sexta-feira, julho 02, 2010

Governo Não Sabe, Ou Finge Que Não Sabe

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Com o título de "IVA mascara preços", transcrevo a notícia do jornal PÚBLICO de 2 de Julho 2010:

«A revisão anual de preços dos medicamentos de marca entrou ontem em vigor e pretendia que, de cerca de 8000 medicamentos, 2027 baixassem o seu preço. Contudo, a revisão ficou, em parte, mascarada pela subida do IVA de cinco para seis por cento. Segundo o Infarmed, com a coincidência de datas, apenas 173 medicamentos mantiveram o preço, 1864 baixaram e 5950 subiram. O Governo previa, no entanto, que 5526 mantivessem e só 434 subissem.»

Meu comentário: Governo não sabe, ou finge que não sabe fazer contas.

Estamos no “Bom” Caminho; Pobretes Mas Alegretes

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Transcrevo o apontamento publicado pelo JORNAL “i” de 29 de Junho de 2010. Para título do post, entre a expressão “Pobretes Mas Alegretes” e “Estamos no “Bom” Caminho”, preferi a junção de ambas, dado reflectirem as escolhas que a governação adoptou nos últimos 6 anos, as quais levaram ao progressivo empobrecimento da população portuguesa, condição que o texto tão bem reproduz.

«Mais de metade da população que vive em Portugal (57%) sobrevive com menos de 900 euros por mês. Um em cada dez portugueses ganha um salário que muitas vezes é insuficiente para pagar as despesas correntes como água, electricidade ou medicamentos e, por isso, tem de pedir ajuda a familiares para ter acesso aos bens de primeira necessidade. As famílias portuguesas vivem com pouco dinheiro, mas ainda assim consideram-se "felizes", ajudando a fixar o grau de felicidade nacional nos 6,6 pontos (numa escala de 0 a 10) - uma nota que é positiva, embora abaixo da média europeia (7,5).

Estas são as principais conclusões do estudo da Tese - Associação para o Desenvolvimento, coordenado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que ontem foi apresentado na Fundação Gulbenkian e envolveu 1237 inquiridos. E quem são estes portugueses que aprenderam a esticar o salário até ao último dia do mês? Segundo o relatório "Necessidades de Portugal", estas famílias vivem nos centros urbanos e estudaram mais do que os seus pais. Mesmo assim, 21% não têm capacidade financeira para reagir às despesas inesperadas, 12% não conseguem comprar todos os medicamentos de que necessitam e 30% têm muita dificuldade em pagar as contas correntes.

A investigação coordenada por Isabel Guerra, do Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, permitiu concluir ainda que estas "famílias-sanduíche" estão à beira da pobreza e já representam 31% dos agregados portugueses. Apesar de terem mais estudos e qualificações que os pais, a maioria sente que está a regredir socialmente face à geração anterior e teme não conseguir pagar os estudos dos filhos.

O medo, no entanto, não é suficiente para reagir e boa parte dos portugueses acabou por se resignar perante a sua condição: 30% dos inquiridos dizem que gostariam de mudar de emprego, mas mais de um terço dos insatisfeitos confessa que não faz nada para mudar a sua sorte. Para 63% dos entrevistados, emigrar está fora de questão. A maioria já não pensa em voltar a estudar, apesar de dizer que gostaria de se expressar melhor por escrito, de aprender línguas e saber usar a internet para acompanhar os filhos nos estudos.

Metade da população portuguesa sobrevive com dificuldade, mas não é por isso que se julgam desafortunados. Pelo contrário: 73% dizem que são felizes e a principal razão é a família e os amigos. O estudo mostra, em contrapartida, que há por aí muita gente desconfiada: 45% dos portugueses suspeitam dos outros, mas os números disparam se o alvo for o governo. 70% afirmam que os nossos governantes merecem pouca ou nenhuma confiança.

