terça-feira, outubro 20, 2009

Vá lá, Puxem pela Imaginação!

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QUASE um mês depois das eleições legislativas de 27 de Setembro, ainda não está constituído novo governo. Parece que o processo continua a decorrer, a deixar correr os prazos, cumprindo os passos burocráticos, com todo o ripanço, como se nada tivesse acontecido, como se não existisse crise e problemas graves para resolver. Houve eleições, o Partido Socialista perdeu a maioria, e até parece que não aconteceu nada. Até o ministro da agricultura, o insuperável, pedante e sorridente Jaime Silva, voltou de Bruxelas com uma promessa de 6 milhões de euros de ajudas para os produtores de leite portugueses, dinheiro esse que o ministro acha que deve ser distribuído directamente, para que os produtores o gastem, da forma que melhor entenderem, sei lá, terá dito a ministerial figura, puxem pela imaginação.
É assim desta forma que as coisas se passam e acontecem por cá, neste país residual, à beira-mar plantado, com os patrícios do ainda-governo a exibirem a mais baixa produtividade da última década, e o senhor Francisco Van Zeller da confederação da indústria, atento e persistente, a substituir-se ao governo e a dizer que o ordenado mínimo nacional não deve ter actualização em 2010, porque senão...

Livro do Génesis 22, 1-19

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Naqueles dias,
Deus quis pôr à prova Abraão e chamou-o:
«Abraão!»
Ele respondeu: «Aqui estou».
Deus disse: «Toma o teu filho,
o teu único filho, a quem tanto amas, Isaac,
e vai à terra de Moriá,
onde o oferecerás em holocausto,
num dos montes que Eu te indicar».
Abraão levantou-se de manhã cedo,
aparelhou o jumento, tomou consigo dois dos seus servos
e o seu filho Isaac.
Cortou a lenha para o holocausto
e pôs-se a caminho do local que Deus lhe indicara.
Ao terceiro dia, Abraão ergueu os olhos e viu de longe o local.
Disse então aos servos: «Ficai aqui com o jumento.
Eu e o menino iremos além fazer adoração
e voltaremos para junto de vós».
Abraão apanhou a lenha do holocausto
e pô-la aos ombros do seu filho Isaac.
Depois, tomou nas mãos o fogo e o cutelo
e seguiram juntos o caminho.
Isaac disse a Abraão: «Meu pai».
Ele respondeu: «Que queres, meu filho?»
Isaac prosseguiu: «Temos aqui fogo e lenha;
mas onde está o cordeiro para o holocausto?»
Abraão respondeu:
«Deus providenciará o cordeiro para o holocausto, meu filho».
E continuaram juntos o caminho.
Quando chegaram ao local designado por Deus,
Abraão levantou um altar e colocou a lenha sobre ele,
atou seu filho Isaac e pô-lo sobre o altar, em cima da lenha.
Depois, estendendo a mão, puxou do cutelo para degolar o filho.
Mas o Anjo do Senhor gritou-lhe do alto do Céu:
«Abraão, Abraão!»
«Aqui estou, Senhor», respondeu ele.
O Anjo prosseguiu:
«Não levantes a mão contra o menino,
não lhe faças mal algum.
Agora sei que na verdade temes a Deus,
uma vez que não Me recusaste o teu filho, o teu filho único».
Abraão ergueu os olhos
e viu atrás de si um carneiro, preso pelos chifres num silvado.
Foi buscá-lo e ofereceu-o em holocausto, em vez do filho.
Abraão deu ao local este nome: «O Senhor providenciará».
E ainda hoje se diz: «Sobre a colina o Senhor providenciará».
O Anjo do Senhor chamou Abraão, do Céu, pela segunda vez,
e disse-lhe:
«Por Mim próprio te juro __ oráculo do Senhor __
já que assim procedeste,
e não Me recusaste o teu filho, o teu filho único,
abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência
como as estrelas do céu e como a areia que está nas praias do mar,
e a tua descendência conquistará as portas das cidades inimigas.
Porque obedeceste à minha voz,
na tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra».
Abraão foi ter de novo com os seus servos
e juntos puseram-se a caminho de Bersabé,
onde Abraão ficou a morar.

Palavra do Senhor.

NOTA
Faço esta transcrição, porque na sequência do lançamento mundial em Penafiel, da mais recente obra de José Saramago, intitulada “CAIM”, ouvem-se vozes.
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- A Bíblia é um manual de maus costumes, diz Saramago...
Uns escandalizam-se e bradam - Blasfémia!
Outros exclamam: - Não passa de uma operação publicitária.
Outros afirmam: - Vale o que vale, é apenas uma opinião!
Outros dizem ainda: - O escritor acabou por dizer em voz alta o que muito boa gente pensa.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Pobreza em Portugal

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18 por cento dos portugueses são pobres e a situação tende a piorar

