segunda-feira, março 26, 2012

Causa e Consequência, Túneis e Pontes, Jogo e Anti-Jogo


O BALBUCIANTE ministro das finanças Victor Gaspar, já começou a queixar-se que as receitas de impostos estão a decair, ao passo que aumentam as despesas com os subsídios de desemprego. Ora se aumentam os desempregados, é óbvio que estes deixem de pagar impostos, que recorram aos centros de emprego e passem a receber subsídio, ao mesmo tempo que se contraem no consumo, e que isso origine menor colecta de IVA. Por outro lado, as falências em cascata originam desemprego e queda substancial das receitas fiscais, provenientes do sector empresarial. Como continua a não haver milagres nem bruxedos, o ministro das finanças já devia saber, ou esqueceu-se, que em economia, tudo é causa e consequência.

Mas não! Prefere andar a grafitar analogias com travessias de pontes, num país em que as pontes e viadutos carecem de cuidadosa manutenção, logo têm tendência para não serem percursos cem por cento seguros. Depois da estafada analogia com o túnel e a tal luz que despontaria lá ao fundo, prenunciando a saída das trevas da crise, o ministro usou a travessia de uma qualquer ponte, travessia essa que estaria agora pelo meio, para fazer a ligação entre a crise e a recuperação, rumo ao desafogo.

Mas não basta dizer-se que sim, que talvez, ou que também. Para lançar a confusão, ou voltar a baralhar o jogo, para manter os comentadores ocupados, dizendo e desdizendo-se, veio agora o primeiro-ministro e também líder do PSD Pedro Passos Coelho, no rescaldo do congresso do seu partido, dizer que está convicto que o desemprego vai parar de crescer no final deste ano e que o País iniciará a recuperação económica em 2013. Assim mesmo, sem mais nem menos, como um autêntico prodígio alquímico, contrariando todos os factos, dados e contas que se andam a fazer. Qual será o oráculo que ele anda a consultar?

domingo, março 25, 2012

Filmes Pela Noite Dentro – Sangue do Meu Sangue


Título: Sangue do Meu Sangue
Ano: 2011

Realizador: João Canijo
Argumento: João Canijo
Origem: Portugal
Duração: 140 min
Género: Drama 

Actores: Rafael Morais, Nuno Lopes, Rita Blanco, Beatriz Batarda, Fernando Luís, Cleia Almeida, Anabela Moreira, Marcello Urgeghe, Teresa Madruga 

Meu comentário: “Sangue do Meu Sangue” pode apreciar-se em duas versões: uma longa, de 190 minutos, concebida para uma mini-série de 3 episódios, e outra de 140 minutos, destinada às salas de cinema. Vi as duas versões e optei pela segunda.

“Sangue do Meu Sangue” é CINEMA maiúsculo, tanto na forma como no conteúdo. É o retrato de uma família humilde, a viver numa casa acanhada, meio cubículo, meio contentor, de um bairro social da periferia de Lisboa, aprisionado pela vaga dos novos pobres que nele se acolhem, decrépito e problemático, cercado de construção precária e improvisada, destinada a alojar vidas precárias e improvisadas. É o retrato cru deste Portugal do início do século XXI, microcosmos de um velho Portugal, envelhecido e decadente, a coexistir com um novo Portugal, onde o trabalho honesto e esforçado vai vivendo paredes meias com a partilha da escassez, da pobreza, e de todo o tipo de sordidez e criminalidade que lhe anda associada. Tudo é excessivo, desde as vidas, os dramas, as dores, o calão, os diálogos cruzados em ambiente claustrofóbico, onde o ruído persistente se cruza com as sonoridades próprias da inexistência de privacidade, imagem de marca destas bolhas suburbanas. É um filme de mulheres, cada qual com o seu tipo diferente de força, guardiãs de famílias desfocadas, a enfrentar as crueldades e as cores fortes da sua condição. É um filme repleto de arestas vivas deixadas pelas suas personagens, pelos seus ódios e paixões, exactamente iguais às do mundo dito normal, só que numa escala diferente. O trabalho dos actores é extraordinário, a todos cabendo um desempenho excelente. O periclitante cinema português, em contra-ciclo com o que é habitual em tempos de crise, está a dar-nos alegrias, com o trabalho de João Canijo a ocupar lugar de destaque. Se fosse da minha competência atribuir notas, “Sangue do Meu Sangue” merecia 8 numa escala de 10.

sexta-feira, março 23, 2012

Submissos Sim, Resignados Não!