No que toca aos pobres, confirma-se que o universo dos mais vulneráveis coincide com o dos idosos, das famílias monoparentais e dos que têm menos estudos. Cerca de 20% dos portugueses está abaixo do limiar da pobreza e 35 em cada 100 está numa situação de privação alta ou média não conseguindo, por exemplo, aquecer a casa ou usufruir a totalidade de uma baixa médica para não perder os rendimentos.»

quinta-feira, julho 01, 2010

A Europa dos Banqueiros

«(...)
A crise da União Europeia está a ser invocada, não para arrepiar caminho em relação às políticas que têm sido seguidas e que estão na origem dessa mesma crise, mas para um inaceitável e perigoso salto em frente no processo de integração capitalista, de centralização autoritária do poder num directório de grandes potências. É neste sentido que vai a pressão propagandista de “mais Europa” e da criação de um “governo económico” e mesmo de um “governo político” europeu e as decisões do Conselho Europeu de 17 de Junho, com a aprovação da chamada estratégia “Europa 2020”, o reforço das medidas sancionatórias associadas ao “Pacto de Estabilidade e Crescimento” e a análise prévia dos orçamentos nacionais. Uma direcção que agrava a dependência do país e que tem a cumplicidade do Governo do PS e dos partidos da direita.
O Comité Central do PCP considera que o novo programa de medidas de austeridade que, na sequência do PEC, PS e PSD aprovaram na Assembleia da República, marca um novo patamar na ofensiva que tem por objectivo acentuar a exploração, reduzir direitos e avolumar as injustiças e desigualdades na repartição do rendimento nacional, através de medidas como o roubo nos salários com o aumento das taxas de IRS, o agravamento do IVA e consequente aumento dos bens de primeira necessidade, a introdução de portagens ou o aumento dos preços dos transportes públicos.
(...)»
Transcrição de uma passagem das conclusões do Comité Central do PCP, proferidas em conferência de imprensa pelo Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, em 28 de Junho de 2010.

quarta-feira, junho 30, 2010

Registo para Memória Futura (8)

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«A Justiça não está bem, mas não está tão mal como isso. Se corrermos a Europa, não encontramos Justiça melhor do que a portuguesa»

Declaração do Procurador-geral da República Pinto Monteiro

Um Pretensioso Optimista

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José Sócrates, o engenheiro imperfeito que também é nosso primeiro-ministro, a propósito de uma pergunta que um jornalista lhe fez, sobre o seu prognóstico para o difícil jogo de futebol entre Portugal e a Espanha, a contar para o campeonato do Mundo, à mistura com as futilidades do costume, afirmou que ele sempre foi um optimista, como aliás se espera que seja (diz ele), qualquer político que se preze.
Se tomarmos a devida atenção, a tonalidade dos discursos desta criatura é sempre a mesma. Seja qual for o assunto, trate-se de futebol, do défice, da crise ou da retoma da economia, todas as suas ideias e comentários são recheados com toneladas do mais admirável e contaminante optimismo, porque para ele, esteja tudo bem ou mal, faz sempre questão de nos convencer que, graças ao seu indestrutível optimismo, coragem e determinação, navegamos num mar de rosas. Neste caso, considerando-se um persistente optimista, a criatura, excepcionalmente, até falou verdade.
Já o considerar-se um político, a coisa começa a tornar-se mais complicada de provar, sobretudo se lhe retirássemos o exército de amigalhaços, confidentes, conselheiros, colaboradores, assessores, consultores, secretários e ajudantes de campo que o rodeiam, apoiam e acompanham para todo o lado, e que mesmo assim, tão escassos quanto péssimos resultados tem produzido na governação do país.
Concluindo, podemos dizer sem medo de errar que a criatura é um pretensioso, pois o facto de ser um optimista, tal não o autoriza a considerar-se um político, embora gostasse de o ser, e nos queira convencer que o é. Na melhor das hipóteses, poderia ser um medíocre delegado de propaganda médica, de um laboratório à beira da falência, bem encadernado nas suas fatiotas, a tentar impingir medicamentos retirados do mercado e fora de prazo, e a arriscar a presunção de que os laxantes são óptimos para curar a subnutrição.

terça-feira, junho 29, 2010

Governo Alternativo

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ONTEM, SEGUNDA-FEIRA, dia 28 de Junho de 2010, o engenheiro inacabado e ainda primeiro-ministro José Sócrates, esteve reunido com o seu governo alternativo, constituído pelos presidentes dos principais bancos portugueses, com uma ordem de trabalhos destinada a avaliar a situação geral do país, e da banca em particular. Não houve declarações nem foram divulgados pormenores deste conselho de ministros alternativo, e embora à boca pequena já se fale em traição, ainda não se sabe qual foi a reacção dos membros do "outro" governo.

