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Esperemos que as sapiências que governam e orientam os destinos económicos do país aprendam alguma coisa com este artigo de Paul Krugman, economista e Prémio Nobel da Economia, publicado no JORNAL "i" de 29 de Junho de 2010. O post tem o mesmo título do artigo.
«As recessões são vulgares, as depressões são raras. Tanto quanto sei, houve só dois períodos na história económica a que, na altura, se chamou "depressão": os anos de deflação e instabilidade que se seguiram ao pânico de 1873 e os anos de desemprego generalizado que ocorreram na esteira da crise financeira de 1929-31.
Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão do século XX foram épocas de declínio imparável. Pelo contrário, ambas tiveram períodos em que a economia cresceu. Mas esses episódios de melhoria nunca foram suficientes para desfazer os danos da crise inicial e foram seguidos de recaídas. Estamos agora, quer-me parecer, nos estádios iniciais de uma terceira depressão. Esta vai parecer-se provavelmente muito mais com a Longa Depressão do que com a outra, muito mais séria, a Grande Depressão. Porém, os custos para a economia mundial e sobretudo para os milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos não deixarão de ser enormes.
Esta terceira depressão será fundamentalmente um reflexo do fracasso das medidas tomadas. Em todo o mundo, como foi manifesto na reunião profundamente desencorajadora do G20, os governos estão obcecados com a inflação, num momento em que o verdadeiro perigo está na deflação; advogam a necessidade de apertar o cinto quando o verdadeiro problema está na falta de despesa pública.
Em 2008 e 2009 parecia que tínhamos aprendido qualquer coisa com a história: ao contrário dos seus antecessores, que aumentaram as taxas de juro em face de uma crise financeira, os actuais dirigentes da Reserva Federal e do Banco Central Europeu baixaram as taxas e tomaram medidas de apoio ao mercado do crédito. Ao contrário dos governos de antanho, que tentaram equilibrar os orçamentos numa situação de economia em queda livre, os governos actuais deixaram que os défices aumentassem. E essas medidas, melhores, evitaram que o mundo entrasse num colapso completo: a recessão desencadeada pela crise financeira acabou, pode dizer-se, no Verão passado.
Contudo, os historiadores do futuro dirão que isso não foi o fim da terceira depressão, tal como a revitalização dos negócios iniciada em 1933 não representou o fim da Grande Depressão. Afinal o desemprego, sobretudo o de longo prazo, permanece a níveis que, não há muito tempo, seriam considerados catastróficos, não mostrando sinais de baixar nos tempos mais próximos. Tanto os Estados Unidos como a Europa estão a caminho de cair em armadilhas deflacionárias ao estilo japonês.
Perante este cenário desanimador, seria de esperar que os legisladores percebessem que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não: ao longo dos últimos meses assistiu-se, espantosamente, ao ressurgimento de uma postura ortodoxa de dinheiro forte e orçamentos equilibrados.
Em termos de retórica, o renascer da antiga religião é mais evidente na Europa, onde os responsáveis parecem querer ganhar pontos com colectâneas de discursos de Herbert Hoover, chegando ao ponto de afirmar que aumentar os impostos e cortar na despesa vai fazer crescer a economia por aumentar a confiança no mundo empresarial. Todavia, em termos práticos, os Estados Unidos estão a fazer as coisas muito mais a fundo. A Reserva Federal parece ciente dos riscos de deflação. Contudo o que se propõe fazer para prevenir tais riscos é... nada. A administração Obama compreende os perigos da austeridade fiscal prematura, mas, como os republicanos e os democratas conservadores com assento no Congresso não autorizariam mais ajudas aos governos estaduais, essa austeridade está aí ao virar da esquina, sob forma de cortes orçamentais a nível estadual e municipal.
Porquê a opção errada nas medidas a tomar? Os adeptos da linha dura invocam muitas vezes as dificuldades da Grécia e de outros países da periferia da Europa como justificação das suas acções. E é verdade que quem investe em títulos de dívida não gosta de governos com défices incontroláveis. Mas nada aponta para que a austeridade fiscal de curto prazo numa situação de depressão económica tranquilize os investidores. Pelo contrário: a Grécia concordou instituir rigorosas medidas de austeridade e viu os seus spreads de risco crescerem ainda mais. A Irlanda impôs cortes violentos na despesa pública e acabou por ser tratada pelos mercados como um risco pior que Espanha, país que se tem revelado muito mais avesso a engolir a receita da linha dura. É quase como se os mercados financeiros percebessem o que os decisores políticos parecem não entender: que embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, o facto de se cortar na despesa em plena depressão (o que agrava essa depressão e abre caminho à deflação) é, na realidade, um tiro no pé. Por isso não acho que isto tenha que ver com a Grécia, nem sequer com alguma análise realista da dicotomia défice-emprego. É, sim, a vitória de uma postura ortodoxa, que tem pouco que ver com uma análise racional, cujo dogma central é que a imposição de sofrimento aos outros é a maneira certa de mostrar capacidade de liderança em tempos difíceis.
E quem vai pagar o preço deste triunfo da ortodoxia? Dezenas de milhões de trabalhadores desempregados. Destes, muitos ficarão sem emprego durante anos: os restantes nunca mais voltarão a trabalhar.»
