quarta-feira, julho 26, 2006

Tirem-me deste Verão!

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Há quem seja hipersensível a correntes de ar, o que não é o caso de José Manuel Fernandes, director do “Público”. Este senhor, pelo contrário, sofreu um golpe de calor e, no seu editorial de 2006-7-25, desatou a falar sobre uma curiosa teoria, que tem o seu “quê” de extravagante, e que pretende associar todas as guerras que tiveram o seu início no Verão, com mudanças mais ou menos determinantes na História da Humanidade. Diz ele que o Verão costuma favorecer as movimentações militares. Pudera! Apanham toda a gente em trajes mínimos e a deleitar-se com os banhos de mar, e vai daí, guerrazinha começada nessa altura, é guerrazinha ganha pela certa, mesmo sabendo-se que os Verões já não são o que eram. Mas Manuel Fernandes vai mais longe e dá exemplos, tantos que apenas destaco a referência à primeira cruzada, iniciada em Julho de 1099, até à mais recente data de Julho de 2006, momento em que o estado hebraico voltou a arrasar (pela enésima vez) a faixa de Gaza e iniciou o bombardeamento do Líbano. Lá está, são sempre acções militares desencadeadas debaixo de grandes calores e febrões insuportáveis, que alteram o curso da História. Guerras no Inverno acabam, como é compreensível, por não mudar nada, por força das baixas temperaturas, as quais acabam por deixar congelados os objectivos. Finalmente, Manuel Fernandes acaba por concluir, com notável sentido de oportunidade, que no médio-oriente, guerra iniciada no estio, é quase garantido que é sempre um tempo de altas combustões, e que, mais coisa, menos coisa, algo vai mudar, no sentido lato da expressão. Será que com esta teoria, José Manuel Fernandes, está a querer dizer que esta nova guerra de Israrel, trás consigo os genes do tal “novo” médio-oriente, idealizado por GW Bush, e sugerido pela sua incansável mensageira Condoleezza Rice?Andam por aí a aconselhar as pessoas para não se exporem demasiado ao sol, mas há sempre quem “faça ouvidos de mercador”. Para já, para já, e que tal se José Manuel Fernandes fosse tomar um duche fresquinho, para restaurar as sinapses e arejar os neurónios?