É Apenas Uma Sondagem!

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É APENAS uma sondagem. Foi elaborada pela Universidade Católica para a Antena 1, RTP, JORNAL DE NOTÍCIAS e DIÁRIO DE NOTÍCIAS, e como todas as sondagens, não é uma verdade absoluta, vale o que vale, para um dado momento, sendo apenas uma indicação das tendências de voto do eleitorado.

segunda-feira, junho 28, 2010

Scuts, Mentiras e Chips

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ERA UMA VEZ uns senhores que inventaram uma coisa chamada SCUT, umas auto-estradas que, diziam eles, eram Sem Custos para os Utilizadores, isto é, estavam livres de portagens. O problema é que os tais senhores eram muito mentirosos. Passados os primeiros anos de isenção de pagamento, e a pretexto da crise que grassava no país, resolveram dar o dito por não dito, e decidiram que era chegada a altura de começar a facturar quem por lá circulava. E decidiram que a coisa ia ser levada a cabo através de umas engenhocas com CHIPS, também conhecidas por DEM, isto é, Dispositivos Electrónicos de Matrícula, que seriam reconhecidos pelos DDIE, isto é, Dispositivos de Detecção e Identificação Electrónica, instalados nos pórticos das SCUT, e que fariam as vezes dos humanos portageiros.
Acontece que os tais senhores, além de muito mentirosos, também são muito perigosos, pois acabou por se concluir que os tais CHIP-DEM, também podem funcionar como localizadores das viaturas, logo dos seus proprietários, pondo em causa a liberdade de movimentos e a privacidade dos cidadãos, condições que são garantidas e consideradas invioláveis pela Constituição. Defendem, no entanto, os obstinados adeptos dos DEM, que aqueles dispositivos não passam de uma inofensiva VIA VERDE, esquecendo-se de referir que a diferença reside na universalidade e obrigatoriedade que está associada aos primeiros, e o voluntarismo de que se reveste a adesão aos segundos, como forma opcional de pagamento. Assim sendo, a implementação do tal sistema acabou por ser revogada pela Assembleia da República, na sessão de 24 de Junho passado, apesar de o governo insistir que os tais DEM são indispensáveis para quem quiser circular nas tais vias, caso contrário haverá o risco de transgressão, coimas e contra-ordenações, enfim, a bem ou a mal, tudo coisas para aliviar os bolsos do contribuinte. Para aprimorar ainda mais o sistema, surgiu inopinadamente na NET o site (minimalista e inacabado) de uma empresa, denominada SIEV S.A., isto é, Sistema de Identificação Electrónica de Veículos, Sociedade Anónima, que pretende cumprir o objectivo de coordenar a articulação do tal processo das SCUT com os DDIE e os DEM. Tem sede na Rua Braamcamp e umas instalações provisórias no Pólo Tecnológico de Lisboa, no Lumiar, mas os contactos são apenas por escrito, via CTT ou E-MAIL, pois telefones não tem, e pessoal parece que também não.
À frente desta empresa vazia, como administrador executivo, com um salário de 6.250 euros, e apenas durante três meses, esteve um sujeito que foi assessor do secretário de estado do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, e que depois transitou para uma tal Q-Free, empresa norueguesa fornecedora dos DEMs, como responsável máximo da mesma. Até ao presente momento, a SIEV não fez substituir o seu efémero administrador, ao passo que o dito sujeito tem estado invisível e incontactável para os lados da Q-Free.
Qualquer pessoa concluiria, e com carradas de razão, que anda por aí gente muito distraída ou afectada por uma grande teimosia, e que está determinada a levar em frente, aquilo que foi irremediavelmente chumbado, pelo menos no que aos DEM diz respeito.
Qualquer pessoa será também levada a questionar quem irá pagar os valores que têm andado associados a este rocambolesco processo em que se tornaram as portagens das SCUT, traficadas por gente muito voraz, demasiado mentirosa e perigosa. O mais certo é que venha aí mais um assalto-peditório, mascarado de PEC rectificativo, para que possamos contribuir para a amortização de mais uma grande operação, de contornos altamente duvidosos.

domingo, junho 27, 2010

Quantos Pobres São Precisos Para Fazer Um Rico?

