terça-feira, dezembro 25, 2007

Informações Adicionais

A

Saída dos dóris do lugre LABRADOR para mais uma faina

A propósito da campanha de 1939 do lugre bacalhoeiro LABRADOR, comecei em 2006 com o meu artigo intitulado HERÓIS DO MAR, fiz-lhe uma adenda a que chamei MEMÓRIAS DA FAINA MAIOR, assinalei um notável acontecimento editorial apelando a esta LEITURA OBRIGATÓRIA, e aqui estou de novo a fazer uma viagem (imaginária) através daquele fenómeno único que foi a pesca do bacalhau, levada a cabo pelos armadores e pescadores portugueses, nos ignotos bancos da Terra Nova e da Gronelândia, lá para os confins da terra, paredes meias com o Círculo Polar Ártico, desde o século XVI até ao último quartel do século XX.
Agora é chegada a altura de fornecer algumas informações adicionais que entretanto fui colhendo aqui e ali.

O Lugre LABRADOR, ex-dinamarquês "Lydia" foi construído em 1919 nos estaleiros navais de Korsor, na Dinamarca. Foi depois adquirido pela Sociedade Lisbonense da Pesca do Bacalhau, Lda. para a campanha de 1935.

A tripulação do lugre LABRADOR (nome, “alcunha”, data nascimento e origem), naquela campanha de 1939, foi a seguinte:

Júlio de Jesus Cristo, 5/9/1908, S.Tiago, Sesimbra
Inácio Pequicho Belo, 23/6/1910, Nazaré
José Alves Moreira, 1903, Porto
João Fernandes Bonito, “Cova”, 14/7/1884, Ílhavo, Aveiro
Francisco Loureiro, 2/7/1905, Buarcos, Figueira da Foz
Emílio Fernandes Vigis, 11/11/1904, Pederneira, Nazaré
Manuel Dourado Fernandes Torrão
Isac da Costa Marques
Francisco Alves Moreira, 19/12/1898, Vila Nova de Gaia, Santa Marinha, Porto
Moisés Matias da Cruz, Vila Nova de Gaia, Santa Marinha, Porto
José Pedro Correia Júnior, 16/7/1908, Olhão, Fuzeta
Manuel Pereira Cageira
José Custódio de Barros, “José da Amância”, 29/9/1908, Figueira da Foz
João Pedro da Florência, 25/2/1907, Nazaré
Rodrigo Ceia Espada, 4/11/1898, Buarcos, Figueira da Foz
António Sousinha Remígio, 2/1/1910, Pederneira, Nazaré
António dos Santos Grilo, 13/1/1912, Buarcos, Figueira da Foz
Domingos Francisco Terroso, “Maragato”, 1866, Póvoa do Varzim
Bento da Costa Marques
José de Oliveira da Velha
Manuel Francisco Arteiro, “Buchudo”, 22/4/1896, Póvoa do Varzim
José Arrais
Jaime Rodrigues Pereira, 26/12/1907, Salvador de Matosinhos, Vila do Conde
Manuel Nunes Vidal
Manuel Remígio, 27/10/1893, Nazaré
Moisés Francisco Milhases
Pedro Martins
João Maria dos Santos
Jardelino dos Santos Louro
Joaquim José Milho Júnior
Manuel Costa Marques
Manuel de Jesus Caseiro
Alberto Remígio Belo, 6/3/1902, Nazaré
Manuel d’Oliveira Frade, 21/9/1909, Ílhavo, Aveiro
António Balaia
Francisco José Badalo Júnior
José Maria Pachita
Manuel Faria Júnior, “Lopes Faria”, 16/9/1897, Vila do Conde
Belmiro André Fangueiro, 15/2/1908, Póvoa do Varzim
José Ferreira da Costa
David Faria, 9/3/1919, Poça da Barca, Vila do Conde
José Francisco Cirineu
Manuel Sacramento Marnoto
Joaquim Ferreira da Joana, 23/10/1902, Nazaré
Júlio Ovídio Lourenço
João Rodrigues Pereira
Daniel Rocha
Francisco Gregório Soares
João Pereira Gateira
Alexandre Remígio, 8/5/1890, Nazaré
José Magano Fernandes
António Maria das Neves
Francisco Delgado,
Paulo Rodrigues Pereira, “Casquilho”, 10/4/1903, Vila do Conde, Viana do Castelo
José de Castro
António Joaquim dos Santos Saltão, 25/5/1898, Buarcos, Figueira da Foz
Luís dos Santos Abade
João Tioprepido
Manuel Francisco dos Santos Júnior
Manuel Fernandes Pereira Ramalheira
Domingos Gavino Novo, 10/3/1913, Vila do Conde
António Ribeiro da Costa
Manuel Gomes Moreira, 12/4/1912, Vila Nova de Gaia, Santa Marinha, Porto

