímetro do campo de batalha, no entanto, isso são argumentos falaciosos. Se a guerra e a utilização de armas é já em si uma monstruosidade, a utilização de armas químicas é ainda mais abominável e censurável, pelo simples facto de que são um tipo de armas eminentemente letais, para as quais, fora as sofisticadas protecções, não há defesa eficaz, tanto para exércitos como para as sempre mártires populações civis. De facto, o direito impede os combatentes de empregar armas que não descriminem (combatentes de não-combatentes) ou que, pela sua natureza, causem sofrimento maior que o requerido, para deixar um combatente inoperacional. Embora tenham sido usadas desde a antiguidade até aos nossos dias, nas mais variadas formas, a utilização de armas químicas e biológicas, além de ser uma opção muito atractiva para quem as usa, por força dos reduzidos custos e da máxima eficiência, é barbárie em estado puro. Além de que é a negação das normas éticas e dos códigos de conduta contidos no Protocolo de Genebra de 1925, e nas duas Convenções baseadas naquele instrumento, os elementos mais antigos e mais importantes do Direito Internacional Humanitário.
Numa altura em que Saddam Hussein se senta no banco dos réus do tribunal dos vencedores, para responder por muitos dos crimes hediondos que cometeu ao longo da sua permanência no poder, entre os quais também se conta o massacre de Halabja, cabe aqui deixar uma pergunta incómoda:
Então e os outros?

sábado, novembro 19, 2005

Exterminadores Implacáveis

O tão apregoado choque tecnológico do José Sócrates, confrontou-se com a demissão em bloco de sete (7) dos dez (10) elementos que integravam esta unidade de investigação e inovação, desavindos com a (des)orientação que o projecto estava a seguir. Fontes que pediram o anonimato, adiantaram que o plano sofreu um curto-circuito, parece que provocado pela sobrecarga que resultaria da instalação de câmaras de vigilância em todas as avenidas, praças, ruas, becos e azinhagas do país, bem como a introdução de relógio de ponto, para os desempregados nos centros de desemprego, e para os doentes nas consultas hospitalares, isto para não falar num revolucionário processo de exterminação da lagarta da couve, que pela sua exigência de meios, implicaria o recurso a um orçamento rectificativo. O ministro da economia, indiferente às demissões e com a sua habitual impassibilidade, vai dizendo que o acontecimento não é relevante, e que depois desta primeira fase de produção teórica (???) o que é preciso é passar à acção.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Passarões e Passarolas

O plano tecnológico do governo Sócrates, exibido com pompa e circunstância durante a campanha eleitoral, com pretensões a ser a menina dos olhos do futuro governo, afinal, até agora, não tem passado de um balão de ar quente que, apesar de tantos projectos, reforços de orçamento, investimentos, medidas e contra-medidas, mentes brilhantes, especialistas, assessores e coordenadores, e muita conversa fiada, está a voar menos que a setecentista “Passarola” do padre Bartolomeu de Gusmão.

Pagadores de Promessas

Com a rejeição da proposta de novo referendo sobre o aborto, pelo Tribunal Constitucional, abriram-se novas perspectivas para solucionar o problema, voltando à ordem do dia a promoção de uma iniciativa legislativa que descriminalizasse a prática do aborto, ou na pior das hipóteses, suspendesse tal prática, até à ocorrência de novo referendo. Contudo, José Sócrates rejeitou liminarmente esta oportunidade, recusando a alteração ou a suspensão da lei por via parlamentar, escudando-se na sua promessa eleitoral (assim o pragmatismo fosse extensivo a outras promessas) de insistir na via referendária, a qual só voltará a ser exequível a partir de Setembro de 2006. A ser assim, o processo terá que voltar a passar novamente pelas avaliações da Presidência da República (que até poderá vetar a pretensão) e do Tribunal Constitucional. Escorado na rigidez formal da sua promessa, Sócrates adia mais uma vez a solução do problema, dando assim satisfação às pretensões e propósitos da direita mais retrógrada, hipócrita e intransigente.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Branca e Serena


Primeiros nevões na Serra da Estrela, em 1973. Nessa altura, a devastação dos incêndios ainda não tinha feito a sua aparição, pelo tecto de Portugal.