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«A 10 de Maio de 2010, os detentores de títulos do banco Societé Générale, tranquilizados por uma nova injecção de 750 mil milhões de euros na fornalha da especulação, registaram ganhos de 23,89%. No mesmo dia, o presidente francês Nicholas Sarkozy anunciou que, por necessidades de rigor orçamental, iria ser cancelada a ajuda excepcional de 150 euros às famílias em dificuldades. Crise financeira após crise financeira, vai crescendo a convicção de que o poder político alinha a sua conduta pelas vontades dos accionistas. Periodicamente, porque a democracia assim exige, os eleitos convocam a população a privilegiar os partidos que os "mercados" pré-seleccionaram em função da sua inocuidade. (...)»

Extracto do artigo de Serge Halimi, intitulado "O Governo dos Bancos", publicado na edição portuguesa do "Le Monde Diplomatique" de Junho de 2010

«Segundo notícias divulgadas hoje, o número de milionários em Portugal aumentou em ano de crise e recessão. Existem em Portugal 11 mil pessoas com uma fortuna acima de um milhão de dólares, mais 5,5% do que no ano passado.
A multiplicação da riqueza de algumas pessoas e do número de pessoas "ricas" ocorre num ano em que a economia sofreu uma forte recessão e a crise se acentuou. No ano passado o PIB recuou 2,7%, com uma queda de 21,8% nas exportações e de 8,1% na produção industrial, conclui-se no entanto que esses mesmos factores foram a oportunidade de enriquecimento de algumas pessoas.
A nível mundial a concentração de capital também aumentou, sendo que o número de indivíduos com mais de 1 milhão de dólares atingiu os 10 milhões. Além disso, o volume da sua riqueza aumentou 18,9% para 39 biliões de dólares.
Do relatório das consultoras Capgemini e Merrill Lynch confirma-se aquilo que temos vindo a afirmar: depois do período de desastre económico, de perdas generalizadas de capital e dificuldade na acumulação de alguns, os governos optaram por fazer pagar a factura da crise a quem vive do seu trabalho, com especial enfoque em quem passa mais dificuldades. (...)»

Excerto do artigo publicado no blog "Precários Inflexíveis", em 24 de Junho de 2010.

sábado, junho 26, 2010

O Bem-Amado e Querido Líder

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José Sócrates Pinto de Sousa, também conhecido por engenheiro incompleto, o nosso iluminado primeiro-ministro, afirmou ontem, na Assembleia da República que a melhor forma dos responsáveis políticos ajudarem o país a ultrapassar a crise é dar confiança aos trabalhadores e empresas, em vez de os diminuir e apoucar, além de que ele, muitas vezes, se sentia sozinho a puxar pelas energias do país. Estas afirmações, ditas em tom intimista e confessional, quase provocaram que me assomasse uma atrevida e votiva lágrima ao canto do olho, mostrando-me o quanto o país deve a este homem, que se entrega, de alma e coração, como um missionário, e tudo sacrifica em prol do desenvolvimento do país, e o quanto se tem empenhado para incutir confiança aos trabalhadores, e o quanto aqueles estão agradecidos pelas medidas que ele tem implementado para a sua protecção, contra as insustentáveis ameaças que nos assediam de todos os lados.

sexta-feira, junho 25, 2010

“Nem Leis, nem Justiça”

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Transcrição de ‘O Caderno de Saramago’, datado de 13 de Fevereiro de 2010 e publicado no site da Fundação José Saramago.

«Em Portugal, na aldeia medieval de Monsaraz, há um fresco alegórico dos finais do século XV que representa o Bom Juiz e o Mau Juiz, o primeiro com uma expressão grave e digna no rosto e segurando na mão a recta vara da justiça, o segundo com duas caras e a vara da justiça quebrada. Por não se sabe que razões, estas pinturas estiveram escondidas por um tabique de tijolos durante séculos e só em 1958 puderam ver a luz do dia e ser apreciadas pelos amantes da arte e da justiça. Da justiça, digo bem, porque a lição cívica que essas antigas figuras nos transmitem é clara e ilustrativa. Há juízes bons e justos a quem se agradece que existam, há outros que, proclamando-se a si mesmos justos, de bons pouco têm, e, finalmente, não são só injustos como, por outras palavras, à luz dos mais simples critérios éticos, não são boa gente. Nunca houve uma idade de ouro para a justiça.