É INADMISSÍVEL que numa altura destas, afectada por uma profunda crise económica, com desastrosos reflexos no desemprego, alguém fique excluído das preocupações do Governo, alinhado nas filas do Centro de Emprego da sua zona, à espera de uma nova oportunidade, contando os cêntimos e vendo-se impossibilitado de fazer face às despesas do dia-a-dia. Nesta conformidade, e no seguimento do que aconteceu a Luís Amado, que foi reforçar a élite dirigente do Banif, a Caixa Geral de Depósitos (CGD), talvez aconselhada pela troika e pelo “gabinete sombra” do bloco central, prepara-se para propor Teixeira dos Santos, antigo ministro das Finanças de José Sócrates, para administrador não executivo da PT, pois é sabido que o pior que pode acontecer à estabilidade do sistema, é andar por aí um ex-ministro desempregado. Tal como diz a sabedoria popular, cá se fazem, cá se pagam…

As Cavalgaduras


ONTEM, dia de greve geral e de múltiplas manifestações de descontentamento por todo o país, alguns pacíficos elementos da PSP foram selváticamente agredidos por bárbaros manifestantes na zona do Chiado, os quais tiveram que ripostar em legítima defesa. Na imagem, como se pode ver, o jornalista José Sena Goulão da agência Lusa e Patrícia Melo Moreira, a agressiva fotojornalista da agência France Press, são cívica e respeitosamente postos na ordem, pelos simpáticos agentes, com o objectivo de ser reposta a ordem pública e a competente legalidade democrática.

quarta-feira, março 21, 2012

O "bom" Caminho

ESTAMOS no bom caminho, dizia o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho em 29 de Fevereiro de 2012, aquando de uma visita a Roma, onde se encontrou com o seu homólogo Mário Monti;

O número de desempregados inscritos no final de Fevereiro de 2012 (segundo dados do IEFP, que tem os seus critérios muito selectivos, e faz grandes arejamentos das suas bases de dados) aumentou 16,6% em relação ao ano passado. Já as ofertas de emprego caíram 37,2%, dizem as notícias do jornal PÚBLICO de 21 de Março de 2012.

domingo, março 18, 2012

Ser e Parecer


O ECONOMISTA António Borges foi vice-presidente da Goldman Sachs, o banco norte-americano que aprecia desempenhos, gerando notação financeira e "aconselhando" governos (caso da Grécia, a quem ajudou a esconder o seu astronómico défice), ao mesmo tempo que acarinha as famílias mais ricas do mundo. O mesmo senhor é agora consultor da Parpública, a empresa que gere o processo das privatizações e da renegociação das Parcerias Público-Privadas. Agora, vai aceitar as funções de vogal não executivo no conselho de administração do grupo Jerónimo Martins. A acumulação de ambas as funções, levantou dúvidas, e muito bem, quanto à eventualidade de ambos os cargos não serem compatíveis, ou a sua simultaniedade não ser aconselhável, em termos de transparência. Entretanto, o Ministério das Finanças emitiu um comunicado em que diz não existirem "incompatibilidades ou conflitos de interesses", pelo que António Borges pode ficar descansado e ir em paz, com a respectiva benção do ministro Victor Gaspar.