SEGUNDO a Assistência Médica Internacional (AMI), os seus centros Porta Amiga apoiaram no primeiro semestre deste ano mais 10 por cento de pessoas do que no mesmo período do ano anterior.
"Estes valores demonstram uma nítida tendência para um crescente número de casos de pobreza persistente. A grande maioria destas pessoas encontra-se em plena idade activa, entre os 21 e os 59 anos de idade", pode ler-se num comunicado daquela organização.
Além disso, a AMI destaca que há cada vez mais novos casos de pobreza. No primeiro semestre deste ano "foram 1836 as pessoas que recorreram pela primeira vez ao apoio social da AMI, mais 24 por cento do que no mesmo período no ano anterior".
Também a Rede Europeia Anti-Pobreza se manifesta preocupada com a situação em Portugal, onde afirma que 18 em cada 100 pessoas vivem na pobreza.
“O número europeu que serve de referência para definir a pobreza equivale a um vencimento mínimo mensal de 406 euros mensais. Quem tiver um rendimento inferior a 406 euros é pobre”, disse à Lusa Agostinho Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAP).
Num comunicado, a REAP sublinha que “os idosos e as crianças e jovens são os grupos etários com maior taxa de risco de pobreza em Portugal. A “vulnerabilidade à situação de pobreza” é de 26 por cento para os idosos e de 21 por cento para pessoas com menos de 17 anos, indica.
A mesma instituição destaca a desigualdade em matéria da distribuição de rendimento como um dos principais problemas: "Em 2008, 20 por cento da população com maior rendimento recebia aproximadamente 6,1 vezes o rendimento dos 20 por cento da população com o rendimento mais baixo”.
Por outro lado, a REAP recorda, citando dados do Instituto Nacional de Estatística, que no segundo trimestre de 2009, a taxa de desemprego foi de 9,1 por cento, um valor que, comparativamente ao mesmo período do ano passado, aumentou 1,8 pontos percentuais.
“Só a existência de empregos e de salários pode quebrar os ciclos de pobreza que estão criados e reestruturar as famílias, permitindo-lhes mandar os filhos à escola, cuidar dos idosos e viver com dignidade”, referiu Jardim Moreira.
Também a AMI regista que a maioria da população que recorreu aos centros Porta Amiga no primeiro semestre se encontra em situação de desemprego (80 por cento), "tendo como principais recursos os subsídios e apoios institucionais e o apoio de familiares ou amigos".
O serviço que registou mais procura entre as mais de cinco mil pessoas que, nos primeiros seis meses de 2009, pediram ajuda à AMI, foi o da distribuição de géneros alimentares, roupa e medicamentos.
Num contexto de pobreza mundial, 2010 será o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social.

União das Misericórdias defende apoio discreto a famílias "envergonhadas"

O PRESIDENTE da União das Misericórdias (UdM), Manuel Lemos, defendeu hoje "a prática de um apoio discreto" às famílias com necessidades, já que muitas têm vergonha de expor a situação de pobreza em que se encontram.
"Os provedores dão-me conta de muitas situações, em particular de famílias residentes em meios urbanos e suburbanos. Todos têm histórias para contar", disse Manuel Lemos à Lusa, a propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala sábado.
Em declarações à Lusa, o presidente da UdM considerou que "a pobreza envergonhada é um problema crescente em Portugal e a crise veio dar amplitude a este fenómeno".
"Infelizmente, a recuperação económica não terá repercussões imediatas nestas situações, daí a necessidade de se encontrarem formas discretas de apoiar estas famílias", sublinhou.
Manuel Lemos apontou o exemplo de Itália, também confrontada com idêntico fenómeno, onde o apoio alimentar, por exemplo, é distribuído por instituições sociais "em carros não identificados e em sacos plásticos de supermercado".
Em seu entender, também "os funcionários que fazem este serviço devem ser muito bem escolhidos para garantir a discrição necessária".
"São situações que devem ser abordadas com delicadeza e cautela. Temos casos em que os pedidos chegam por e-mail, tentando evitar dar a cara. A maioria está relacionada com o desemprego de um ou dos dois membros do casal e muitos nem sequer têm subsídio de desemprego", explicou.
O adiamento ou redução do pagamento de prestações, nomeadamente de creches e infantários, e também o apoio alimentar são os pedidos mais frequentes.
"O perfil dos utilizadores das nossas cantinas tem vindo a mudar. Ao contrário do que era habitual - as pessoas chegarem, conversarem e deixarem-se ficar - agora temos muitas pessoas que chegam, comem rapidamente, se possível viradas para a parede, e saem", sustentou Manuel Lemos.
O dirigente da União das Misericórdias contou ainda casos de pessoas que, quando questionadas directamente sobre as suas necessidades, não as admitem e mais tarde, por "uma outra porta, acabam por pedir ajuda".
"São normalmente pessoas que pertenciam à classe média, que por circunstâncias da vida foram apanhadas pela crise. Sem trabalho e meios de subsistência vêem-se obrigadas a recorrer a instituições e a subsídios sociais", frisou.

Informação da LUSA de 16 de Outubro de 2009, publicada pelo jornal PÚBLICO.

sábado, outubro 17, 2009

Sol na Eira e Chuva no Nabal

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AS CANDIDATURAS dos arguidos António Preto e Eduarda Napoleão do PSD, as candidaturas múltiplas de Ana Gomes e Elisa Ferreira do PS, e a apressada renuncia ao mandato do deputado João de Deus Pinheiro do PSD, no próprio dia da sua tomada de posse (andou tão entusiasmado na campanha eleitoral, que chegou a pedir a maioria absoluta para o PSD, coisa que Manuela Ferreira Leite nunca fez), são exemplos a registar e censurar, pois demonstram que há quem use e abuse da actividade política, paga por todos os cidadãos, para fazer prevalecer, sem hesitação nem remorso, os seus interesses pessoais, relativamente aos objectivos de servir a república, demonstrando com tal procedimento uma grande falta de ética e pudor.
Contudo, não nos devemos esquecer que os principais responsáveis, não são exclusivamente os transgressores, mas sim quem os deixa proceder dessa forma e lhes dá cobertura, isto é, as organizações políticas a que pertencem.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Grande Cinema

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Mais anúncios de sessões de cinema na imprensa escrita dos anos 80 do século passado.