Embora o texto que se segue relate que o LABRADOR, na campanha de 1942, possuía uma tripulação de apenas 41 homens, e Alan Villiers no apêndice do seu livro A CAMPANHA DO ARGUS refira que eram apenas 32 os pescadores do LABRADOR na campanha de 1950, a relação de nomes que recolhi no site do Museu Marítimo de Ílhavo
, informa que foram 63 os homens que integraram a tripulação daquele lugre na campanha de 1939. Desconheço qual a razão para tal disparidade de números.

“O LABRADOR era um lugre de 3 mastros, comandado pelo capitão Simões Picado, com 41 homens de tripulação. Em 1942 navegava para o Grande Banco da Terra Nova, quando na tarde do dia 24 de Maio foi interceptado por um cruzador-auxiliar inglês, que por sinais de bandeiras o obrigou a parar imediatamente. O navio ferrou o pano e esperou. De seguida recebeu uma baleeira do navio inglês, com 2 oficiais que verificaram toda a documentação e o destino que levava. Pediram ao capitão Picado para comunicar com um navio já no Grande Banco, para terem a certeza de que este não estava a mentir. Respondeu-lhe o "Normandie", saudando-o a desejar boa chegada, boa saúde para todos e boa pesca. Os oficiais ingleses deram-se por satisfeitos deixaram o LABRADOR mas, antes de sairem pediram desculpa pelo incómodo e disseram gentilmente: "C'est la guerre". O navio largou pano e reiniciou a viagem para os pesqueiros. Após algumas milhas navegadas fica sob denso e cerrado nevoeiro, guarda avançada da chegada ao Grande Banco. Na madrugada do dia seguinte vê-se no meio de monstruosos vultos que lhe passavam pela proa e pela popa, a barlavento e a sotavento. Tinha caído no meio de um comboio de navios, que deveriam estar à espera do cruzador-auxiliar que o havia visitado no dia anterior. A situação foi horrível, os navios navegavam com os faróis de navegação apagados, pareciam fantasmas. O LABRADOR ia-se safando como podia, ora trancando o leme a um bordo, ora ao outro, na tentativa de evitar um abalroamento eminente. Houve momentos de pavor e pânico quando a proa de um navio inglês bateu no pobre lugre de madeira. Valeu a experiência do capitão Picado que ordenou "leme todo a bombordo" na tentativa de minimizar as avarias que o seu navio poderia sofrer pelo embate. Mesmo assim o cargueiro apanhou o LABRADOR pela amura de estibordo e destroçou-o desde a proa até à meia-nau. No meio desta tragédia, um tripulante do lugre caiu ao mar que felizmente foi salvo pelos seus companheiros. O navio abalroador seguiu o seu destino ignorando o acidente. O capitão Simões Picado e a sua tripulação verificavam, com alegria, que o navio podia salvar-se e começar a faina da pesca, mesmo sem arribar para reparações provisórias das avarias. Fica aqui bem vincado a heroicidade destes homens e a dureza desta faina. A sua finalidade era pescar e pescar sempre bacalhau, fosse em que condições fosse.”
Dados e texto recolhidos do blog NÓS E O MAR


