sexta-feira, junho 02, 2006

Pagar o Quê?


Numa primeira reacção não quis acreditar. Pensei ter ouvido mal, mas afinal era verdade. Fiquei perplexo! O estado português, durante o consulado do engenheiro Guterres, decidiu adquirir aos E.U.A., uma dúzia de caças F-16, que era suposto virem equipar a força aérea portuguesa. A verdade é que, comprados em 1999, até hoje nem sequer foram desencaixotados. Eu não queria acreditar, mas é verdade. E não estou a falar de qualquer bagatela, estou a falar de uma aquisição que mobilizou centenas de milhões de contos, negociados pelo governo e desembolsados pelo inevitável e respeitável contribuinte. Mas o pior ainda estava para vir. Decidiu agora o governo do engenheiro Sócrates pô-los à venda, colocando-os entre um lote de fragatas e helicópteros carunchosos, com mais de trinta anos de muito uso. E com uma agravante: para se concretizar a venda desses inoperantes F-16, terá que haver a prévia concordância dos E.U.A., e em caso de acordo, e antes da venda, deverá concretizar-se um programa de modernização das ditas aeronaves, o qual nunca foi realizado por falta de verba. Se isto não é um escândalo, não sei o que lhe deva chamar. Em qualquer país digno desse nome, haveria lugar a explicações cabais. Mas não! Por cá, neste caso, o que ouvimos foi um arrazoado mal alinhavado, feito à medida, para sossegar e satisfazer os curiosos. Diz o actual ministro da defesa que esta venda se justifica, por força das alterações entretanto verificadas, no quadro estratégico internacional, as quais colocaram estes aparelhos entre o lote de material dispensável. Assim mesmo, sem mais. Custa a crer, já que a força aérea, tal como os restantes ramos das forças armadas, sempre se queixaram de falta de meios para exercer as suas missões de soberania. Teria sido esta compra um desvario? Ou seriam os tais caças, material já obsoleto, quase ferro-velho, incapaz de voar, quando foram encomendados? Ou terá sido a pitoresca e controversa opção pelos submarinos, encomendados pelo ex-ministro Paulo Portas, os responsáveis por semelhante volte-face? Ou será que alguém arrecadou umas chorudas “luvas” com aquela aquisição, à partida desnecessária?
Esta tentação para fazer gastos improdutivos, e que são a causa do malfadado défice, faz-me lembrar aquele caso divulgado no ano passado, relacionado com a aquisição de uns equipamentos para combate a incêndios, que se destinavam a ser instalados nos aviões C-130 da força aérea, mas acabaram esquecidos nuns remotos armazéns, sem nunca terem sido utilizados. O mais curioso é que no auge dos incêndios que em 2005 assolaram o país, acabámos por receber a ajuda de C-130 marroquinos, que operaram no combate aos fogos, com equipamentos exactamente iguais àqueles que deixámos calmamente a apodrecer.
Cada cêntimo que, bem ou mal, o estado gasta, sai dos nossos bolsos. Pagamos tudo, e estas são as contas que nos prestam, expondo uma gestão criminosa dos dinheiros públicos, e a sua consequente impunidade. Depois disto, iremos nós contribuintes ser reembolsados, já não digo com uns dinheiritos, mas com algo de verdadeiramente imprescindível e capital para o país, ou iremos ser novamente empurrados para alguma brincadeira de mau gosto, e sibilinamente convidados a cumprir a sistemática e patriótica obrigação de pagar?

