segunda-feira, novembro 13, 2006

Tiro e Queda

T
A Comissão Técnica propõe encerrar 14 serviços de urgência sem a devida e cabal fundamentação. Mas convida os lesados a provar que o encerramento é um erro. Chama-se a isto “inversão do ónus da prova”. A Comissão Técnica (nomeada pelo Ministério da Saúde para dissimular as suas opções políticas) é que deveria indicar quais as eventuais vantagens do encerramento.
Castro Almeida in Urgências: o que parece não é. Público de 9-11-2006
J
Já alguém pensou como é esquisito que o PS (Governo) dê tanto valor à problemática da despenalização do aborto que a queira referendar, e se esteja completamente nas tintas para saber o que pensamos de todas as outras questões que nos atormentam?
Já alguém se perguntou porque está, por exemplo, o Governo a destruir paulatinamente um bem essencial como o Serviço Nacional de Saúde e nunca perguntou a ninguém se era esse o nosso desejo? É este o seu critério referendário!
João Marques dos Santos in A Grande Ilusão. Correio da Manhã de 3-11-2006

Deus e Darwin

D
A febre fundamentalista cristã que tem vindo a assolar o ensino e as escolas nos EUA (que na agressividade não fica atrás do fundamentalismo islâmico), está a estender-se à Europa, mais exactamente ao Reino Unido. Essa febre reclama que as teorias criacionistas, as quais sustentam que todos os seres vivos têm a sua origem na inspiração divina de um criador supremo, deveriam ser ensinadas nas escolas, em pé de igualdade com a teoria evolucionista, a qual defende que as espécies se aperfeiçoam ou extinguem, através de um processo evolutivo que dá pelo nome de selecção natural, onde prevalece a adaptabilidade às condições ambientais. Como é óbvio, a esmagadora maioria dos membros da comunidade científica não subscreve esta pretensão, pois na sua opinião, a religião é uma opção do foro pessoal e íntimo dos indivíduos, gerida por um conjunto de crenças que se fundamentam na fé, e como tal não deve ser confundida com ciência, a qual se rege pela demonstração baseada na experimentação.
Depois do grande esforço que foi a laicização das sociedades, e num ano em que toda a obra de Charles Darwin, o cientista que traçou as linhas mestras da teoria da evolução, é colocada no domínio público, este frenesim dogmático e proselitista, diz bem dos tempos que estamos viver, onde os teocratas, talvez sentindo que os locais de culto vão ficando vazios de crentes, querem voltar a assentar praça nos bancos das escolas, transformando-as em lugares de catequese, de onde sairão, dóceis e tementes, levas de mentecaptos, numa subtil réplica dos primórdios medievais.

terça-feira, novembro 07, 2006

Assuntos Sérios

A
“Quem não sabe cuidar do passado nunca saberá cuidar do futuro.”
Esta é a conclusão de Sérgio Rodrigo, a propósito da degradação e abandono em que se encontra o Convento de Cristo em Tomar.
O
O governo adoptou a táctica de publicitar grandes medidas de contenção, que afectam a carteira dos contribuintes, para posteriormente, face ao grau das reacções e da contestação, reduzi-las para metade ou um terço, instilando no povo a ideia de que, sendo aquela maldade uma necessidade, sempre é melhor um mal menor do que o mal absoluto.
C
Considerando os grandes problemas gastro-intestinais que os cortes orçamentais iriam provocar na gula despesista do soba madeirense, o tal que tem por hábito cavalgar paquidermes à custa dos “continentais”, aqueles cortes vão ser aplicados em seis prestações suaves, que se estenderão até 2012. Cá estaremos para contar as que se irão perder pelo caminho.
N
Não sei se os neo-conservadores americanos aceitarão de ânimo leve as consequências de uma derrota nas próximas eleições para o Congresso, que se realizam hoje, já que isso deixariam seriamente comprometidos os seus planos futuros. Na verdade, desde que G.W.Bush chegou à presidência que outra coisa não têm feito senão criarem as condições para que a constituição americana e a democracia sejam subvertidas, rumo a um estado policial de tendência fascizante.
U
Um novo escândalo de espionagem envolve a Casa Branca. O técnico de informática Daniel Brandt, através da página digital Googlewatch, está a denunciar a actividade a que se entregou a Agência Nacional de Segurança, órgão de segurança interna do governo Bush, a qual utilizou uma classe especial de programas, denominados “cookies”, para efectuar espionagem nos computadores domésticos. Brand descobriu que na página on-line da Agência havia “cookies” que se mantinham activos até 2.035, período que excede em muito a vida útil de qualquer computador actualmente em uso. Os “cookies” (biscoitos) são pequenos programas que entram no seu computador todas as vezes que os utilizadores acedem a certas páginas da Internet previamente preparadas para isso, ficando por lá, como uma espécie de agente infiltrado, até que ocorra nova consulta. Depois da denúncia, os tais “cookies” foram retirados da página e a Agência publicou uma nota de desculpas, mas não esclareceu quem decidiu, o porquê de tal intrusão, nem que tipo de informação foi compilada.
Contradizendo os cépticos, este caso é bem a prova de que o GRANDE IRMÃO (Big Brother) já está entre nós!
H
Há já algumas décadas que as condições climáticas do planeta estão a mudar, por influência directa e indirecta das actividades humanas, no entanto, ainda há quem diga que isso do buraco do ozono, do “efeito de estufa” e outras congeminações ecológicas, são tudo “histórias da carochinha”.
Para contrariar isso e passar a dispor de uma ferramenta que funcione como referência para as opções a tomar no futuro, o governo britânico encomendou a Nicholas Stern um estudo sobre o impacto das mudanças climáticas nas economias dos países. O Projecto Stern pretende pôr as coisas no seu devido lugar, mas, apesar de ser um trabalho sério e profundo, longe de colher a unanimidade, como seria de esperar, parece ter alargado ainda mais, o fosso que já separava, nestas questões ambientais, os optimistas dos pessimistas. Dizem uns que o documento é alarmista, incompetente e deve ser rejeitado, enquanto que outros afirmam que não aborda a questão nuclear, é francamente optimista, faz demasiadas cedências e é pouco exigente. Eu, para quem isto não é matéria virgem, que apenas li as páginas de conclusões finais, e fiquei atordoado, parece-me ser de uma crueldade atroz continuar a ignorar o que já está a acontecer, e o que os vindouros irão padecer. Qualquer bom observador sabe identificar os sinais que diariamente se vão acumulando, e que demonstram que se estão a operar transformações que degradam a qualidade de vida do planeta. Por outro lado, qualquer mente minimamente informada, também sabe que a bitola económica não é a única chave para garantir a continuação, de forma viável, da vida sobre a Terra. Finalmente, no meio de tantas e tão grandes preocupações, corremos o risco de esquecer que o problema principal reside nos optimistas indefectíveis, que não vêm perigos imediatos em lado nenhum, e que com essa leviandade acabam por inquinar todas as medidas e combates que, para terem sucesso, terão que ser CONSENSUAIS e GLOBAIS. É preciso interiorizarmos, de uma vez por todas, que a Terra é como se fosse uma imensa nave espacial, onde se não forem respeitadas as regras de coexistência e sobrevivência, a vida acabará por se extinguir. Por isso, deixemos de assobiar e olhar para o lado, sempre que o tema de conversa é poluição e os seus efeitos. Ai da Humanidade se não reflectirmos, se não formos prudentes e se não tomarmos medidas. É garantido que a Grande Nave soçobrará.
No fundamental, este relatório Stern vem dizer-nos que as mudanças de clima são uma ameaça global já a ganhar terreno, exigem uma urgente resposta global, sendo que os benefícios colhidos com essa resposta, superarão largamente os danos resultantes de pouco ou nada ser feito. Ninguém nem nenhum país está resguardado da ameaça do aquecimento global. Toda a gente, de uma forma ou de outra, acabará por ser afectada, cabendo aos países mais pobres, menos desenvolvidos e mais desprotegidos, a maior fatia de danos. Tudo isto implica que se alterem substancialmente os estilos de vida, tendo que ser abandonados os conceitos tradicionais que associam o desenvolvimento e o progresso, com altíssimos consumos de energia. Diz o relatório que os próximos 10-20 anos serão determinantes para se apurar se esta guerra, que exige cooperação global e terá que ser travada a nível global, pode ou não ser ganha pela Humanidade. O seu êxito ou fracasso, como é óbvio, depende, não de discursos e intenções, mas essencialmente das acções empenhadas e determinadas que os responsáveis políticos decidam levar a cabo, de forma concertada.
S
Sempre houve muita gente, dentro e fora dos labirínticos corredores vaticanos, que discordaram das conclusões e orientações do concílio Vaticano II, reunido durante o papado de João XXIII. Uns manifestaram-se abertamente contra, como foi o caso do arcebispo Marcel Lefèbvre, fundador da Fraternidade Sacerdotal Pio X, o qual chegou mesmo a ordenar quatro bispos, à revelia do Vaticano, rejeitou o ecumenismo, as missas em línguas vernáculas e manteve o rito tridentino (o sacerdote oficia de costas para os crentes), enquanto que outros, embora cumprindo as novas regras, mantiveram interiormente a sua discordância, aguardando na expectativa e sob uma prudente reserva, o regresso, total ou parcial, aos velhos tempos. Agora que o Vaticano, a propósito de uma certa intenção de pacificar as suas hostes, quer autorizar o regresso, se for esse o desejo de clérigos e paroquianos, às práticas litúrgicas anteriores ao concílio Vaticano II, vem a parte contrária, isto é, os adeptos da renovação, dizer que discorda da medida, porque retira legitimidade às reformas do concílio e acaba por formalizar a divisão da igreja católica em tendências.
Nestas querelas de religião, porque não sou crente, a mim tanto me faz. No entanto, porque não desdenho debruçar-me sobre temas religiosos, dá para perceber, neste princípio de século que vê ressurgir tantos fundamentalismos e ortodoxias, que as organizações não democráticas, onde as resistências são tratadas sem diálogo nem contemplações, quando querem parecer sê-lo, acabam por cair em impasses deste tipo.
O
“O que não falta em Portugal são escritores e realizadores com a inteligência de organismos unicelulares.”
In Inimigo Público de 4 de Novembro de 2006

