domingo, junho 27, 2010

Quantos Pobres São Precisos Para Fazer Um Rico?

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«A 10 de Maio de 2010, os detentores de títulos do banco Societé Générale, tranquilizados por uma nova injecção de 750 mil milhões de euros na fornalha da especulação, registaram ganhos de 23,89%. No mesmo dia, o presidente francês Nicholas Sarkozy anunciou que, por necessidades de rigor orçamental, iria ser cancelada a ajuda excepcional de 150 euros às famílias em dificuldades. Crise financeira após crise financeira, vai crescendo a convicção de que o poder político alinha a sua conduta pelas vontades dos accionistas. Periodicamente, porque a democracia assim exige, os eleitos convocam a população a privilegiar os partidos que os "mercados" pré-seleccionaram em função da sua inocuidade. (...)»

Extracto do artigo de Serge Halimi, intitulado "O Governo dos Bancos", publicado na edição portuguesa do "Le Monde Diplomatique" de Junho de 2010

«Segundo notícias divulgadas hoje, o número de milionários em Portugal aumentou em ano de crise e recessão. Existem em Portugal 11 mil pessoas com uma fortuna acima de um milhão de dólares, mais 5,5% do que no ano passado.
A multiplicação da riqueza de algumas pessoas e do número de pessoas "ricas" ocorre num ano em que a economia sofreu uma forte recessão e a crise se acentuou. No ano passado o PIB recuou 2,7%, com uma queda de 21,8% nas exportações e de 8,1% na produção industrial, conclui-se no entanto que esses mesmos factores foram a oportunidade de enriquecimento de algumas pessoas.
A nível mundial a concentração de capital também aumentou, sendo que o número de indivíduos com mais de 1 milhão de dólares atingiu os 10 milhões. Além disso, o volume da sua riqueza aumentou 18,9% para 39 biliões de dólares.
Do relatório das consultoras Capgemini e Merrill Lynch confirma-se aquilo que temos vindo a afirmar: depois do período de desastre económico, de perdas generalizadas de capital e dificuldade na acumulação de alguns, os governos optaram por fazer pagar a factura da crise a quem vive do seu trabalho, com especial enfoque em quem passa mais dificuldades. (...)»

Excerto do artigo publicado no blog "Precários Inflexíveis", em 24 de Junho de 2010.

sábado, junho 26, 2010

O Bem-Amado e Querido Líder

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José Sócrates Pinto de Sousa, também conhecido por engenheiro incompleto, o nosso iluminado primeiro-ministro, afirmou ontem, na Assembleia da República que a melhor forma dos responsáveis políticos ajudarem o país a ultrapassar a crise é dar confiança aos trabalhadores e empresas, em vez de os diminuir e apoucar, além de que ele, muitas vezes, se sentia sozinho a puxar pelas energias do país. Estas afirmações, ditas em tom intimista e confessional, quase provocaram que me assomasse uma atrevida e votiva lágrima ao canto do olho, mostrando-me o quanto o país deve a este homem, que se entrega, de alma e coração, como um missionário, e tudo sacrifica em prol do desenvolvimento do país, e o quanto se tem empenhado para incutir confiança aos trabalhadores, e o quanto aqueles estão agradecidos pelas medidas que ele tem implementado para a sua protecção, contra as insustentáveis ameaças que nos assediam de todos os lados.

sexta-feira, junho 25, 2010

“Nem Leis, nem Justiça”

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Transcrição de ‘O Caderno de Saramago’, datado de 13 de Fevereiro de 2010 e publicado no site da Fundação José Saramago.

«Em Portugal, na aldeia medieval de Monsaraz, há um fresco alegórico dos finais do século XV que representa o Bom Juiz e o Mau Juiz, o primeiro com uma expressão grave e digna no rosto e segurando na mão a recta vara da justiça, o segundo com duas caras e a vara da justiça quebrada. Por não se sabe que razões, estas pinturas estiveram escondidas por um tabique de tijolos durante séculos e só em 1958 puderam ver a luz do dia e ser apreciadas pelos amantes da arte e da justiça. Da justiça, digo bem, porque a lição cívica que essas antigas figuras nos transmitem é clara e ilustrativa. Há juízes bons e justos a quem se agradece que existam, há outros que, proclamando-se a si mesmos justos, de bons pouco têm, e, finalmente, não são só injustos como, por outras palavras, à luz dos mais simples critérios éticos, não são boa gente. Nunca houve uma idade de ouro para a justiça.