Não é por mero acaso que periodicamente, e com alguma regularidade, se volta a falar da implementação de taxas sobre os serviços bancários disponibilizados pelas máquinas ATM, vulgo Multibanco, e pela Internet. Quer isto dizer que, depois destas investidas e manobras de “preparação” do terreno, mais dia, menos dia, seremos confrontados com o facto consumado. Depois de uma primeira fase em que os bancos se empenharam na conquista dos clientes, levando-os a aderirem e a acomodarem-se a estes diligentes e funcionais modelos, vem a fase da sua exploração, numa fria e indecorosa lógica mercantilista.
As máquinas ATM foram introduzidas pelas instituições bancárias com o objectivo de desconcentrarem dos seus balcões alguns serviços básicos, arrastando com essa estratégia, substanciais reduções de custos, relacionados com o pessoal. Na verdade, a máquina ATM é um investimento rapidamente amortizável e altamente rentável, já que satisfaz o perfil de “trabalhador” ideal. É incansável, não é sensível nem reage às reclamações, não cumpre horários, raramente “adoece”, raramente se engana, não goza férias e não reclama. O mesmo se passa com os sites bancários disponibilizados na Internet. Somos nós que assumimos o papel de “operador” de serviço, enquanto que do outro lado está um sistema informático, suficientemente sofisticado e “inteligente”, para executar, com custos mínimos, quase insignificantes, operações bancárias complexas. Porém, a introdução destes canais, para além das mútuas vantagens para os bancos e seus clientes, não ia ficar por aqui. Era também mais um filão a explorar, vocacionado para um seguro e maior enriquecimento da banca. Assim, os insaciáveis bancos portugueses, insatisfeitos com as colossais reduções de custos que estes modelos originaram, apesar de exibirem escandalosos lucros provenientes do crédito e dos inefáveis “custos de manutenção” das contas, ocupando já o quarto lugar, entre as instituições bancárias europeias, com os serviços mais caros, pensam vir a onerar com novas taxas e comissões, as transacções e serviços disponibilizados por estes sistemas. A Associação Portuguesa de Bancos defende (naturalmente) esta escalada nos custos dos serviços. Os utilizadores, sob sequestro do autoritarismo bancário, dizem que chega de espoliação. A Autoridade da Concorrência diz-se preocupada, admitindo que em vez de concorrência há concertação inter-bancária. Quanto ao Banco de Portugal, faz-se desentendido ou reage com soberba, enquanto nós vamos pagando…

E por falar em pagar, os maus exemplos sucedem-se. O Parlamento Europeu está a estudar a criação de uma taxa sobre as mensagens de E-MAIL e SMS, imposto esse que serviria para financiar os fundos comunitários da União Europeia. Para além de ser discutível se a União Europeia possui competência para produzir e decretar legislação de índole fiscal, acresce que os E-MAIL e SMS passariam a ser serviços duplamente tributados, por força de já estarem sujeitos às taxas próprias de cada país. Além disso, esta medida que é apoiada pela maioria dos governos integrantes da União Europeia, pelos euro-deputados e pela Comissão Europeia, nem sequer equaciona a desvantagem em que ficariam os utilizadores europeus, relativamente aos restantes do resto do mundo. Nós pagamos, e a dobrar, se necessário for!

Para terminar, façamos um pouco de ficção. Se já há quem pense que pelo simples facto de estarmos vivos, já somos uns nefastos poluidores, virá o dia em que para cumprirmos o vital acto de respirarmos, teremos que comprar direitos de emissão de CO2, em obediência ao protocolo de Quioto. Tal como já acontece com a saúde, e para que os grandes poluidores possam continuar a consumir recursos em roda livre, quem quiser respirar terá que pagar. Fim desta curta ficção. Porém, o grande problema será quando esta ficção se confundir com a realidade. E isso pode estar a um passo de acontecer já amanhã. Para já, os malfeitores estão entre nós, a falar-nos com falinhas mansas, enquanto, desavergonhadamente, nos vão metendo as mãos pelos bolsos dentro.

1 comentário:

Vicente Gil disse...

Esse tal Guterres, que desbaratou os nossos parcos recursos na compra de armas de guerra, não representa hoje o papel de «Madre Teresa dos Refugiados» na ONU? Das duas uma, ou poder está nas mãos de delinquentes ou vivemos num teatro-circo. Às tantas inclino-me para as duas, quando não são verdadeiros artistas são autênticos ladrões.