sexta-feira, novembro 25, 2005

Patetices!


O choque tecnológico, aquilo que pretendia ser um dilúvio de ideias, uma enxurrada de projectos, perdeu impacto e transformou-se em simples plano, sem espessura, sem orientação, sem objectivos, como uma simples folha de papel em branco. Por isso mesmo, o primeiro ministro chamou a si a tutela e coordenação do plano. Inquirido sobre se esta alteração de liderança tinha alguma coisa a ver com as 7 recentes demissões de especialistas envolvidos no projecto, o ministro de economia, sempre de resposta pronta e surpreendente, afirmou com uma ênfase, quase a roçar o tom bíblico, que tudo isto já estava delineado há muito tempo, mesmo antes de Sócrates ter assumido os destinos do PS. Quer isto dizer que os alquimistas do Largo do Rato não dormem e as pessoas vão passando enquanto que o projecto fica, numa versão actualizada do provérbio que dizia que “os cães ladram e a caravana passa”.
Com esta determinação, os congressos de Vilar de Perdizes, o genoma humano e o escaravelho da batata que se cuidem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Reflectir e Perguntar


Estou quase tentado a concluir que se está a tornar desnecessário insistirmos em caracterizar e criticar a sociedade portuguesa actual. Em termos genéricos, já tudo foi dito. Para isso basta recapitular o que escreveu Eça de Queirós, há respectivamente 138 e 134 anos, e que a seguir se transcreve. Não acreditamos em fados, destinos e fatalidades, porém, curiosamente, quase tudo se ajusta às mentalidades, às competências e à situação actual do país. Basta ler, reflectir e perguntar: - Com tanto tempo decorrido, será que não aprendemos nada?

Em 1867 Eça de Queirós escreveu:
"Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a con­cepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?"

Mais tarde, em 1871, voltou a escrever:
”Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"

Pórtico para o Mar


GUTTA CAVET LAPIDEM - Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Pormenor do litoral algarvio, na primavera morna de 1975.

Então e os Outros?

Os EUA foram acusados de utilização de armas químicas, neste caso o fósforo branco e o agente MK77 (uma variante do napalm utilizado no Vietname), contra populações civis iraquianas, durante uma ofensiva contra Fallujah, em Novembro de 2004. A referida arma química tem um efeito devastador sobre os corpos, queimando-os e dissolvendo-os até aos ossos, porém, mantendo intactas as roupas. Até agora, mantém-se indeterminado o número de vítimas daquela ocorrência, porque habitualmente as tropas americanas não disponiblizam essas informações, classificadas de sensíveis.
Talvez este seja o momento propício para se equiparar este acontecimento ao tão falado caso da aldeia curda de Halabja, onde 5.000 civis foram dizimados pelo exército iraquiano de Saddam Hussein, em 1988, com recurso a armas químicas, naquele caso um gás de nervos.
Podem dizer-me que as armas são cegas, não distinguindo combatentes de simples população civil, que é difícil saber quem está naquele momento, voluntária ou involuntáriamente, no perímetro do campo de batalha, no entanto, isso são argumentos falaciosos. Se a guerra e a utilização de armas é já em si uma monstruosidade, a utilização de armas químicas é ainda mais abominável e censurável, pelo simples facto de que são um tipo de armas eminentemente letais, para as quais, fora as sofisticadas protecções, não há defesa eficaz, tanto para exércitos como para as sempre mártires populações civis. De facto, o direito impede os combatentes de empregar armas que não descriminem (combatentes de não-combatentes) ou que, pela sua natureza, causem sofrimento maior que o requerido, para deixar um combatente inoperacional. Embora tenham sido usadas desde a antiguidade até aos nossos dias, nas mais variadas formas, a utilização de armas químicas e biológicas, além de ser uma opção muito atractiva para quem as usa, por força dos reduzidos custos e da máxima eficiência, é barbárie em estado puro. Além de que é a negação das normas éticas e dos códigos de conduta contidos no Protocolo de Genebra de 1925, e nas duas Convenções baseadas naquele instrumento, os elementos mais antigos e mais importantes do Direito Internacional Humanitário.
Numa altura em que Saddam Hussein se senta no banco dos réus do tribunal dos vencedores, para responder por muitos dos crimes hediondos que cometeu ao longo da sua permanência no poder, entre os quais também se conta o massacre de Halabja, cabe aqui deixar uma pergunta incómoda:
Então e os outros?