Hoje, nem ouro, nem prata, vivemos no tempo do chumbo. Que o diga o juiz Baltasar Garzón que, vítima do despeito de alguns dos seus pares demasiado complacentes com o fascismo sobrevivo ao mando da Falange Espanhola e dos seus apaniguados, vive sob a ameaça de uma inabilitação de entre doze e dezasseis anos que liquidaria definitivamente a sua carreira de magistrado. O mesmo Baltasar Garzón que, não sendo desportista de elite, não sendo ciclista nem jogador de futebol ou tenista, tornou universalmente conhecido e respeitado o nome de Espanha. O mesmo Baltasar Garzón que fez nascer na consciência dos espanhóis a necessidade de uma Lei da Memória Histórica e que, ao abrigo dela, pretendeu investigar não só os crimes do franquismo como os de outras partes do conflito. O mesmo corajoso e honesto Baltasar Garzón que se atreveu a processar Augusto Pinochet, dando à justiça de países como Argentina e Chile um exemplo de dignidade que logo veio a ser seguido. Invoca-se aqui a Lei da Amnistia para justificar a perseguição a Baltasar Garzón, mas, em minha opinião de cidadão comum, a Lei da Amnistia foi uma maneira hipócrita de tentar virar a página, equiparando as vítimas aos seus verdugos, em nome de um igualmente hipócrita perdão geral. Mas a página, ao contrário do que pensam os inimigos de Baltasar Garzón, não se deixará virar. Faltando Baltasar Garzón, supondo que se chegará a esse ponto, será a consciência da parte mais sã da sociedade espanhola que exigirá a revogação da Lei da Amnistia e o prosseguimento das investigações que permitirão pôr a verdade no lugar onde ela tem faltado. Não com leis que são viciosamente desprezadas e mal interpretadas, não com uma justiça que é ofendida todos os dias. O destino do juiz Baltasar Garzón é nas mãos do povo espanhol que está, não dos maus juízes que um anónimo pintor português retratou no século XV.»

quinta-feira, junho 24, 2010

A Presidencial Criatura

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O EX-MINISTRO da economia Manuel Pinho, desempregado de burlescas e memoráveis metáforas, de inesquecíveis lides governativas, brilhante especialista em garraiadas parlamentares e com incógnita vocação para coisas da área cultural, recebeu finalmente, das mãos da ministra Gabriela Canavilhas, um justo prémio de carreira: como representante do Estado (a que isto chegou) foi nomeado presidente do conselho de administração da Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, do qual se espera um desempenho à altura, resta saber de quê.

Mixordeirices

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SOBRE A CAUSA do "apagamento" de 14.721 crimes com armas de fogo, das estatísticas oficiais do Ministério da Justiça, veio agora o Governo informar que o acontecimento se deveu a dados "errados" que a Polícia Judiciária lhe terá enviado, e que só agora, depois do assunto ter sido reportado pela comunicação social, é que o Ministério se debruçou sobre o caso. Admite que havia crimes registados em duplicado no sistema informático, oriundos de várias proveniências (PSP e GNR), e alguns deles reabertos, coisa estranha, pois, que eu saiba, o registo deste tipo de ocorrências é um acto singular, e não alguma coisa que se possa encerrar e voltar a reabrir. Por outro lado, quem já trabalhou em informática, sabe como esta matéria requer consistência, tratamento e uma indexação rigorosas, a fim de que a realidade não seja subvertida, logo as justificações do ministério sabem a pouco, para não dizer outra coisa.
Assim, a primeira questão que se põe é a seguinte: então o Ministério da Justiça não filtra a informação que lhe chega às mãos, havendo ferramentas informáticas para o efeito, e ninguém se apercebe que os números são discrepantes com a realidade? A segunda questão tem a ver com a ligeireza em alijar responsabilidades, empurrando para a Polícia Judiciária, que ainda não comentou o facto, a autoria do ocorrido. A terceira e derradeira questão tem a ver com o facto de alguém, atento e curioso, se ter apercebido que de um dia para o outro, e sem qualquer explicação, foram "apagados" 14.721 crimes com arma de fogo, caso contrário, continuaríamos convencidos de estar a viver no mais pacífico e respeitável dos mundos.
Seja por inépcia, incompetência, ou porque continua a pairar a suspeita de que se anda a fazer mixordeirice com os números e a falsear resultados, com o objectivo de embelezar as estatísticas, era desejável que se tirassem conclusões sobre este pitoresco caso, e que fosse apurado o verdadeiro número de crimes com armas de fogo ocorridos no país.