quinta-feira, julho 20, 2006

Temas Avulsos

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Quando não tenho assunto, calo-me!
Quando tenho, ninguém me cala!
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APITOS - Lembram-se do processo “Apito Dourado”, aquele que era suposto levar até à barra dos tribunais a máfia do futebol português? Pois bem, parece que o dito processo, a pedido de vários procuradores, tem vindo a ser desmembrado, espalhando-se por várias comarcas. Porque a escandaleira se perpetua, sugiro que mude de nome e passe a ser conhecido por “Apito Entupido”.
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FENÓMENOS ATMOSFÉRICOS - Lembram-se de uma certa operação “Furacão”, que foi iniciada com a intenção de investigar operações de lavagem de dinheiro, fuga aos impostos e outras aleivosias do foro fiscal, e que envolvia, além de instituições bancárias bem conhecidas, outras tais como escritórios de advogados e um número invulgarmente grande de empresas? Pois bem, a tal investigação iniciada com o nome de “Furacão”, não passou a tempestade tropical, mas sim a uma simples tempestade num copo de água.
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NÃO ERA CORREIO AZUL - Lembram-se do inquérito ordenado, com carácter de urgência, pelo ex-presidente da república Jorge Sampaio, ao procurador geral da república Souto Moura, para esclarecer o caso do “Envelope 9”, o tal que continha uma imensa lista informática de contactos telefónicos estabelecidos por individualidades do Estado? Pois bem, depois do PGR ter concluído que a parte de responsabilidade que cabia à Portugal Telecom já tinha prescrito (como convém), não voltou a tocar no assunto, o que talvez queira dizer que vai alegremente a caminho de cair no esquecimento.
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DESCARAMENTO – A Federação Portuguesa de Futebol, pela boca do seu presidente Madail, veio sugerir que os prémios atribuídos aos jogadores que disputaram o Mundial 2006, fossem isentados de impostos, atendendo ao meritório 4º. Lugar alcançado. Que podemos acrescentar a isto? Por mim, direi apenas que, onde falta o pudor, costuma faltar de tudo, excepto dinheiro.
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PORCOS – A Assembleia Regional da Madeira, na pessoa do seu presidente decidiu redigir uma preciosidade que pretende regulamentar a forma de vestir dos jornalistas, operadores de câmara e técnicos afins, creditados junto daquele órgão de soberania. Assim, não serão permitidas nas instalações da dita assembleia, sapatilhas, calças de ganga, t-shirts ou quaisquer outras indumentárias que subvertam os conceitos de harmonia e respeitabilidade, porém, nada se diz a propósito de uma certa fauna que por lá costuma andar a conspurcar o ambiente. Há fascistas de muitos tipos, porém, os que andam disfarçados de suínos engravatados, são os mais asquerosos e perigosos.
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AS DESEDUCADORAS – A ministra da educação Maria Rodrigues, continua a dar que falar. Houve exames do 11º. e 12º. anos, e as notas nas disciplinas de Física e Química saldaram-se por um autêntico desastre, começando a chover acusações junto do ministério, que apontavam para o facto de existirem erros nos enunciados das perguntas, afinal os grandes responsáveis pela hecatombe de chumbos e negativas. A senhora ministra não esteve com meias medidas e tomou uma decisão política exemplar: repitam-se os exames de Física e Química do 12º., e entre as duas provas, que prevaleça a melhor nota. Em vez de ficar salva a honra do convento, caiu o carmo e a trindade. Toda a gente diz que o critério deve ser aplicado a ambos os anos, isto é, ao 11º. e 12º ano, e não apenas ao último. A senhora Maria Rodrigues não se emociona, o seu rosto não transmite qualquer emoção, raciocina ao retardador, fala ao compasso de um metrónomo invisível, é insensível aos argumentos (será que os escuta?) e insiste que só haverá repetição para as provas do 12º ano. Tem toda gente contra ela, desde a Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, até aos partidos políticos, sindicatos, associações de pais, de alunos e de professores, porém, não cede nas suas intenções e recusa-se a dar