Ora, a questão que se põe, e que pelos motivos óbvios não pode ser imediatamente clarificada, é que nada nos garante que o grupo Jerónimo Martins não venha a ser, no futuro, um potencial candidato às privatizações que estão na calha, e aí, António Borges, como detentor de informação previligiada, pode vir a dar uma ajuda considerável, sem que a coisa se saiba. Assim sendo, não nos queiram fazer passar por parvos, passando certificados de duvidosa garantia. Manda a transparência e algum sentido de ética que, tal como aconteceu com Calpúrnia, a mulher de César, não bastando que fosse séria, também era preciso que o parecesse. Neste caso, a solução é simples: se o Grupo Jerónimo Martins quer António Borges, pois então que o leve, e que se arranje outro que o venha substituir na Parpública. Gente desempregada é o que há mais por aí...

sexta-feira, março 16, 2012

Registo para Memória Futura (62)


«(...) Eu acho que de uma forma ténue começam a aparecer indicadores, nomeadamente, aqueles que refletem o andamento da produção, ou seja o lado da oferta, que nos levam a perceber que o pior já passou (...) goste-se ou não se goste é preciso reconhecer que temos com este Governo um rumo no sentido nacional (...)»

Declarações de Joaquim Pina Moura,ex-membro do PCP, ex-ministro das Finanças e Economia no governo socialista de António Guterres e actualmente presidente da Iberdrola, em entrevista conduzida por João Marcelino, director do Diário de Notícias, e Paulo Baldaia, director da TSF, ao programa Gente que Conta, em 11 de Fevereiro de 2012.

Meu comentário: Antes disto nunca o ouvi dizer que estávamos em apuros ou sem rumo, embora oportunidades não lhe tenham faltado. Viver não custa, já o dizia o senhor Terêncio, revisor da CP na linha da Beira. Não custa nada, dizia ele. Qualquer marmanjo sabe como se faz. Basta dar uma corridinha para chegar a tempo de apanhar o comboio do senhor que se segue…

quarta-feira, março 14, 2012

Afinal Quem é Ele?


O homem que não lia jornais
O homem que nunca tinha dúvidas
O homem que nunca se enganava
O homem que nunca exibiu uma ideia construtiva
O homem que nunca dialogava e quanto a conversas só à bastonada
O homem que do Portugal profundo apenas conhece o Pulo do Lobo
O homem que confundiu o filósofo inglês Thomas More com com o escritor alemão Thomas Mann
O homem que não tem causas, mas tem não sei quantos doutoramentos honoris causa, sendo um deles em literatura…
O homem que dizia "deixem-me trabalhar", e tudo fez para espatifar a economia do país
O homem que faz da política um jogo de tabus
O homem que entrou numas negociatas imobiliárias e abichou uns dinheirinhos do BPN
O homem que deu protecção aos salteadores da arca do tal BPN
O homem que permitiu que fosse montada uma falsa conspiração contra si próprio
O homem que cultivava a chamada magistratura de influência
O homem que se gabava de privilegiar a cooperação institucional
O homem que insiste em não comentar situações da política nacional
O homem que deixou o país ir à falência sem questionar quem o governava
O homem que deixou passar todos os PECs
O homem que aceitou viver num protectorado governado por uma troika
O homem que se intitula provedor do povo
O homem que diz que é muito poupadinho
O homem que sendo economista, não sabe se tem dinheiro para pagar as despesas pessoais
O homem que foge de enfrentar uma manifestação de estudantes
O homem que não querendo parecer, é dos que maior responsabilidade tem no estado em que estamos
O homem que se queixa da deslealdade de Sócrates
O homem que não fazendo o que devia fazer, mais valia estar calado

Digam o que disserem, a História não os absolverá, nem a ele, nem a José Sócrates nem a Pedro Passos Coelho! E já agora também, para que não se fiquem a rir, a Durão Barroso e a Pedro Santana Lopes…

segunda-feira, março 12, 2012

Noite de Cinema - Melancolia


Título: Melancolia
Título Original: Melancholia
Ano: 2011

Realizador: Lars von Trier
Argumento: Lars von Trier
Origem: Dinamarca
Duração: 136 min
Género: Drama

