domingo, julho 09, 2006

O cobrador de fraque

O
O país está mal de finanças, no entanto, dá-se ao luxo de deixar prescrever, durante o ano de 2005, dívidas fiscais no valor de 231 milhões de Euros (46 milhões de contos em moeda antiga). Além de se ter verificado um aumento significativo da fuga ao fisco, dizem os responsáveis da máquina fiscal que este valor anormalmente alto de prescrições, “não deve, nem pode, ser atribuído a uma maior ineficiência da Administração Fiscal ao nível da cobrança executiva”, mas sim a outros factores, como por exemplo:
Primeiro: a inexistência de bens penhoráveis, por parte dos devedores, para satisfazerem a liquidação das dívidas, aliada à impossibilidade da sua localização. Resumindo: não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas a impossibilidade de desmontar as barreiras levantadas pelo Sigilo Bancário.
Segundo: os complexos processos de migração informática para o sistema central, dos pequenos sistemas subsidiários das repartições, são geradores de incompatibilidades, levando a que fiquem pelo caminho muitos processos. Por outro lado, a informatização dos processos de execução fiscal, abertos manualmente, obriga a que se proceda ao seu saneamento (leia-se rejeição) por insuficiência de dados. Resumindo: não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas um acidente na aplicação do chamado Plano (ou Choque) Tecnológico, o que trocado em miúdos quererá dizer que a culpa é dos computadores.
Terceiro: a facilidade com que são criadas empresas, desprovidas de qualquer estrutura e património, e da consequente destreza com que desaparecem sem deixar rasto. Resumindo: não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas uma consequência perversa da aplicação do novel e desburocratizante SIMPLEX.
Quarto: a existência de muitas gavetas e prateleiras nas repartições de finanças, onde os processos ficam esquecidos, enquanto que outros desaparecem simplesmente de circulação, por obra e graça de afectos e envelopes com recheio. Também neste caso não há ineficiência da Administração Fiscal, mas talvez apenas casos de corrupção dentro da administração pública, que as polícias, com poucos meios e sujeitas a muitas pressões, não podem ou não conseguem deslindar.
Finalmente, dizem-nos que estas prescrições, tendo mesmo tendência para aumentar, por força da automatização do processo de liquidação dos impostos e das condições legais, não têm qualquer impacto orçamental, e devem ser encaradas como episódios normais em qualquer sistema fiscal que se preze. Quer isto dizer que, para compensar, haverá sempre os do costume, que pagam a tempo e horas, faça chuva ou faça sol.
Muito embora o ministro das Finanças haja alertado a chefia tributária que "a prescrição de dívidas fiscais transmite aos contribuintes e à sociedade em geral a ideia de que os comportamentos evasivos e de incumprimento são compensadores", continua a prevalecer a primitiva conclusão de que não há ineficiência da Administração Fiscal ao nível da cobrança executiva.
Resumindo e concluindo: O Estado sente-se bem e até onde a vista alcança não conseguimos encontrar a quem imputar responsabilidades. A não que a culpa recaia sobre a antipática figura do cobrador de fraque.