sábado, novembro 19, 2005

Exterminadores Implacáveis

O tão apregoado choque tecnológico do José Sócrates, confrontou-se com a demissão em bloco de sete (7) dos dez (10) elementos que integravam esta unidade de investigação e inovação, desavindos com a (des)orientação que o projecto estava a seguir. Fontes que pediram o anonimato, adiantaram que o plano sofreu um curto-circuito, parece que provocado pela sobrecarga que resultaria da instalação de câmaras de vigilância em todas as avenidas, praças, ruas, becos e azinhagas do país, bem como a introdução de relógio de ponto, para os desempregados nos centros de desemprego, e para os doentes nas consultas hospitalares, isto para não falar num revolucionário processo de exterminação da lagarta da couve, que pela sua exigência de meios, implicaria o recurso a um orçamento rectificativo. O ministro da economia, indiferente às demissões e com a sua habitual impassibilidade, vai dizendo que o acontecimento não é relevante, e que depois desta primeira fase de produção teórica (???) o que é preciso é passar à acção.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Passarões e Passarolas

O plano tecnológico do governo Sócrates, exibido com pompa e circunstância durante a campanha eleitoral, com pretensões a ser a menina dos olhos do futuro governo, afinal, até agora, não tem passado de um balão de ar quente que, apesar de tantos projectos, reforços de orçamento, investimentos, medidas e contra-medidas, mentes brilhantes, especialistas, assessores e coordenadores, e muita conversa fiada, está a voar menos que a setecentista “Passarola” do padre Bartolomeu de Gusmão.

Pagadores de Promessas

Com a rejeição da proposta de novo referendo sobre o aborto, pelo Tribunal Constitucional, abriram-se novas perspectivas para solucionar o problema, voltando à ordem do dia a promoção de uma iniciativa legislativa que descriminalizasse a prática do aborto, ou na pior das hipóteses, suspendesse tal prática, até à ocorrência de novo referendo. Contudo, José Sócrates rejeitou liminarmente esta oportunidade, recusando a alteração ou a suspensão da lei por via parlamentar, escudando-se na sua promessa eleitoral (assim o pragmatismo fosse extensivo a outras promessas) de insistir na via referendária, a qual só voltará a ser exequível a partir de Setembro de 2006. A ser assim, o processo terá que voltar a passar novamente pelas avaliações da Presidência da República (que até poderá vetar a pretensão) e do Tribunal Constitucional. Escorado na rigidez formal da sua promessa, Sócrates adia mais uma vez a solução do problema, dando assim satisfação às pretensões e propósitos da direita mais retrógrada, hipócrita e intransigente.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Branca e Serena


Primeiros nevões na Serra da Estrela, em 1973. Nessa altura, a devastação dos incêndios ainda não tinha feito a sua aparição, pelo tecto de Portugal.

Brincar com o Fogo

Fala-se dos acontecimentos em França, neste Outubro de 2005, e há logo quem compare o fenómeno a Maio de 1968. Em boa verdade, não são comparáveis, porque tiveram protagonistas e motivações diferentes. Em 1968, tratou-se de uma insurreição estudantil, iniciada nos meios universitários, frequentados pelos filhos da classe média, que transferiu a dialética das aulas magnas para o calor das barricadas de rua, contestando o poder e o sistema. Nesta última, agora em 2005, caiu uma faísca no meio da pólvora que a sociedade e os políticos franceses, foram deixando acumular ao longo do tempo, varrendo os problemas da emigração para os bairros periféricos, cujas novas gerações, se confrontam hoje com problemas de identidade, marginalização e ausência de futuro. É uma mistura explosiva de abandono escolar, desemprego, fracturas familiares substituídas pela coesão do “gang”, e o mais que provável assédio do fundamentalismo religioso, que conduz aos perigosos terrenos de que tantos se queixam.
A Europa começou por ser um sonho, depois um pequeno “eldorado” para fugir à miséria, para logo se tornar na terra das oportunidades, onde merecia meter-se pés ao caminho, para finalmente se apresentar como um mundo oportunista, entre o hostil e o paternalista, com condescendências cedidas a conta gotas. Vem depois o tempo em que o sistema, insensível, gordo e anafado, esquecido de que estava a lidar com pessoas, e com um problema que não soube solucionar em tempo oportuno, não encontra outro modo de o encarar, senão apelidando-as de “escumalha”.
Já vão longe os tempos em que os europeus recorriam à importação de mão-de-obra, barata e pouco exigente, em termos de regalias e protecção, para satisfazer as suas necessidades. Hoje, essa necessidade decaiu, sobretudo quando o sistema capitalista começou a perceber que era muito mais económico mudar de método. Em vez de importar braços, bastava exportar (ou deslocalizar, como se diz na gíria) os seus mecanismos de exploração, implantando-se noutros países, para aí ter acesso, não só a grandes concessões e facilidades, como também à mão-de-obra de baixo custo. Assim nasceu a globalização.
Para agravar ainda mais a situação, as sociedades, lideradas por políticos imediatistas e sem visão prospectiva, ao abrirem-se e oferecerem caricaturas de integração para aqueles de que precisou, esqueceram-se que eles, como qualquer ser humano, reproduzem-se e multiplicam-se, gerando descendência. Porém, os seus objectivos economicistas estavam esquecidos desse problema capital. Porque não estava préviamente considerada nos seus planos, o resultado é que essa descendência, porque deixou de ser absorvida pelo sistema, foi sendo arrumada em guetos, sem formação digna desse nome, sem ocupação, marcada pelo ferrete da raça e da cultura, anestesiada com subsídios virados para um mínimo de subsistência, organizando-se em grupos marginais, desprovidos de futuro. Hoje, são franceses de segunda e terceira geração, mal amados, dispensáveis, descartáveis, e que não se podem mandar de volta para os seus países de origem, sendo o território, por excelência, onde se movem as direitas que, explorando a existência de variadas bolsas de pobreza, fazem engordar as suas predilectas causas de segregacionismo e securitarismo.
Aconteceu na França, assim como pode acontecer em qualquer outro país europeu, que tenha acolhido mão-de-obra emigrante, sem acautelar os efeitos que aquela possa gerar, a médio e longo prazo. Meditar e reflectir sobre os erros dos outros, pode ser um caminho para uma solução atempada. Nada fazer e ficar a ver o que acontece, será de certeza um desejo mórbido e irresponsável de brincar com o fogo.