Actores: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Alexander Skarsgard, Stellan Skarsgard, Jesper Christensen, Charlotte Rampling, John Hurt, Udo Kier, Brady Corbet

Meu comentário: "Melancolia" de Lars von Trier é um filme que rompe com os cânones do filme-catástrofe, e que neste caso - como em muitos outros - é imprópriamente classificado como de ficção científica ou futurológica, e a catástrofe que lhe serve de invólucro, é um acontecimento fatal e de onde não se regressa. Estamos sós, não nos podemos esconder, não há para onde fugir, são palavras do filme. As grutas mágicas que a imaginação pode produzir, são a única forma de escapar, a derradeira fuga possível.

Tudo se passa dentro da bolha de uma imensa e sumptuosa mansão senhorial, sem contacto visível com o resto do mundo. Há um banal copo-de-água, com gente banal em trajes a rigor, que se estende pela noite dentro, destinado a celebrar um casamento, enlace que falha logo naquela noite. A ganância, as ambições, a vaidade, a riqueza, a posse, os projectos, os prazeres, os amores, as confissões adiadas, os ódios, as tristezas, e até os medos, são tralha que vai sendo remetida para um nicho de vacuidade, até se tornarem matéria insignificante e pulverizada por aquilo que há-de vir. Ou como disse Camões: ó glória de mandar, ó vã cobiça / desta vaidade a quem chamamos Fama! / Ó fraudulento gosto, que se atiça / c'ua aura popular, que honra se chama! Os trechos de Tristão e Isolda, de Wagner, são promonitórios do drama que se adivinha.

Depois tudo se resume a quatro personagens, encapsulados numa paisagem que tem tanto de imponente como de claustrofóbica, a conviverem com a visão da aproximação de um planeta errático que executa uma dança de morte com a Terra, até ao impacto final. Naquele insólito e isolado recanto terráqueo não há vestígios de rádio, nem de tv, nem de jornais, apenas um breve contacto telefónico que nada tem a ver com a ameaça do intruso planeta, mais uma brevíssima passagem pela internet, exibindo o quadro e os riscos daquela cósmica aparição. Os cordões umbilicais que habitualmente ligam o espectador à turbulência, ao pânico generalizado, às multidões em fuga, perante uma catástrofe eminente, estão ausentes, não se vislumbrando notícias e outros terrores. O mundo exterior prima pela ausência.

E o filme acaba, tal como o mundo acaba, como se prevê que tal venha a ser, em colapso total, sem um final feliz nem infeliz, com três pessoas de mãos dadas, protegidas por uma simples e metafórica gruta mágica, construída com a matéria prima que só a imaginação e um simples canivete podem produzir. "Melancolia" de Lars von Trier é um filme de antologia, fruto de uma meticulosa e ousada mágoa, e como tudo o que se exige de uma obra de arte, é um tão simples quanto portentoso objecto de reflexão.

sexta-feira, março 09, 2012

Negócios da China e das Arábias


JÁ TÍNHAMOS o pantagruélico e imparável sorvedouro do BPN, e para juntar ao caso do indevido pagamento de compensações à Lusoponte, pela inexistente não-cobrança das portagens em Agosto de 2011, cabe agora à chinesa Three Gorges e à Omã Oil do arábico sultanato, respectivamente os novos accionistas da EDP e da REN, irem receber 144 milhões de euros, a título de dividendos respeitantes ao ano de 2011, quando afinal apenas adquiriram a sua participação e entraram como novos accionistas em 2012. Tal qual como a pescada, que antes de ser já o era... e o negócio ainda nem sequer está concretizado na totalidade, conforme o garantiu o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Terão sido brindes? Fica a pergunta.