Hoje, nem ouro, nem prata, vivemos no tempo do chumbo. Que o diga o juiz Baltasar Garzón que, vítima do despeito de alguns dos seus pares demasiado complacentes com o fascismo sobrevivo ao mando da Falange Espanhola e dos seus apaniguados, vive sob a ameaça de uma inabilitação de entre doze e dezasseis anos que liquidaria definitivamente a sua carreira de magistrado. O mesmo Baltasar Garzón que, não sendo desportista de elite, não sendo ciclista nem jogador de futebol ou tenista, tornou universalmente conhecido e respeitado o nome de Espanha. O mesmo Baltasar Garzón que fez nascer na consciência dos espanhóis a necessidade de uma Lei da Memória Histórica e que, ao abrigo dela, pretendeu investigar não só os crimes do franquismo como os de outras partes do conflito. O mesmo corajoso e honesto Baltasar Garzón que se atreveu a processar Augusto Pinochet, dando à justiça de países como Argentina e Chile um exemplo de dignidade que logo veio a ser seguido. Invoca-se aqui a Lei da Amnistia para justificar a perseguição a Baltasar Garzón, mas, em minha opinião de cidadão comum, a Lei da Amnistia foi uma maneira hipócrita de tentar virar a página, equiparando as vítimas aos seus verdugos, em nome de um igualmente hipócrita perdão geral. Mas a página, ao contrário do que pensam os inimigos de Baltasar Garzón, não se deixará virar. Faltando Baltasar Garzón, supondo que se chegará a esse ponto, será a consciência da parte mais sã da sociedade espanhola que exigirá a revogação da Lei da Amnistia e o prosseguimento das investigações que permitirão pôr a verdade no lugar onde ela tem faltado. Não com leis que são viciosamente desprezadas e mal interpretadas, não com uma justiça que é ofendida todos os dias. O destino do juiz Baltasar Garzón é nas mãos do povo espanhol que está, não dos maus juízes que um anónimo pintor português retratou no século XV.»

quinta-feira, junho 24, 2010

A Presidencial Criatura

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O EX-MINISTRO da economia Manuel Pinho, desempregado de burlescas e memoráveis metáforas, de inesquecíveis lides governativas, brilhante especialista em garraiadas parlamentares e com incógnita vocação para coisas da área cultural, recebeu finalmente, das mãos da ministra Gabriela Canavilhas, um justo prémio de carreira: como representante do Estado (a que isto chegou) foi nomeado presidente do conselho de administração da Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, do qual se espera um desempenho à altura, resta saber de quê.

Mixordeirices

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SOBRE A CAUSA do "apagamento" de 14.721 crimes com armas de fogo, das estatísticas oficiais do Ministério da Justiça, veio agora o Governo informar que o acontecimento se deveu a dados "errados" que a Polícia Judiciária lhe terá enviado, e que só agora, depois do assunto ter sido reportado pela comunicação social, é que o Ministério se debruçou sobre o caso. Admite que havia crimes registados em duplicado no sistema informático, oriundos de várias proveniências (PSP e GNR), e alguns deles reabertos, coisa estranha, pois, que eu saiba, o registo deste tipo de ocorrências é um acto singular, e não alguma coisa que se possa encerrar e voltar a reabrir. Por outro lado, quem já trabalhou em informática, sabe como esta matéria requer consistência, tratamento e uma indexação rigorosas, a fim de que a realidade não seja subvertida, logo as justificações do ministério sabem a pouco, para não dizer outra coisa.
Assim, a primeira questão que se põe é a seguinte: então o Ministério da Justiça não filtra a informação que lhe chega às mãos, havendo ferramentas informáticas para o efeito, e ninguém se apercebe que os números são discrepantes com a realidade? A segunda questão tem a ver com a ligeireza em alijar responsabilidades, empurrando para a Polícia Judiciária, que ainda não comentou o facto, a autoria do ocorrido. A terceira e derradeira questão tem a ver com o facto de alguém, atento e curioso, se ter apercebido que de um dia para o outro, e sem qualquer explicação, foram "apagados" 14.721 crimes com arma de fogo, caso contrário, continuaríamos convencidos de estar a viver no mais pacífico e respeitável dos mundos.
Seja por inépcia, incompetência, ou porque continua a pairar a suspeita de que se anda a fazer mixordeirice com os números e a falsear resultados, com o objectivo de embelezar as estatísticas, era desejável que se tirassem conclusões sobre este pitoresco caso, e que fosse apurado o verdadeiro número de crimes com armas de fogo ocorridos no país.

quarta-feira, junho 23, 2010

O Respeitinho é Uma Coisa Muito Bonita

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José Sócrates, a putativa vítima central da grande cabala do negócio PT/TVI, afirma que a oposição quis humilhá-lo na comissão parlamentar de inquérito, e que "o dever desses partidos era pedirem desculpa ao país, à Assembleia da República e a mim".
Se estivesse na minha mão, ainda ia mais longe: a obrigação do pedido de desculpas devia ser alargado aos procuradores e investigadores, e a coisa devia acontecer em cerimónia pública, com transmissão em directo pelas estações de televisão, em horário nobre, e as desculpas serem extensivas aos senhores Armando Vara, Rui Pedro Soares e Paulo Penedos, pelas maçadas e incómodos causados, e já agora com direito a indemnização, por perdas, danos e ofensas ao bom nome dos caluniados.

terça-feira, junho 22, 2010

"Viver e deixar morrer"

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«A TVI noticiou ontem que o INEM vai acabar com aquilo que o seu presidente classificou de serviço "dispendioso": a ajuda, quer telefónica quer no terreno, a pessoas em tentativa de suicídio (bem como ainda às vítimas de violação e de maus-tratos). As ordens "de cima" são para poupar e o INEM poupará deste modo nos salários de 7 psicólogos, que atendiam, em média, 27 chamadas e saíam 5 vezes por semana para apoiar pessoas em estado de grande depressão e em vias de se suicidarem. Um cínico diria que os critérios de poupança do INEM se justificam inteiramente. Impedir alguém de se matar contribui, de facto, para o agravamento do défice, sendo, por isso, antipatriótico. Implica não só encargos com pessoal e meios como ainda obsta a que a Segurança Social poupe em pensões e subsídios, já que boa parte dos potenciais suicidas, quando não são doentes crónicos ou terminais que oneram o SNS, são provavelmente idosos, desempregados e beneficiários de Rendimento Social de Inserção, isto é, gente "inútil" e, pior, fardos que só atrasam a gloriosa marcha de Portugal em direcção aos 3% de défice em 2013.»

Artigo de Manuel António Pina no JORNAL DE NOTÍCIAS on-line, com o mesmo título do post.