O Império Contra-Ataca

Há quem observe pássaros, e sendo o número de hobbies quase infinito, há também quem fixe a sua atenção sobre outros objectos voadores, momeadamente os aviões que aterram e levantam voo de tudo o que é aeroporto. Só que esta ocupação de tempos livres está a produzir resultados que incomodam muita gente. Resumindo: há aparelhos que escalam os aeroportos de alguns países, com alguma regularidade, e que ostentam umas matrículas invulgares, que se veio a saber estarem ao serviço dos serviços secretos dos E.U.A.. O mais grave é que transportam no seu bojo um certo tipo de detidos, suspeitos de terrorismo, que os americanos entendem não terem quaisquer direitos nem garantias, que lhes permitam usufuir de tratamento humano. Não têm direito ao apoio jurídico de um advogado, e muito embora sejam considerados combatentes, não estão cobertos pela Convenção de Genebra. Habitualmente, são entregues em bases localizadas em certos países, uns que recentemente abraçaram a democracia, outros não tanto, mas que têm em comum o facto de serem permissivos ao uso de tratamentos degradantes e desumanos, com uso e abuso da tortura, para a obtenção de confissões e informações. São locais onde também, por sistema, se desaparece sem deixar rasto. Perante o justo clamor de quem diz que os direitos humanos são extensivos a toda a gente, sendo uma matriz do nosso nível civilizacional, os E.U.A., pouco interessados em voltarem a expôr-se a críticas e reprovações, visando as situações aberrantes que mantinham em Guantánamo e Abu Graib, não abriram mão do seu hábito de tratarem o resto do mundo, como um conjunto de “quintinhas” que lhes devem obediência, e responderam com a exportação da tortura para fora de portas, dispersando-a pelos tais países “amigos”, numa aplicação prática da expressão latina que diz, errando corrigitur error (errando, corrige-se o erro).
Quando reclamo - sem questionar a justiça a que deve estar sujeito quem se provar seja um operacional do terror - dizem-me que a guerra ao terrorismo é uma guerra total, que exige que se recorra a grandes remédios, sem dó nem piedade, e que os fins justificam os meios, nem que para isso se tenha que dizer que há armas de destruição maciça, onde elas não existem, e à custa disso se desencadeie uma guerra, que para além das habituais e incontáveis vítimas civis, se pode transformar num turbilhão de consequências imprevisíveis.
Quem não aceita esta retórica, tem que ter muito cuidado com o que diz, porque o Império, na sua intransigência de querer assumir-se como o polícia do universo (já fazem escutas e espiam a NET a nível planetário), é muito provável que os venha a considerar, mesmo sem a exibição de provas, no mínimo como estando do lado do inimigo, e no máximo como sendo um perigoso e potencial bombista.

sábado, novembro 12, 2005

Divido, Logo Existo!

O candidato à Presidência da República Mário Soares, na sua recente entrevista à VISÃO, afirmou que “é salutar a esquerda estar dividida”. Embora não tenha especificado, e qualquer pessoa menos avisada possa ser induzida em erro, percebe-se que Soares se está a referir a uma divisão, ocasional e conjuntural, repartida por quatro candidaturas, que no contexto da disputa eleitoral que se avizinha, tendem para fazer convergir a votação no candidato de esquerda, que chegar a uma hipotética segunda volta. No entanto, estas palavras acabam por denunciar o divisionista que Mário Soares sempre foi, nos terrenos da luta política. Resumindo: a divisão sempre foi um instrumento a que recorreu para ganhar ascendente e chegar ao poder. É por esta e outras razões, que Mário Soares continua a ser para muita gente um político de confiança duvidosa, em última análise, um mal menor. Pelo seu apego aos valores da liberdade, é indiscutívelmente um democrata, mas por tantas e oportunísticas derivas, e excessivo culto pelos jogos de poder, não necessáriamente, um genuíno homem de esquerda. Basta lembrar a ruptura que provocou na oposição, ainda no tempo da ditadura, com a cisão na CDE e o aparecimento da CEUD, já depois do 25 de Abril com a história do socialismo na gaveta, que por lá ficou a ganhar cotão, depois a emblemática coligação com o CDS, e ainda a polémica retirada de apoio à candidatura de Ramalho Eanes, quando aquele se mediu com Soares Carneiro, isto para não falar de mais uns quantos atropelos e traiçõezinhas, cometidas dentro do próprio PS.
Para o bem e para o mal, a sua passagem pelo poder deixou marcas, e o Portugal que hoje somos, com o seu cortejo de atrasos, assimetrias e incertezas, também a ele o devemos.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Apitos e Furacões

A operação que o Ministério Público e a Polícia Judiciária desencadearam contra alguns bancos e escritórios de advogados com ligações a empresas “off shores”, com o intuito de encontrar o fio da meada de fugas ao fisco, fraudes e branqueamentos de capitais, parece estar a perder força, e talvez por isso se explique porque foi baptizada de “Furacão”. Aquele é um fenómeno metereológico que habitualmente, depois de provocar muito medo e apreensão, e também grandes estragos (dependendo isso da orientação que tomar), acaba quase sempre por perder a força inicial, até se transformar numa mera e insignificante tempestade tropical.
Fica a faltar uma explicação para o facto de ter deixado de haver notícias da operação “Apito Dourado”. Terá ficado entupida?