domingo, novembro 05, 2006

Revista de Imprensa

R
O José Pacheco Pereira (JPP), no seu comentário semanal no jornal PÚBLICO de 26 de Outubro de 2006, transcrito depois para o seu blogue ABRUPTO, resolveu insurgir-se contra alguma comunicação social, neste caso o EXPRESSO, o qual estará a “alimentar o voyeurismo” e a criar condições para que se explore desenfreadamente a hipotética relação do primeiro-ministro com uma certa senhora, a qual é apontada como sua presumível "namorada", classificando tal intromissão na esfera privada dessas pessoas, de algo mais preocupante que mera “coscuvilhice e boatério”, caindo tal prática nos domínios do totalitarismo (?). JPP não foi económico. Na sua dissertação usou, nada mais, nada menos que 1.037 palavras, que serviram de embrulho a um tremendo arrazoado moralista, onde pretende denunciar a imprensa que pretendendo fazer-se passar por “séria” e de referência, mas que cumpre, afinal, de uma forma mais ou menos encapotada, a função que cabe aos tablóides. Na minha modesta opinião, não vale desancar, por atacado, nos jornais e nos jornalistas, quando os responsáveis pela decadência da imprensa séria e a franca expansão da sensacionalista, somos nós, ilustres e decadentes lusitanos.
Do outro lado, estão as pessoas que andam nas bocas do mundo, que enquanto assunto dessas pseudo-notícias, se dividem em dois grupos. De um lado estão as pessoas que por pura ingenuidade, são apanhadas nas malhas do jornalismo sensacionalista, saindo fragilizadas dessa ligação, ao passo que do outro estão aquelas que se expõem deliberadamente, disso tirando graúdas vantagens, porque os seus inconfessáveis interesses assim o exigem. Na situação em análise (o Sócrates é ou não é namorado da tal senhora), ainda não ouvi nenhuma reacção que viesse pôr em causa a veracidade das notícias, logo, apoiando-me na sabedoria popular, concluo que quem cala consente. Quanto aos jornais propriamente ditos, e como atrás deixei dito, quem faz a imprensa de um país são os seus consumidores, e se o EXPRESSO, de jornal de referência, entendeu mudar de estatuto e “tabloidizar-se”, ou é porque não é dirigido por profissionais à altura, seguidores de uma dada linha editorial, ou então é porque o seu público-alvo está a sofrer uma mutação, “desinteressando-se” dos assuntos sérios, e antes que os leitores mudem de jornal, muda-se o jornal a si próprio.
Desde que a palavra escrita se conhece como tal, que foi objecto de uma de duas atitudes: ou se elogiou o analfabetismo e a consequente ignorância como um atributo da santidade, chegando ao extremo de usar línguas mortas para difundir mensagens (missas em latim), ou então, perante a erradicação do analfabetismo, os detentores do poder económico acharam que o maior investimento a que podiam aspirar, era dominar os instrumentos de comunicação social, de forma a que pudessem moldar e controlar subtilmente a informação, segundo os seus interesses e desígnios. É por isso que o tal “quarto poder” de quem tanta gente se queixa, e que é detido por tão poucos, continuará a produzir notícias que serão cada vez menos informação, e cada vez mais manipulação, enquanto nós formos permitindo que assim seja.
N
No editorial do jornal PÚBLICO de 27 de Outubro, José Manuel Fernandes (director do diário) excedeu-se de forma inadmissível. Ao comentar a existência de alguns seres abjectos que escudados no anonimato da blogosfera, se recreiam a lançar suspeitas sobre a idoneidade intelectual de escritores portugueses, sem mais, nem menos, meteu toda a gente no mesmo saco ao dizer que “neste país de cobardes sem rosto que intrigam pelas costas…”, etc, etc. A expressão utilizada, “país de cobardes”, pretende ser um saco enorme, onde estamos todos incluídos, sem excepção. Eu, tu, ele, nós, vós e eles, todos sem escapatória nem perdão, fazemos parte do mesmo bando de biltres. Oh Zé Manel, tenha tento na escrita, faça marcha-atrás e vá chamar cobarde a outro!
E
Entretanto, fiz questão de enviar este texto, por e-mail, para as “cartas ao director” do PÚBLICO. O José Manuel Fernandes respondeu nestes termos:
E
Em nenhum país todos são cobardes. Mas a frontalidade não é por certo uma das nossas maiores virtudes. Basta notar que em 48 anos de ditadura morreram a combatê-la menos pessoas do que em qualquer um dos doze dias do levantamento húngaro contra os soviéticos. Ou que um mês antes do 25 de Abril o Estádio de Alvalade em peso aplaudiu Marcello Caetano, tendo-se levantado para o fazer gente que, provavelmente, depois esteve no Largo do Carmo a exigir o seu linchamento. Claro que todas as regras têm excepções e, sobretudo, “país de cobardes” é uma figura retórica que visa chamar a atenção para a tibieza e o vergar a espinha que, infelizmente, nos confrontamos demasiadas vezes.
Com os melhores cumprimentos
José Manuel Fernandes
A
A resposta não me satisfez e persisti.
A
Agradeço a sua resposta e passo a retribuir. Pois é Zé Manel, volto a insistir que uma coisa é frontalidade e outra é usar desbragadamente figuras de retórica, adjectivando a torto e a direito, TODOS OS PORTUGUESES de cobardolas, esquecendo que a retórica é a arte de bem ARGUMENTAR. Não tenho pretensões a discorrer sobre ética ou boas maneiras, mas acho que o respeitável director do jornal PÚBLICO, não é propriamente um qualquer descabelado “bloger”, desses sem eira nem beira, que nem imaginação têm para arranjar um pseudónimo.
Finalmente, e já que levantou a questão, porque não comparar o escasso número de pessoas que morreram a combater os 48 anos de ditadura salazarista, com as que foram dizimadas pela ditadura de Pinochet, pela tirania de Pol Pot, pelo regime franquista ou até na longa luta pelos direitos cívicos nos EUA?
Aceite os meus cumprimentos.
Fernando Torres