quarta-feira, junho 23, 2010

O Respeitinho é Uma Coisa Muito Bonita

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José Sócrates, a putativa vítima central da grande cabala do negócio PT/TVI, afirma que a oposição quis humilhá-lo na comissão parlamentar de inquérito, e que "o dever desses partidos era pedirem desculpa ao país, à Assembleia da República e a mim".
Se estivesse na minha mão, ainda ia mais longe: a obrigação do pedido de desculpas devia ser alargado aos procuradores e investigadores, e a coisa devia acontecer em cerimónia pública, com transmissão em directo pelas estações de televisão, em horário nobre, e as desculpas serem extensivas aos senhores Armando Vara, Rui Pedro Soares e Paulo Penedos, pelas maçadas e incómodos causados, e já agora com direito a indemnização, por perdas, danos e ofensas ao bom nome dos caluniados.

terça-feira, junho 22, 2010

"Viver e deixar morrer"

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«A TVI noticiou ontem que o INEM vai acabar com aquilo que o seu presidente classificou de serviço "dispendioso": a ajuda, quer telefónica quer no terreno, a pessoas em tentativa de suicídio (bem como ainda às vítimas de violação e de maus-tratos). As ordens "de cima" são para poupar e o INEM poupará deste modo nos salários de 7 psicólogos, que atendiam, em média, 27 chamadas e saíam 5 vezes por semana para apoiar pessoas em estado de grande depressão e em vias de se suicidarem. Um cínico diria que os critérios de poupança do INEM se justificam inteiramente. Impedir alguém de se matar contribui, de facto, para o agravamento do défice, sendo, por isso, antipatriótico. Implica não só encargos com pessoal e meios como ainda obsta a que a Segurança Social poupe em pensões e subsídios, já que boa parte dos potenciais suicidas, quando não são doentes crónicos ou terminais que oneram o SNS, são provavelmente idosos, desempregados e beneficiários de Rendimento Social de Inserção, isto é, gente "inútil" e, pior, fardos que só atrasam a gloriosa marcha de Portugal em direcção aos 3% de défice em 2013.»

Artigo de Manuel António Pina no JORNAL DE NOTÍCIAS on-line, com o mesmo título do post.

segunda-feira, junho 21, 2010

Mortalidades

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É UMA INEVITABILIDADE: todos os dias morrem criadores, cada um na sua arte, uns mais artífices que artistas, uns maiores que outros, uns com obra concluída, outros com ela inacabada, mas há alguns que por me terem servido de bússola, quando desaparecem, deixam-me transitoriamente amargurado, quase deprimido. Foi o caso de Albert Camus em 1960 (apenas soube da sua morte em 1964), de Jorge Luís Borges em 1986, de Vergílio Ferreira em 1996, de Sophia de Mello Breyner Andresen em 2004, e agora, de José Saramago em 2010, e mais uma meia dúzia de outras figuras marcantes, repartidas entre prosadores, poetas e cineastas, que entretanto se extinguiram. Ontem estavam, hoje já não estão. Quando partem, é como aquela ondulação que nos faz, momentaneamente, perder o pé. Depois, vem uma onda mais alterosa, atira-nos contra as rochas, e saímos dali exaustos, carregados de esfoladelas e a lamber as feridas. Como suponho que irá acontecer, haverá mais dois ou três casos de criadores que admiro, que num espaço de tempo mais ou menos curto - e porque esqueço facilmente que eles não têm o dom da imortalidade física, e não me contento com a sua provável imortalidade espiritual - é quase garantido que voltarão a fazer-me experimentar esse travo amargo de orfandade, de perda quase irreparável. Cessada a sua torrente criativa, a tal bússola que me apontava vários nortes e outros tantos desnortes, de repente, queda-se fossilizada no espaço e no tempo.
Como muito bem exprimiu a Clara Ferreira Alves, quando perdemos um amigo (mesmo aqueles com quem apenas convivemos através das obras) é como se nos sentíssemos envelhecer precocemente. Comigo, e de uma forma um pouco mais radical, arrisco dizer que é mais uma espécie de corte do cordão umbilical, com que o espírito criativo sustenta, quem dele se alimenta. Pára esse fluxo e logo aí morre um pouco de nós próprios. Não fosse o espólio que perdura, a suave turbulência e o maravilhoso que emana das transfusões que recebemos das suas obras, quase me atreveria a dizer que pouco ou nada faltaria para, mesmo sobrevivendo-lhes, morrermos com eles.