explicações, dizendo que não houve erros (?) por parte do ministério, logo aquela singular repetição permanece um mistério. Será que é uma promoção de Verão? A ministra compra problemas e arranja inimigos em toda a parte, e segundo consta, até dentro das hostes do seu próprio partido. Na segunda-feira passada, o António Victorino, no seu semanal comentário televisivo, já lhe traçou o destino. Só falta haver quem lhe assine a guia de marcha, para entrar de férias mais cedo. E a propósito, lembram-se daquela senhora que foi ministra da educação no tempo do senhor Lopes, que parecia uma “tia” repescada das sessões “tuperware”, e que acabava as suas intervenções com um aristocrático “percebe?”? Pois bem, na minha modesta opinião, penso que esta Maria Rodrigues também não tem perfil para estas lides, e talvez o seu lugar mais indicado seja o de ir fazer uma comissão de serviço para os lados de Vilar de Perdizes, ao abrigo da lei da mobilidade dos professores, que ela própria congeminou.
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REVOLUÇÃO – Dez milhões de endereços de e-mail, tantos quantos os indivíduos da actual população portuguesa, é o que o primeiro-ministro decidiu criar, ao abrigo da sua intenção revolucionária, de colocar o país na crista da onda tecnológica. Há coisas extraordinárias, não há? Disponibilizada pelo site dos CTT, que oferece este extraordinário serviço, cada português vai poder ter a sua caixinha de correio electrónico, para trocar mensagens com a família e os amigos, além de receber as toneladas de lixo electrónico com publicidade, que andam por aí a navegar, à espera dos novos e incautos aderentes. O que eles se lembram para nos “ajudarem” a entrar no século XXI? Há coisas extraordinárias, não há? Mas atenção, tudo isto tem uma condição, para não dizer um senão. Só pode aceder a este “extraordinário” serviço, quem for possuidor de telefone da rede fixa, isto é, ser subscritor da Portugal Telecom (a tal que até está a enfrentar uma OPA do Belmiro de Azevedo). Como não há almoços grátis, agora já estão a perceber melhor o alcance desta revolução, não estão? Havia aquele anúncio que dizia que quem não tinha cartãozinho, não tinha direito a descontinho. Ora bem! Neste caso, quem não for subscritor da Portugal Telecom corre o risco de se tornar mais um info-excluído, da grande revolução tecnológica que este governo nos está a oferecer de mão beijada.
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O AMOR É DO CANECO – O recém-reempossado governador do Banco de Portugal, Dr. Constâncio, a propósito da apresentação do relatório do banco a que preside, veio fazer mais um frete ao “seu” governo que o reconduziu. O homem está optimista, diz que a situação económica está a melhorar, revendo em alta, para 1,2% o que antes era de 0,8% de crescimento económico do país, e contrariando os próprios indicadores europeus. Vê recuperação económica onde todos os outros continuam a ver estagnação, e até consegue perspectivas de aumento das exportações, na ordem dos 8,4%, o que a ser verdade, se tornará um caso de estudo. Depois disto o primeiro-ministro Sócrates, aproveitando esta maré de “energias positivas”, veio a correr pôr mais uns pauzinhos no lume, dizendo que “há uma lenta e gradual evolução positiva”, ao mesmo tempo que o económico ministro Pinho, voltou a exibir-se com aquela expressão que vacila entre o sorriso e o ar de gozo, tentando dar a ideia que está senhor da situação, mas que na verdade, apenas finge governar. Em economia, o estarem reunidas condições para o crescimento económico, não é sinónimo de que exista verdadeiro crescimento económico. Esse, mede-se sim pelos factos (nem sequer os indícios ou conjecturas contam), ou não fosse a economia uma ciência exacta, e não um exercício de pura adivinhação.