quinta-feira, novembro 02, 2006

Os Espontâneos

O
O primeiro-ministro Sócrates e o seu camarada Jorge Coelho, porque se intitulam figuras da “esquerda moderna” portuguesa, fizeram uma descoberta colossal: conseguem distinguir uma manifestação organizada de uma manifestação espontânea. Para eles as primeiras são sempre montadas previamente pelos comunistas, baseiam-se na velha injecção atrás da orelha e apenas têm por objectivo denegrir e criar agitação, enquanto que as segundas, são genuínas e puras, porque são de concepção espontânea, virgens de contágios e isentas de malefícios. José Sócrates inclui no primeiro grupo aquelas manifestações de desagrado que normalmente o recebem nas suas deslocações pelo país, e no segundo aquelas audiências, escolhidas a dedo, que emolduram, gratas e aduladoras, as suas prelecções nessas mesmas deslocações, e que pretendem marcar o compasso do andamento do país.
Quanto ao doutor Eduardo Prado Coelho, “eminência” intelectual que umas vezes por outras também desce ao terreiro da política, não fica atrás neste tipo de deduções e cogitações, pois até costuma ser convidado a integrar, como “espontâneo”, essas manifestações. Do alto da sua cátedra, confiante e sibilino, “intelectualmente moderno” mas avesso a blogismos, fala de pequenos grupos mobilizados e orquestrados pelos tais comunistas, que continuam a usar os tais incomodativos e obsoletos “métodos para fazer política”, quando, bem vistas as coisas, e até onde a vista abrange, toda gente está feliz, contente e confiante, não havendo razões nenhumas para tais propósitos.
Convém advertir os incautos que qualquer semelhança destes telegénicos colóquios com aquelas concentrações cívicas que se reuniam “espontaneamente”no Terreiro do Paço, para apoiar as políticas do Salazar, organizadas e comandadas pelos caciques locais e governadores civis, nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado, não passa de pura coincidência.

BANCOS

B
“Só nos resta entregarmos o país aos bancos. O problema é que os bancos dificilmente aceitarão o negócio, pela simples e justificada razão de que o país já é deles.”
Manuel António Pina, in Jornal de Notícias em 1-11-2006
B
Carta Aberta ao BRADESCO (divulgada por correio electrónico)
B
Exmos. Senhores Administradores do BES
B
Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria desta forma: todos os meses os senhores e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico, tabacaria, frutaria, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao utilizador. Serviria apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos. Por qualquer produto adquirido (um pão, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até ligeiramente acima do preço de mercado.
Que tal?
Pois, ontem saí do meu BES com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade. A minha certeza deriva de um raciocínio simples.
Vamos imaginar a seguinte situação: eu vou à padaria para comprar um pão. O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de embrulhar ou ensacar o pão, assim como, todo e qualquer outro serviço. Além disso, impõe-me taxas. Uma "taxa de acesso ao pão", outra "taxa por guardar pão quente" e ainda uma "taxa de abertura da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no meu Banco.Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto do negócio bancário. Os senhores cobraram-me preços de mercado. Assim como o padeiro cobra-me o preço de mercado pelo pão.Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto que adquiri.Para ter acesso ao produto do v/ negócio, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de crédito" - equivalente àquela hipotética "taxa de acesso ao pão", que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente no v/ Banco. Para que isso fosse possível, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de conta".Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da padaria", pois, só é possível fazer negócios com o padeiro, depois de abrir a padaria.Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "Papagaios". Para gerir o "papagaio", alguns gerentes sem escrúpulos cobravam "por fora", o que era devido. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu antecipar-se aos gerentes sem escrúpulos.
Agora ao contrário de "por fora" temos muitos "por dentro".
Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores cobraram-me uma taxa de 1€.
Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de 5€ "para a manutenção da conta" - semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".
A surpresa não acabou: descobri outra taxa de 25€ a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo. Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quente".
Mas, os senhores são insaciáveis.
A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu fizer.
Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações do v/. Banco.
Por favor, esclareçam-me uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que a v/ responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito elevados, etc, etc, etc. e que apesar de lamentarem muito e nada poderem fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco de Portugal.
Sei disso.
Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem o v/ negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.
Sei que são legais.
Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade. O cartel algum dia vai acabar e cá estaremos depois para cobrar da mesma forma.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Carta Aberta