Brincar com o Fogo

Fala-se dos acontecimentos em França, neste Outubro de 2005, e há logo quem compare o fenómeno a Maio de 1968. Em boa verdade, não são comparáveis, porque tiveram protagonistas e motivações diferentes. Em 1968, tratou-se de uma insurreição estudantil, iniciada nos meios universitários, frequentados pelos filhos da classe média, que transferiu a dialética das aulas magnas para o calor das barricadas de rua, contestando o poder e o sistema. Nesta última, agora em 2005, caiu uma faísca no meio da pólvora que a sociedade e os políticos franceses, foram deixando acumular ao longo do tempo, varrendo os problemas da emigração para os bairros periféricos, cujas novas gerações, se confrontam hoje com problemas de identidade, marginalização e ausência de futuro. É uma mistura explosiva de abandono escolar, desemprego, fracturas familiares substituídas pela coesão do “gang”, e o mais que provável assédio do fundamentalismo religioso, que conduz aos perigosos terrenos de que tantos se queixam.
A Europa começou por ser um sonho, depois um pequeno “eldorado” para fugir à miséria, para logo se tornar na terra das oportunidades, onde merecia meter-se pés ao caminho, para finalmente se apresentar como um mundo oportunista, entre o hostil e o paternalista, com condescendências cedidas a conta gotas. Vem depois o tempo em que o sistema, insensível, gordo e anafado, esquecido de que estava a lidar com pessoas, e com um problema que não soube solucionar em tempo oportuno, não encontra outro modo de o encarar, senão apelidando-as de “escumalha”.
Já vão longe os tempos em que os europeus recorriam à importação de mão-de-obra, barata e pouco exigente, em termos de regalias e protecção, para satisfazer as suas necessidades. Hoje, essa necessidade decaiu, sobretudo quando o sistema capitalista começou a perceber que era muito mais económico mudar de método. Em vez de importar braços, bastava exportar (ou deslocalizar, como se diz na gíria) os seus mecanismos de exploração, implantando-se noutros países, para aí ter acesso, não só a grandes concessões e facilidades, como também à mão-de-obra de baixo custo. Assim nasceu a globalização.
Para agravar ainda mais a situação, as sociedades, lideradas por políticos imediatistas e sem visão prospectiva, ao abrirem-se e oferecerem caricaturas de integração para aqueles de que precisou, esqueceram-se que eles, como qualquer ser humano, reproduzem-se e multiplicam-se, gerando descendência. Porém, os seus objectivos economicistas estavam esquecidos desse problema capital. Porque não estava préviamente considerada nos seus planos, o resultado é que essa descendência, porque deixou de ser absorvida pelo sistema, foi sendo arrumada em guetos, sem formação digna desse nome, sem ocupação, marcada pelo ferrete da raça e da cultura, anestesiada com subsídios virados para um mínimo de subsistência, organizando-se em grupos marginais, desprovidos de futuro. Hoje, são franceses de segunda e terceira geração, mal amados, dispensáveis, descartáveis, e que não se podem mandar de volta para os seus países de origem, sendo o território, por excelência, onde se movem as direitas que, explorando a existência de variadas bolsas de pobreza, fazem engordar as suas predilectas causas de segregacionismo e securitarismo.
Aconteceu na França, assim como pode acontecer em qualquer outro país europeu, que tenha acolhido mão-de-obra emigrante, sem acautelar os efeitos que aquela possa gerar, a médio e longo prazo. Meditar e reflectir sobre os erros dos outros, pode ser um caminho para uma solução atempada. Nada fazer e ficar a ver o que acontece, será de certeza um desejo mórbido e irresponsável de brincar com o fogo.

O Império Contra-Ataca

Há quem observe pássaros, e sendo o número de hobbies quase infinito, há também quem fixe a sua atenção sobre outros objectos voadores, momeadamente os aviões que aterram e levantam voo de tudo o que é aeroporto. Só que esta ocupação de tempos livres está a produzir resultados que incomodam muita gente. Resumindo: há aparelhos que escalam os aeroportos de alguns países, com alguma regularidade, e que ostentam umas matrículas invulgares, que se veio a saber estarem ao serviço dos serviços secretos dos E.U.A.. O mais grave é que transportam no seu bojo um certo tipo de detidos, suspeitos de terrorismo, que os americanos entendem não terem quaisquer direitos nem garantias, que lhes permitam usufuir de tratamento humano. Não têm direito ao apoio jurídico de um advogado, e muito embora sejam considerados combatentes, não estão cobertos pela Convenção de Genebra. Habitualmente, são entregues em bases localizadas em certos países, uns que recentemente abraçaram a democracia, outros não tanto, mas que têm em comum o facto de serem permissivos ao uso de tratamentos degradantes e desumanos, com uso e abuso da tortura, para a obtenção de confissões e informações. São locais onde também, por sistema, se desaparece sem deixar rasto. Perante o justo clamor de quem diz que os direitos humanos são extensivos a toda a gente, sendo uma matriz do nosso nível civilizacional, os E.U.A., pouco interessados em voltarem a expôr-se a críticas e reprovações, visando as situações aberrantes que mantinham em Guantánamo e Abu Graib, não abriram mão do seu hábito de tratarem o resto do mundo, como um conjunto de “quintinhas” que lhes devem obediência, e responderam com a exportação da tortura para fora de portas, dispersando-a pelos tais países “amigos”, numa aplicação prática da expressão latina que diz, errando corrigitur error (errando, corrige-se o erro).
Quando reclamo - sem questionar a justiça a que deve estar sujeito quem se provar seja um operacional do terror - dizem-me que a guerra ao terrorismo é uma guerra total, que exige que se recorra a grandes remédios, sem dó nem piedade, e que os fins justificam os meios, nem que para isso se tenha que dizer que há armas de destruição maciça, onde elas não existem, e à custa disso se desencadeie uma guerra, que para além das habituais e incontáveis vítimas civis, se pode transformar num turbilhão de consequências imprevisíveis.
Quem não aceita esta retórica, tem que ter muito cuidado com o que diz, porque o Império, na sua intransigência de querer assumir-se como o polícia do universo (já fazem escutas e espiam a NET a nível planetário), é muito provável que os venha a considerar, mesmo sem a exibição de provas, no mínimo como estando do lado do inimigo, e no máximo como sendo um perigoso e potencial bombista.

sábado, novembro 12, 2005

Divido, Logo Existo!