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ZONA DE GUERRA 1 – Quem se dignar fazer uma visita ao Hospital Pulido Valente, ali à Alameda das Linhas de Torres, vai ter uma desagradável surpresa. O perímetro do dito hospital, parece tudo menos uma unidade de saúde, assemelhando-se mais com a Faixa de Gaza, após um bombardeamento israelita, chegando a haver locais onde sobrevivem charcas de águas paradas, coisas bem pouco aconselháveis para um hospital. As vias de circulação são em terra batida, repletas de buracos, crateras, e com a passagem dos veículos, anda pelo ar uma permanente e asfixiante nuvem de pó, elemento mais do que desaconselhável para um hospital vocacionado para o “tratamento” de doenças respiratórias. Curiosamente, diz-me um amigo, que há dez anos atrás, o cenário já era precisamente este, com escavadoras a rasgarem valas um pouco por todo o lado, sem se saber porquê e para quê. Por outro lado, e verdade seja dita, dentro das vetustas instalações, a par de alguma desorganização administrativa, os serviços clínicos (até onde consegui chegar) são de grande qualidade e profissionalismo.
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ZONA DE GUERRA 2 - Com todo o desplante e insolência que lhe são conhecidos (com as costas aquecidas pelos EUA), os israelitas iniciaram o bombardeamento do Líbano. Entretanto os cidadãos estrangeiros começaram a abandonar o país, o qual está sob apertado cerco de Israel. Portugal tem pouco mais de duas dezenas de cidadãos nestas paragens que desejam abandonar a zona de conflito, no entanto, Portugal, ignorando a mais elementar dignidade e sentido de estado, correu a pedir boleia ao estado francês, para que fossem eles a resgatar os portugueses. Curiosamente, é a secretaria de estado das comunidades que está a “coordenar” o repatriamento dos nacionais, e não o ministério dos negócios estrangeiros, que me parece ser o ministério de soberania por excelência, para acompanhar estes casos, na primeira pessoa. Em resumo: não houve um navio da Marinha Portuguesa, um Falcon ou um C-130 da Força Aérea para desempenhar tal função, porém, se fosse para enviar mais uns quantos GNR para a Bósnia, o Iraque ou o Afeganistão, lá estaríamos solícitos e servis, em biquinhos dos pés, com pompa e fanfarra, prontos a satisfazer o pedido.
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PS – Não retiro uma linha do que anteriormente disse, mas parece que hoje um C-130 da Força Aérea Portuguesa vai escalar Chipre, trazendo para Portugal alguns refugiados portugueses. Felizmente que alguém caiu em si, ao ter-se apercebido que em situações destas, fossem 40 ou 400 os necessitados, não bastava andar a reboque da disponibilidade e boa vontade de países terceiros.
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ZONA DE GUERRA 3 - Os israelitas aprenderam bem a lição com os seus carrascos hitlerianos. Os nazis usaram os campos de extermínio e as câmaras de gás, com o argumento de que estavam a defender-se dos seus inimigos internos, num caso os judeus, noutros os deficientes mentais, os povos ciganos, eslavos e muitos outros de raça não ariana. Foi o tempo em que no gueto de Varsóvia, o David judeu voltou a enfrentar, de peito de aberto, o execrando Golias escudado na suástica. Nos dias de hoje, porque seria escandaloso utilizar os mesmos processos dos seus algozes, os israelitas usam o terrorismo de estado, com recurso a armas convencionais, para arrasar as infra-estruturas palestinianas, implantar colonatos em terras expropriadas a palestinianos, expulsando-os das suas terras ancestrais, para os países limítrofes, como a Jordânia, ao mesmo tempo que levantam centenas de quilómetros de paredes de betão para encurralar os palestinianos que escolhem ficar, em guetos, obrigando-nos à humilhação quotidiana de terem que sujeitar-se a apertados postos de controle, para irem trabalhar, fazendo-lhes a vida tão impossível, que o paraíso acaba por se transformar no martírio do cinturão de bombas. O David de hoje é palestiniano, usa pouco mais do que pedras contra um Golias que não é difícil adivinhar quem encarna. Ah, é verdade! Para justificarem este uso desmesurado da força, os israelitas também usam o mesmo argumento da segurança interna, contra os inimigos que ainda restam dentro das suas fronteiras. Querem fazer esquecer que são uma força de ocupação (como também o foram a seu tempo os nazis), dos territórios que abocanharam, desde os primórdios da criação do Estado de Israel, até à actualidade. Se existe alguém que queira vestir a pele de um palestiniano, seja ele da Cisjordânia, da faixa de Gaza ou de um dos campos de refugiados instalados na Jordânia, que dê um passo em frente.