Título: Lili Marleen
Ano: 1981
Realizador: Rainer Werner Fassbinder
Argumento:Lale Andersen e Rainer Werner Fassbinder
Género: Ficção / Drama / Musical / Romance / Guerra

Elenco:
Hanna Schygulla ... Willie
Giancarlo Giannini ... Robert
Mel Ferrer ... David Mendelsson
Karl-Heinz von Hassel ... Henkel
Erik Schumann ... von Strehlow
Hark Bohm ... Taschner
Gottfried John ... Aaron
Karin Baal ... Anna Lederer
Christine Kaufmann ... Miriam
Udo Kier ... Drewitz
Roger Fritz ... Kauffmann
Rainer Will ... Bernt
Raúl Gimenez ... Blonsky
Adrian Hoven ... Ginsberg
Willy Harlander ... Prosel

Duração:120 min
País: ex-República Federal Alemã
Idioma: Inglês / Alemão
Cor: Cor
Formato:1.66 : 1
Audio: Mono
Locais de Filmagens:
Bavaria Filmstudios, Geiselgasteig, Grünwald, Bavaria, Germany
Companhia Distribuídora: Bayerischer Rundfunk (BR)

Fonte: http://www.imdb.com/

quinta-feira, outubro 15, 2009

Pausa para a Ficção

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Uma Ilha Chamada “Grace”

Somos uma espécie de arquipélago, feito de ilhas solitárias, separadas por oceanos que tanto podem estar serenos, como revoltos e tempestuosos.

A primeira vez que a vi, o que mais me perturbou foi a sua compleição frágil como um vime, pescoço esguio a sustentar uma cabeça de feições delicadas, emolduradas por uma cabeleira de um castanho claro luminoso. Abeirava-se de nós, com um andar silencioso, como uma brisa, pose que denunciava timidez, mascarada de uma aparente e subtil insolência. Económica em palavras e fria a exprimir-se, o timbre da sua voz era ligeiramente cavo e rouco, o que lhe acentuava o ar misterioso, embora cheio de sensualidade. A atracção que causava contrastava com o distanciamento que a sua altivez impunha, e isso era um timbre que marcava todas as suas relações, tanto as de amizade como as outras.

Os pormenores vieram depois, quase todos contrastantes com a sua aparência física, como aquela profissão de auxiliar de enfermagem, com que garantia o seu sustento, com uns turnos de serviço desgastantes e absolutamente impróprios para quem pretendesse ter uma vida regular, passados entre termómetros, arrastadeiras, algálias, chagas, corpos ulcerados, cateteres e frascos de soro, mas que não a impediam de continuar a estudar línguas e relações internacionais. Fiquei ainda mais confuso – porém, cada vez mais interessado em conhecê-la - quando soube que tinha apenas dois nomes, Alda Grace, sem o adorno ou a referência de qualquer apelido familiar, e que andava a ler os quatro volumes do Quarteto (*) de forma aleatória, que embora não sendo uma missão impossível, acabava por não respeitar a genuína sequência da obra. Semanas mais tarde, vim a saber pela Paula Freitas, a colega que habitualmente a acompanhava, no trabalho e nos estudos, e que era a sua antítese, não só por ser extrovertida como incapaz de guardar um segredo, que a Grace seria dez anos mais velha que eu, que era filha de uma camponesa da Soalheira e de um desertor do exército britânico, que se viera refugiar no interior algarvio, nos penhascos da Serra do Caldeirão, por alturas de 1939, quando os ventos da guerra começavam a soprar na Europa. Três anos mais tarde, num daqueles momentos em que a Grace sentia necessidade de entreabrir um pouco a janela sobre a sua pessoa e o seu passado, entre uma pausa de revisão da matéria e dois goles de café, confessou-me que era estéril e que isso lhe provocava insuportáveis menstruações dolorosas. Ficara órfã da mãe, que se suicidara, atirando-se a um poço, na sequência dos maus-tratos que o tal inglês lhe dava, um homem irascível, amigo de bebidas fortes e incapaz de alinhavar, depois de quinze anos de exílio, uma frase com sentido, no seu português intraduzível. Aos dezanove anos, cansada de fazer de criada de servir e de aturar as colossais bebedeiras do pai, sem se despedir, fez a mala, comprou um bilhete de autocarro e rumou à capital, acolhendo-se, temporariamente, em casa de uma tia materna que trabalhava nas limpezas, nos escritórios da companhia do gás e electricidade.

Não olhou a meios para conseguir o que pretendia. Trabalhou nas limpezas, lado a lado com a tia, em escritórios e casas particulares, serviu à mesa de cafés e casas de pasto, foi ajudante de cozinha, embaladora numa fabriqueta de camisas, acompanhante de pessoas idosas, e nunca desistiu de estudar, até que tirou o tal curso de auxiliar de enfermagem. Quando nos conhecemos já ia no segundo ano de relações internacionais, e continuava, como autodidacta e com um método muito próprio, para além do inglês, do francês e do alemão, a coleccionar línguas estrangeiras, tais como o espanhol, o servo-croata, o russo e o árabe, além de conseguir manter uma conversação em esperanto. Vivia num quarto com mobiliário mínimo, com direito a utilização da cozinha, cuja austeridade apenas era cortada por três enormes pilhas de livros, que iam crescendo arrumadas contra a parede. Numa das raras visitas que fiz aos seus aposentos, constatei que lia ficção científica com a mesma voracidade com que comentava a Florbela Espanca ou dissertava sobre “A Arte da Guerra” de Sun Tzu. Lembro-me de lhe ter emprestado “O Estrangeiro” de Albert Camus e o “Homens e Bichos” de Axel Munthe, obras que se esqueceu de me devolver.
Quando em meados dos anos 60, conseguiu finalmente colocação no ministério dos negócios estrangeiros, o que a obrigou a mudar de quarto, para ficar mais perto do trabalho e não despender dinheiro com transportes, a mudança dos haveres, a fiança que lhe exigiram e o novo vencimento que só chegava daí a um mês, deixaram-na quase insolvente e sem dinheiro para se alimentar. Foi nessa altura que nos passámos a conhecer melhor, pois eu insistia em levá-la a jantar ao meu restaurante habitual, onde as contas eram feitas apenas no final do mês, adiamento esse que lhe permitia ganhar fôlego para reequilibrar o seu debilitado orçamento. Foi mais ou menos por essa altura que a ouvi pela primeira vez cortar o silêncio, com qualquer coisa de diferente dos seus habituais monossílabos. Com uma grande tristeza estampada no rosto, disse que as pessoas eram como ilhas, solidárias por fazerem parte do mesmo arquipélago, mas solitárias por terem um grande oceano a separá-las. Foi também por essa altura que ela conheceu o Professor, com quem iniciou uma relação, o que levou a que nos deixássemos de ver com tanta frequência, até que, dois anos e meio depois, após regressar de África e em cima da Revolução de Abril, voltei a revê-la, já casada e em vésperas de partir para a Holanda, em missão diplomática.