segunda-feira, junho 21, 2010

Mortalidades

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É UMA INEVITABILIDADE: todos os dias morrem criadores, cada um na sua arte, uns mais artífices que artistas, uns maiores que outros, uns com obra concluída, outros com ela inacabada, mas há alguns que por me terem servido de bússola, quando desaparecem, deixam-me transitoriamente amargurado, quase deprimido. Foi o caso de Albert Camus em 1960 (apenas soube da sua morte em 1964), de Jorge Luís Borges em 1986, de Vergílio Ferreira em 1996, de Sophia de Mello Breyner Andresen em 2004, e agora, de José Saramago em 2010, e mais uma meia dúzia de outras figuras marcantes, repartidas entre prosadores, poetas e cineastas, que entretanto se extinguiram. Ontem estavam, hoje já não estão. Quando partem, é como aquela ondulação que nos faz, momentaneamente, perder o pé. Depois, vem uma onda mais alterosa, atira-nos contra as rochas, e saímos dali exaustos, carregados de esfoladelas e a lamber as feridas. Como suponho que irá acontecer, haverá mais dois ou três casos de criadores que admiro, que num espaço de tempo mais ou menos curto - e porque esqueço facilmente que eles não têm o dom da imortalidade física, e não me contento com a sua provável imortalidade espiritual - é quase garantido que voltarão a fazer-me experimentar esse travo amargo de orfandade, de perda quase irreparável. Cessada a sua torrente criativa, a tal bússola que me apontava vários nortes e outros tantos desnortes, de repente, queda-se fossilizada no espaço e no tempo.
Como muito bem exprimiu a Clara Ferreira Alves, quando perdemos um amigo (mesmo aqueles com quem apenas convivemos através das obras) é como se nos sentíssemos envelhecer precocemente. Comigo, e de uma forma um pouco mais radical, arrisco dizer que é mais uma espécie de corte do cordão umbilical, com que o espírito criativo sustenta, quem dele se alimenta. Pára esse fluxo e logo aí morre um pouco de nós próprios. Não fosse o espólio que perdura, a suave turbulência e o maravilhoso que emana das transfusões que recebemos das suas obras, quase me atreveria a dizer que pouco ou nada faltaria para, mesmo sobrevivendo-lhes, morrermos com eles.

sexta-feira, junho 18, 2010

Saramago

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JOSÉ SARAMAGO terminou a sua jornada terrena e deixou de estar entre nós. Inicia agora uma outra viagem, essa muito mais longa, na qual irá percorrer a memória colectiva, não só dos portugueses, mas de toda a Humanidade, a quem se entregou com todas as suas armas e bagagens. Combativo, polémico e irreverente, aceitou o desafio de se superar. Acabou a desbravar grandes caminhos e as inóspitas paragens da imaginação, da criação e da condição humana.
Vai continuar a viver nas prateleiras da minha exígua biblioteca, porém, já sinto a sua falta.

Os Conselheiros de Sócrates e Coelho

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OS PORTUGUESES comuns (os que têm trabalho) ganham cerca de metade (55%) do que ganha um trabalhador comum na zona euro, mas os nossos gestores recebem em média:

- mais 32% do que os Americanos;
- mais 22,5% do que os Franceses;
- mais 55% do que os Finlandeses;
- mais 56,5% do que os Suecos.

(dados de Manuel António Pina, JORNAL DE NOTÍCIAS, 24 de Outubro de 2009)

E são estes os cavalheiros que, à boleia dos PECs do governo Sócrates / Coelho, e transformados em seus conselheiros, estão agora a exigir a liberalização dos despedimentos, o alargamento do prazo limite dos contratos a prazo, com a possibilidade de renovações ilimitadas, bem como o esvaziamento da concertação social, ao mesmo tempo que dizem, à boca cheia e de peito inchado, que “os portugueses gastam acima das suas possibilidades”.

quinta-feira, junho 17, 2010

A Alquimia ao Serviço da Governação

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JÁ CONHECÍAMOS a técnica de "apagar" as faltas dos alunos gazeteiros, evitando a sua perda de ano, mais o salto encarpado do oitavo para o décimo ano, sem passar pelo nono, bem como as depurações regulares a que são sujeitos os ficheiros do desemprego. Sobre esta última preciosidade até conheço um caso de um desempregado que logo no dia a seguir a ter preenchido os formulários, os seus dados desapareceram na onda de uma dessas operações de limpeza, vá-se lá saber como e porquê. Confirma-se agora que o processo se estende a outras áreas, nomeadamente na Justiça. Assim, o Ministério da Justiça atribuiu a um "erro técnico" (explicado por falta de filtragem dos dados, dos computadores, está claro!) o caso de terem sido indevidamente "apagados" 14.721 crimes praticados com armas de fogo, nos últimos cinco anos. Quando a coisa não pode ser facilmente explicada, os culpados são sempre os coitados dos sistemas informáticos, que têm tanto de costas largas, como de incapacidade (por enquanto) para se defenderem de falsas acusações.
Ora isto é alquimia da mais pura, aquela prática ancestral que tinha a pretensão de converter o chumbo em ouro, mas de que não há notícias que tivesse alguma vez atingido tal objectivo. Porém, engano nosso! Com os dois governos do PS (partido Sócrates), foi reinventada a técnica, e bastou usar o "apagador", para que de uma forma simples e barata, se pudesse ludibriar a realidade, ao mesmo tempo que se punham a cintilar, com o brilho do ouro, os maus resultados que por aí andavam a emporcalhar as estatísticas.

quarta-feira, junho 16, 2010

“Cidadãos Europeus, Uni-vos!”