P
Porque tem matéria de interesse para os cidadãos portugueses, anda a ser distribuída via e-mail e está devidamente identificada, transcrevo uma
C
CARTA ABERTA AO ENGENHEIRO JOSÉ SÓCRATES
C
Esta é a terceira carta que lhe dirijo. As duas primeiras motivadas por um convite que formulou mas não honrou, ficaram descortesmente sem resposta. A forma escolhida para a presente é obviamente retórica e assenta NUM DIREITO QUE O SENHOR AINDA NÃO ELIMINOU: o de manifestar publicamente indignação perante a mentira e as opções injustas e erradas da governação.
P
Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia, que ultimamente ganhou forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os funcionários públicos seriam os responsáveis primeiros pelo descalabro das contas do Estado e pelos malefícios da nossa economia. Sendo a administração pública a própria imagem do Estado junto do cidadão comum, é quase masoquista o seu comportamento.
D
Desminta, se puder, o que passo a afirmar:
D
1.º Do Statics in Focus n.º 41/2004, produzido pelo departamento oficial de estatísticas da União Europeia, retira-se que a despesa portuguesa com os salários e benefícios sociais dos funcionários públicos é inferior à mesma despesa média dos restantes países da Zona Euro.
2
2.º Outra publicação da Comissão Europeia, L´Emploi en Europe 2003, permite comparar a percentagem dos empregados do Estado em relação à totalidade dos empregados de cada país da Europa dos 12. E o que vemos? Que em média nessa Europa 25,6 por cento dos empregados são empregados do Estado, enquanto em Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ou seja, a mais baixa dos 12 países, com excepção da Espanha. As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro, respectivamente 32 e 32,6 por cento. Se fosse directa a relação entre o peso da administração pública e o défice, como estaria o défice destes dois países?
3
3º. Um dos slogans mais usados é do peso das despesas da saúde. A insuspeita OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante é de 1458. Em Portugal esse gasto é 758. Todos os restantes países, com excepção da Grécia, gastam mais que nós. A França 2730, a Áustria 2139, a Irlanda 1688, a Finlândia 1539, a Dinamarca 1799, etc.
C
Com o anterior não pretendo dizer que a administração pública é um poço de virtudes. Não é. Presta serviços que não justificam o dinheiro que consome. Particularmente na saúde, na educação e na justiça. É um santuário de burocracia, de ineficiência e de ineficácia. Mas infelizmente os mesmos paradigmas são transferíveis para o sector privado. Donde a questão não reside no maniqueísmo em que o Senhor e o seu ministro das Finanças caíram, lançando um perigoso anátema sobre o funcionalismo público. A questão reside em corrigir o que está mal, seja público, seja privado. A questão reside em fazer escolhas acertadas. O Senhor optou pelas piores. De entre muitas razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe aponte duas:
1
1.º Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos têm-se dito barbaridades . Como é sabido, a taxa social sobre os salários cifra-se em 34,75 por cento (11 por cento pagos pelo trabalhador, 23,75 por cento pagos pelo patrão).
O
OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PAGAM OS SEUS 11 POR CENTO!
M
Mas O SEU PATRÃO ESTADO NÃO ENTREGA MENSALMENTE À CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, COMO LHE COMPETIA E EXIGE AOS DEMAIS EMPREGADORES, os seus 23,75 por cento. E é assim que as "transferências" orçamentais assumem perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem formas de sugar os dinheiros públicos.
P
Por outro lado, todos os funcionários públicos que entraram ao serviço em Setembro de 1993 já verão a sua reforma ser calculada segundo os critérios aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase metade dos activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma década.

Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para artífice das iniquidades que subjazem á sua política o ministro Campos e Cunha, que não teve pruridos políticos, morais ou éticos por acumular aos seus 7.000€ Euros de salário, os 8.000€ de uma reforma conseguida aos 49 anos de idade e com 6 anos de serviço. E com a agravante de a obscena decisão legal que a suporta ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio fazia parte.
2
2.º Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e ignorou a economia. Foi ao arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos seus encantos, baixou-os em 4 pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha em 3,2.
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3º Por outro lado, fala em austeridade de cátedra, e é apologista juntamente com o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, da implosão de uma torre (Prédio Coutinho) onde vivem mais de 300 pessoas. Quanto vão custar essas indemnizações, mais a indemnização milionária que pede o arquitecto que a construiu, além do derrube em si?
4
4º Por que não defende V. Exa. a mesma implosão de uma outra torre, na Covilhã (ver “Correio da Manhã” de 17/10/2005), em tempos defendida pela Câmara, e que agora já não vai abaixo? Será porque o autor do projecto é o Arquitecto Fernando Pinto de Sousa, por acaso pai do Senhor Engenheiro, Primeiro-Ministro deste país?
P
Por que não optou por cobrar os 3,2 mil milhões de Euros que as empresas privadas devem à Segurança Social?
Por que não pôs em prática um plano para fazer a execução das dívidas fiscais pendentes nos tribunais Tributários e que somam 20 mil milhões de Euros?
Por que não actuou do lado dos benefícios fiscais que em 2004 significaram 1.000 milhões de Euros?
Por que não modificou o quadro legal que permite aos bancos, que duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento de impostos?
Por que não renovou a famigerada Reserva Fiscal de Investimento que permitiu à PT não pagar impostos pelos prejuízos que teve no Brasil, o que, por junto, representará cerca de 6.500 milhões de Euros de receita perdida?
A
A Verdade e a Coragem foram atributos que Vossa Excelência invocou para se diferenciar dos seus opositores.
Q
QUANDO SUBIU OS IMPOSTOS, QUE PERANTE MILHÕES DE PORTUGUESES GARANTIU QUE NÃO SUBIRIA, FICÁMOS TODOS ESCLARECIDOS SOBRE A SUA VERDADE.
Q
QUANDO ELEGEU OS DESEMPREGADOS, OS REFORMADOS E OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS COMO PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE COMBATE AO DÉFICE, PERCEBEMOS DE QUE TEOR É A SUA CORAGEM.
S
Santana Castilho (Professor Ensino Superior)

domingo, outubro 22, 2006

Reforma Antecipada

R
O socialismo (o mesmo de que se orgulha Carlos César, presidente do Governo Regional dos Açores, escusando-se a aplicar indiscriminadamente, a cobrança de taxas de internamento), já há muito que não está na gaveta, para onde o atirou Mário Soares, nos alvores da década de 80 do século passado. De 2005 para cá, sem resistência, sem cerimónia e com grande desprezo, foi desterrado para o sótão daquele palacete do Largo do Rato, onde agora definha resignadamente.

O Povo Volta a Pagar

O
Teixeira dos Santos podia ter-se comparado a um lusitaníssimo Zé do Telhado, mas nestas coisas de dinheiro, preferiu a figura do anglo-saxónico Robin dos Bosques. A propósito do orçamento para 2007, diz ele que não se sente propriamente um Robin dos Bosques, o tal que vivia na floresta de Sherwood, tirando aos ricos para distribuir pelos pobres. Sabendo nós que neste orçamento, recai sobre os que mais castigados são pela carga fiscal, a missão de serem os principais pagadores da factura do défice, Teixeira dos Santos só poderá sentir-se uma espécie de principe João Sem Terra, o tal que como duque da Aquitânia, carregava de impostos o paupérrimo povo de Nottingham, que quando não podia pagar com dinheiro, pagava com o corpo, em intermináveis jornadas de trabalho, numa espécie de semi-escravatura.

O Povo Paga

O
Os falsos arguidos do caso do colapso da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, foram todos absolvidos. Quanto aos verdadeiros, continuam a manter-se intocáveis e ausentes, pois na devida altura, declararam ter delegado responsabilidades ou não saber de nada. Na verdade, souberam sacudir a água do capote ou afastar-se sorrateiramente. Quanto à justiça, não foi capaz (ou não quis) reconstituir a cadeia hierárquica, para apurar competências e apontar quem foram os verdadeiros responsáveis pela incúria e negligência. Basta que o povo contribuinte tenha pago todas as indemnizações devidas aos familiares das vítimas, tenha liquidado todas as despesas havidas com as acções associadas ao trágico acontecimento, e agora vá pagar também as custas deste processo inconclusivo, para que a justiça se sinta realizada e durma o sono dos justos. Tornou-se um lugar comum nesta terra, perder-se o rasto aos responsáveis morais e aos autores materiais de muitos e variados delitos. Depois disto pouco mais haverá para acrescentar, além de que a culpa continua a morrer solteira, o crime é compensador, e sempre que necessário, o povo continua a pagar.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Promessas

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Promessas feitas em Dezembro 2004
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Das poucas questões respondidas aos jornalistas, sobre a região, Sócrates disse que “caso seja eleito, as auto-estradas sem custo para o utilizador, SCUT’s vão permanecer sem custos”. Na óptica do candidato, “não faz qualquer sentido estar a colocar portagens neste tipo de vias”. O ex-ministro do Ambiente recordou ainda que estas vias foram “obras socialistas” e se nessa altura foram projectadas para não terem portagens “não seria agora, que pela mão do PS, as portagens se tornassem realidade para os utilizadores”. (in jornal on-line da Universidade da Beira Interior, Nº. 254 de 14 a 20 Dezembro 2004)
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Tornam-se Falsas Promessas em Outubro 2006
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O ministro das obras públicas Mário Lino declarou que a decisão de introduzir portagens em algumas SCUT corresponde à aplicação da política do governo para as auto-estradas, e não a uma alteração dessa política. No entender deste ministro, teriam sido ultrapassados os limites (???) e ter-se-iam alterado os índices (???) que determinam se uma região deve ou não beneficiar de SCUT.

Direito à Vida

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O Ministério da Economia e Inovação, onde pontua o ministro Manuel Pinho, o tal que sentenciou o fim da crise em Portugal, entrou definitivamente no reino da fantasia, à mistura com muita parolice. Desta vez coube ao secretário de estado adjunto daquele ministério, uma criaturinha que dá pelo nome de António Guerra, vir dizer para a comunicação social, que a culpa do aumento de tarifas da electricidade é da responsabilidade dos próprios consumidores, para logo a seguir aparecer o ministro “que já não está em crise”, a dizer que desconhecia que os aumentos fossem tão altos. Só falta que alguém venha dizer agora que os tais aumentos foram decididos e decretados pelo electricista que costuma mudar as lâmpadas lá do ministério.
Bem vistas as coisas, isto é o resultado de haver ainda quem pense que os abortos têm direito à vida, e com isso consigam vir a ocupar importantes cargos no governo.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Estado de Sítio

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Os Estados Unidos da América têm, desde 28 de Setembro, uma nova lei para “tratar” os suspeitos de “terrorismo”, concebida de forma a ajustar-se na perfeição à óptica que o presidente Bush e seus correlegionários mais chegados têm sobre a matéria. A nova lei, além de desprezar e ignorar todas as convenções internacionais em vigor, que visam proteger os combatentes de uma qualquer guerra, deixa ao critério “todo-poderoso” do presidente americano, qual o tratamento a dar aos detidos, o qual pode incluir o recurso a sevícias e à tortura. A nova lei socorre-se de uma definição invulgarmente ampla e abrangente do conceito de “inimigo combatente ilegal”, definindo quem pode cair na alçada desta lei especial e ser acusado de estar a conspirar ou a trair o país. Sem grandes preocupações humanitárias, nem cuidados quanto à acusação e à idoneidade das provas, os alvos podem ser enjaulados em prisões militares, logo arredados da possibilidade de requererem o “habeas corpus”, serem julgados em tribunais militares, ficando assim sem possibilidade de apelarem às habituais instâncias de recurso civis. Sem os meios habituais de defesa, poderão apodrecer numa qualquer obscura penitenciária, dando origem a uma nova e invulgar geração de “desaparecidos em combate”, dentro do seu próprio país. Na verdade, esta lei, não foi feita para combater o terrorismo; é um instrumento que pode ser usado contra qualquer indivíduo, seja ele americano ou não, que se pretenda classificar como indesejável, e fazê-lo desaparecer sem demora. Resumindo: é o instrumento ideal para instalar e gerir o estado de sítio permanente, próprio de um estado policial.
Assim sendo, ninguém melhor que um americano para avaliar os termos e implicações dessa nova lei. Para esse efeito transcrevo o artigo publicado no jornal “Los Angeles Times”, da autoria de Bruce Ackerman, professor de direito e ciências políticas da Universidade de Yale.
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“Nova lei americana abre o caminho à injustiça
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Uma mensagem aterradora esconde-se na lei aprovada quinta-feira pelo Congresso americano sobre o tratamento de prisioneiros, e o seu alcance ultrapassa as disputas legais envolvendo os estrangeiros suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo. A lei autoriza o presidente a prender cidadãos americanos que considere combatentes inimigos, mesmo que jamais tenham saído dos EUA. E, uma vez detidos numa prisão militar, eles não terão um julgamento civil nem qualquer das protecções da Bill of Rights (as emendas constitucionais que regem os direitos civis nos EUA). Esta perigosa lei não só autoriza o presidente a prender e manter na prisão terroristas que lutaram contra soldados americanos durante um conflito armado, como também permite a detenção de qualquer pessoa que “intencional e materialmente tenha apoiado hostilidades contra os EUA”. A lei dá ao presidente um enorme poder sobre os cidadãos e pessoas que residam legalmente no país, os quais poderão ser acusados de combatentes inimigos, mesmo que só tenham dado dinheiro para uma organização de caridade no Médio Oriente, podendo ficar detidos indefinidamente numa prisão militar.
Não é caso de preocupação, dizem os defensores da lei. Dizem eles que o presidente não pode prender uma pessoa que contribuiu inocentemente, mas sim aquelas que financiaram expressamente práticas terroristas. Contudo, outros dispositivos da lei colocam em dúvida essa limitação.
Pior: se os tribunais federais confirmarem uma decisão do presidente de deter alguém, os americanos deverão ter que enfrentar um tribunal militar, sem as garantias estabelecidas para julgamentos criminais.
O tratamento para quem possui residência legal no país, mas não é cidadão americano, é ainda mais severo. A lei elimina inteiramente a possibilidade de essa pessoa conseguir um habeas-corpus, deixando-a à mercê das suspeitas do presidente.
Não estamos tratando de abusos hipotéticos. O presidente já submeteu um cidadão à autoridade e jurisdição militar. Alguns meses após o 11 de Setembro, José Padilla foi preso pela administração Bush, acusado de ser “combatente inimigo”. Apesar de ter cidadania americana, Padilla ficou detido mais de três anos numa prisão militar, sem poder contestar sua detenção num tribunal civil ou militar. E, após um tribunal federal de apelação ter ratificado a decisão do presidente, o Supremo Tribunal acabou por rejeitar uma revisão do caso, dando aos advogados do governo um terrível precedente.
A nova lei fortalece ainda mais o poder presidencial. No mínimo, encorajará o Supremo Tribunal a estabelecer uma odiosa distinção entre cidadãos americanos e residentes legais. Há dezenas de milhões de imigrantes legais nos EUA, e a lei incentiva a Justiça a apoiar detenções em massa nessa população. A lei também reforça as alegações do presidente, como no caso Padilla, em que o comandante-chefe das Forças Armadas pode apontar um cidadão dos EUA em solo americano como combatente inimigo e sujeitá-lo à justiça militar.
Pela doutrina constitucional actual, essa demonstração de apoio do Congresso ao presidente seria um factor-chave que o Supremo Tribunal deveria considerar para examinar os limites da autoridade presidencial. Não é tempo de brincar com a política nem com as nossas liberdades fundamentais.
Mas não está claro que o Supremo Tribunal vá proteger a Bill of Rights. A decisão no caso Korematsu - o qual ratificou a detenção militar de nipo-americanos durante a 2ª Guerra Mundial - nunca foi explicitamente revogada. Será difícil para o Supremo Tribunal condenar aquela decisão, especialmente se os ânimos se inflamarem com outro atentado. Mas, com o Congresso a apoiar os poderes presidenciais, ficará muito mais fácil estender a decisão no caso Korematsu, aplicando-a em futuras detenções em massa.
É trágico que os republicanos tenham aprovado uma medida que vai deixar muita gente apavorada na manhã seguinte ao próximo atentado.”
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Se nada for feito para reverter esta situação, os EUA reunirão, num curto espaço de tempo, todas as condições para se transformarem, de uma democracia num estado de direito, num desprezível estado autoritário, de perfil policial-fascista. A instauração de leis de excepção, é o pior que pode acontecer a um povo. Basta que quem detém o poder, se assim o entender e lhe convier, decida que não há lugar para a regra, e tudo passe a ser excepção.
Numa altura em que a própria União Europeia, a par de continuar a questionar os voos da CIA, que operavam a distribuição de “terroristas” pelos países que se dispunham a levar a cabo “interrogatórios eficientes”, se deixa contaminar por cuidados supostamente securitários, que encobrem uma mão cheia de restrições aos direitos e liberdades, aceitando fornecer a essa mesma CIA e ao FBI, dados pessoais de passageiros de transportes aéreos, com destino aos EUA, é altura de ficarmos duplamente preocupados. Incapazes de terem uma política autónoma, os hipócritas e servis governos europeus, acham ser boa política lavar as mãos como Pilatos, acabando por vender o corpo e a alma dos seus cidadãos ao “amigo” americano, a troco de um sorriso de desdém e de uma palmadinha nas costas.

Sem Comentários 1

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“O país (Portugal) é como uma novela: por mais episódios que se percam, não se perde nada de essencial.”
Constança Cunha e Sá in O Regresso (jornal Público)
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"Com voz ou sem ela, o povo pode sempre ser levado a submeter-se à vontade dos dirigentes. É fácil. Tudo o que se tem de fazer é dizer-lhe que está a ser atacado, e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e por exporem o país ao perigo".
Frase pronunciada pelo Reichsmarschal Hermann Goering, comandante da Força Aérea Nazi (Luftwaffe), no decurso dos Julgamentos de Nuremberga, em 1946.
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"Concluimos que há provas substanciais de que o Presidente, o Vice-Presidente e outros altos membros da Administração Bush enganaram o Congresso e o povo americano relativamente à decisão de ir para a guerra no Iraque; fizeram declarações falsas e manipularam a informação dos serviços secretos relativamente à justificação para tal guerra; aprovaram tortura e tratamentos desumanos, cruéis e degradantes no Iraque; permitiram a retaliação indevida contra os críticos da Administração; e aprovaram espionagem interna, que é tanto ilegal como inconstitucional. Também concluímos que não tem havido um inquérito independente às circunstâncias rodeando os escândalos de espionagem interna da Administração Bush".
Declaração do congressista norte-americano John Conyers Jr., em entrevista a William River Pitt, em Agosto 2006
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"Embora a Biblioteca de Santa Cruz faça todos os esforços para proteger a sua privacidade, sob a Lei Pública Federal 107-56, USA PATRIOT ACT, os registos dos livros e de outros materiais emprestados por esta biblioteca podem ser requeridos por agentes federais. Aquela lei federal proíbe os funcionários desta biblioteca de disso informarem os utilizadores, caso os agentes federais hajam obtido registos sobre a sua pessoa. Questões sobre esta política devem ser dirigidas ao Procurador Geral John Ashcroft, Departamento da Justiça, Washington, D.C. 20530".
Conteúdo de um cartaz com advertência aos utilizadores, afixado na Biblioteca de Santa Cruz, USA.
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“Quase dois terços dos portugueses (63,8%) dizem estar prontos a aceitar uma maior restrição das suas liberdades individuais, se isso significar uma maior eficácia no combate ao terrorismo, sendo que apenas um quarto (25%) não parece disposto a fazê-lo, ao passo que os 11,2% se incluem nos habituais não sabe-não responde.”
Sondagem EXPRESSO / SIC / Renascença / Eurosondagem feita nas vésperas de se completarem cinco anos sobre o atentado de 11 de Setembro em Nova Iorque.
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“Israel transformou a faixa de Gaza numa prisão e deitou fora a chave.”
Expressão usada por John Dugard, enviado especial da ONU para o médio oriente, no seu relatório onde alertava para os padrões de sobrevivência no território palestiniano, os quais haviam atingido um limite intolerável.
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“Educação para o ódio é o que acontece com crianças de Israel, as quais são levadas a escrever mensagens sobre munições de artilharia pesada, em Kiryat Shmona, próximo da fronteira libanesa. Munições essas que irão eventualmente assassinar outras crianças, do lado de lá da fronteira. Nem a juventude hitleriana conseguiu imaginar tanta perversidade.”
In site www.resistir.info

domingo, outubro 15, 2006

O Bobo de Serviço

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Está na altura de começarmos a contar quantas vezes já foi anunciada a saída da crise e a competente recuperação económica portuguesa. Sexta-feira passada, dia 13 de Outubro, em Aveiro, perante uma plateia de ouvintes atentos, e talvez influenciado pela celebração do milagre do sol, ocorrido há 89 anos na Cova da Iria, coube a vez a Manuel Pinho, o incontinente, burlesco e inacreditável ministro que soçobra as pastas da economia e da inovação, ter dado a boa nova, com a determinação que a situação exige, e a convicção que se lhe conhece: “a crise acabou!”, assim mesmo, a frio e sem preâmbulos inúteis, acrescentando mais um disparate, ao seu já vasto currículo de baboseiras e alguns excessos de velocidade (apanhado a 212 kms/hora), para não faltar a compromissos.
Os sinais de retoma económica, a tão falada quanto famigerada luz ao fundo do túnel, já teve vários preclaros mensageiros, desde o ministro das finanças Teixeira dos Santos, passando pelo governador do Banco de Portugal Victor Constâncio, e até mesmo o próprio primeiro-ministro Sócrates. Com a impunidade assegurada, os ministros sabem que estes anúncios podem ser replicados, as vezes que forem necessárias. A crise ter acabado, para os senhores deste governo, não tem nada a ver com factos e números. Continua a ser coisa que se anuncia sem se ver, bastando para tal que alguns indicadores estremeçam ao de leve, insuflados pela fé nas “apostas”, e que as falácias e embustes propalados pelos ministros, tragam a garantia da maioria absoluta que lhes dá cobertura.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Gastar por Conta

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A Assembleia da República vai comemorar os 30 anos da adesão portuguesa ao Conselho da Europa, e como convém, escolheu uma forma discreta e eminentemente restrita de celebrar o evento. Nada mais, nada menos, que um “buffet” de luxo, apadrinhado pelo presidente do Parlamento, Jaime Gama, que custará por pessoa, ao erário público, a módica quantia de 147,33 euros (29.500 Esc), acrescidos de IVA. Para a degustação das iguarias, que é o prato forte das cerimónias, foi convidada perto de uma centena de personalidades nacionais e estrangeiras, das quais apenas meia centena de portugueses, mostraram interesse e já confirmaram a sua presença. Este exercício gastronómico tem tido muito pouca divulgação, seja junto dos órgãos de comunicação social, quer dos próprios grupos parlamentares.
Numa altura em que se pedem grandes sacrifícios à generalidade dos cidadãos, e o Estado se diz preocupado em levar a cabo a contenção orçamental com as despesas públicas, custa a perceber que a Assembleia da República promova tal tipo de iniciativas, mesmo tendo um cariz comemorativo. A não ser que o governo já esteja a gastar por conta dos ganhos que irão resultar das alterações da carreira docente, do encerramento de escolas, da redução do funcionalismo público e dos efectivos das forças policiais, da reforma do sistema de segurança social e do fecho das urgências e maternidades.

O Problema das Línguas

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Eu que para além do português, apenas consigo dominar razoavelmente a língua de Verlaine, antipatizo solenemente com aqueles cavalheiros que usam os seus “blogs” para fazer citações ou transcrições de artigos, nas línguas nativas, sobretudo em inglês, não deixando qualquer pista ou orientação para o visitante que não domina a língua de Shakespeare e afins. O resultado é que os não-poliglotas, por não dominarem outras línguas, se sintam envergonhados e excluídos da partilha das ideias, enquanto os outros, se sentem perfeitamente, no seu papel de privilegiados, tocados pela varinha de condão da chiquíssima fada das elites.
É assim que os não-poliglotas da nossa praça, entre os quais eu me incluo, agradecíamos que fizessem o obséquio, não de fazer uma tradução acurada e exaustiva desses artigos que transcrevem, mas pelo menos, alinhavassem uma pequena síntese do conteúdo dos mesmos. Passe a publicidade, um bom exemplo do que sugiro, é o que nos oferece a edição portuguesa do Courrier Internacional, que tudo traduz, mesmo o “cartoon” (desenho humorístico) mais insignificante. Em compensação, os maus exemplos vêm dos próprios telejornais da estação pública RTP1. A propósito, sabem o que é o “émaiti”?

segunda-feira, outubro 09, 2006

A Poção Vaticana

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A leitura do romance do português Luís Miguel Rocha, que dá pelo nome de O ÚLTIMO PAPA, e que gravita à volta do hipotético assassinato do Papa João Paulo I, despertou-me alguma curiosidade, levando-me a vasculhar a imensa e sempre fecunda Internet, à procura de mais alguma informação sobre aquele polémico e curtíssimo papado. Acabei por descobrir um site com a tradução brasileira de uma obra da autoria do inglês David Yallop, publicada em 1984 com o título IN GOD'S NAME, e que em português foi traduzido para EM NOME DE DEUS. Embora tenha sido uma obra que à época da sua publicação, rapidamente se tornou uma referência, só agora, 22 anos depois, tomei o primeiro contacto com ela.
EM NOME DE DEUS traça uma excelente biografia de João Paulo I, cardeal de Veneza e de seu nome Albino Luciani, trazendo às luz do dia uma personalidade que, pela sua natureza recatada e uma efémera passagem pelo papado, passou despercebida à maioria dos mortais.
No entanto, o interesse da obra centra-se, sobretudo, na defesa da teoria de que o papa João Paulo I, o qual faleceu subitamente em 1978, 33 dias após a sua investidura papal, teria sido vítima de uma conspiração que culminou no seu assassinato, provavelmente por envenenamento. David Yallop apoia-se na convicção de que as decisões que estavam em vias ser tomadas pelo novo Papa, e que iriam operar grande mudanças e um novo rumo na igreja católica, teriam sido a razão para a sua eliminação física. De facto, considerando os poderes e tráficos que gravitavam à volta da cúria romana, tudo indicava que Albino Luciani iria ser um papa muito incómodo para certas pessoas e certos interesses. Prelados que deveriam entregar-se à evangelização e a obras piedosas, aparecem envolvidos no profano e pouco recomendável mundo dos negócios e da alta finança, atolando o Vaticano em corrupção e obscuras operações financeiras, com manifesto recorte ilegal. Os benefícios e vantagens que tais esquemas traziam à igreja e a todos aqueles que manobravam o sistema, não podiam correr o risco de serem tocados, sob pena de fazer desmoronar todo um edifício de interesses e negócios sombrios, que levara anos a erigir. David Yallop enumera mesmo os prelados e leigos, porque elementos-chave de tal sistema, que tinham especial interesse no desaparecimento de João Paulo I. Entre os primeiros destacam-se o cardeal Jean Villot, o bispo Paul Marcinkus, presidente do Banco do Vaticano, e o cardeal-arcebispo de Chicago, John Cody, ao passo que entre os segundos destacam-se o mafioso siciliano Michele Sindona, o mação Licio Gelli e o financeiro Roberto Calvi, que posteriormente viria a ser “suicidado” em Londres.
A ausência de uma autópsia para apurar a causa da morte do Papa, a precipitação em fazer o embalsamamento do corpo e o respectivo funeral, a imposição do voto de silêncio aos membros do serviço papal, mais as atabalhoadas explicações oficiais, contribuíram para que as suspeitas se multiplicassem e começassem a circular, logo no próprio dia do acontecimento, deixando sem resposta, até aos dias de hoje, muitas dúvidas e perguntas pertinentes. Resumindo: a hora e as verdadeiras causas do óbito nunca foram divulgadas, desconhecendo-se se foi realizada alguma autópsia, nunca se soube exactamente quem encontrou o corpo, desconhece-se o paradeiro dos objectos pessoais do Papa, os quais desapareceram misteriosamente dos seus aposentos, e se é ou não verdade que os embalsamadores foram chamados ao Vaticano, antes de o corpo ser oficialmente encontrado. Finalmente: as grandes mudanças que João Paulo I tinha agendado levar a cabo, por coincidência ou talvez não, para o próprio dia da sua morte, nunca se realizaram. O seu sucessor, João Paulo II achou por bem manter tudo como estava, com todos os protagonistas nos mesmos lugares, fazendo fruir alegremente, todos os controversos negócios.
Para além desses factos, o livro acaba por fornecer um retrato muito aceitável, senão mesmo fidedigno, da Itália dos anos sessenta e setenta, envolta em constantes golpes financeiros, manobras e conspirações políticas, enlaçadas com corrupção, do Vaticano (enquanto empresa multinacional denominada Vaticano S.A.) e da Cúria Romana, sob os papados de João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e o início do magistério de João Paulo II. Têm também especial relevo os acontecimentos e os escândalos associados ao Banco Ambrosiano, ao Banco do Vaticano, à Máfia, à Loja maçónica P2 e ao terramoto político que foi a operação "mãos limpas", afinal, todos eles peças da grande engrenagem que, a dado momento, determinou a necessidade de liquidação daquele incómodo inquilino do Vaticano. Também não é esquecida a poderosa Opus Dei, que acabou por emergir como um novo poder, dentro do imenso poder que a igreja católica já era, e continua a ser.

Os Fundamentos da Democracia

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O Ministério da Administração Interna português quer reformar compulsivamente dois agentes da PSP, por ambos terem proferido declarações e comentários, dirigidos ao primeiro-ministro e ao antigo director nacional da corporação, comentários esses que foram entendidos como ofensas pessoais, evidenciando assim um comportamento anti disciplinar, incompatível com o exercício da função policial. Os dois sindicalistas socorreram-se de uma providência cautelar para recorrerem da aposentação compulsiva. O todo-poderoso Estado que se diz democrático, respondeu com a invocação do “interesse público”, para anular o recurso e ver os dois agentes afastados, em definitivo, das suas funções sindicais e profissionais. Ora o que acontece é que tais ofensas não foram proferidas durante o cumprimento de tarefas profissionais, mas sim no estrito desempenho de funções de âmbito sindical, pois ambos os agentes são dirigentes do Sindicato dos Profissionais de Polícia. O governo, na pessoa do secretário de estado Magalhães, ao confundir a função policial com a função sindical, ao trocar alhos com bugalhos, pretende com isso condicionar o uso do direito de expressão e opinião, abrindo um precedente que coloca em causa os fundamentos da democracia. Repare-se o que sobre o assunto diz a Constituição Portuguesa:
A
Artigo 37.º
(Liberdade de expressão e informação)
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.
M
Mal vai a democracia quando o detentor de qualquer órgão de poder, não tem encaixe para receber o impacto das críticas, por mais azedas e violentas que sejam, senão mesmo injustas, que lhe possam ser dirigidas. Como diria Mr. Holmes, “são os ossos do ofício, meu caro Watson!”. Mal vai o estado que se quer democrático, quando para tapar a boca aos cidadãos, precisa de invocar aquela coisa tão imprecisa e desadequada, quanto impúdica, que dá pelo nome de “interesse público”. O direito de opinião e expressão quando extravasa certos limites, pode ser considerado ofensa. E as ofensas, quando as há, dirimem-se recorrendo à justiça, e não recorrendo às prerrogativas que o poder detém, exercendo represálias sobre quem pretensamente ofendeu. Tais ameaças sobre a liberdade de expressão são sobejamente conhecidas, têm o nome de auto-condicionamento, e são uma das formas mais subtis de praticar a censura e exercer a ditadura.

terça-feira, setembro 26, 2006

O Lobo Mau

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O meu amigo C.N., com a sua perseverante argúcia, descobriu e deu-me a conhecer uma intervenção pronunciada por Cristovam Buarque, doutor em economia, professor da Universidade de Brasília e político brasileiro, que considero vital para a compreensão das vantagens do “admirável mundo novo”, que nos querem coagir a aceitar. O debate que originou tal intervenção, ocorreu em Setembro de 2000, nas salas de convenções do Hotel Hilton, em Nova York, durante o State of The World Fórum. Não resisti a transcrever a dita intervenção e a rematá-la com um curto comentário:
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"Durante debate em uma Universidade, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um interveniente na discussão determinou a óptica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha.
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De facto, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso.
Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.
Se a Amazónia, sob uma óptica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso património da Humanidade.
Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.
Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar esse património cultural, como o património natural amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o pais onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa.
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Cristovam Buarque"
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Esta exemplar intervenção do Cristovam Buarque faz-me lembrar a velha história do lobo mau que andava de olho na menina do capuchinho vermelho, à espera de uma oportunidade para lhe deitar a unha. Acabou deitado na cama da avozinha da menina do capuchinho, simulando estar muito adoentado e combalido, para conseguir aprisionar aquele apetecível naco de carne tenrinha. Quando quem sugere ou exige a internacionalização de certos patrimónios em risco, por força da ganância ou da incúria, e que são considerados essenciais para o equilíbrio e bem-estar de toda a humanidade, vestindo a pele de guardião da civilização, mas na realidade é o maior predador de recursos naturais e o maior poluidor ambiental à escala planetária, é chegada a altura de chamar os protagonistas pelos seus nomes, pô-los no seu devido lugar e conhecer as regras do seu jogo, afinal o jogo dos lobos maus. Se aceitarmos as regras deles, somos crismados de humanistas, se não o aceitarmos somos apelidados de terroristas. Os E.U.A., esses novos senhores do mundo, na verdade, desprezam tudo o que é obstáculo à sua dominação, mas também sabem que é necessário vestir amiúde a pele da menina do capuchinho vermelho, para que o lobo que são, possa ferrar o dente, mais à vontade, no corpo dos incautos. É assim que, recentemente amparados a causas nobres, travestidas de boas intenções e embrulhadas em falinhas mansas, querem propagar um novo tipo de servidão: Querem que os pobres e fracos, a troco de nada, se despojem de tudo, para garantir o poder e elevar bem alto a glória dos fortes.