Fui encontrá-la acompanhada pelo marido Professor, no intervalo de um concerto na Fundação Gulbenkian, onde naquela noite se escutava Brahms, em todo o seu esplendor. Continuava a ser a mesma Grace misteriosa, com aquele leve sorriso, quase de Gioconda, resguardada atrás do porte silencioso da sua beleza esfíngica, porém, atributos esses agora realçados pelo vestuário dispendioso e meticulosamente escolhido, enfim, exigência ditada e a condizer com a sua nova condição. Na verdade, no seu longo vestido negro que lhe descia até aos pés, e com as costas desnudas, era mais a imagem de uma pitonisa de tragédia grega, perdida num auditório de Lisboa, que a modesta auxiliar de enfermagem que eu conhecera há vários anos atrás.
Almoçámos os três no dia seguinte, num restaurante da Baixa, tentando condensar naquele breve encontro tudo o que tínhamos feito durante aqueles anos de separação, e por onde tínhamos andado. Contei-lhe a minha passagem pelas guerras coloniais, umas a sério, outras de alecrim e manjerona. Revisitámos o passado, tentámos decifrar o futuro e acabámos a falar de coisas banais. Separámo-nos a cruzar endereços e números de telefone. Nos dois anos seguintes ainda trocámos cartões de boas festas, mas depois instalou-se o silêncio entre nós. Bem, talvez fosse porque o Professor não apreciava aquelas trocas de mimos…
No entanto, uma vez por outra, a minha curiosidade levou-me a indagar por onde andaria a Alda Grace. Em 1978, por altura do sequestro de Aldo Moro, soube que estava em Roma, depois, no princípio dos anos 80 andou por Rangum, a seguir em Washington, depois em Nova Iorque, integrada na delegação portuguesa à Assembleia Geral da ONU, mais tarde em Atenas, e depois perdi-lhe novamente o rasto.

Subitamente, em Fevereiro de 1992, entre a leitura apressada do jornal e outra insípida reunião de executivos, tocou o telefone no meu gabinete, e ouvi a sua voz levemente rouca, no outro extremo da linha. Era a Grace a perguntar se podíamos marcar encontro.
- Se estás em Lisboa, claro que sim! Respondi eu.
Encontrámo-nos num restaurante da Avenida Infante Santo, bem perto do Palácio das Necessidades, o seu ministério, onde aguardava nova colocação, talvez no Rio de Janeiro. Aqueles dez anos de idade que ela tinha de avanço sobre mim, notavam-se agora com mais evidência. O cabelo já não era o seu castanho natural, as linhas do pescoço estavam mais cavadas, e nem um grande e elegante par de óculos escuros, conseguia dissimular as rugas que começavam a insinuar-se pela superfície da sua pele quase sexagenária. Contou-me que o “seu” Professor, entusiasticamente rejuvenescido, se tinha separado dela, trocando-a por uma mulher muito mais jovem, uma francesa, dactilógrafa no consulado de Bayonne.
- Era bom homem, interessante, mas muito ocioso e inseguro, classificou-o ela, com um leve ar de desdém a bailar-lhe nos lábios.
– Apesar disso casaste com ele, retorqui eu.
– É certo, mas a verdade é que, mesmo que indiferentes, temos que aprender a viver com os defeitos dos outros, senão estamos condenados à solidão, atalhou ela, com um leve sopro de tristeza a ensombrar-lhe o olhar. E acrescentou ainda: - E tu, há muito tempo que sabes, que eu nunca deixarei de ser uma ilha inóspita e desabitada!
Era a mais pura das verdades. Lembrava-me agora daquela frase que ela pronunciara há largos atrás, quando dissera que as pessoas eram como ilhas, dependentes por fazerem parte do mesmo arquipélago, mas solitárias por terem um grande oceano a separá-las.
E continuou:
– Como sabes, não pude ter filhos. Então, há uns anos atrás, quando estive numa curta passagem pelo Quénia, ainda pensei em adoptar uma criança, mas o Professor não concordou. Amarras e compromissos eram coisas que abominava e que entravam em conflito com a sua pessoa. Nem com um gato persa ele conseguia partilhar a sua vida. Tudo o que fosse para além das recepções, dos cocktails e outros cerimoniais, eram interferências no seu bem-estar, que cultivada com um egoísmo quase doentio, para não dizer cruel. Agora, liberta que estou, adoptar uma criança, já é tarde!
Depois desta queixosa introdução, e de voltarmos a cumprir aquele ritual que consistia em, de tempos a tempos, termos uma recaída, e lembrarmo-nos de que somos confessionários uns dos outros, lá fomos recapitular o que nos tinha acontecido durante aqueles anos de separação, enumerando os sucessos e as derrotas, os sonhos e os projectos, as alegrias e as tristezas, as guerras civis e todas as outras, até que a tarde começou a declinar, entre dois aguaceiros que deixaram Lisboa de cara lavada. Separámo-nos de novo, com a promessa de nos escrevermos com mais regularidade, mas a promessa não saiu do tinteiro.