sábado, julho 15, 2006

Monte Lubiri

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Este é o impressionante Monte Lubiri (Halto Hama, Quanza Sul, Angola, 1970). Tem 1.925 metros, diz a tradição que é um local assombrado por espíritos, porém, mais parece uma golfada de rocha, a jorrar das entranhas da terra e a desafiar os céus.

Gabarolices

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Com o governo a debitar tanto elogio sobre a obra feita, e aquela que ainda está por fazer, como o fez na última sessão parlamentar, durante o debate do estado da nação, não consigo perceber porque é que o país continua tão mal. Faz-me lembrar aquela menina que pôs um anúncio no jornal, oferecendo-se para qualquer tipo de trabalho de “relações públicas”, dizendo que era bonita e formosinha, muito redondinha, sensual, irresistível, elegantíssima, meiga, educadíssima, óptima acompanhante, discreta, licenciada em filosofia, falando fluentemente sete línguas, possuidora de passaporte, brevet e carta de ligeiros e pesados. No fim, acabou por produzir o seguinte lamento:
- Com tantas qualidades ainda estou para perceber porque fui dar em puta!

Pezinhos de Lã

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Uma criatura chamada Alberto João Jardim, que por coincidência também é o presidente da Região Autónoma da Madeira, depois de ter gasto o que tinha e o que não tinha, depois de muito ter grunhido, de dedo em riste, contra os “cubanos” do “contenente”, ameaçando-os com a independência, caso não corressem a satisfazer as “necessidades” da “sua” região, veio agora escrever uma carta ao primeiro-ministro Sócrates, pedindo encarecidamente o apoio e solidariedade da República Portuguesa, para a resolução do grave problema financeiro da Madeira.De facto, a Madeira, além de estar carregada de obras para encher o olho (ao passo que o nível de vida da maioria da população continua a andar muito próximo dos limiares de pobreza), também está carregada de problemas de índole financeira. De há vinte e poucos anos para cá, o governo regional estruturou-se à volta de uma tribo de delfins e caciques, muito próxima do autoritário Alberto João Jardim, que recorrendo ao mais primário populismo, vai exercendo um controle efectivo sobre toda a sociedade madeirense, assim garantindo reeleições sucessivas. João Jardim insiste em tentar convencer os madeirenses, que a fonte de todos os seus males, sempre foi a atitude “neocolonial” dos governos de Lisboa, e não o despautério da sua própria governação regional, chegando mesmo a argumentar que a região tem recursos para se auto-sustentar, logo a solução era a independência nua e crua, tudo isto perante o silêncio condescendente do partido PSD.Acontece que o peso do seu off-shore financeiro veio contribuir para que a Madeira seja considerada uma das regiões mais ricas de Portugal, logo sujeita a que os apoios, recebidos ao abrigo do último quadro comunitário de apoio, sejam reduzidos para quase metade. Com isso vem o esvaziamento de todas as ameaças separatistas, que apenas têm funcionado como forma de pressão, para que o rico dinheirinho não pare de correr, de cá para lá. Daí a razão de ser da tal cartinha com pezinhos de lã, humilde e bem comportada, a pedir encarecidamente que a torneira do dinheiro fácil não seja fechada, para que o Jardim possa continuar a atropelar a democracia, fazendo o que lhe apetece e não respeitando nada nem ninguém, mantendo-se no poder, por tempo indeterminado, ele próprio e o seu círculo de poderosos.

sexta-feira, julho 14, 2006

Dois Caminhos

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Portugal e Irlanda, à época da sua integração na CEE/União Europeia, eram dois países com muitos pontos em comum. Muito embora Portugal tivesse uma população de 10 milhões de habitantes, contra os 4 milhões da Irlanda, ambos os países eram considerados periféricos e tinham uma rede viária e infraestruturas obsoletas, sendo que a Irlanda apresentava o dobro da taxa de desemprego de Portugal (16,8% contra 8,8%), enquanto que Portugal detinha um PIB ligeiramente superior (27,6 contra 26,6). Com esta configuração, ambos os países entregaram-se à tarefa de tentarem descolar da incómoda posição de “lanternas vermelhas”, condição que partilhavam com a Grécia e a Espanha.
Assim cada um seguiu o seu caminho. A Irlanda aplicou o grosso dos fundos estruturais europeus, preferencialmente, no ensino, formação e valorização dos seus recursos humanos, isto é, privilegiando as pessoas em primeiro lugar, as suas qualificações e competências, antes de dedicarem atenção à renovação das velhas infra-estruturas e implementação de outras ainda inexistentes. Em resultado disso, vinte anos depois, a Irlanda atraiu investimento estrangeiro, desenvolveu a sua economia numa base sólida e acabou por conquistar o segundo maior rendimento por habitante da União Europeia, com uma taxa de desemprego que é metade da portuguesa. Assim, só agora a Irlanda, depois de ter conquistado desafogo económico e possuir sólidas bases para enfrentar o futuro, se prepara para arrancar em força, com a satisfação das suas necessidades, ao nível das infra-estruturas. A valorização humana sobrepôs-se à fácil política do betão.
Quanto a Portugal, as escolhas foram outras. Centrou a aplicação dos fundos estruturais no desenvolvimento de infra-estruturas, sobretudo viárias e de equipamentos autárquicos, muitos deles de duvidosa indispensabilidade e eficácia, fazendo nascer uma próspera e poderosa indústria do betão, que acabou por se tornar no quase único indicador para medir o estado de saúde da economia portuguesa. Algumas parcelas de fundos comunitários que foram destinados à formação dos recursos humanos, acabaram por se dispersar em projectos de fachada, com nulos efeitos práticos, com a proliferação galopante de pequenas e médias empresas fornecedoras de formação, porém, mais vocacionadas para a captura e desvio das verbas comunitárias, do que para a formação profissional propriamente dita. Quanto à educação, à qualidade e eficácia, sobrepôs-se a necessidade de influenciar as estatísticas, aumentando a qualquer preço a população escolar e a escolaridade obrigatória, porém, negligenciando assim a qualidade desse mesmo ensino. Agora, vinte anos depois, o resultado destas opções está à vista. A agricultura e as pescas deixaram de existir, e as empresas, por não se terem modernizado, acabaram a perder competitividade, ao passo que os investimentos estrangeiros correram a deslocalizar-se para outras paragens. Os trabalhadores portugueses (salvo raras excepções) são considerados os menos qualificados de toda a União Europeia, os salários não progrediram, o desemprego quase duplicou relativamente à taxa irlandesa, o PIB português, mesmo com 10 milhões de habitante, contra os 4 milhões da Irlanda, é apenas de 147,2, contra 160,3. Em contrapartida as auto-estradas, as vias rápidas (dando azo a que os portugueses cheguem depressa às praias algarvias, e também se matem a um ritmo alucinante), as pontes, os viadutos, os estádios, os centros de estágio, as rotundas e outras obras públicas para todos os gostos, proliferaram desenfreadamente, isto sem contar com os planos para o novo aeroporto internacional e a rede ferroviária de alta velocidade, projectos que são vendidos como se de exigências, para uma plena integração no espaço europeu, se tratassem. De facto, o engate da carruagem portuguesa ao comboio europeu, acabou por falhar com estrépito. Agora, vinte anos depois, vem o Primeiro-ministro dizer que a mais recente grande “aposta” (quererá dizer opção?) do governo, vai ser o reforço e aprofundamento da formação e qualificação profissional dos portugueses. Sou de opinião que o Primeiro-Ministro também se deveria ter lembrado de incluir, entre os mais necessitados de um robusto programa de formação e reciclagem, a maioria dos nossos gestores e empresários.
Ainda vamos a tempo ou será isto apenas mais um paliativo, senão mesmo conversa fiada, para atenuar as dores de um parto que nunca aconteceu? Certo é que há vinte anos atrás, escolhemos divergir nas soluções, esbanjámos todos os meios e recursos que foram postos à disposição do país, deixámo-nos contaminar por interesses que nada tinham a ver com os interesses nacionais, e estamos hoje, em quase todas as áreas, bem lá na cauda da União, a divergir cada vez mais, em risco de virmos a ser ultrapassados pelos países recém-admitidos.