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«A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital ou o futuro é o fascismo.

O artigo é de Boaventura de Sousa Santos

Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos.
Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista. Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de protecção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.
Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acúmulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos trabalhistas (facilitar demissões, reduzir indemnizações). A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul.
A Europa está sendo vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social. O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 biliões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 biliões para salvar o sistema financeiro europeu?
A luta de classes está voltando sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho. O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois fatos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia. A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.
Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm
de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular relativamente do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.»

Transcrição do artigo de Boaventura Sousa Santos, com o mesmo título do post, publicado na revista VISÃO de 2 de Junho de 2010

terça-feira, junho 15, 2010

Detergente e Raticida

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Ricardo Rodrigues, o deputado ratoneiro de gravadores, pouco recomendável e sem vergonha, era a pessoa menos indicada para vir dizer para os meios de comunicação social, com semblante grave e voz petulante, que João Semedo (deputado do Bloco de Esquerda), relator do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o negócio frustrado da compra da TVI pela PT, produziu conclusões absurdas, enviesadas e manipuladoras, que distorceram os factos. Isto transmite-me a ideia de que o Largo do(s) Rato(s) já não consegue encontrar mais ninguém para mandar os recados e defender o indefensável, dando cobertura a um primeiro-ministro mentiroso. Mesmo assim, continua a persistir a sensação de que irá ter grande dificuldade em livrar-se do engomadíssimo engenheiro incompleto e da sua trupe, tardando em seguir os conselhos de quem sabe o que diz. Para isso recorro às palavras de Eça de Queirós, por demais sensatas, eloquentes e sobejamente comprovadas, quando dizia que «os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão». Só que no caso presente vai ser necessário muito detergente e raticida…

segunda-feira, junho 14, 2010

Falta de Cultura Geral

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Rui Pedro Soares, o agente infiltrado pelo governo na administração da Portugal Telecom (PT), que se recusou a responder na Comissão Parlamentar de Inquérito, destinada a apurar a verdade sobre a tentativa de compra da TVI pela PT, e que se vangloria de ser um Dragão de Ouro, membro do PS, amigo de José Sócrates, Armando Vara, Paulo Penedos e Mário Lino, também ostenta uma manifesta ignorância, quando associa o relatório com as conclusões daquela Comissão com os julgamentos da Inquisição ou Santo Ofício. Não há semelhança nenhuma, pela simples razão que as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm juízes na sua composição, logo não são tribunais, são compostas por deputados de todos os grupos parlamentares, com mandato de proveniência democrática, não inquirem sobre matéria ou questões de fé, não obrigam os convocados a comparecer ou a prestar declarações, não praticam a tortura para obter confissões nem mandam ninguém para ser queimado nas fogueiras.

