domingo, setembro 11, 2005

Imperdoável!

Afinal, a América poderia ser o paraíso terrestre, mas não é. Pode mesmo tornar-se um inferno, tudo porque tem um governo ultraconservador que ao mesmo tempo que se compraz a promover o “estilo de vida americano”, ameaçando meio mundo e liquidando a outra metade, esquece que há catástrofes naturais que é preciso prevenir e enfrentar, sob pena de também ficar responsável pela liquidação física de alguns milhares de membros da sociedade civil, do seu próprio país. Como agora aconteceu em New Orleans, sob o impacto do furacão Katrina, onde quase nada funcionou, seja porque a protecção civil era uma insignificância, face à extensão do desastre, ou porque a guarda nacional estava reduzida a quase nada, por força das mobilizações para o Iraque. Tudo isto acontece num país onde quem é branco lá vai tendo oportunidades e singra na vida, ao passo que quem é negro vive da assistência social e de múltiplos expedientes, e com isso vai vegetando, num país onde o Estado se tem vindo a demitir das suas funções sociais básicas, deixando tudo entregue à voracidade dos interesses e ambições privadas.Tudo isto acontece num país onde quem manda é o dinheiro e ainda persistem os preconceitos raciais, excrecências do esclavagismo e da luta pelo direitos cívicos, onde quem tem dólares foge e sobrevive, quem os não tem fica para trás e sofre as consequências. Continua a ser uma sociedade que se rege por conceitos e preconceitos a preto e branco, onde se alguém for apanhado a apropriar-se do recheio de uma loja, no caso de ser branco é luta pela sobrevivência, mas se for negro é um puro acto de pilhagem.Onde estavam os socorristas, os médicos, a água potável, os alimentos, os agasalhos, os transportes para as evacuações, as autoridades para garantirem a segurança e evitarem o caos social? O que prevaleceu foram os corpos de fuzileiros, mobilizados à pressa, a exibirem-se de armas aperradas e olhos em alvo, para combaterem as pilhagens, indiferentes aos acenos de gente refugiada nos telhados e aos cadáveres que boiavam na água fétida. O presidente apareceu seis dias depois para debitar, como é seu hábito, entre sorrisos, acenos, palmadinhas nas costas e duas preces, algumas tiradas alarves e despropositadas, para que dez dias depois ainda continuasse a sobrar muito improviso e a escassear método e organização, deixando no ar a ideia de que o Estado, negligente e insensível, adoptou uma postura tão próxima quanto possível do “amanhem-se como puderem, temos mais em que pensar, a luta contra o terrorismo é prioritária”. Mas o mais preocupante é haver gente que pensa que se a cidade atingida tivesse sido outra qualquer, que não Nova Orleans, talvez os meios e recursos de socorro, tivessem aparecido em tempo oportuno, em quantidade e qualidade. E tudo isso ficou bem visível no que as reportagens transmitiram para todo o planeta, dando uma visão que se confundia com um misto de campo de batalha e de catástrofe terceiro-mundista, onde se morre às carradas, num abrir e fechar de olhos. Pura ilusão. Aquilo estava a acontecer na casa da hiperpotência que dá ordens ao mundo e transfere exércitos num abrir e fechar de olhos, impondo pela força as suas regras, que tem o estrelato de Beverly Hills, o carisma do MIT, a massa cinzenta de Silicon Valey, ao mesmo tempo que não consegue precaver e minimizar os efeitos de uma catástrofe natural (amplamente prevista e monitorizada) no seu próprio território, denunciando a mais grotesca das negligências e incompetências. O furacão Katrina deixou atrás de si um imenso rasto de destruição e uma mensagem que não é difícil de descodificar. Bem vistas as coisas, a América de Bush e seus compadres, além de não ser essa a sua vocação, está impreparada e convive mal com guerras deste tipo, talvez porque não estão em causa interesses geoestratégicos, chorudos recursos naturais, a consolidação de um qualquer regime “amigo”, personalizado pelo mais hediondo dos empaladores, a destruição de uma qualquer fatia do “eixo do mal”, mesmo que não passe de tiranete mal enjorcado, ou algum teste de novas armas inteligentes, com vista à exportação do seu estilo de vida e modelo de democracia. Talvez por isso já tenham aparecido os idiotas do costume, emproados, engravatados e bem instalados no sistema, sugerindo que seja arrazado o que resta daquela que é (ou foi) uma das cidades mais carismáticas dos EUA, como se estivéssemos numa qualquer missão nos confins do Afeganistão, a levar a cabo uma preparatória demolição com tapetes de bombas.

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