Por esta amostra, podem avaliar-se os comportamentos dúplices deste Governo: para o cidadão trabalhador e contribuinte, o tempo é de sacrifícios, de apertar de cinto até ao último furo, custe o que custar, doa a quem doer, ao passo que para os insaciáveis novos e velhos amigos, o tempo é de encher o saco, vale tudo, levam tudo, e o pote do dinheiro continua inesgotável, melhor, sempre cheio para estes, vazio para todos os outros. Por isso, é caso para nos sentirmos tentados a trautear a variação de uma canção infantil, que diz mais ou menos isto: lá vai um, lá vão dois, muitos milhões a voar, uns são meus, outros teus, e todos a vê-los passar…

quinta-feira, março 08, 2012

A Minha Selecção…


PARA compensar a actual realidade portuguesa, recheada de barbaridades e cabotinices, não há nada como fazer, dia sim, dia não, uma deriva pelas subtilezas da ficção. Além das habituais leituras, também tenho revisitado a prateleira dos filmes. Aqui vão alguns títulos que me voltaram a deliciar. 

Vinhas da Ira (As) - Grapes of Wrath (The) – Realiz. John Ford - (1940)
Doze Homens em Fúria - 12 Angry Men – Realiz. Sidney Lumet (1957)
Noivos Sangrentos - Badlands – Realiz. Terrence Malick (1973)
Voando Sobre Um Ninho de Cucos - One Flew Over the Cuckoo's Nest – Realiz. Milos Forman (1975)
Dersu Uzala - Realiz. Akira Kurosawa (1975)
Brancas Montanhas da Morte (As) - Jeremiah Johnson – Realiz. Sydney Pollack (1977)
Stalker - Realiz. Andrei Tarkovski (1979)
Portas do Paraíso (As) – Heaven’s Gate – Realiz. Michael Cimino (1980)
Império do Sol (O) - Empire of the Sun – Realiz. Steven Spielberg (1987)
Despojos do Dia (Os) - Remains of the Day (The) – Realiz. James Ivory (1993)
Grande Peixe (O) – (Big Fish) – Realiz. Tim Burton (2003)
Leitor (O) - Reader (The) – Realiz. Stephen Daldry (2008)
Revolutionary Road – Realiz. Sam Mendes (2008)

quarta-feira, março 07, 2012

Notícia Provável - Amanhã Não Há Coisas Para Privatizar

2014 Setembro 16, Terça-Feira - Do nosso correspondente especial em Venda das Raparigas, Inácio Carriço

SEGUNDO um relatório do Instituto Europeu de Estatística, com sede em Bruxelas e tutelado pela Facção Ariete da União Europeia, as privatizações já ocupam o primeiro lugar entre as actividades económicas mais rentáveis de Portugal, embora a matéria-prima corra o risco de começar a faltar. Alguns economistas já avançam mesmo com uma ideia a todos os títulos revolucionária: que se nacionalizem os bens, para depois se voltarem novamente a privatizar, e assim sucessivamente, tal como foi feito em moldes experimentais com o antigo banco BPN. Entretanto, e por agora, para ultrapassar a situação (permitindo que os “mercados” recuperem, e mesmo contra a opinião do Presidente que acha que não se deve abrandar) o primeiro-ministro decidiu dar uma folga à actividade, pelo que amanhã haverá tolerância de ponto no Ministério e não haverá coisas para privatizar.

terça-feira, março 06, 2012

Teatro de Robertos


( Diálogo entre o Quim Roberto e o Roberto Anacleto, enquanto davam milho aos pombos no jardim do Seminário dos Olivais, do qual se junta uma visão do Google Maps) 

- O jornal PÚBLICO fez ontem 20 anos e comemorou o aniversário com a oferta grátis da edição do dia, com a adopção de um novo grafismo, obteve a colaboração do filósofo José Gil como director por um dia, e garantiu no editorial que “trabalha não para dar voz ao mínimo obrigatório, mas ao máximo de perspectivas”.

- E depois, tens alguma coisa contra isso?

- Não, não tenho, mas acontece que dois dias antes o PÚBLICO esqueceu-se de noticiar que o Partido Comunista Português tinha celebrado os seus 91 anos de existência, não é...

segunda-feira, março 05, 2012

Teatrices


(Tó Zé e Anselmo à conversa na esquina do Beco dos Surradores com o Poço do Borratém)

- Sabias que a Lusoponte, no ano passado, contra o que era habitual, cobrou portagens na Ponte 25 de Abril durante o mês de Agosto, e recebeu à mesma do Estado 4,4 milhões de euros de compensação por quebra de receitas?

- Sabia e não fico admirado!

- Homessa! E não ficas admirado porquê?

- Claro que não! o Estado não é obrigado a saber tudo o que se passa no país no mês de Agosto, o memorando da "troika" não mandou fazer cortes à Lusoponte, e além disso, seja com portagens abertas ou fechadas, aquela compensação de 4,4 milhões de euros já se pode considerar um direito adquirido...

sábado, março 03, 2012

Um Sábado Bilingue com José-Augusto de Carvalho


NOTAS DE VIAGEM - 4 

A mão esquerda de Camões é que me guia.
Poeta e vagamundo,
icei-me ao cesto da gávea.
Além de tanto mar, de tanto céu,
tentei enxergar morenas terras de Espanha
areias de Portugal.
Parti na busca ousada de mim.
Abri estradas molhadas de lágrimas
e vestidas de saudade e de escorbuto.
Entrevi, no manso marulhar, apenas a sedução
da sereia desnudada na brancura de noivar
de mantos de espuma e mito.
Perdido de mim na descoberta do mundo,
já não há morenas terras de Espanha
areias de Portugal.
Além de tanto mar, de tanto céu, só esta lenda de mim...

Poema cedido pelo meu estimado amigo José-Augusto de Carvalho. Viana*Évora*Portugal

NOTAS DE VIAJE - 4 

La mano izquierda de Camoens es mi guía.
Poeta y vagabundo,
me icé al cesto de la gavia.
Más allá de tanto mar, de tanto cielo,
intenté divisar morenas tierras de España
arenas de Portugal.
Partí en busca osada de mí.
Abrí rutas mojadas de lágrimas
y vestidas de nostalgia y de escorbuto.
Entreví, en el manso oleaje, apenas la seducción
de la sirena desnuda en la blancura del noviazgo
de mantos de espuma y mito.
Perdido de mí en el descubrimiento del mundo,
ya no hay morenas tierras de España
arenas de Portugal.
Más allá de tanto mar, de tanto cielo, sólo esta leyenda de mí...

(Traducción: Antonio Alfeca)
António Alfeca é um poeta andaluz, a quem devo a honra de me ter traduzido. José-Augusto de Carvalho.

sexta-feira, março 02, 2012

Ministro na Sala de Pânico


HÁ CERCA de mês e meio o ministro das Finanças Victor Gaspar, fez-nos engolir um anti-depressivo, garantindo que este ano de 2012 ia marcar um ponto de viragem (positivo, entenda-se) na recuperação económico-financeira do país, logo nas nossas espectativas. Passos Coelho foi pelo mesmo caminho. Acertou o passo e assegurou que os nossos sacrifícios estavam a frutificar. As Parcerias Público-Privadas continuam de óptima saúde. Pudera! Somos nós que agora as suportamos, e no futuro, os nossos filhos, os nossos netos e bisnetos. Veio a troika e deu nota positiva ao programa de austeridade (também conhecido por pacto de agressão contra trabalhadores e reformados), muito embora o representante do FMI tenha admitido que a contracção iria ser maior que o incialmente previsto. Como se pode ver, só boas notícias, com um ou outro senão pelo meio.