Esperemos que as sapiências que governam e orientam os destinos económicos do país aprendam alguma coisa com este artigo de Paul Krugman, economista e Prémio Nobel da Economia, publicado no JORNAL "i" de 29 de Junho de 2010. O post tem o mesmo título do artigo.
«As recessões são vulgares, as depressões são raras. Tanto quanto sei, houve só dois períodos na história económica a que, na altura, se chamou "depressão": os anos de deflação e instabilidade que se seguiram ao pânico de 1873 e os anos de desemprego generalizado que ocorreram na esteira da crise financeira de 1929-31.
Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão do século XX foram épocas de declínio imparável. Pelo contrário, ambas tiveram períodos em que a economia cresceu. Mas esses episódios de melhoria nunca foram suficientes para desfazer os danos da crise inicial e foram seguidos de recaídas. Estamos agora, quer-me parecer, nos estádios iniciais de uma terceira depressão. Esta vai parecer-se provavelmente muito mais com a Longa Depressão do que com a outra, muito mais séria, a Grande Depressão. Porém, os custos para a economia mundial e sobretudo para os milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos não deixarão de ser enormes.
Esta terceira depressão será fundamentalmente um reflexo do fracasso das medidas tomadas. Em todo o mundo, como foi manifesto na reunião profundamente desencorajadora do G20, os governos estão obcecados com a inflação, num momento em que o verdadeiro perigo está na deflação; advogam a necessidade de apertar o cinto quando o verdadeiro problema está na falta de despesa pública.
Em 2008 e 2009 parecia que tínhamos aprendido qualquer coisa com a história: ao contrário dos seus antecessores, que aumentaram as taxas de juro em face de uma crise financeira, os actuais dirigentes da Reserva Federal e do Banco Central Europeu baixaram as taxas e tomaram medidas de apoio ao mercado do crédito. Ao contrário dos governos de antanho, que tentaram equilibrar os orçamentos numa situação de economia em queda livre, os governos actuais deixaram que os défices aumentassem. E essas medidas, melhores, evitaram que o mundo entrasse num colapso completo: a recessão desencadeada pela crise financeira acabou, pode dizer-se, no Verão passado.
Contudo, os historiadores do futuro dirão que isso não foi o fim da terceira depressão, tal como a revitalização dos negócios iniciada em 1933 não representou o fim da Grande Depressão. Afinal o desemprego, sobretudo o de longo prazo, permanece a níveis que, não há muito tempo, seriam considerados catastróficos, não mostrando sinais de baixar nos tempos mais próximos. Tanto os Estados Unidos como a Europa estão a caminho de cair em armadilhas deflacionárias ao estilo japonês.
Perante este cenário desanimador, seria de esperar que os legisladores percebessem que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não: ao longo dos últimos meses assistiu-se, espantosamente, ao ressurgimento de uma postura ortodoxa de dinheiro forte e orçamentos equilibrados.
Em termos de retórica, o renascer da antiga religião é mais evidente na Europa, onde os responsáveis parecem querer ganhar pontos com colectâneas de discursos de Herbert Hoover, chegando ao ponto de afirmar que aumentar os impostos e cortar na despesa vai fazer crescer a economia por aumentar a confiança no mundo empresarial. Todavia, em termos práticos, os Estados Unidos estão a fazer as coisas muito mais a fundo. A Reserva Federal parece ciente dos riscos de deflação. Contudo o que se propõe fazer para prevenir tais riscos é... nada. A administração Obama compreende os perigos da austeridade fiscal prematura, mas, como os republicanos e os democratas conservadores com assento no Congresso não autorizariam mais ajudas aos governos estaduais, essa austeridade está aí ao virar da esquina, sob forma de cortes orçamentais a nível estadual e municipal.
Porquê a opção errada nas medidas a tomar? Os adeptos da linha dura invocam muitas vezes as dificuldades da Grécia e de outros países da periferia da Europa como justificação das suas acções. E é verdade que quem investe em títulos de dívida não gosta de governos com défices incontroláveis. Mas nada aponta para que a austeridade fiscal de curto prazo numa situação de depressão económica tranquilize os investidores. Pelo contrário: a Grécia concordou instituir rigorosas medidas de austeridade e viu os seus spreads de risco crescerem ainda mais. A Irlanda impôs cortes violentos na despesa pública e acabou por ser tratada pelos mercados como um risco pior que Espanha, país que se tem revelado muito mais avesso a engolir a receita da linha dura. É quase como se os mercados financeiros percebessem o que os decisores políticos parecem não entender: que embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, o facto de se cortar na despesa em plena depressão (o que agrava essa depressão e abre caminho à deflação) é, na realidade, um tiro no pé. Por isso não acho que isto tenha que ver com a Grécia, nem sequer com alguma análise realista da dicotomia défice-emprego. É, sim, a vitória de uma postura ortodoxa, que tem pouco que ver com uma análise racional, cujo dogma central é que a imposição de sofrimento aos outros é a maneira certa de mostrar capacidade de liderança em tempos difíceis.
E quem vai pagar o preço deste triunfo da ortodoxia? Dezenas de milhões de trabalhadores desempregados. Destes, muitos ficarão sem emprego durante anos: os restantes nunca mais voltarão a trabalhar.»
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