domingo, outubro 04, 2009

A Contrafacção da Justiça

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AINDA pensei guardar a publicação deste artigo para o dia 5 de Outubro, como singela celebração da implantação da República, mas desisti do intento, porque falar de Justiça e do que dela se espera, não deve ser discurso que se aflore apenas na comemoração de efemérides, antes deve ser uma preocupação permanente, pois dela sempre se esperou que fosse universal, acessível, e se pautasse pela isenção, independência e rectidão, fosse qual fosse o regime vigente, ou a sua orientação política.
Assim sendo, passo a transcrever a deliberação da Direcção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, na sequência da suspensão da nota de classificação atribuída ao Juiz Rui Teixeira, entendida, neste caso particular, como uma penalização pelas suas decisões, do desagrado do poder político, e porventura, como subliminar advertência à classe para casos futuros. A governamentalização estende-se assim ao aparelho judicial, pondo em causa a sua independência e a garantia da separação de poderes, consagrada na Constituição da República Portuguesa.

«Deliberação da Direcção Nacional da ASJP de 30/9/09

Decisão do Conselho Superior da Magistratura que suspendeu a notação do Juiz Rui Teixeira

Por iniciativa de três Vogais eleitos pela Assembleia da República e indicados pelo Partido Socialista, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura avocou a classificação de serviço do juiz Rui Teixeira e deliberou, com nove votos a favor, dois votos contra e uma abstenção, suspender a decisão sobre essa classificação enquanto estiver pendente o pedido de indemnização formulado pelo ex-ministro Paulo Pedroso contra o Estado Português.

Trata-se de uma situação inédita e surpreendente, em que o órgão de administração e gestão dos juízes condiciona a avaliação do juiz à pronúncia de um tribunal superior quanto ao mérito das decisões proferidas num processo judicial concreto, em violação dos princípios constitucionais da separação de poderes e da independência do juiz.

Esta decisão suscitou nos cidadãos as mais profundas dúvidas sobre a capacidade do Conselho de assegurar a credibilidade da Justiça e as condições efectivas de independência para os juízes julgarem os casos submetidos apenas à lei e à sua consciência jurídica, livres de quaisquer pressões ou constrangimentos, designadamente de natureza política.

Por estas razões a ASJP solicitou ao Conselho que prestasse esclarecimentos públicos e cabais sobre o assunto, mas o Comunicado do CSM, de 22 de Setembro, não alcançou minimamente esses objectivos, preferindo manter uma certa opacidade sobre a deliberação, o que só serviu para suscitar mais dúvidas.

Os juízes portugueses repudiam em absoluto esta actuação do Conselho Superior da Magistratura e não toleram nem tolerarão intimidações ou condicionamentos de qualquer espécie à sua independência e imparcialidade, em conformidade com os princípios que assumiram no "Compromisso Ético dos Juízes Portugueses".

A ASJP manifesta a mais viva repulsa por esta deliberação do Conselho e considera merecedora de elevada censura pública a actuação de todos os seus membros que, com os seus votos favoráveis ou abstenção, viabilizaram a iniciativa com conotação partidária que deu origem a uma decisão inédita que coloca em causa a independência de todos os juízes.

Com tal actuação os juízes eleitos pelos seus pares quebraram o compromisso que levou à sua eleição e perderam irreversivelmente a legitimidade para os continuarem a representar no órgão constitucional de gestão.

Também não poderá deixar de ser questionada a legitimidade dos outros membros do Conselho, perante as respectivas fontes institucionais de designação, tendo em conta a missão do órgão constitucional como garante da separação de poderes e da independência do poder judicial.

Por tais razões, no cumprimento do mandato estatutário que a vincula à defesa intransigente da independência do poder judicial, a ASJP declara que os juízes portugueses perderam a confiança no Conselho Superior da Magistratura e, por isso, apela a todos os que votaram a favor ou se abstiveram naquela deliberação que assumam as suas responsabilidades e retirem as devidas consequências, renunciando aos respectivos lugares.

Lisboa, 30 de Setembro de 2009»

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