O candidato à Presidência da República Mário Soares, na sua recente entrevista à VISÃO, afirmou que “é salutar a esquerda estar dividida”. Embora não tenha especificado, e qualquer pessoa menos avisada possa ser induzida em erro, percebe-se que Soares se está a referir a uma divisão, ocasional e conjuntural, repartida por quatro candidaturas, que no contexto da disputa eleitoral que se avizinha, tendem para fazer convergir a votação no candidato de esquerda, que chegar a uma hipotética segunda volta. No entanto, estas palavras acabam por denunciar o divisionista que Mário Soares sempre foi, nos terrenos da luta política. Resumindo: a divisão sempre foi um instrumento a que recorreu para ganhar ascendente e chegar ao poder. É por esta e outras razões, que Mário Soares continua a ser para muita gente um político de confiança duvidosa, em última análise, um mal menor. Pelo seu apego aos valores da liberdade, é indiscutívelmente um democrata, mas por tantas e oportunísticas derivas, e excessivo culto pelos jogos de poder, não necessáriamente, um genuíno homem de esquerda. Basta lembrar a ruptura que provocou na oposição, ainda no tempo da ditadura, com a cisão na CDE e o aparecimento da CEUD, já depois do 25 de Abril com a história do socialismo na gaveta, que por lá ficou a ganhar cotão, depois a emblemática coligação com o CDS, e ainda a polémica retirada de apoio à candidatura de Ramalho Eanes, quando aquele se mediu com Soares Carneiro, isto para não falar de mais uns quantos atropelos e traiçõezinhas, cometidas dentro do próprio PS.
Para o bem e para o mal, a sua passagem pelo poder deixou marcas, e o Portugal que hoje somos, com o seu cortejo de atrasos, assimetrias e incertezas, também a ele o devemos.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Apitos e Furacões

A operação que o Ministério Público e a Polícia Judiciária desencadearam contra alguns bancos e escritórios de advogados com ligações a empresas “off shores”, com o intuito de encontrar o fio da meada de fugas ao fisco, fraudes e branqueamentos de capitais, parece estar a perder força, e talvez por isso se explique porque foi baptizada de “Furacão”. Aquele é um fenómeno metereológico que habitualmente, depois de provocar muito medo e apreensão, e também grandes estragos (dependendo isso da orientação que tomar), acaba quase sempre por perder a força inicial, até se transformar numa mera e insignificante tempestade tropical.
Fica a faltar uma explicação para o facto de ter deixado de haver notícias da operação “Apito Dourado”. Terá ficado entupida?

Liberdade Condicional

Na sua ânsia de cortar nas despesas públicas, o governo de José Sócrates tem a intenção de encerrar mais uns quantos hospitais psiquiátricos. O resultado é simples: vão haver por aí, mais uns quantos malucos à solta! Em contrapartida, os desempregados que estão a receber subsídio de desemprego, vão deixar de poder sair de casa, duas horas da parte da manhã, ou duas horas da parte da tarde, em semanas alternadas. A medida tem por objectivo cortar o subsídio a quem ande a trabalhar em qualquer biscate, como ajuda para os “alfinetes” (e pelos vistos, a procurar novo emprego), logo com dupla fonte de rendimentos, lesando assim as finanças públicas. Como disse o Daniel Oliveira, só falta terem que usar a pulseira electrónica, como se fossem arguidos em liberdade provisória. O governo quer evitar assim, que os desempregados enriqueçam desmesuradamente à custa do orçamento de estado, ao passo que pouco ou nada faz para pôr ordem nas falências em cascata, com patrões ausentes em parte incerta, nas empresas de barracão e vão-de-escada, combatendo assim a proliferação da economia paralela, que além de não pagar impostos, lá vai singrando à custa de muito trabalho precário e semi-clandestino.