domingo, julho 09, 2006

O cobrador de fraque

O
O país está mal de finanças, no entanto, dá-se ao luxo de deixar prescrever, durante o ano de 2005, dívidas fiscais no valor de 231 milhões de Euros (46 milhões de contos em moeda antiga). Além de se ter verificado um aumento significativo da fuga ao fisco, dizem os responsáveis da máquina fiscal que este valor anormalmente alto de prescrições, “não deve, nem pode, ser atribuído a uma maior ineficiência da Administração Fiscal ao nível da cobrança executiva”, mas sim a outros factores, como por exemplo:
Primeiro: a inexistência de bens penhoráveis, por parte dos devedores, para satisfazerem a liquidação das dívidas, aliada à impossibilidade da sua localização. Resumindo: não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas a impossibilidade de desmontar as barreiras levantadas pelo Sigilo Bancário.
Segundo: os complexos processos de migração informática para o sistema central, dos pequenos sistemas subsidiários das repartições, são geradores de incompatibilidades, levando a que fiquem pelo caminho muitos processos. Por outro lado, a informatização dos processos de execução fiscal, abertos manualmente, obriga a que se proceda ao seu saneamento (leia-se rejeição) por insuficiência de dados. Resumindo: não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas um acidente na aplicação do chamado Plano (ou Choque) Tecnológico, o que trocado em miúdos quererá dizer que a culpa é dos computadores.
Terceiro: a facilidade com que são criadas empresas, desprovidas de qualquer estrutura e património, e da consequente destreza com que desaparecem sem deixar rasto. Resumindo: não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas uma consequência perversa da aplicação do novel e desburocratizante SIMPLEX.
Quarto: a existência de muitas gavetas e prateleiras nas repartições de finanças, onde os processos ficam esquecidos, enquanto que outros desaparecem simplesmente de circulação, por obra e graça de afectos e envelopes com recheio. Também neste caso não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas casos de corrupção dentro da administração pública, que as polícias, com poucos meios e sujeitas a muitas pressões, não podem ou não conseguem deslindar.
Finalmente, dizem-nos que estas prescrições, tendo mesmo tendência para aumentar, por força da automatização do processo de liquidação dos impostos e das condições legais, não têm qualquer impacto orçamental, e devem ser encaradas como episódios normais em qualquer sistema fiscal que se preze. Quer isto dizer que, para compensar, haverá sempre os do costume, que pagam a tempo e horas, faça chuva ou faça sol.
Muito embora o ministro das Finanças haja alertado a chefia tributária que "a prescrição de dívidas fiscais transmite aos contribuintes e à sociedade em geral a ideia de que os comportamentos evasivos e de incumprimento são compensadores", continua a prevalecer a primitiva conclusão de que não há ineficiência da Administração Fiscal ao nível da cobrança executiva.
Resumindo e concluindo: O Estado sente-se bem e até onde a vista alcança não conseguimos encontrar a quem imputar responsabilidades. A não que a culpa recaia sobre a antipática figura do cobrador de fraque.

quinta-feira, julho 06, 2006

Cavalo de Ferro

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Manutenção de locomotiva a vapor na estação de Ndalatando (Quanza Norte, 1970). Como militar em comissão de serviço, no Batalhão de Caçadores 13, várias vezes efectuei o patrulhamento apeado da linha-férrea, entre Ndalatando e a Canhoca, a qual serpenteava pelos morros, permanentemente abafada pela floresta. A citada linha-férrea ligava Luanda a Malange.

