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A história conta-se assim em traços largos:
1 - A Presidência da República suspeita que se encontra sob vigilância do governo de José Sócrates;
2 - Em encontro confidencial com o jornal PÚBLICO, o assessor da Presidência da República para a comunicação social, assumindo que falava em representação e a pedido do Presidente, falou da presença de um assessor do governo, que se introduziu junto da delegação que acompanhou o Cavaco Silva na sua viagem à Madeira em 2008, com o objectivo de colher informações. O jornal PÚBLICO investiga a ocorrência, mas acaba por não dar importância ao caso;
3 - Já com a presente campanha eleitoral em andamento, quatro deputados do PS transmitem para a comunicação social a informação, obtida sabe-se lá através de que meios, de que alguns assessores do Presidente Cavaco Silva estão a colaborar na elaboração do programa de governo do PSD. Com isso parecem avolumar-se as suspeitas de que Belém está sob vigilância, muito embora a comunicação social tenha negligenciado, ou deixado de referir este aspecto;
4 – À distância de 17 meses, o jornal DIÁRIO DE NOTÍCIAS publica correio electrónico trocado entre jornalistas do congénere PÚBLICO, a propósito do facto narrado em 2), com o objectivo de provar que as alegadas suspeitas da Presidência da República de que estava sob vigilância do Governo, não passavam de uma conspiração, urdida e montada por Belém, com o objectivo de denegrir a idoneidade e credibilidade do governo de José Sócrates;
5 - O Presidente da República, instado pela comunicação social a pronunciar-se sobre o caso, faz uma declaração em que promete novas diligências e esclarecimentos sobre os eventuais problemas de "segurança" do Palácio de Belém, apenas para depois das eleições, a fim de não as perturbar;
6 – Logo no dia a seguir, contrariando a intenção expressa em 5), numa inédita acção sem explicações, Cavaco Silva decide despedir o seu assessor acusado de “encomendar” a notícia da conspiração, narrada em 4). O objectivo da demissão poderá ter tido uma de duas motivações: a "protecção" do seu assessor para a comunicação social, retirando-o da linha de fogo, e também porque a figura deixara de ser credível para o desempenho da função, até tudo se esclarecer, ou pelo contrário, a "protecção" do seu mandato e a penalização desse mesmo assessor, reconhecendo que aquele se excedeu e extravasou as suas competências, ao contactar de motu proprio o jornal PÚBLICO, assumindo-se abusivamente como mandatário e colocando em cheque a Presidência da República.
7 – Assim, Cavaco Silva, contrariando o seu propósito inicial e deixando o cerne da questão por esclarecer, acaba por inquinar com intoleráveis dúvidas sobre o que realmente aconteceu, a última semana antes do acto eleitoral.
Em política a memória é curta, mas não tanto, ao ponto de deixar amadurecer certos casos, até que eles caiam de podres ou no esquecimento. Por isso, numa conclusão provisória, a que faltam revelações e pormenores, podemos ser levados a pensar que no país onde os gabirus confraternizam com a asfixia democrática, o Presidente da República, fruto da sua inabilidade e preferência por silêncios e tabus, acabou por fechar-se de castigo no quarto escuro, incomunicável, refém das patranhas e imbróglios que ele próprio teria congeminado, além de ficar cercado e sob pressão do Governo, o qual rejubila com o caminho que o caso está a tomar.
Por outro lado, nada impede que se pense que o governo, numa maquiavélica operação de retaliação, a propósito do veto presidencial do Estatuto dos Açores, e de outros controversos diplomas, tenha escolhido os alvos, telecomandado os disparos e esteja a gerir os respectivos estragos, com precisão milimétrica, a fim de desacreditar o inquilino de Belém, e retirar, simultaneamente, os respectivos benefícios eleitorais.
Porém, com o desenlace deste caso, talvez se venha a provar que além de não termos bons políticos, nem sequer temos medíocres conspiradores.