Choque Fiscal

O velho “selo” do automóvel vai deixar de ser um imposto autárquico de circulação para passar a ser uma taxa que se aplica a todos os veículos automóveis, circulem eles ou não. Quer isto dizer que pode estar recolhido numa garagem, imóvel e moribundo, ou em exposição num qualquer museu, que os reformadores de impostos não têm contemplações, e todos vamos levar pela medida grande. O proprietário passará a ser notificado pelo correio para efectuar o pagamento, e só depois receberá a respectiva vinheta. Prevêm-se monumentais confusões, sobretudo nos casos em que os proprietários venderam os carros, e o novo proprietário, pelas mais variadas razões, nunca regularizou o registo de propriedade. Num devaneio de futurologia, prevê-se que a taxa venha a ser extensiva a todos os electrodomésticos. Isto é o governo Sócrates no seu melhor, na versão de “choque fiscal”, a espremer vigorosamente os contribuintes, a fim de arranjar verba, para dar emprego a mais uns quantos “assessores” e “especialistas”.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Prisão Perpétua

Que prazer encontrarão as pessoas no facto de terem pássaros engaiolados, seres que sem cometerem qualquer crime, estão a sofrer tamanho castigo, sem direito a revisão de processo, saídas precárias ou redução de pena. Quando cantam para nosso consolo e deleite, nós que não entendemos a letra da canção, talvez estejamos a ser assediados com pedidos de clemência, rogando-nos para que lhes deixemos a portinhola entreaberta, para iniciarem uma fuga, que por força do choque com a novidade e diversidade do mundo, poderá ser tão efémera como o viço de uma flor. Não esqueçamos que foram feitos para voarem e viverem num mundo de liberdade, cujos limites são a imensidão dos grandes espaços.

Pulo do Jacaré


É lamentável, mas esqueci o nome desta cascata. Lembro-me apenas que se localizava algures no Kwanza Norte, em Angola. Chamemos-lhe Pulo do Jacaré, até que alguém reconheça o local e lhe devolva a sua verdadeira identidade. Estive lá em 1970, e para lá chegar tive que percorrer uma razoável distância a pé, talvez uns dois ou três quilómetros, por um trilho que se esgueirava pelo meio do capim. O silêncio começou por ser cortado por um breve sussurro, depois por um sopro contínuo, finalmente por um rugido que subiu de intensidade, até que de repente, o espectáculo das águas em fúria se abriu à minha frente.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Jogos Pessoais

Estas eleições presidenciais, centradas nas candidaturas de Cavaco Silva e Mário Soares - duas criaturas que se detestam por razões óbvias - são, primeiro que tudo, uma luta de galos, uma espécie de ajuste de contas com o passado, onde se junta o inútil ao desagradável. Seja com Cavaco ou com Soares, para lá dos jogos pessoais do costume, não há novidades, não há pedagogia, e também não oiço nenhum deles opinar sobre o estado de degradação a que chegaram as condições de vida dos portugueses e as perspectivas de tempos negros que se avizinham. Em boa verdade, para estes dois, o que parece estar em causa não é a mais alta magistratura da nação, mas apenas uma disputa pessoal, uma espécie de confrontação de machos que querem ser dominantes. Do lado de uma direita que não se dispersou, está um economista adepto de tabus, frio, calculista, muito arrumadinho e educadinho, a sorrir e a dizer que não morde, perfilando-se para uma corrida que andou a treinar ao milímetro. Do lado de uma esquerda pulverizada em quatro candidaturas, está um tribuno voluntarista, repentista, que se acha imbatível e insubstituível, que rosna e mostra os dentes, que continua a gostar de exibir uma montanha de credendiais e um reizinho que traz na barriga.
Resumindo: a três meses de irmos a votos, vão prevalecendo as figuras, enquanto ícones, em prejuízo dos conteúdos e das ideias. Entretanto, lá atrás, os outros três candidatos de esquerda continuam a esgatanharem-se desalmadamente, irremediávelmente esquecidos de quem é o adversário principal.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Sequela de Sequela


Esta história, tal como o nome indica, é a sequela de uma sequela, situação normal nos meandros da sétima arte, mas pouco habitual quando falamos de coisa escrita. Porém, este caso é tão curioso e ilustrativo de como as coisas acontecem (e correm mal) em Portugal (estou a falar de uma empresa privada, mais exactamente um banco), que não consigo deixar passar em branco o epílogo (espero que o seja) desta minha peregrinação. Podia fazer um link para o anterior artigo onde sintetizava os antecedentes da história, mas não vem grande mal ao mundo se voltar a transcrever o que há meses atrás foi dito, saciando a curiosidade a quem de direito. Por isso, aqui vai:

2005 Setembro 3 - A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem, que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.
Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela. Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava. Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.

Passaram, entretanto, dois meses, altura de voltarmos à tal sequela da sequela. Quando eu pensava que o assunto tinha ficado encerrado, engano meu. Na sequência do tal erro do banco, posteriormente rectificado, o mesmo banco (mais os seus impagáveis computadores) achou por bem enviar-me uma nova cartinha, muito simpática e solícita, a informar-me que agora estava devedor de 19 Euros, a título de JUROS DE PENALIZAÇÃO, a castigar o tal cheque mal lançado pelo banco, e que devia correr a pagá-los, porque senão, como caloteiro reincidente que era, o caldo podia ficar entornado. Como português temente e bem comportado, sem dívidas e com os impostos em dia, lá fiz uma nova viagem até ao dito, dissimulando da melhor maneira possível, uma tremenda vontade de lançar alguns urros cavernícolas, para sublinhar que quem devia ser multado era aquele banco, de que eu, apesar de esforçadas diligências, não me conseguia desembaraçar.
Tenho agora comigo um documento que dá como como saldada e extinta, para todos e os devidos efeitos, a tal conta que em má hora subscrevi, há vinte anos atrás. Tanto amadorismo e incompetência brada aos céus! Portanto, oremos para que esta história de encantar, depois de tanta diligência, fique por aqui.

NOTA – Qual é o banco, qual é ele? Aceitam-se sugestões.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Salto Imortal


Quedas do Duque de Bragança, no Rio Lucala, região de Malange, Norte de Angola, em 1971.
Não ficou registado o ruído ensurdecedor das águas a despenharem-se lá do alto, gerando cá em baixo uma erupção líquida que voluteava pelo ambiente. Sobreviveu apenas esta pequena imagem, a testemunhar a imponência de um salto imortal.

domingo, outubro 30, 2005

Duas Faces da Mesma Moeda

Temos ouvido o PCP afirmar amiúde que o PS, através do seu governo Sócrates, está a continuar, agora com maioria absoluta, a política de obsessão com o défice orçamental, que os governos do PSD/PP, com Barroso e Santana Lopes, tinham vindo a levar a cabo. Este ponto de vista tem sido sistemáticamente contestado pelos socialistas, os quais acusam o PCP de ser incapaz de coerência, assumindo-se permanentemente do “contra”, avesso a assumir uma posição construtiva e patriótica. No entanto, o parágrafo seguinte não tem origem em qualquer documento do PCP, sendo da lavra de José Pacheco Pereira, militante do PSD, está inserto no blog ABRUPTO, e reza o seguinte:
“O PSD irá provavelmente votar contra este orçamento, mas não escapará à dificuldade de justificar esse voto. Porque, estando as coisas como estão, não há muitas razões para o PSD votar contra um orçamento que contempla uma maioria de medidas que era suposto o PSD, se estivesse no governo, tentar realizar. O PSD pode dizer que o equilíbrio orçamental é mais conseguido pelo aumento (virtual e imaginativo, nalguns casos) da receita do que pelos cortes na despesa. Mas duvido que, se o PSD estivesse no governo, fosse capaz de ir mais longe do que o PS nos cortes da despesa pública. ...”
Mais palavras para quê? Se dúvidas houvesse, esperemos que fiquem esclarecidas.

Pesadelos

A Associação Nacional de Municípios Portugueses, confrontada com a redução de verbas a transferir pelo governo para as autarquias, em consequência dos cortes orçamentais, destinados a reduzir o défice, como compensação, achou por bem propor uma solução genial. Nada mais, nada menos, que aplicar uma taxa aos utilizadores de instalações hoteleiras, que está a ser conhecida como imposto de dormida.
- O que é que eu tenho a ver com isso, dirá o cidadão anónimo, se eu até nunca durmo em hotéis? Este imposto é mais para os turistas estrangeiros, e esses até podem pagar!
- Apesar das associações hoteleiras estarem apenas preocupadas com problemas de competitividade, cuidem-se todos os portugueses, digo eu. Daí esta medida estender-se a todos os locais onde se caia nos braços de Morfeu, vai apenas um pequeno passo. Para que o governo decida alargar o âmbito desta preciosidade a nossas casas, basta que continuemos em crise e os inventores de impostos tomem o freio nos dentes.
Quando eu há dias, e a propósito da Taxa Municipal de Direito de Passagem (aquele imposto que os municípios cobram à PT, e que ela depois recobra de todos nós), fantasiei com a hipótese de virmos a ser colectados com um imposto sobre circulação pedonal, sobre o ar que respiramos ou sobre as nossas descargas fisiológicas, não estava a fazer futurologia, nem tão longe da realidade. Porventura, só acontecerá em Portugal, mas um imposto sobre dormidas em hotéis, por enquanto, talvez não passe de um assalto a forasteiros de passagem, com o extra de uma incómoda noite mal dormida. No entanto, quando se estender a todos os cantinhos onde exista um colchão para reclinarmos o corpo, certamente que se tornará um pesadelo.
Só espero que aquilo que tenho vindo a escrever, tão irónico quanto indignado, não esteja a ser fonte de inspiração para os espíritos preversos, atentos e vigilantes, que pontuam em cada esquina.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Imunidades