Entretanto, passaram mais quinze anos, enquanto nos confins do universo expiravam e nasciam novas estrelas, este mundo volteava sob os nossos pés, e continuávamos a ser uma espécie de arquipélago, feito de ilhas solitárias, umas exuberantes, outras desertas, separadas por oceanos que tanto podem estar serenos, como cavados e tempestuosos.
Foi então, quando estava fechado em casa a recuperar de uma constipação obstinada, que recebi uma encomenda postal da Grace, vinda de Wellington, na Nova Zelândia, no outro extremo do mundo. Trazia uma carta, rabiscada com letra insegura, onde dizia, sem mais pormenores, que estava internada, e que a coisa era grave.
Junto vinham os dois livros que lhe emprestara há quarenta e dois anos atrás, o Camus e o Axel Munthe. Olhando com cuidado, reparei que ainda estavam lá na estante, os espaços em aberto que lhes pertenciam. A acompanhá-los vinha outra nota muito breve:
“Suspeito que não vou chegar a tempo para tos devolver pessoalmente.
Bem hajas e até sempre!
Um beijo desta tua ilha Grace”

Passaram alguns dias, até que a gripe se dissipou, o Camus e o Axel Munthe voltaram para o seu lugar na estante, ao mesmo tempo que o mapa do meu arquipélago estava em vias de perder uma ilha, uma ilha de nome Grace, varrida por uma grande e devastadora tempestade tropical.

(*) O Quarteto de Alexandria, tetralogia do escritor inglês Lawrance Durrell, composta pelos romances Justine, Balthazar, Mountolive e Clea.

terça-feira, outubro 13, 2009

Diversões...

«...
A satisfação que ninguém me poderá tirar: é que eu gostei muito, mesmo muito, de fazer esta campanha!
O que quero e posso fazer para mudar para melhor Sintra e a vida dos sintrenses - está ainda no horizonte, nas mãos dos cidadãos que vão votar no domingo.
O divertimento que tirei desta campanha, esse, já cá canta!»

Extracto do post de Ana Gomes, publicado em 9 de Outubro de 2009, no blog CAUSA NOSSA

MEU COMENTÁRIO: Como facilmente se compreende, quem se diverte com a política, mesmo que a nível autárquico, não pode ser levado a sério, e o veredicto dos eleitores, expresso dois dias depois, não oferece dúvidas.

segunda-feira, outubro 12, 2009

30 Minutos (à Portuguesa)

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Data: 2009 Outubro 12
Momento: Telejornal da SIC Notícias das 21 Horas
Jornalista apresentador: Mário Crespo
Convidado: Professor Adriano Moreira, um Ancião, um Sábio, um Professor

Foi uma memorável, lúcida e exemplar lição de 30 minutos, que deveria ter sido escutada atentamente e apreciada por TODOS os portugueses, especialmente os que compõem a nossa classe política, quando se equaciona a trágica hipótese de Portugal se transformar num “Estado exíguo, mergulhado numa crise financeira de que não há memória”.

sábado, outubro 10, 2009

A Bolsa Nobel

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BARACK OBAMA, ao fim de nove meses de presidência dos Estados Unidos da América, foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz, pelos esforços (ainda com escassos resultados) que tem desenvolvido em prol da paz. O Prémio Nobel foi atribuído não como prémio por obra feita, mas sim como estímulo para obra futura. Além de subverter o propósito que encerra a atribuição de um prémio, seja ele qual for, estou convicto que Obama se terá sentido embaraçado, senão mesmo pressionado, pois os êxitos que se possam vir a ter em matéria de negociações de paz, resultam da vontade de quem está envolvido no processo, da convergência de esforços colectivos, raramente resultando do esforço isolado de uma única pessoa.
Por esse motivo, sugiro que seja criada pela Fundação Nobel, paralelamente ao Prémio, uma recompensa destinada a financiar as expectativas associadas a casos semelhantes, e que poderia chamar-se Bolsa Nobel.
Esta minha opinião não tem nada a ver com o significado que a eleição do Presidente Obama teve para os E.U.A. e para mundo, nem com a confiança e esperanças que nele continuo a depositar.

sexta-feira, outubro 09, 2009

Solução SIMPLEX

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DESTA vez não veio falar do fim da crise, mas Fernando Teixeira dos Santos, não sei se na qualidade de ex-ministro das finanças, se na qualidade de oráculo da Maia, na impossibilidade de continuar a ficar calado, abriu a boca para dar uma notícia surpreendente, seja na forma, seja no conteúdo, isto é, informar os portugueses que os impostos em Portugal, não vão subir nem descer, isto é, a respeito de esbulhos, vai ficar tudo na mesma. Ora o que acontece é que uma notícia deste calibre era perfeitamente dispensável, a não ser que fosse complementada com uma outra, a de que na ausência de mexidas nos impostos, passaríamos também a prescindir de ministro e ministério das finanças. Era SIMPLEX, ganhávamos nós e ganhava o país.

quinta-feira, outubro 08, 2009

491 Milhões de Suspeitos

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ENCONTRA-SE em desenvolvimento um sistema europeu de vigilância que monitoriza e processa continuamente a informação colhida de várias fontes e origens, tais como câmaras de vídeo-vigilância (CCTV), comunicações telefónicas e os vários recursos disponibilizados pela internet, tais como sites, blogs, e-mail, redes e fóruns de discussão, com o objectivo de detectar, uma coisa tão vaga e abrangente como "ameaças", e outros "comportamentos suspeitos e anormais", em todo o espaço da União Europeia. O sistema é conhecido por Projecto Indect, tem um site no endereço http://www.indect-project.eu/
, auto-define-se como "Intelligent Information System Supporting Observation, Searching and Detection for Security of Citizens in Urban Environment", e os seus críticos assumem que é uma criação sinistra, destinada a promover a devassa da privacidade, tratando-se de uma ferramenta essencial para uma futura polícia federal ou serviço de informações pan-europeu, que venha a ser criado, à imagem e semelhança da norte-americana CIA.
Como é compreensível, seremos muito ingénuos se acreditarmos que o dispositivo se destina apenas a trazer debaixo de olho e com rédea curta os "meninos maus" que infestam o Velho Continente, e não visa chegar mais longe, fazendo espionagem e controle cerrado sobre os 491 milhões de potenciais suspeitos, que são toda a população da União Europeia.
Este Projecto Indect, a par do já muito falado Projecto Echelon, a versão gerida pela NSA ( National Security Agency) que já espia há alguns anos a população norte-americana, bem como a de outros países que aderiram ao sistema, é o elo que faltava para que o planeta se transforme numa colossal penitenciária, onde cada um de nós, sem excepção, ficará equipado com uma invisível "pulseira electrónica", que nos manterá numa espécie de prisão preventiva e em constante vigilância.
Curiosamente, mas isso percebe-se, não é feito segredo da existência destes sistemas, antes pelo contrário. Os seus mentores e criadores sabem que, apenas por divulgá-los, geram no subconsciente dos cidadãos um sinal de alerta ou condicionamento, convidando-os a auto-censurarem-se, seja nos protestos a que aderem, nas interrogações que suscitam, nas opiniões que têm, ou mesmo nas opções que tomam, e que esse comportamento, ao estar sob permanente escrutínio, gera, por sua vez, o MEDO das consequências que daí podem resultar. Portanto, façam o contrário daquilo que eles querem: denunciem-nos, contrariem-nos, reclamem e não tenham MEDO. George Orwell, consciente dos perigos que a civilização estava a tomar, deixou uma advertência com o seu "1984", mas talvez estivesse longe de imaginar que as novas gerações, a propósito da salvaguarda das liberdades e da democracia, iriam pôr em prática uma engrenagem semelhante, senão mesmo superá-la. Cabe-nos a nós não estarmos pelos ajustes.