domingo, junho 13, 2010

Saber Passar o Testemunho

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ENTRE algumas leituras que fiz nestes últimos dias, destaca-se, em jeito de memórias, o apontamento biográfico de Álvaro Cunhal, da autoria de Carlos Brito (*), baseado nas vivências partilhadas entre o autor e o biografado.
Lê-se esta magnífica obra, bem estruturada e bem escrita, e tira-se (ou confirma-se) uma primeira conclusão: Álvaro Cunhal, foi um homem de grande valor, tanto humano, como político e intelectual, que equipado com todas as suas virtudes e defeitos, foi a locomotiva que conduziu e marcou o Partido Comunista Português, no ante e pós 25 de Abril de 1974.
Neste aspecto, acabou por confirmar a inesperada impressão que me causou um outro livro, “Cinco Conversas com Álvaro Cunhal”, de Catarina Pires, publicado em 1999, onde me apercebi que estava ali um homem invulgar, que na intimidade de um diálogo fugaz, não coincidia (tanto na lisonja como na reprovação) com o imaginário que circulava por aí. Além disso, não é qualquer um, sendo um homem daquela craveira, que se dispõe e expõe a servir de objecto para uma tese académica.
No entanto, e voltando ao livro de Carlos Brito, uma segunda conclusão ressalta: com a agudização dos seus graves problemas de saúde, a que se somou a implosão dos regimes de leste, no final da década de 1980, e muito em especial o da União Soviética, situação que coincidiu com um recuo da representação parlamentar do PCP, Álvaro Cunhal, mesmo fragilizado, e reconhecendo que tais acontecimentos iriam ser dramáticos para as ideias e afinidades que sempre tinha acarinhado, decidiu reassumir, contra tudo e contra todos, o controle do partido, tentando inverter os estragos que aquela nova situação estava a provocar. Disso resultou que perdeu o contacto com algumas realidades, e à conta disso cometeu alguns erros, não percebendo (ou não querendo perceber) que era necessário fazer uma mudança, e ter a humildade de reconhecer que a sua obstinação, a manter-se, iria ter efeitos perversos. Não recuou, antes pelo contrário. Escolheu o caminho da guerra interna, deixando que alastrasse a “caça às bruxas”, a marginalização das vozes discordantes da linha política dominante, e a consequente deserção de muitos e bons quadros partidários. Não soube (ou não quis) assumir o seu declínio, como uma consequência das leis da vida, que ele próprio tanto respeitava.
Disto, resulta um ensinamento muito simples: durante a nossa vida, é muito importante reconhecer qual é o momento ideal para parar, melhor, para passar o testemunho, tal como numa prova de estafeta. Se assim não for, corremos o risco de comprometer o futuro, e tudo o que fizemos, que pode ter sido justo, e até mesmo excepcional, mas não imutável, começar a desvalorizar-se, irremediavelmente.

(*) Álvaro Cunhal – Sete Fôlegos do Combatente – Memórias – Edições Nelson de Matos – Colecção História Hoje - 2010

sábado, junho 12, 2010

A Coisa e o Coiso

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OS JORNAIS falavam na “coisa”, toda a gente sabia e falava da “coisa”, e até os investigadores do Ministério Público, que andavam a investigar outra coisa, ouviram o “coiso” falar na “coisa”, ficando provado que o “coiso” sabia da “coisa” e andava a conspirar para lhe deitar a mão. Na Assembleia da República perguntaram ao “coiso” se ele sabia da “coisa” e ele respondeu que não sabia da “coisa”. Entretanto, o “coiso” continua a ter o descaramento de dizer que não mentiu.

Dia de Portugal e dos Allgarves

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ANTEONTEM foi o dia da distribuição das medalinhas, dos discursos e das vaias. A atribuição de medalinhas, umas percebem-se, outras nem por isso. Por exemplo, a de Isabel Pires de Lima, deve ter-se destinado a premiar a presença frequente nos ginásios e a sua insistência na musculação e boa forma física. E não percebo porque é que o senhor Manuel Godinho não teve direito a nada, já que com ele, quase toda a gente foi contemplada. Sobre os discursos, as palavras de Cavaco Silva soaram a falso, e quanto a António Barreto tiveram um “não sei o quê” de bafiento, passadista e requentado. Quanto às vaias, dirigidas ao engenheiro incompleto e afins, souberam a pouco. Está mesmo a pedir um concerto de vuvuzelas!

sexta-feira, junho 11, 2010

Lista de Coisas Em Que Não Confio

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José Sócrates e todo o seu séquito governamental;
Pedro Passos Coelho e o seu “governo sombra”;
Grupo parlamentar do PS (partido Sócrates);
Grupo parlamentar “sombra” do PPD/PSD;
Aníbal Cavaco Silva e o seu fornecedor de bolo-rei;
Fernando Pinto Monteiro, Procurador-geral da República;
Mota Amaral, deputado do PPD/PSD e presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do caso PT/TVI;
A Justiça portuguesa;
A ERC;
Mário Soares, as suas escolhas e palpites;
Fátima Campos Ferreira e os seus guiões televisivos;
Instituto de Meteorologia e as suas previsões;
O guia espiritual de Carlos Queirós (se tiver algum);
O espelho de Lili Caneças.

quarta-feira, junho 09, 2010

Compromisso Histórico

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ASSISTI anteontem ao FRENTE A FRENTE da SIC Notícias, entre Bernardino Soares do PCP e Miguel Relvas do PSD, onde se falou, entre outras coisas, sobre uma prometida revisão do Código do Trabalho, sugerida pelo líder Passos Coelho, destinada a liberalizar os despedimentos, e como forma de atrair mais investimento para o país. Disse Miguel Relvas que tal liberalização, não visava apenas simplificar os despedimentos, mas também facilitar as futuras admissões, tendo em vista assegurar a competitividade das empresas. Bernardino Soares, muito naturalmente, contrapôs que tal pretensão, outro objectivo não tinha senão o de fazer substituir trabalhadores permanentes, utilizando um simplificado processo de despedimento sem justa causa, por trabalhadores precários, medida que pouco ou nada tem a ver com competitividade, além de que é potenciadora de desemprego, uma das chagas que o governo diz pretender combater.
Em desespero de causa, Miguel Relvas contrapôs que, na actual situação de crise, é bem melhor ser trabalhador precário do que desempregado, tentando encobrir que a verdadeira intenção do PSD é subverter as relações laborais, eliminando uma das premissas que é o contrato de trabalho permanente, o qual passaria à história.
Nunca vi que a excelência das empresas (motor da apregoada competitividade), entre outros factores, resultasse da aplicação da precariedade laboral, antes pelo contrário. Qualquer projecto que se pretenda consistente e inovador, aposta na estabilidade da sua população laboral, com adequado nível remuneratório, ao mesmo tempo que investe na elevação dos seus níveis de qualificação. Superação da crise não significa reduzir despesas com pessoal e, consequentemente, manter, senão mesmo, aumentar os lucros. Se como dizem, o prejuízo tem que ser distribuído de forma equitativa, que o seja, sem falsas aritméticas, entre o capital e o trabalho. Sempre ouvi dizer que as empresas são feitas pelas pessoas e com as pessoas, ou será que isto também já é uma verdade caída em desuso?
Eu diria que tudo isto não passava de uma curiosidade, se não fosse dramático o que se está a cozinhar e o que se avizinha. A título de exemplo, observemos o que escreveu a ministra Helena André, num artigo publicado no JORNAL DE NOTÍCIAS de 7 de Junho. Num mirabolante devaneio, misturado com um ataque descabelado ao deputado Honório Novo do PCP, sentenciou que o Partido Comunista Português faria bem melhor ao país, aos portugueses e às grandes causas nacionais, se apoiasse a “esquerda”(?) que governa o país (leia-se PS+PSD), subscrevendo um “compromisso histórico” com o PS (partido Sócrates). Ora bem, considerando a hipótese académica de tal “apoio”se concretizar, quer isto dizer que o PCP, entre outras coisas, passaria a ter que “relativizar” os princípios constitucionais, para não contrariar os “estados de excepção” que o governo decretaria, iria apoiar as privatizações dos mais alguns sectores estratégicos da economia nacional, concordar com mais agravamentos de impostos sobre quem trabalha, sem tocar nos privilégios das grandes empresas, fortunas e transacções financeiras, que continuariam a regalar-se pelas off-shores, e dar o seu aval a que o trabalho precário se tornasse a medida-padrão do mundo do trabalho, com resultados catastróficos, nas já de si diminuídas condições de vida dos portugueses, bem como nos níveis de desemprego.
Assim mesmo, sem tirar nem pôr, e a coberto de um mais que indecoroso “compromisso histórico”, viria a caminho uma nova versão do Estado Novo, de fachada pseudo-democrática, e estaria constituída, para delícia de uns tantos teóricos do “socialismo moderno, moderado e popular”, uma nova versão da União Nacional – Acção Nacional Popular.