Liberdade Condicional

Na sua ânsia de cortar nas despesas públicas, o governo de José Sócrates tem a intenção de encerrar mais uns quantos hospitais psiquiátricos. O resultado é simples: vão haver por aí, mais uns quantos malucos à solta! Em contrapartida, os desempregados que estão a receber subsídio de desemprego, vão deixar de poder sair de casa, duas horas da parte da manhã, ou duas horas da parte da tarde, em semanas alternadas. A medida tem por objectivo cortar o subsídio a quem ande a trabalhar em qualquer biscate, como ajuda para os “alfinetes” (e pelos vistos, a procurar novo emprego), logo com dupla fonte de rendimentos, lesando assim as finanças públicas. Como disse o Daniel Oliveira, só falta terem que usar a pulseira electrónica, como se fossem arguidos em liberdade provisória. O governo quer evitar assim, que os desempregados enriqueçam desmesuradamente à custa do orçamento de estado, ao passo que pouco ou nada faz para pôr ordem nas falências em cascata, com patrões ausentes em parte incerta, nas empresas de barracão e vão-de-escada, combatendo assim a proliferação da economia paralela, que além de não pagar impostos, lá vai singrando à custa de muito trabalho precário e semi-clandestino.

Choque Fiscal

O velho “selo” do automóvel vai deixar de ser um imposto autárquico de circulação para passar a ser uma taxa que se aplica a todos os veículos automóveis, circulem eles ou não. Quer isto dizer que pode estar recolhido numa garagem, imóvel e moribundo, ou em exposição num qualquer museu, que os reformadores de impostos não têm contemplações, e todos vamos levar pela medida grande. O proprietário passará a ser notificado pelo correio para efectuar o pagamento, e só depois receberá a respectiva vinheta. Prevêm-se monumentais confusões, sobretudo nos casos em que os proprietários venderam os carros, e o novo proprietário, pelas mais variadas razões, nunca regularizou o registo de propriedade. Num devaneio de futurologia, prevê-se que a taxa venha a ser extensiva a todos os electrodomésticos. Isto é o governo Sócrates no seu melhor, na versão de “choque fiscal”, a espremer vigorosamente os contribuintes, a fim de arranjar verba, para dar emprego a mais uns quantos “assessores” e “especialistas”.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Prisão Perpétua

Que prazer encontrarão as pessoas no facto de terem pássaros engaiolados, seres que sem cometerem qualquer crime, estão a sofrer tamanho castigo, sem direito a revisão de processo, saídas precárias ou redução de pena. Quando cantam para nosso consolo e deleite, nós que não entendemos a letra da canção, talvez estejamos a ser assediados com pedidos de clemência, rogando-nos para que lhes deixemos a portinhola entreaberta, para iniciarem uma fuga, que por força do choque com a novidade e diversidade do mundo, poderá ser tão efémera como o viço de uma flor. Não esqueçamos que foram feitos para voarem e viverem num mundo de liberdade, cujos limites são a imensidão dos grandes espaços.

Pulo do Jacaré


É lamentável, mas esqueci o nome desta cascata. Lembro-me apenas que se localizava algures no Kwanza Norte, em Angola. Chamemos-lhe Pulo do Jacaré, até que alguém reconheça o local e lhe devolva a sua verdadeira identidade. Estive lá em 1970, e para lá chegar tive que percorrer uma razoável distância a pé, talvez uns dois ou três quilómetros, por um trilho que se esgueirava pelo meio do capim. O silêncio começou por ser cortado por um breve sussurro, depois por um sopro contínuo, finalmente por um rugido que subiu de intensidade, até que de repente, o espectáculo das águas em fúria se abriu à minha frente.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Jogos Pessoais

Estas eleições presidenciais, centradas nas candidaturas de Cavaco Silva e Mário Soares - duas criaturas que se detestam por razões óbvias - são, primeiro que tudo, uma luta de galos, uma espécie de ajuste de contas com o passado, onde se junta o inútil ao desagradável. Seja com Cavaco ou com Soares, para lá dos jogos pessoais do costume, não há novidades, não há pedagogia, e também não oiço nenhum deles opinar sobre o estado de degradação a que chegaram as condições de vida dos portugueses e as perspectivas de tempos negros que se avizinham. Em boa verdade, para estes dois, o que parece estar em causa não é a mais alta magistratura da nação, mas apenas uma disputa pessoal, uma espécie de confrontação de machos que querem ser dominantes. Do lado de uma direita que não se dispersou, está um economista adepto de tabus, frio, calculista, muito arrumadinho e educadinho, a sorrir e a dizer que não morde, perfilando-se para uma corrida que andou a treinar ao milímetro. Do lado de uma esquerda pulverizada em quatro candidaturas, está um tribuno voluntarista, repentista, que se acha imbatível e insubstituível, que rosna e mostra os dentes, que continua a gostar de exibir uma montanha de credendiais e um reizinho que traz na barriga.
Resumindo: a três meses de irmos a votos, vão prevalecendo as figuras, enquanto ícones, em prejuízo dos conteúdos e das ideias. Entretanto, lá atrás, os outros três candidatos de esquerda continuam a esgatanharem-se desalmadamente, irremediávelmente esquecidos de quem é o adversário principal.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Sequela de Sequela


Esta história, tal como o nome indica, é a sequela de uma sequela, situação normal nos meandros da sétima arte, mas pouco habitual quando falamos de coisa escrita. Porém, este caso é tão curioso e ilustrativo de como as coisas acontecem (e correm mal) em Portugal (estou a falar de uma empresa privada, mais exactamente um banco), que não consigo deixar passar em branco o epílogo (espero que o seja) desta minha peregrinação. Podia fazer um link para o anterior artigo onde sintetizava os antecedentes da história, mas não vem grande mal ao mundo se voltar a transcrever o que há meses atrás foi dito, saciando a curiosidade a quem de direito. Por isso, aqui vai:

2005 Setembro 3 - A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem, que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.
Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela. Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava. Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.

Passaram, entretanto, dois meses, altura de voltarmos à tal sequela da sequela. Quando eu pensava que o assunto tinha ficado encerrado, engano meu. Na sequência do tal erro do banco, posteriormente rectificado, o mesmo banco (mais os seus impagáveis computadores) achou por bem enviar-me uma nova cartinha, muito simpática e solícita, a informar-me que agora estava devedor de 19 Euros, a título de JUROS DE PENALIZAÇÃO, a castigar o tal cheque mal lançado pelo banco, e que devia correr a pagá-los, porque senão, como caloteiro reincidente que era, o caldo podia ficar entornado. Como português temente e bem comportado, sem dívidas e com os impostos em dia, lá fiz uma nova viagem até ao dito, dissimulando da melhor maneira possível, uma tremenda vontade de lançar alguns urros cavernícolas, para sublinhar que quem devia ser multado era aquele banco, de que eu, apesar de esforçadas diligências, não me conseguia desembaraçar.
Tenho agora comigo um documento que dá como como saldada e extinta, para todos e os devidos efeitos, a tal conta que em má hora subscrevi, há vinte anos atrás. Tanto amadorismo e incompetência brada aos céus! Portanto, oremos para que esta história de encantar, depois de tanta diligência, fique por aqui.

NOTA – Qual é o banco, qual é ele? Aceitam-se sugestões.