segunda-feira, outubro 05, 2009

Hábitos Que Se Perderam

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A PARTIR dos anos 80 do século passado, anúncios de sessões de cinema na imprensa escrita foi hábito que se foi perdendo, quando as salas de exibição mais emblemáticas se foram esvaziando e fechando, ao mesmo tempo que o vídeo e o digital foram destronando o celulóide, e a agitação da ida ao cinema foi substituída pela sessão solitária no retiro da habitação. O meu amigo FF cedeu-me alguns recortes de jornais da época.Hoje deixo aqui a lembrança desta obra-prima do mestre Luchino Visconti:

Título: Rocco e Seus Irmãos

Título Original: Rocco e i suoi fratelli
Ano: 1960
Realizador:Luchino Visconti
Argumento:Luchino Visconti e Suso Cecchi d'Amico
Género: Ficção / Crime / Drama

Elenco:Alain Delon ... Rocco Parondi
Renato Salvatori ... Simone Parondi
Annie Girardot ... Nadia Katina
Paxinou ... Rosaria Parondi
Alessandra Panaro ... Noiva de Ciro
Spiros Focás ... Vincenzo Parondi
Max Cartier ... Ciro Parondi
Corrado Pani ... Ivo
Rocco Vidolazzi ... Luca Parondi
Claudia Mori ... Laundrey Worker
Adriana Asti ... Laundrey Worker
Enzo Fiermonte ... Boxer
Nino Castelnuovo ... Nino Rossi
Rosario Borelli ... Biscateiro
Renato Terra ... Alfredo

Duração:177 min
País: Itália / França
Idioma:Italiano
Cor:Preto e Branco
Formato:1.66 : 1
Audio:Mono
Distribuidora:Titanus

Fonte: http://www.imdb.com/

Olhando as Comemorações da Sexagenária República Popular da China


É UMA REGRA que nunca foi escrita, mas que passa de boca em boca, de geração em geração: que os capitalistas (também conhecidos por exploradores das mais valias do trabalho), desde que o poder os deixe explorar os trabalhadores, dão-se bem com qualquer regime, em qualquer época e em qualquer lugar. A República Popular da China é um exemplo disso, com a sua inteligente e carismática doutrina, de UM PAÍS, DOIS SISTEMAS, concebida depois da longa marcha e liderança de Mao-Zedong, e iniciada a sua implementação no período de Deng Xiaoping. Agora, enquanto o Partido Comunista governa (melhor ou pior, desde que sem oposição, tanto faz!), os capitalistas, quase à rédea solta, e pagando o competente imposto revolucionário, como matilhas esfaimadas, devoram as energias de um imenso oceano de camponeses desenraizados e proletarizados, que vegetam sub-urbanizados e desprotegidos, à sombra de uma coreográfica ideia de povo. E nós, embevecidos com todas as belíssimas, disciplinadas, espampanantes e luminosas representações que exaltam o modelo, quedamo-nos apáticos, sem raciocínio nem discurso, a assistir às comemorações dos sessenta anos do regime. Se para Lenine e a Rússia revolucionária de 1917, país atrasado e semi-feudal, o comunismo era o Poder Soviético mais a electrificação de todo o país, para a China pós-revolucionária de hoje, o comunismo talvez não seja mais que o Partido Comunista da China e o seu Congresso Nacional Popular, a partilharem a força de trabalho de 1,3 biliões de chineses com um pujante e desenfreado capitalismo. Será esta a solução socialista para o século XXI, ainda carente dos ajustamentos e aperfeiçoamentos de tal coabitação, talvez à espera de uma espécie da institucionalização do quarto poder (o económico), independente do poder legislativo, executivo e judicial, e não interligados como existem, sob uma forma encoberta e colaborante, nos sistemas ocidentais? Ainda é cedo para ver o resultado que isto vai dar!
De qualquer modo, é nestas alturas que me recordo das palavras sábias de um padre excomungado que, nos anos 50 do século passado, sobrevivia, quase clandestinamente, a dar aulas de Religião e Moral, onde amiúde e quase em surdina nos advertia: - Meninos, nunca esqueçam que Deus criou o Homem, mas com o rico serviço que deixou, bem pode limpar as mãos à parede…

domingo, outubro 04, 2009

A Contrafacção da Justiça

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AINDA pensei guardar a publicação deste artigo para o dia 5 de Outubro, como singela celebração da implantação da República, mas desisti do intento, porque falar de Justiça e do que dela se espera, não deve ser discurso que se aflore apenas na comemoração de efemérides, antes deve ser uma preocupação permanente, pois dela sempre se esperou que fosse universal, acessível, e se pautasse pela isenção, independência e rectidão, fosse qual fosse o regime vigente, ou a sua orientação política.
Assim sendo, passo a transcrever a deliberação da Direcção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, na sequência da suspensão da nota de classificação atribuída ao Juiz Rui Teixeira, entendida, neste caso particular, como uma penalização pelas suas decisões, do desagrado do poder político, e porventura, como subliminar advertência à classe para casos futuros. A governamentalização estende-se assim ao aparelho judicial, pondo em causa a sua independência e a garantia da separação de poderes, consagrada na Constituição da República Portuguesa.