domingo, julho 02, 2006

Leitores e Autores

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Há um princípio, aceite como universal, que diz que nunca será apagado da memória, tudo o que foi marcante para moldar a vida de uma pessoa. Uma das últimas crónicas do António Lobo Antunes, aquela onde ele diz que “… os livros deviam trazer na capa o nome do leitor, e não o do autor”, foi o pretexto para reavivar da minha memória, e reverter para estas linhas, um acontecimento com mais de meio século existência.Num belo fim-de-semana dos anos cinquenta e picos, os meus pais decidiram visitar um amigo de infância de meu pai, solteirão, bonacheirão e um nadinha caprichoso, que vivia com a sua avó ali para os lados de S.Bento. Quando lá chegámos, fomos recebidos pela dita senhora, que nos informou que o neto se tinha ausentado desde manhã, e como era habitual, nunca se sabia bem quando voltava. Tanto podia ter ido ali abaixo comprar o jornal, como decidir ir até à outra banda, para almoçar no Ginjal. De qualquer modo, mandou-nos entrar, fazendo as honras da casa. Era uma senhora de porte quase aristocrático, educadíssima, muito culta, capaz de alimentar uma conversa por tempo indeterminado, acompanhada de um impecável chá e bolachinhas. Eu, nos meus poucos anitos (talvez uns sete ou oito), estava abismado, sentado numa cadeira cheia de torneados, naquela imensa de sala de grandes janelões protegidos por pesados reposteiros, o tecto decorado com opulentos baixos relevos de estuque, e paredes com um pé direito a perder de vista, forradas de pesadas estantes, repletas de livros, todos ricamente encadernados e com os títulos nas lombadas gravados a ouro. Dali, enterrado na minha cadeira, aquilo era um espectáculo soberbo, e o meu interesse e entusiasmo devem ter sido tais e dado nas vistas, porque a dado momento, a velha senhora, interrompeu a conversa com os meus pais e dirigindo-se a mim, balbuciou:- Se queres ir ver os livros, podes ir, mas não os tires da ordem em que estão, está bem?Não foi preciso dizer mais nada. Levantei-me e comecei a desbravar aquele imenso mundo que tinha pela frente. Aquela visita passou para outra dimensão e a tarde começou a correr a uma velocidade alucinante. Hoje, mais de meio século depois, ainda me consigo ver a folhear muito livros, até que me veio parar às mãos uma edição das Vinte Mil Léguas Submarinas de Júlio Verne, com aquelas magníficas ilustrações originais e uma grafia antiquada, como pharmácia em vez de farmácia ou augmentar em vez de aumentar. Chegada a hora de terminar a visita, a velha senhora pegou-me na mão e levou-me até outra sala, quase gémea da primeira, toda ela também recheada de livros, só que estes não estavam encadernados. Foi até uma prateleira, percorreu-a com o olhar, escolheu um deles e ofereceu-mo com um sorriso. Eram As Aventuras de Huckleberry Finn de Mark Twain. Regressámos a nossa casa e entreguei-me à tarefa de subir e descer o Mississipi vezes sem conta. Li aquele livro várias vezes e de várias maneiras. Do princípio para o fim, do meio para o fim, capítulo a capítulo do fim para o princípio, e assim sucessivamente, até que achei que podia dar um toque pessoal, fazendo uma cópia do livro e alterando a identidade do protagonista Huckleberry Finn, o qual passaria a ser, nem mais, nem menos, que um tal Fernando Torres. A bizarra tarefa, como todas as febres da infância, era enorme e nunca foi acabada, mas até onde chegou, foi servindo de treino para enriquecer o vocabulário e aperfeiçoar a construção das frases, ao mesmo tempo que o vírus da leitura e da escrita se instalavam em definitivo.Naquela altura em que o António Lobo Antunes ainda não tivera a ideia de dizer que “… os livros deviam trazer na capa o nome do leitor, e não o do autor”, para mim, menino atrevido, tinha-me imposto um objectivo bem mais exigente, que era o de transformar o protagonista no próprio leitor, e não aquele que o autor idealizara. Era como se o Cândido de Voltaire, entre várias versões, tivesse uma conhecida por Teófilo, a Madame Lopes fosse uma réplica, entre outras, da Madame Bovari de Gustav Flaubert, e andasse por aí um exemplar dos Irmãos Karamazov de Fedor Dostoiewsky com o nome dos Irmãos Antunes. Felizmente que a ideia nunca vingou. Isso teria tornado a literatura num caos, senão mesmo numa impossibilidade.

Mistério

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A eficácia de qualquer regulamento, mede-se pela rigorosa definição do seu âmbito de aplicação, e pelo tratamento adequado de cada nível a regulamentar. Ora o governo está a levar a cabo a Reforma da Administração Pública, mas não sabe quantos funcionários públicos existem em Portugal, nem tão pouco quantos serão abrangidos pelo regime de mobilidade. Assim sendo, alguém acredita que esta reforma é credível?