(Este comentário tem a ver com a amplitude da justiça e não com as motivações dos infractores)
Já com três antecedentes no currículo, sendo portanto reincidente nesta matéria, o Mário Soares permitiu-se voltar a violar, descaradamente, desta vez nas eleições legislativas e autárquicas de 2005, o que a lei eleitoral determina, sobre o termo das campanhas e os períodos de reflexão. Frente às assembleias de voto, mesmo ali à boca das urnas, perante os microfones e câmaras de televisão (que teriam sido cúmplices na divulgação dos apelos), insolente e incorrigível, apelou ao voto nos candidatos do Partido Socialista, sendo que num dos casos se tratava do seu próprio filho. As três primeiras foram arquivadas, e das duas últimas, até à data não sofreu qualquer sanção que se visse ou ouvisse, emitida pela Comissão Nacional de Eleições. Porém, contra o que é habitual no nosso país, onde a justiça também dá sinais de falência, desta última vez, o crime não compensou, em termos de ganhos eleitorais.
Já sabíamos de ministros, secretários de estados, juízes e outras eminências que, nas barbas da Brigada de Trânsito, se deslocam de automóvel a velocidades proibitivas ou cometem infracções que fazem tábua rasa do Código da Estrada, mas ignorávamos que o ter sido detentor de orgãos de poder, ser candidato ou recandidato aos mesmos, concede imunidade a todos os atropelos que possam cometer.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Ai dos Ricos!

Foi na semana passado que chegaram até nós as notícias de que o Ministério Público e a Polícia Judiciária haviam desencadeado uma grande operação, baptizada de “Furacão”, destinada a investigar alguns bancos, empresas a eles associadas e escritórios de advogados, todos eles envolvidos em métodos e práticas que tinham por objectivo o branqueamento de capitais, fraudes fiscais e camuflagem das grandes fortunas dos seus clientes, eximindo-os assim ao pagamento de impostos, e falando-se de valores astronómicos, que ascenderão a muitos milhares de milhões de Euros. Embora ainda haja muita investigação pela frente, e também já se vá falando em violações do segredo de justiça, que podem inquinar as investigações, vamos ficar atentos aos acontecimentos e desenvolvimentos, esperando que não apareça nenhum pauzinho a emperrar a engrenagem, e que se comece finalmente a procurar o dinheiro fugitivo, onde ele realmente está. Sem deixar de ser rico, diz a lei que o rico vai ter que justificar a origem daquele dinheiro que possui, bastando que o Estado passe a andar mais atento e faça cumprir a lei, para que não sejam sempre os mesmos a pagar as crises, e terem que suportar os devaneiros dos orçamentos de estado.
Entretanto, definitivamente apostado na moralização da vida e das finanças dos portugueses, o governo, inchado de arrojo e determinação, e porque não queria ficar atrás do Ministério Público, nesta cruzada anti-corrupção, correu a disparar sobre outro sector da sociedade, mais exactamente os ricos que se fazem passar por pobres. No caso presente falamos dos idosos com mais de 80 anos, que se dizem sem recursos e sem família, mas que se calhar não é bem assim, podendo cada um deles esconder um perigoso malfeitor, cujo objectivo é viver à grande e à francesa, à custa do erário público, lesando assim as frágeis finanças do país. Animado da melhor das intenções, acontece que o Estado decidiu atribuir uma pensão a cerca de 65 mil idosos, que se pensa serem manifestamente pobres, porém, o Estado não vai em cantigas. Os ditos idosos carenciados terão que provar a sua condição de indigência, sendo que tanto o candidato a pensionista, como a sua família próxima, se a tiver, terão que exibir os extratos das suas esqueléticas contas bancárias, provando deste modo a penúria. Assim, a pensão só será atribuída a quem não tiver família a quem recorrer, ou se a dita for tão ou mais pobre que o candidato. Entretanto, ainda não se sabe o que acontecerá a quem não tiver conta no banco, podendo muito bem acontecer que os octagenários e seus familiares sejam convidados a exibir as entranhas dos colchões, ou a levantar as tábuas do soalho. Como fácilmente se pode adivinhar, com tão bizarros condicionamentos, os tais 65 mil candidatos irão ficar reduzidos à lotação de meia dúzia de autocarros.
Segundo fontes do Ministério da Segurança Social, esta iniciativa já trás a marca e os contornos das mudanças que futuramente irão reger a obtenção de pensões, moralizando assim as prestações sociais. Face a isto, e considerando a fértil imaginação dos políticos portugueses, para engendrarem novas formas de espoliarem os cidadãos, e não esquecendo que há por aí muita gente que tem tendência para confundir maiorias absolutas com poder absoluto, prevêem-se, no futuro, pouquíssimas alterações nos direitos, mas grandes alterações nos deveres e obrigações de quem vive de pensões ou reformas. Sem querer fazer futurologia, vou dar três exemplos do que pode vir a acontecer.
Primeiro: Para acabar com o dinheiro escondido nos sítios mais incríveis, quem não tiver conta bancária não tem direito a nada.
Segundo: Habilitar-se a uma herança vai passar a ter mais um passo burocrático e um senão: o candidato à herança terá que apresentar um documento que prove que não é pensionista ou reformado, e caso o seja, a sua reforma ou pensão será reduzida numa percentagem proporcional à herança recebida. A condição de pensionista passa a ser incompatível com a condição de herdeiro.
Terceiro: O mesmo se passará com quem for premiado com a lotaria, totobola, totoloto ou o euromilhões. Para levantar o prémio terá que provar que não é reformado ou pensionista, e se o for, a Santa Casa está obrigada a comunicar o acontecimento aos serviços respectivos, que se encarregarão de reduzir a pensão de reforma do feliz contemplado, numa percentagem proporcional ao valor do prémio recebido. Neste caso, a condição de pensionista passa a ser incompatível com a condição de sortudo.
Dizem alguns teóricos socialistas de meia tijela que isto é solidariedade social, em estado de pureza absoluta, pois o Estado encarrega-se de redistribuir pelos outros carenciados do país, o quinhão que acabou de amputar às reformas e pensões, de uns quantos pobres priveligiados, por força de passarem a ser detentores de uma herançazita ou de um prémio da lotaria.
Depois das pensões e reformas, virá a vez dessa praga dos subsídios de desemprego, dar o corpo ao manifesto. A propósito, alguém consegue ver o Belmiro de Azevedo, o Sousa Cintra, o Espírito Santo Salgado, o Manuel Damásio ou o Jardim Gonçalves a receberem subsídio de desemprego, quando estão desocupados ou algum dos seus negócios dá para o torto? Claro que não! Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, nada impede que coloquemos os pobres em pé de igualdade com os ricos.
Portanto, sejam eles aposentados, reformados, pensionistas e todos os cidadãos em geral, que se cuidem, pois finalmente vem aí a tão apregoada como esperada justiça social. E já agora, quanto aos ricos, e para que não venham dizer que ficaram esquecidos, já sabemos o que a casa gasta...