«Deliberação da Direcção Nacional da ASJP de 30/9/09

Decisão do Conselho Superior da Magistratura que suspendeu a notação do Juiz Rui Teixeira

Por iniciativa de três Vogais eleitos pela Assembleia da República e indicados pelo Partido Socialista, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura avocou a classificação de serviço do juiz Rui Teixeira e deliberou, com nove votos a favor, dois votos contra e uma abstenção, suspender a decisão sobre essa classificação enquanto estiver pendente o pedido de indemnização formulado pelo ex-ministro Paulo Pedroso contra o Estado Português.

Trata-se de uma situação inédita e surpreendente, em que o órgão de administração e gestão dos juízes condiciona a avaliação do juiz à pronúncia de um tribunal superior quanto ao mérito das decisões proferidas num processo judicial concreto, em violação dos princípios constitucionais da separação de poderes e da independência do juiz.

Esta decisão suscitou nos cidadãos as mais profundas dúvidas sobre a capacidade do Conselho de assegurar a credibilidade da Justiça e as condições efectivas de independência para os juízes julgarem os casos submetidos apenas à lei e à sua consciência jurídica, livres de quaisquer pressões ou constrangimentos, designadamente de natureza política.

Por estas razões a ASJP solicitou ao Conselho que prestasse esclarecimentos públicos e cabais sobre o assunto, mas o Comunicado do CSM, de 22 de Setembro, não alcançou minimamente esses objectivos, preferindo manter uma certa opacidade sobre a deliberação, o que só serviu para suscitar mais dúvidas.

Os juízes portugueses repudiam em absoluto esta actuação do Conselho Superior da Magistratura e não toleram nem tolerarão intimidações ou condicionamentos de qualquer espécie à sua independência e imparcialidade, em conformidade com os princípios que assumiram no "Compromisso Ético dos Juízes Portugueses".

A ASJP manifesta a mais viva repulsa por esta deliberação do Conselho e considera merecedora de elevada censura pública a actuação de todos os seus membros que, com os seus votos favoráveis ou abstenção, viabilizaram a iniciativa com conotação partidária que deu origem a uma decisão inédita que coloca em causa a independência de todos os juízes.

Com tal actuação os juízes eleitos pelos seus pares quebraram o compromisso que levou à sua eleição e perderam irreversivelmente a legitimidade para os continuarem a representar no órgão constitucional de gestão.

Também não poderá deixar de ser questionada a legitimidade dos outros membros do Conselho, perante as respectivas fontes institucionais de designação, tendo em conta a missão do órgão constitucional como garante da separação de poderes e da independência do poder judicial.

Por tais razões, no cumprimento do mandato estatutário que a vincula à defesa intransigente da independência do poder judicial, a ASJP declara que os juízes portugueses perderam a confiança no Conselho Superior da Magistratura e, por isso, apela a todos os que votaram a favor ou se abstiveram naquela deliberação que assumam as suas responsabilidades e retirem as devidas consequências, renunciando aos respectivos lugares.

Lisboa, 30 de Setembro de 2009»

sábado, outubro 03, 2009

O Triângulo das Bermudas Mudou-se!

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REZAM AS CRÓNICAS que no triângulo das Bermudas têm desaparecido barcos, aviões e submarinos, sem deixarem rasto. Habitualmente, os culpados costumam ser os extraterrestres.
Em Portugal, o ocidental rectângulo lusitano, desaparecem milhões de euros a uma velocidade alucinante, sem deixarem qualquer rasto. Habitualmente, os culpados são sempre a complexidade dos casos e os fracos meios disponíveis para a investigação.
Os dois novos submarinos, encomendados pelo Estado Português, para renovar a nossa diminuta esquadra de submersíveis, sofisticadas armas de ataque que, à época, foram encomendadas com a justificação do combate ao terrorismo e ao narcotráfico, sem terem entrado ainda nas nossas águas territoriais, já provocaram nos cofres do Estado, um rombo de umas dezenas de milhões de euros. Para não fugirem à regra, muito embora não tivessem ido fazer a prova de mar para a zona do triângulo das Bermudas, eclipsou-se, por artes mágicas, a simplória quantia de 34 milhões de euros de contrapartidas (dizem que é muito mais), de que os portugueses e o país nunca irão beneficiar. Vitor Dias, no seu blog O TEMPO DAS CEREJAS, deixou duas perguntas incómodas, que não sei se alguém irá conseguir explicar. Ouçamos o que ele diz:

«Perplexidades de um leigo
Por este título na 1ª página do PÚBLICO [Estado burlado em 34 milhões no negócio dos submarinos] de hoje e respectiva notícia de desenvolvimento ficamos a saber que sete gestores portugueses e três alemães são acusados de, através de diversas falcatruas ligadas com a encomenda dos dois submarinos concretizada pelo então Ministro da Defesa Paulo Portas, terem lesado o Estado português em quase 34 milhões de euros (6,8 milhões de contos em moeda antiga).
Ora, com a ressalva de me assumir como um completo leigo na matéria, há aqui duas coisas que me fazem confusão.
A primeira é se o Estado português, neste caso representado pelo Ministério da Defesa, quando celebrou este contrato não sabia, até pelos precedentes internacionais, dos riscos nestes negócios de fraudes, falcatruas e outras coisas muito lesivas dos seus interesses.
A segunda é se, verificando-se que estas fraudes ou crimes se situam todos na esfera das contrapartidas, e havendo uma Comissão de Acompanhamento das Contrapartidas (de natureza pública ou mista, não sei), se esta entidade exerceu atenta e diligentemente as suas funções e se não tem nada a dizer sobre este caso.
Repito, sou completamente leigo na matéria: mas, desculpem lá, a história de que uma moscambilha desta grandeza envolve exclusivamente gestores de empresas parece-me, no mínimo, insuficiente e redutora. Em termos de responsabilidade técnica e política (já não digo judicial), alguém da parte do Estado tem de explicar mais alguma coisa.»