sexta-feira, junho 18, 2010

Saramago

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JOSÉ SARAMAGO terminou a sua jornada terrena e deixou de estar entre nós. Inicia agora uma outra viagem, essa muito mais longa, na qual irá percorrer a memória colectiva, não só dos portugueses, mas de toda a Humanidade, a quem se entregou com todas as suas armas e bagagens. Combativo, polémico e irreverente, aceitou o desafio de se superar. Acabou a desbravar grandes caminhos e as inóspitas paragens da imaginação, da criação e da condição humana.
Vai continuar a viver nas prateleiras da minha exígua biblioteca, porém, já sinto a sua falta.

Os Conselheiros de Sócrates e Coelho

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OS PORTUGUESES comuns (os que têm trabalho) ganham cerca de metade (55%) do que ganha um trabalhador comum na zona euro, mas os nossos gestores recebem em média:

- mais 32% do que os Americanos;
- mais 22,5% do que os Franceses;
- mais 55% do que os Finlandeses;
- mais 56,5% do que os Suecos.

(dados de Manuel António Pina, JORNAL DE NOTÍCIAS, 24 de Outubro de 2009)

E são estes os cavalheiros que, à boleia dos PECs do governo Sócrates / Coelho, e transformados em seus conselheiros, estão agora a exigir a liberalização dos despedimentos, o alargamento do prazo limite dos contratos a prazo, com a possibilidade de renovações ilimitadas, bem como o esvaziamento da concertação social, ao mesmo tempo que dizem, à boca cheia e de peito inchado, que “os portugueses gastam acima das suas possibilidades”.

quinta-feira, junho 17, 2010

A Alquimia ao Serviço da Governação

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JÁ CONHECÍAMOS a técnica de "apagar" as faltas dos alunos gazeteiros, evitando a sua perda de ano, mais o salto encarpado do oitavo para o décimo ano, sem passar pelo nono, bem como as depurações regulares a que são sujeitos os ficheiros do desemprego. Sobre esta última preciosidade até conheço um caso de um desempregado que logo no dia a seguir a ter preenchido os formulários, os seus dados desapareceram na onda de uma dessas operações de limpeza, vá-se lá saber como e porquê. Confirma-se agora que o processo se estende a outras áreas, nomeadamente na Justiça. Assim, o Ministério da Justiça atribuiu a um "erro técnico" (explicado por falta de filtragem dos dados, dos computadores, está claro!) o caso de terem sido indevidamente "apagados" 14.721 crimes praticados com armas de fogo, nos últimos cinco anos. Quando a coisa não pode ser facilmente explicada, os culpados são sempre os coitados dos sistemas informáticos, que têm tanto de costas largas, como de incapacidade (por enquanto) para se defenderem de falsas acusações.
Ora isto é alquimia da mais pura, aquela prática ancestral que tinha a pretensão de converter o chumbo em ouro, mas de que não há notícias que tivesse alguma vez atingido tal objectivo. Porém, engano nosso! Com os dois governos do PS (partido Sócrates), foi reinventada a técnica, e bastou usar o "apagador", para que de uma forma simples e barata, se pudesse ludibriar a realidade, ao mesmo tempo que se punham a cintilar, com o brilho do ouro, os maus resultados que por aí andavam a emporcalhar as estatísticas.

quarta-feira, junho 16, 2010

“Cidadãos Europeus, Uni-vos!”

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«A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital ou o futuro é o fascismo.

O artigo é de Boaventura de Sousa Santos

Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos.
Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista. Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de protecção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.
Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acúmulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos trabalhistas (facilitar demissões, reduzir indemnizações). A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul.
A Europa está sendo vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social. O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 biliões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 biliões para salvar o sistema financeiro europeu?
A luta de classes está voltando sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho. O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois fatos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia. A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.
Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm
de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.»

Transcrição do artigo de Boaventura Sousa Santos, com o mesmo título do post, publicado na revista VISÃO de 2 de Junho de 2010