domingo, outubro 23, 2005

Nascido para Vencer

O Avelino Ferreira Torres veio há dias fazer um esclarecimento público surpreendente. Disse ele que, minutos antes da tomada de posse dos novos orgãos autárquicos em Amarante, nem ele nem a sua família sabiam se iria assumir, ou não, o seu lugar de vereador. É natural que fosse assaltado por esta dúvida, já que o que ele disputara fora a presidência, e não uma simplória vereação, mas a forma como o disse, deixa algumas dúvidas a latejar nos espíritos. Gerir e sublimar uma derrota, mesmo que autárquica, é um trabalho que exige, por parte do candidato, uma grande preparação psicológica. Será que o Avelino anda a tomar decisões por impulso, o que não é abonatório para a credibilidade de um político, campeão da construção de rotundas a martelo e de auto-baptismos toponímicos, ou será que foi “possuído” por “vozes” interiores, umas maléficas e outras benéficas (venha o diabo e escolha), que não controla, e que lhe ditam muitos dos seus exuberantes comportamentos? Tanto estar virado para dizer “sim” como “não”, e com isso defraudar as justas espectactivas dos seus correlegionários, não é aceitável! Deixo aqui a pergunta: - Neste país, alguém quer ver o Avelino de rastos? Não, eu pessoalmente não me conformo! Nascido para vencer, custe o que custar, doa a quem doer, cercado de conspirações e assediado por uma mórbida coligação de inimigos, que nada mais querem senão a sua queda, outra coisa não era de esperar deste indómito guerreiro da democracia, senão que assumisse por inteiro a tal vereaçãozinha. Mas com as suas dúvidas (indesculpáveis num indivíduo que, nos campos de batalha, sempre se assumiu voluntarioso e sem contemplações), ficam a pairar no ar algumas legítimas preocupações. Será que o homem está a perder “qualidades”? Assim, caso o seu problema sejam os impulsos, não seria má ideia disciplinar-se, e dar algum sentido às tomadas de decisão, praticando um-dó-li-tá, mal-me-quer, bem-me-quer, ou então que volte a emigrar (esta a solução que aconselho com denodo), desta vez para Felgueiras ou Gondomar, tentando aí a sua sorte, e confrontando-se com adversários do mesmo calibre. Pelo contrário, se o seu o problema são “vozes” interiores, sugere-se a intervenção de um conselheiro espiritual, ou então, em caso extremo, de um competente exorcista.

domingo, outubro 16, 2005

As Três Invasões

Estão em curso três invasões: a China que trabalha vinte e quatro horas por dia e quer fazer submergir a Europa (e o resto do mundo) com os seus produtos, os africanos que querem emigrar, fugindo à sua condição de infra-humanos, tentando romper o cordão sanitário estendido às portas da Europa, e as aves que, indiferentes aos nossos medos, cumprem o seu destino migratório, trazendo com elas a ameaça de uma gripe que poderá transformar-se numa pandemia entre os humanos.
A primeira é a consequência de existir um país com dois sistemas, que despertou para o grande circo da globalização, cheio de força, determinação e muitas contradições. A segunda é a trágica consequência de um dos continentes mais espremidos e vivissecados pelo colonialismo, estar agora nas mãos de um punhado de mastins, régulos, sobas e tiranos, que apaparicados pelos amigos de ocasião, sugam os seus povos até ao tutano, saqueando em benefício próprio, as poucas migalhas que sobraram do grande festim. A terceira é fruto de uma epidemia que está para as aves, assim como a doença das vacas loucas esteve para os bovinos. Tem o dramático inconveniente de não conseguirmos circunscrever os animais infectados, porque eles cruzam, sem cerimónia, todo o planeta, pelos seus próprios meios.
Deixemos a primeira invasão para os políticos e a terceira para os cientistas. Dediquemos algumas palavras à segunda, que neste muito saudado século XXI, tem que ver com gente que persegue um projecto de sobrevivência, num continente onde toda a gente é refugiado ou foge de qualquer coisa, sejam elas perseguições, genocídios ou limpezas étnicas, como vai acontecendo na Etiópia, no Sudão, no Ruanda ou na Libéria. Detenhamo-nos um pouco na grande migração de povos subsarianos, que depois de perseguidos, explorados e molestados nas terras por onde passaram, vão desembocando nos areais marroquinos e se lançam às águas do Mediterrâneo em frágeis barcaças a abarrotar, ou investem em hordas desesperadas, contra as vedações de arame farpado de Ceuta e Melilla. Eles não anseiam pela imortalidade, apenas querem trabalho e uma vida com alguma dignidade.
O nosso empedernido egoísmo, encolhe os ombros ou mascara-se de hipócrita compaixão, quando ouve falar dessas golfadas de gente exausta que, depois de calcorrearem milhares de quilómetros, com a vida presa por um fio e suspensa de uma garrafa de água, que é a sua ração de sobrevivência, se dispõem a enfrentar a escalada das paredes de arame farpado, último obstáculo que os separa de uma fugaz centelha de futuro decente. Insensíveis e cómodamente instalados, mudamos de assunto, quando nos dizem que mais uns quantos tombaram às portas de Ceuta ou Melilla, com os olhos postos numa Europa que só os quer a conta-gotas, para trabalhos indiferenciados e consoante as necessidades.
Esquecemos quão sórdida e ignóbil é esta Europa, como se de um campo de refugiados se tratasse, ao desejar aquela mão-de-obra, contingentada e a pataco, para garantir o seu bem-estar e nível de vida, ao mesmo tempo que, internamente, os políticos, bem nascidos e bem nutridos, traçam a régua e esquadro a desconstrução e esvaziamento do estado-providência, prenunciando um novo tipo de sociedade que, sustentado pela precaridade e indigência, roça sem pudor, alguns discretos modelos de esclavagismo. Entre o morrer emaranhado no arame farpado das barreiras de Melilla ou ser acossado e enxutado como mosquedo, para continuar a a vaguear, algemado e esfomeado pelos desertos magrebinos, perseguindo a visão de uma vida mínimamente decente, que a Europa lhes nega e o seu continente de origem lhes recusa, venha o diabo e escolha.
Assim vai este mundo-lobo!

quarta-feira, outubro 12, 2005

O Triunfo dos Porcos

A democracia tem destas aberrações. Se o candidato for arguido, é garantido que terá fartura de direito de antena, e se trabalhar com afinco recolherá os louros de herói regional, com discreto (mas eficiente) apoio partidário e eleição garantida. À falta de grandes causas e referências nacionais, os vivaços têm um lugar assegurado no imaginário popular, e isso explica o facto de haver quem goste de ser enganado, entregando o ouro ao bandido, de boca escancarada e olhos fechados. O povo português continua a ser sensível a caudilhos, caciques e insolentes trauliteiros, sendo tal disposição demonstrativa de que, trinta e um anos depois da revolução de Abril, ainda persistem as marcas deixadas pelos mandatários salazaristas, e dificuldades em assimilar ou compreender os mais elementares princípios da cultura democrática, que não se limita ao uso e abuso das liberdades de expressão. Quando assim é, nada feito. Só as fatais leis da vida e o investimento na cultura cívica das novas gerações, operarão a necessária transformação. Enquanto isso não acontece, se o povo entende votar no Valentim, pois que coma mais do Valentim! Se o povo quer votar na Fátima, pois que coma mais da Fátima! Se o povo quer voltar ao Isaltino, pois que coma mais do Isaltino! Quanto ao Avelino, com o Marco de Canavezes já espremido até ao caroço, resolveu emigrar para Amarante, com escasso tempo para angariar apoios e marcar território. Levou a cabo sessões contínuas de circo, com umas quantas passeatas de helicóptero, distribuiu uns blusões, e ficou-se por aí. Faltou-lhe o tempo para ir às compras de compadrios, não estava em Gondomar, e porque não despachou electrodomésticos ao desbarato, o resultado não podia ser o mesmo. Perdeu as eleições, acusou de mentirosos e conspiração metade do país, mas gabou-se de já ter um pé em Amarante. Daqui a três anos e meio, para ter novo tempo de antena e preparar-se para mais uma surtida, talvez volte à “quinta das obscenidades”, para alinhar alguns tijolos e chafurdar com os porcos. Assim vai este país que foi a votos.