sexta-feira, outubro 02, 2009

Remédio Santo

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PARA ACALMAR as hostes e recuperar a pose de Estado, não há nada como chegar atrasado 20 minutos e depois ter “uma boa conversa” de outros 45.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Exercício Conspirativo

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PENSO que a história e o percurso do e-mail do jornal PÚBLICO, publicado pelo congénere DIÁRIO DE NOTÍCIAS, não foram convenientemente investigados, e tal poderia conter a resposta a muitas das dúvidas que nos têm assaltado nos últimos dias. Ainda ontem, um anãozinho muito atrevido, trepou-me para o ombro e depois segredou-me aqui ao ouvido, que não me devia esquecer que há amantes compulsivos de sucata, que guardam todas as peças sem préstimo que lhes chegam às mãos, e que invariavelmente costumam dizer: - Um dia há-de servir para qualquer coisa… Agora apliquem isto a outro tipo de artefactos, como por exemplo, e-mails, recados, apontamentos avulsos, recibos, facturas, listas de compras, fotografias, gravações, etc., e temos aí um depósito de bombas adormecidas, à espera que lhes instalem um detonador, um controlo remoto, e as armem, para virem a explodir 17 meses depois, por exemplo, em véspera de eleições.

quarta-feira, setembro 30, 2009

Três Perguntas Indiscretas

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1) Se Cavaco Silva tivesse tomado a iniciativa de fazer a sua comunicação ao país, nos mesmos termos em que o fez, não após as eleições, como aconteceu, mas antes delas terem ocorrido, como aliás reivindicavam quase todos os partidos e comentadores políticos, como teria reagido a isso, tanto o Governo como o PS?

2) Se Cavaco Silva tivesse tomado a iniciativa de fazer a sua comunicação ao país, nos mesmos termos em que o fez, não após as eleições, como aconteceu, mas antes delas terem ocorrido, quais teriam sido os resultados eleitorais?

3) E a verificar-se a situação anterior, se esses resultados eleitorais tivessem invertido o papel de vencedor e vencido, como estaria agora a reagir o PS?

«Coisas Extraordinárias»

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Artigo de opinião de Manuel António Pina, intitulado "Coisas extraordinárias", publicado no JORNAL DE NOTÍCIAS em 28 de Setembro de 2009. Como é óbvio, e quanto ao futuro que advirá desta "extraordinária vitória" do PS, o meu interesse também se encaixa na categoria das expectativas extraordinárias. Aguardemos.

«Uma das coisas mais extraordinárias da noite eleitoral (as noites eleitorais são sempre férteis em coisas extraordinárias) foi ver o PS festejar a "vitória extraordinária" que terá sido a maioria relativa que conseguiu.

O PS teve, durante quatro anos, a faca e o queijo na mão e cortou a mão. Em quatro anos perdeu meio milhão de votos, perdeu 8,5% do eleitorado (20% do "seu" eleitorado), perdeu a maioria em vários distritos, perdeu 24 deputados. Só não perdeu, pelos vistos (os hábitos não se perdem facilmente), a pesporrência absoluta, já que a maioria absoluta perdeu-a também, e absolutamente. Isto quando todos os outros partidos, da Esquerda à Direita (até o PSD), cresceram em número de eleitores e de deputados, mesmo tendo votado menos gente que em 2005. Dos 500 mil eleitores perdidos pelo PS, 200 mil vão provavelmente a crédito da ministra Maria de Lurdes Rodrigues e da sua ruinosa política educativa. Se Sócrates for coerente com o apoio acrítico que sempre lhe deu mantê-la-á no Governo. Todas as oposições aplaudirão, de olhos nas próximas eleições, esse acto de "extraordinária" firmeza.»

terça-feira, setembro 29, 2009

O Rato que Rosna…

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O PRESIDENTE da República, na sua declaração (feita tarde demais e formalmente num tom muito pouco institucional) sobre as suspeitas de intromissão do governo nas actividades e serviços da Presidência da República, acabou por não adiantar muito, para além de confirmar a existência de uma guerrilha surda, protagonizada e sustentada pelas duas principais figuras do estado, de acusar dirigentes socialistas de manipulação de informações, e divulgar que o sistema informático da Presidência da República, em termos de segurança, apresenta algumas vulnerabilidades. Em resumo: a montanha pariu um rato, porém, um rato que rosna…
O Largo do Rato, o principal visado nesta declaração, levou mais de duas horas a reagir, na pessoa do ministro Pedro Silva Pereira, com uma cautela que reflecte bem que os tempos já não são de uma arrogante maioria absoluta. Tal como o fez na véspera - quando ainda nada se sabia sobre o teor da intervenção do Presidente - insistiu que as acusações não passam de inventonas e maquinações, devolvendo ao Presidente a responsabilidade de provar as mesmas, logo continuando a alargar o fosso que separa Belém de S.Bento.
Eu cá não sou de intrigas, mas parece-me que o ambiente está envenenado e para durar, com a agravante de estarmos num momento muito sensível, que pede tudo, menos que os políticos se desorientem e percam a compostura.
Mas já que falei de ratos, e admitindo que o país está infestado deles, talvez seja altura de seguir o conselho do meu amigo FF, e tratarmos de arranjar um gato.