Entretanto, a recessão, as falências, os ordenados em atraso e o desemprego (este agora a atingir 14,8%, e com Cavaco Silva a dizer-se assustado, imaginem!), vêm borrar a pintura e colocar em causa, sua excelência a toda poderosa consolidação orçamental. Hoje, o jornal "i" vem dizer-nos que Victor Gaspar entrou em pânico (gostava de o ver nesses propósitos) com a quebra abrupta das receitas da Segurança Social e do IRS, com as contribuições deste último a diminuirem 43,9 milhões em Janeiro de 2012 face a Janeiro de 2011. Ora, se há reduções nos salários, se há cortes e são eliminados subsídios de férias e natal, se desaparecem empresas e se há destruição de emprego, é óbvio que isso se irá reflectir nas receitas do Estado, por via dos impostos. Se somarmos a isto que o Governo destapou a Caixa de Pandora com a celebração do acordo de (des)Concertação Social, que a UGT subscreveu, e agora João Proença, secretário-geral daquela central sindical vem queixar-se dos resultados, isto é, que a taxa de desemprego cresceu para 14,8%, confirmando-se a existência de mais de um milhão e duzentos mil desempregados, e tudo apontando para que esta escalada continue imparável, assim sendo, em que ficamos?

Os cenários são tudo menos optimistas e a melhor maneira de alguém cair em descrédito é abusar das palavras ao ponto de elas perderem sentido, as suas afirmações deixarem de ter significado e as suas promessas esvaziarem-se e falirem. O pior é que, passo a passo, mais com os actos concretos do que com o palavreado oco, levam o país ao engano e arrastam-no para caminhos sem regresso.

quinta-feira, março 01, 2012

O Grande Embuste


LÊEM-SE as transcrições das escutas das conversas telefónicas trocadas entre o suposto engenheiro José Sócrates (à época primeiro-ministro) e Luís Arouca (à época reitor da Universidade Independente, fábrica de licenciaturas a martelo), publicadas pelo jornal CORREIO DA MANHÃ (CM), e chega-se a uma rápida conclusão: que grandes vigaristas!

Inexplicávelmente, para além dos materiais que o CM tem divulgado sobre a tentativa de encobrimento da batota, e do trabalho de investigação levado a cabo por António Balbino Caldeira, autor do blog DO PORTUGAL PROFUNDO, mais ninguém fala nem acrescenta nada de nada. Vai descendo uma cortina de silêncio sobre este assunto.

O Mar dos Sargaços...


O ECONOMISTA Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia de 2008 veio até Portugal receber o triplo doutoramento “honoris causa”, concedido pelas Universidades de Lisboa, Nova e Técnica. De há longo tempo a esta parte que Krugman sempre se tem preocupado com o desempenho de Portugal, em termos económicos, e agora, pisada terra lusa, mais um vez não se escusou a tecer algumas considerações, a deixar algumas mensagens, a fazer algumas críticas, a sugerir alguns caminhos. Percebe-se que tenha sido cauteloso, não querendo ir muito fundo nem muito longe, para não ferir susceptibilidades, pois o problema de Portugal, sendo de natureza económica e financeira, é também, e fundamentalmente, de cariz político, e aí Paul Krugman, distancia-se, para não invadir território que não lhe pertence. Porém, não se remeteu ao silêncio. Adianta mesmo que a adesão de Portugal ao euro, foi um erro, melhor, uma armadilha, porque as economias débeis, como a nossa, sempre podiam operar compensações e equilíbrios, socorrendo-se de um instrumento estratégico próprio, a “sua” moeda. Quanto às privatizações disse para termos muito cuidado, não avançarmos de ânimo leve, para no futuro não termos que nos arrepender. No limite, preferiu deixar avisos, sugerindo que não se abuse do brutal e perverso tratamento de choque da austeridade, e dos seus “ajustamentos”, que não são compensatórios. Tapa-se de um lado e destapa-se do outro, o que quer dizer que ainda não estamos no estado comatoso da Grécia, mas estando assegurada a perspectiva de mais recessão, mais desemprego e mais miséria, se não forem tomadas medidas e precauções, lá chegaremos. Em resumo: no fundamental, Krugman fez um diagnóstico credível, não passou receitas, mas deixou recados. Deixou transparecer, para bom entendedor, que o pior cego é aquele que não quer ver, que Portugal está metido numa camisa de onze varas, ou pior, atolado no Mar dos Sargaços, e que quem vai pagar as facturas e ser trucidado pela espiral de assaltos concertados, são aqueles que nós sabemos, isto é, os do costume.