Lido o livro A CAMPANHA DO ARGUS e visto o filme do mesmo nome, efectuado na mesma altura pelo Comandante Alan Villiers (um talentoso escritor e um repórter perspicaz), fica-me um amargo de boca à mistura com uma singela nostalgia daquela época, onde em sucessivas campanhas-epopeias de trabalho duro, de que quase não há História, excepto os diários de bordo dos vetustos lugres, estudos especializados e o meritório trabalho de investigação, recolha e sistematização levado a cabo pelo Museu Marítimo de Íhavo, fica sempre uma frase que balbucio e se repete, ecoando até à Terra Nova, Estreito de Davis, Península do Labrador, Gronelândia, Baía de Baffin, onde uma epopeia de trabalho penoso, foi levada a cabo por tão poucos, para dar de comer a tantos, em tempos que já lá vão. Esta saga, foi magistralmente registada pelo Comandante Alan Villiers, quando diz no seu livro A CAMPANHA DO ARGUS:
“…
Os perigos da vida de pescador dos bancos são tradicionais e em nada se alteraram com o tempo. Existe o perigo de afundar, de ser engolido pelo mar, de se perder no nevoeiro, de ser abalroado por algum navio ou de ser esmagado contra o seu próprio navio no mar aberto. Sozinho no Atlântico Norte, frequentemente longe da vista do navio-mãe e a centenas de milhas da costa mais próxima, a bordo de um pequeno bote de fráfeis tábuas sem motor nem energia, sem dispor sequer de um leme, usando uma vela caseira e um ou dois remos como única forma de avançar pelo mar fora, obrigado a sobrecarregar o dóri para que a empreitada valha a pena e forçado a enfrentar a água turbulenta e o nevoeiro cerrado dos bancos, ou as águas traiçoeiras e tempestuosas da Gronelândia, nunca sabendo se quando abandona o navio de manhã há-de regressar à noite, comendo comida fria o dia inteiro, sem poder contar com abrigo e exposto aos elementos como uma jangada ou um pedaço de madeira à deriva, é certo que, se o pescador não fosse animado pela religião e pelas seculares tradições que o antecederam, nunca se aventuraria a aceitar aquela vida. Se a pesca com dóris fosse uma indústria nova, não haveria pescadores.
…”
Ainda sobre o lugre LABRADOR, Alan Villiers no seu livro atrás citado, naquela campanha bacalhoeira de 1950, volta a dar notícias dele, nos seguintes termos:
“…
A pesca do LABRADOR estava a correr muito mal, em parte porque os pescadores não estavam habituados ao uso do trol (do inglês “trawl”, aparelho de pesca com 500 a 1.000 anzóis), que tinham adoptado pela primeira vez nesta campanha. Todos os pescadores detestavam inovações. O LABRADOR era um lugre de pouco mais de 300 toneladas que sempre fora cheio através da pesca à zagaia ou de linhas com um anzol só. Mas nessa campanha, o navio tinha sido equipado com uma câmara frigorífica para o isco, pelo que começou a poder usar o trol.
…”
Extratos de A CAMPANHA DO ARGUS, de Alan Villiers, Cavalo de Ferro Editores, Lda. - 2006

Como informação final, está registado que o lugre bacalhoeiro LABRADOR naufragou por água aberta durante a campanha de 1958, em Virgin Rock's, na Gronelândia, quando a pesca do bacalhau com dóris e à linha já estava em decadência, face às frotas de arrastões, que se encarregavam de “limpar” os bancos de pescado, e “dizimar” com grande eficácia, os cardumes de vorazes bacalhaus.
Em boa verdade pode dizer-se que os veleiros, navegadores e pescadores portugueses foram uma raça que se extinguiu, à custa das tropelias e armadilhas do progresso, bem como da incompetência dos políticos. Só resta saber quem se extinguirá a seguir a eles.

1 comentário:

fangueiro.antonio disse...

Parabéns por tão cuidado artigo.
Conheço todos os seus escritos sobre a Pesca do Bacalhau e também me fascina, sejam fotos, livros, artigos, os lindos navios e a dura mas apreciada vida de muitos dos milhares de pescadores.
Ambiciono ver o Museu Marítimo de Ílhavo a fazer sempre cada vez mais por estes homens e a sua memória. Quiçá um dia de volta a construír um lugre bacalhoeiro, navios que me fascinam pela sua beleza e rugas da vida do mar, tal como os homens.

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt