terça-feira, julho 21, 2009

OS PRIMEIROS HOMENS NA LUA

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Em 1963, seis anos antes da missão Apollo 11 efectuar a primeira alunagem em Julho de 1969, adquiri um livrinho, editado pela Bertrand, da colecção Documentos de Todos os Tempos, da autoria de Wernher Von Braun e com sugestivas ilustrações de Fred Freeman, com o título OS PRIMEIROS HOMENS NA LUA. À época, custou-me 45 escudos, uma autêntica fortuna para quem como eu, ganhava menos de 500 escudos mensais. Era uma tradução muito cuidada de Madeira Rodrigues, de uma obra editada pela Holt, Rinehart and Winston, de New York, em 1958, com o título FIRST MEN TO THE MOON, e que havia sido inicialmente publicada em artigos pela This Week Magazine.
A obra faz uma antecipação, tão bem documentada e com tanto rigor, de como se processaria uma missão tripulada até ao nosso satélite, que consegue ultrapassar a mera ficção de antecipação, para se transformar num competente escrito de divulgação científica. Fascinado, li e reli as suas 102 páginas, vezes sem conta. Talvez por isso, foram muitas as vezes que me apanharam com a cabeça na Lua…
Retenho também a dedicatória que Von Braun fez da obra às suas duas filhas, nos seguintes termos:
“À Íris e Margrit, que viverão num mundo onde os voos à Lua serão banais”.
As missões lunares, não tiveram tempo nem oportunidade para se tornarem banais. Duraram apenas três anos. Em Dezembro de 1972, coube à missão Apollo 17, tripulada por Eugene Cernan, Ronald Evans e Harrison Schmitt, ter sido a última vez que homem pisou a superfície lunar.

segunda-feira, julho 20, 2009

Conjecturas Sobre Um Projecto de Poder

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Embora sempre tenha demonstrado um grande apetite pelo poder, Sócrates não governou, melhor, fingiu que governou. Limitou-se a ocupar a actividade da governação, com duas preocupações centrais: DOMINAR e SEDUZIR.
Para DOMINAR levou à prática uma gigantesca operação de distribuição de peões de confiança, pelos grandes tabuleiros do poder político, económico, judicial, e também na comunicação social, já que esta, contaminada e sequestrada pelo poder político e económico, conseguiu ressuscitar o espírito do “situacionismo” de outras eras, como o bem caracterizou José Pacheco Pereira. Para SEDUZIR montou um gigantesco espectáculo contínuo de engodo e entorpecimento do povo, já que para Sócrates, Portugal não passa de um imenso palco onde ele se exibe (devidamente assessorado, claro!), em sessões contínuas, os seus dotes de vendilhão de imposturas e falsas promessas. Por outro lado, sabendo que o povo, sedento de um sentido primário de justiça social, aprecia ver o poder descarregar a sua ira sobre certos sectores, vendo-os ser humilhados e perseguidos, Sócrates esmerou-se a arranjar meia dúzia de “inimigos públicos” para satisfazer aquele apetite. Assim, dos polícias aos funcionários públicos, passando pelos trabalhadores em geral, e acabando nos professores, Sócrates fez o possível e o impossível por ter sempre sob mira, na sua mesa de trabalho, um sector profissional, para o acusar de desmedidos privilégios, e ser o suposto causador das assimetrias e das injustiças sociais do país. Arranjar bodes expiatórios, pôr portugueses contra portugueses e ficar-se a gabar, é a sua especialidade nata. A partir de 2007, para lá de uma má e incompetente administração, comecei a suspeitar que o seu objectivo não era governar, mas sim criar as condições para levar à prática um ambicioso projecto de poder pessoal, escorado numa falsa áurea de coragem e determinação reformista, que mais não era que pura “destruição criativa”. Isso ficou patente com a desenfreada preocupação de açambarcar e preencher lugares estrategicamente sensíveis, terraplenar e ocupar território, “berlusconizando” o regime e desideologizando a acção política, fazendo-a substituir por uma coisa que se situa entre a caricatura e a aberração, e que pomposamente crismou de “socialismo moderno, moderado e popular”. Só então percebi qual o alcance e significado das palavras de António Vitorino (um bonzo regimental), quando logo após a entrada em funções do governo Sócrates, em 2005, aquele se apressou a advertir-nos que as regras do jogo político estavam alteradas, ao ripostar, perante algumas reservas e perplexidades dos jornalistas sobre a governação, com um inquestionável e sonoro “habituem-se!”.

Uns habituaram-se, outros nem por isso. De lá para cá, seja para que lado nos viremos esbarramos sempre com a presença omnipotente e esmagadora de um mostrengo que começa num governo que tem tanto de inoperante como de arrogante, com ministros que não sabem distinguir um repolho de uma couve portuguesa, recheado de criaturas sem aptidões, amparado por uma corte repleta de mestres de cerimónias bajuladores, homens de mão, arrivistas, oportunistas e gente pouco recomendável, e acabando num PS (Partido Sócrates) que, embriagado pelas luzes do poder e a navegar na estratosfera, apenas sabe exprimir-se com louvores, fidelidades e salvas de palmas (à falta disso contratam-se magotes de figurantes), sustentando e protegendo o “querido líder”. Tudo isto é emoldurado por um bem orquestrado tráfico de influências e recrutamentos de gente, umas vezes manifestamente influente, outras vezes da pior espécie, abarcando um espectro de grupos económicos que vão da construção civil até à alta finança, os quais sempre se sentiram seguros na órbita ou à sombra do poder constituído, seja ele qual for, que faz e cobra favores, daí colhendo os seus dividendos, pois as privatizações de lucrativos negócios, estão sempre garantidas com as nacionalizações de aviário, quando o negócio dá para o torto.
Entretanto, o país tornou-se pasto da corrupção, já que o Ministério Público, Polícias e Tribunais, não têm mãos a medir, nem muita vontade de se exporem para desbravarem os grandes litígios e conflitos nacionais, que vão desde a corrupção generalizada até à criminalidade económica. A saga da licenciatura em engenharia do primeiro-ministro, e o seu pretenso envolvimento nos casos Freeport, Cova da Beira e outros favorecimentos que por aí andam (sem esquecer o caso dos submarinos e da Portucale , estes com protagonistas de outras áreas políticas), reflectem bem essa bizarra situação, porém, não passam dos poucos casos que se tornaram visíveis, a tal ponta do icebergue como comum é dizer-se, e que têm origem no grande mundo subterrâneo que o poder tem vindo a escavar, com método e persistência, de há três décadas para cá. Os emblemáticos Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Avelino Ferreira Torres, Mesquita Machado, Alberto João Jardim, Isaltino de Morais, isto para falar só de alguns, todos eles saíram da mesma escola e personificam projectos de poder pessoal, embora localizados territorialmente, e mais limitados nas ambições.

Embora haja muita gente que considera isto uma heresia, sempre acreditei que a governação de um país não difere muito da administração doméstica ou da gestão de um condomínio, porém a uma escala maior e mais complexa. Rodear-se de uma equipa competente, estabelecer uma lista de prioridades estratégicas e assegurar que elas se concretizem é o primeiro passo; inventariar fragilidades e aforrar no tempo de vacas gordas, para que o sector público possa assumir o papel de guia, sustentar investimentos produtivos e manter a coesão social no tempo de vacas magras, é o mínimo que se pode exigir de um governo. Concentrar as suas preocupações e acções na redução do défice orçamental (afinal, consequência de quem não sabe aplicar verbas nem fazer contas), fazendo com que sejam os contribuintes a pagar os anteriores e actuais desvarios, e em tempo de crise aguda, avançar com obras faraónicas de quase nulo benefício, é sintoma de aventureirismo e incompetência. Deixar que o endividamento externo atinja valores incomportáveis e se recuse a admitir o facto, é prenúncio de que para salvar as aparências do presente, omitindo as pesadas facturas que recairão sobre as gerações futuras, é próprio de quem nos quer convencer - como se fôssemos idiotas chapados ou atrasados mentais - que apenas ele é detentor da poção mágica, própria dos salvadores da pátria. Não é por acaso que ainda as eleições europeias iam no adro, e já Sócrates anunciava que a sua fasquia para as legislativas era a maioria absoluta, objectivo que reivindicava, como se o contrário fosse o resvalar para o caos e a anarquia. Depois, na ressaca de umas eleições europeias onde o eleitorado o castigou, como político de plástico que é, adoptou o semblante condoído de quem promete não voltar a cometer maldades, querendo fazer-nos esquecer que com o seu autoritarismo, auto-suficiência e desprezo pelas ideias dos outros, mais não fez do que secar tudo à sua volta, alardeando que as oposições não tinham soluções. Na verdade, o que ele fez, ao longo de quatro anos e meio, com excepcional sabedoria, eficácia e condescendência, foi instalar o caos e a ingovernabilidade, abrindo o caminho para que o eleitorado, depauperado, incrédulo e confundido, seja seduzido, mais uma vez, pelas luzes do espectáculo e as promessas de pacotilha, ao mesmo tempo que tenta demarcar-se da sua alma gémea que dá pelo nome de Manuela Ferreira Leite, e que não é tão oposta a ele como nos pretendem fazer crer. Na verdade, ambos têm muitíssimas coisas em comum, e quanto à prática política, apenas divergem na forma e não no conteúdo, o que serve como uma luva para aconchegar ao nosso espírito uma ideia de “bloco central”, em versão higiénica, isto é, envergonhada, sem acordos nem coligações formais, ou então em versão recauchutada, e supostamente “moderna”, da ”União Nacional” de outros tempos. Na verdade, como diz o povo, com muita sabedoria, não passam de farinha do mesmo saco, e hoje em dia não são precisas milícias, legiões ou tropas de assalto para conquistar o poder. Uma quadrilha de gente engravatada, bem-falante, razoavelmente organizada, mas com muitos e longos tentáculos, consegue obter os mesmos resultados (senão mesmo melhores), com a vantagem de se confundir com o cidadão comum, não andar fardada nem precisar de receber treino militar. Estes malfeitores não são comparáveis com os abnegados e desinteressados militantes das causas e projectos políticos; são venais mercenários que fazem cobrar os seus serviços com cargos, favores, prendas e prebendas, financiados pelos impostos dos contribuintes, e que anseiam eternizarem-se no poder. Portanto, todo o cuidado é pouco com os messias de meia-tijela, que irão bradar aos sete ventos, que sem eles o projecto de “socialismo moderno, moderado e popular” fica inacabado, que o fim da crise será adiado, e sobrevirão tempos de escassez, de miséria e de caos social.

domingo, julho 19, 2009

Derivados da Lei de Murphy (3)

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Os senhores juízes do Tribunal de Contas têm que passar a ter mais cuidado com o que dizem. Sobretudo depois de terem concluído no relatório final da sua auditoria, que o prolongamento da concessão à Liscont do terminal de contentores de Alcântara, por mais 27 anos, sem concurso público e por ajuste directo, só favorece os interesses da Liscont (que por sinal é uma empresa do grupo Mota-Engil, que por coincidência é presidida pelo socialista Jorge Coelho, o tal que disse em tempos que “quem se mete com o PS leva!), e que se prefigura como um negócio ruinoso para o Estado, isto é, para os contribuintes portugueses. Ao “negócio” são apontadas falhas, irracionalidade e falta de realismo nas projecções económicas que servem de base ao modelo financeiro, nem mesmo se sabendo qual seria o montante das indemnizações a pagar às entidades envolvidas, caso o negócio viesse a ser impugnado por quem de direito, ou as expectativas de rentabilidade da actividade portuária não se cumprissem. As perspectivas são de tal modo preocupantes que um dos juízes-conselheiros decidiu fazer uma declaração de voto, por entender que a situação criada é ainda mais grave do que aquela que está expressa no relatório aprovado.
Alguns juristas são de opinião que "nada permite nem justifica que uma extensão que pode valer mais do que o contrato original não seja submetida à concorrência", isto é, a concurso público, além de o "Estado não poder perpetuar um concessionário na prestação de um serviço público sob pena de nunca permitir a entrada de outras propostas com possíveis melhorias".
É por estas e outras que a desconfiança se vai adensando, sobretudo quando se vê que o próprio governo parece pouco interessado em escrutinar o assunto, colocando múltiplos obstáculos e entraves ao esclarecimento do “negócio”. Alguém consegue dar uma explicação razoável para explicar porque é que, inicialmente, a secretaria de estado dos Transportes se negou a distribuir à comissão parlamentar de obras públicas da Assembleia da República, alguns documentos e anexos do contrato, alegando que eles teriam sido classificados como “segredo comercial”?
Ou ainda, explicar qual a razão da pressa para que a Liscont tenha decidido iniciar as obras no terminal de contentores, antes mesmo que a Declaração de Impacto Ambiental estivesse concluída?
O génio da lâmpada de Aladino não seria capaz de fazer melhor. Até porque se alguma coisa corresse mal, e é quase garantido que correria, cá estariam os portugueses para pagar a factura!

sexta-feira, julho 17, 2009

Derivados da Lei de Murphy (2)

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É uma verdade universalmente reconhecida que a estupidez não tem limites, mas custa cada vez mais a entender porque é que a dona Milu, ministra da (des)educação, e a sua equipa, a propósito da avaliação dos professores, ainda não se tenham apercebido que quando um trabalho é mal feito, qualquer tentativa para o melhorar apenas o piora.

Derivados da Lei de Murphy (1)

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Já não há comboios na Região Autónoma da Madeira (a única linha existente foi desmantelada em 1944), mas se houvesse, a prometida luz ao fundo do túnel, por que os portugueses tanto anseiam, podia muito bem ser o tão insolente quanto insigne e irrepreensível constitucionalista Alberto João Jardim, a vir na nossa direcção, empunhando um facho.

segunda-feira, julho 13, 2009

Não é por nada, mas cheira-me a saneamento…

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… e depois, com notícias destas, não querem que se diga que o governo Sócrates usa e abusa de todos os recursos que tem à mão, para controlar a comunicação social.

“…
A TSF anunciou esta sexta-feira à redacção que vai fazer alterações em algumas das áreas da redacção e está a estudar o lançamento de novos programas na grelha. As secções de Economia e Política são as que mais atenções vão merecer.

Teresa Dias Mendes, actual editora de Política, cede o lugar a Paulo Tavares, jornalista responsável pela edição dos noticiários da noite da estação e também pelo programa Motores, sobre automóveis, emitido de segunda a sexta-feira às 21h35.

Teresa Dias Mendes, que deixará de fazer política na TSF, foi protagonista de um episódio durante a última campanha para as eleições europeias, em que o conteúdo de uma peça assinada pela jornalista não agradou ao primeiro-ministro. A peça aludia a referências, embora indirectas, de José Sócrates ao sindicalista Mário Nogueira, com o primeiro-ministro a sugerir que o dirigente da FENPROF estaria a ser manipulado politicamente.

O episódio levou a uma intervenção do gabinete de José Sócrates junto da direcção da TSF e a uma troca de palavras entre a jornalista e o próprio Sócrates num jantar de campanha em Viseu, uma semana antes das eleições.
…”
Extractos da notícia do jornal PÚBLICO de 12 de Julho 2009

O Rochedo

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Na Antiguidade, os fenícios conheciam-no por monte Calpe. No ano de 711 D.C., recebeu o nome de jabal al-Tariq (montanha de Tarique), em homenagem ao general mulçulmano Tariq ibn Ziyad, que aí desembarcou, iniciando a expansão muçulmana na península Ibérica, com a conquista do reino visigótico. O nome árabe evoluiu para Gibraltar, tendo sido o território cedido pela Espanha à Grã-Bretanha no Tratado de Utrecht em 1713, como parte do pagamento da Guerra da Sucessão Espanhola, situação que se mantém até à actualidade. Também conhecido por O Rochedo (The Rock), e sendo um promontório militarmente estratégico, dado cobrir o estreito que separa o Mediterrâneo do Atlântico, a Espanha mantém a reivindicação da soberania sobre o minúsculo território, porém, tal é totalmente rejeitado pela população gibraltina, mantendo-se Gibraltar com o estatuto de território britânico ultramarino. Como curiosidade, refira-se que é o único local no continente europeu onde existem macacos em liberdade. (Fonte: Wikipédia)
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Rochedo de Gibraltar, a outra Coluna de Hércules, em território europeu. Foto de F.Torres em 8 de Junho de 2009

À beira de um fim de tarde em Gibraltar, com a baía e o porto de Algeciras ao fundo. Foto de F.Torres em 8 de Junho de 2009

domingo, julho 12, 2009

Liberdade versus Segurança

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O Procurador-Geral da República Fernando Pinto Monteiro teve um desabafo, no passado dia 9 de Julho, durante um seminário realizado na Universidade de Coimbra. Para os estudantes presentes, disse que não estava a gostar do que se estava a passar, sobretudo no que toca aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pois estavam a acontecer rusgas domiciliárias a horas mortas, havia câmaras de vigilância a seguir os nossos passos, e outras coisas mais. Enfim, pelo alcance das suas palavras, concluo que já não se pode urinar atrás de uma árvore, sem que isso fique registado para a posteridade, ou possa vir a ser usado para qualquer fim menos razoável. O senhor Procurador-Geral admitiu, e muito bem, que há um cerco às liberdades individuais, as quais são um direito constitucional, e que os cidadãos estão a aceitar passivamente essas limitações, em benefício de mais alguma segurança. Lembrou mesmo que “em nome da segurança não podemos esmagar a liberdade do cidadão. E em nome da liberdade não podemos descurar a segurança individual. É um equilíbrio difícil. Seria mau esmagar a liberdade para impor uma segurança reforçada”.
Se ponderarmos bem, hoje em dia estamos manietados por um anel invisível que nos controla sem descanso. Os recenseamentos da população, os inquéritos por dá cá aquela palha, as idas à caixa multibanco onde podemos usar uma panóplia de funções, o uso que fazemos, aqui e ali, dos cartões de débito e de crédito, os movimentos bancários que fazemos, as chamadas que efectuamos de casa ou do telemóvel (deste último até se sabe em que coordenadas geográficas fizemos a chamada), os sites que visitamos na Internet, os e-mails que recebemos e enviamos, as portagens que transpomos, com ou sem Via Verde, com ou sem chip de matrícula, a ida a um hospital ou centro de saúde, o GPS a que recorremos, as câmaras de vigilância que registam os nossos trajectos, o radar rodoviário que nos fotografa, todos eles se comportam como desenhadores de itinerários e fazedores de relatórios detalhados dos nossos movimentos, logo como coletes de forças que limitam as nossas liberdades. Hoje em dia, já não nos podemos dar ao luxo de sermos uns ilustres desconhecidos. Se alguém quiser saber por onde andei e o que fiz, bem como os meus gostos e preferências, isto é, escrever a nossa biografia sem o sabermos, a empreitada é quase uma brincadeira de crianças, tal é o rasto que deixamos por onde passamos, e sobretudo quando a protecção de dados pessoais é um embuste, e o direito à privacidade se tornou quase uma figura de retórica. Isto sem esquecer que há demasiada informação muito sensível, nas mãos de gente desconhecida, e por vezes pouco recomendável. Por isso, e contrariando o que por aí se diz, desde que foi instituído o regime democrático, que nunca houve tanto controle sobre os cidadãos. E mesmo a propósito, cabe aqui deixar três perguntas: onde está a preocupação com a segurança, se é o próprio governo que entrega a empresas privadas, a gestão das bases de dados dos cadernos eleitorais? Porque deixaram de haver os tradicionais patrulhamentos policiais, para serem substituídos por autênticas operações militares de forças de assalto? Se nunca houve tanta segurança e tanto controle, a quem aproveita esta mudança de paradigma?
Policiar os locais de refúgio do crime, a fim de marcar território e desmobilizar a delinquência, não é a mesma coisa que fazer emboscadas na via pública, apelidadas de “operações stop”, rusgas e golpes-de-mão a zonas residenciais pobres e periféricas, logo problemáticas. Depois, capturar delinquentes, levando as câmaras das televisões atrás, para registarem o espectáculo e mostrarem serviço, acalmando uns e assustando outros, levá-los ao juiz, e largá-los de novo nas ruas, apenas com a “obrigatoriedade” de apresentação periódica às autoridades, não passa de uma caricatura de segurança, esquecendo-se os responsáveis políticos e operacionais que, normalmente, o crime organizado, em condições semelhantes, costuma endurecer os métodos e retaliar.
Se é no frágil equilíbrio que existe entre liberdade e segurança, que pode residir parte do problema, devem ser também os propósitos e transparência das tais “medidas reforçadas de segurança”, que vão aparecendo um pouco por todo o lado, que deverão ser questionados e escrutinados. É bom ter sempre presente aquela sagaz advertência de Benjamin Franklin, que já em 1775 dizia que abrir mão da liberdade, em troca de um pouco de segurança, é não ser merecedor, nem de uma, nem de outra. No Reino Unido, onde se passou da ficção do “Big Brother”, do 1984 de George Orwel, à realidade de uma sociedade tecnologicamente controlada, que muita gente já apelida de proto-fascista, tudo foi aprovado, tudo foi consentido, tudo se passou sem uma reacção nem um queixume da população. Contudo, os amargos de boca não se fizeram esperar, pois também ali se tornou banal disparar primeiro e fazer perguntas depois. Onde havia liberdade, excepto permissão para atentar contra a liberdade, passou a haver segurança em demasia, para se imaginar que vivemos em liberdade, isto porque em matéria de “segurança”, transigir sem condições, é esquecer, como já o diziam os nossos avós, que de boas intenções está o inferno cheio.
Se hoje há quem não esteja preocupado, e chegue a aplaudir, que a polícia arrombe e invada, pela calada da noite, a residência de supostos malfeitores, porque esse alguém não se considera malfeitor, amanhã o caso pode mudar de figura, se a mando sabe-se lá de quem, e a propósito de sabe-se lá o quê, e sem direito a contestação, lhe aplicarem o mesmo tratamento. Nessa altura, não serve de nada apregoar que quem não deve não teme, porque a tal “segurança”, em doses reforçadas, que andam por aí a apregoar, é tão perversa, cega, surda e muda, como cegos, surdos e mudos são os seus obstinados criadores, adeptos e executores.
Não deixar que grasse a impunidade é um bom princípio, contudo, a primazia deve ser dada a soluções que ao combaterem o mal, não provoquem danos indesejáveis, sobretudo em matéria tão sensível como o são os direitos, liberdades e garantias. Por isso, faço votos para que as preocupações do senhor Procurador-Geral da República não tenham caído em saco roto.

sábado, julho 11, 2009

Mudança de Rumo

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... é o que se espera venha a acontecer, na sequência das Eleições Legislativas de 27 de Setembro de 2009. Porém é desejável que todo o lixo e maldades que foram produzidos, não sejam lançados ao mar ou varridos para debaixo do tapete. Precisamos de continuar a viver, nesta aldeia global, com a memória de todos os vícios e virtudes.
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Estreito de Gibraltar, vendo-se ao fundo, na costa marroquina, o Monte Hacho, conhecido na Antiguidade por uma das Colunas de Hércules, sendo a outra coluna o rochedo de Gibraltar, situada na costa espanhola. Foto de F.Torres em 8 de Junho de 2009

quarta-feira, julho 08, 2009

Ninguém Manda Esta Equipa Dar Uma Curva?

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Os resultados dos exames nacionais do ensino secundário, nomeadamente nas disciplinas de Matemática e Português, não foram os mais famosos, e mancharam as belas médias e estatísticas, que o ministério da (des)educação vinha contabilizando, desde que as provas passaram a pautar-se por algum facilitismo, relativamente aos anos anteriores. Claro está que a ministra Milu e os seus acólitos, correram lestos a sacudir a água do capote e a dar justificações para o sucedido (ignorando as falhas e “pontos negros” dos próprios testes), com os seguintes argumentos: os estudantes trabalharam menos, além de que a comunicação social, associações de professores, partidos e pessoas com responsabilidades políticas, andaram a difundir a ideia de que os testes tinham baixado de grau de dificuldade, logo serão os responsáveis pela pouca aplicação e falta de estudo dos alunos.
Será que ninguém manda esta equipa dar uma curva? Será que ninguém lhes sugere irem frequentar as Novas Oportunidades?

segunda-feira, julho 06, 2009

Pôr o Carro à Frente dos Bois

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O Magalhães [computador] não convence Stephen P. Heyneman, que falou sobre a política educativa da administração Obama, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, esta semana. "É um computador colorido. O que me perturba é ter sido dado às crianças como se elas pudessem ter autonomia para trabalhar sozinhas. E os professores?", pergunta. "Começaria por dar computadores aos professores para trabalhar. Era isso que recomendaria à vossa ministra da Educação", responde. O que viu foi crianças a brincar com o Magalhães, "como se fosse uma máquina de jogos e não como se tivessem um computador para trabalhar". "Não deve ter sido para isso que os computadores foram distribuídos. Certamente não eram esses os objectivos do Ministério da Educação", conclui.”

Extracto da notícia do jornal PÚBLICO de 2009-07-06

sábado, julho 04, 2009

Bons Hábitos

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O combate político faz-se com ideias, temperadas com convicção, tenacidade e frontalidade, e não com insultos, escárnios e ataques pessoais, foi o que nos lembrou o deputado Paulo Rangel, numa das suas intervenções na Assembleia da República, no dia do debate sobre o estado da nação. Ao despedir-se do hemiciclo, antes de rumar a Bruxelas, entendeu elogiar alguns tribunos, de todos os partidos com assento na câmara, que o impressionaram de forma especial. Em poucas palavras, isto significa que ter um adversário político não é sinónimo de ter um inimigo a abater, que o mérito é um dom em todas as coordenadas políticas, e o respeito que possamos ter pelos outros não esbate as diferenças que possam existir entre nós. De forma inédita, deu um exemplo de uma saudável e eloquente cultura democrática, reacendendo um bom hábito de que nos temos vindo a desacostumar.

sexta-feira, julho 03, 2009

O Surfista e o Boieiro

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Ontem, no debate parlamentar sobre o estado da nação, José Sócrates mostrou, mais uma vez, que se comporta como se fosse um surfista despreocupado. Risonho, continua a surfar a crise num comprimento de onda que não tem nada a ver com o país real e as suas carências. Enfim, anda a viver uma espécie de aventura de banda desenhada, de desastrosos efeitos para o país. Para ele é tudo cor-de-rosa, cores essas que apenas ficaram ligeiramente manchadas, quando entrou por aí a tal crise mundial, que o próprio ministro da economia (mais entertainer que ministro) desdenhava, pois achava que o país estava bem protegido contra os seus malefícios.
Por isso, ainda ontem, Manuel “boieiro” Pinho, entusiasmado com o optimismo e as piruetas do surfista Sócrates, e incapaz de superar a pressão do debate, voltou a exceder-se, mostrando não perceber que a Assembleia da República é a câmara, por excelência, do poder legislativo e fiscalizador dos actos do governo, e não uma ganadaria. Foi obrigado a demitir-se, não pelas provas de incompetência e negligência demonstradas ao longo de quatro anos e meio de (des)governação, mas apenas pelo chifrudo gesto que exibiu para a Assembleia e para o país.

quinta-feira, julho 02, 2009

Ocaso

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Crepúsculo na costa atlântica do Magreb, porto de Casablanca, Marrocos, em 9 de Junho de 2009 – Foto de F.Torres

terça-feira, junho 30, 2009

O Político Virtual

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Os especialistas norte-americanos que conceberam a campanha on-line do presidente Barack Obama, vão estar num colóquio organizado pelo site de José Sócrates, vocacionado para o calendário eleitoral de 2009, a fim de darem sugestões e conselhos, sob a forma de angariar fundos e promover a democracia interactiva. É habitual dizer-se que não há nada que o dinheiro não consiga comprar, porém isso não significa que se consiga transformar, mesmo recorrendo às perícias e técnicas da realidade virtual, um astuto parlapatão num político credível.

sexta-feira, junho 26, 2009

Estar de Olho Neles

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Na passada quarta-feira completou-se mais um debate quinzenal na Assembleia da República. Entre a enxurrada de discursos do primeiríssimo, tipo pomada multi-usos, para enfrentar a crise e narcotizar a nação, o deputado Paulo Rangel do PSD veio agitar o hemiciclo, pedindo explicações e apelidando a Fundação para as Comunicações Móveis “de ser mais uma fundação PS”, em analogia com a famigerada Fundação para a Prevenção e Segurança de Armando Vara e Luís Patrão. O governo diz que é uma fundação de índole privada, destinada a fomentar a sociedade da informação, através das contribuições do Estado e dos operadores de comunicações. Sabe-se que está alojada num quarto andar da Av. Defensores de Chaves, que é pertença do Ministério das Obras Públicas, sem qualquer placa identificativa, porém administrada (?) por um funcionário público. Esta “coisa” gere de forma quase clandestina muitas dezenas de milhões de euros públicos e privados, sendo por aí que são pagos os serviços da empresa JP Sá Couto, fornecedora dos computadores “Magalhães”. Na verdade, mais parece um covil de tipo “abre-te Sésamo”, onde o dinheiro entra por um lado e sai pelo outro, sem controlo visível, alimentando assim, de forma algo bizarra, os gastos do “choque tecnológico”. O assunto é tão transparente, tão transparente, que o primeiríssimo Pinto de Sousa, também conhecido por José Sócrates, e o seu ministro Lino, à saída do hemiciclo, no fim do debate parlamentar, ficaram engasgados com as perguntas dos jornalistas que enxameavam os Passos Perdidos, e cuidaram de ausentar-se ligeiros, talvez para acertar testemunhos.
Esta coisa de não harmonizar declarações tem os seus custos, deixando a ideia de que Sócrates não está a conseguir coordenar com eficácia e em tempo útil, todos os imbróglios (e já são muitos) em que se envolve. Nesse mesmo dia já tinha ocorrido um episódio controverso para o governo, quando a propósito da constituição em arguido de Carlos Guerra, actual gestor do programa PRODER, no processo do caso Freeport, ao mesmo tempo que o primeiríssimo dizia uma coisa no hemiciclo, isto é, que o senhor já tinha apresentado a demissão ao ministro da couves e dos nabos, e que aquele tinha aceite, estando em vias de nomear outro para o substituir, cá fora, o Jaiminho do ministério da lavoura dizia outra, informando os jornalistas que ainda ia ponderar se aceitava ou não aquela demissão (entendam-se, senhores!).
Entretanto, à noite, foi a vez de Manuela Ferreira Leite, em entrevista à SIC, entre outras coisas, ter deixado em cima da mesa, um problema que urge ser esclarecido pelo governo: é verdade ou não que a PT quer avançar com a compra de 30% da TVI, e isso a ser verdade, como é possível que Sócrates tenha dito, nessa tarde no Parlamento, que o governo desconhecia essa intenção, sendo que o Estado tem uma participação “golden share” na PT, logo, tem direito de veto em opções estratégicas, não podendo, portanto, desconhecer que tal operação está em curso. Esta iniciativa deixou no ar a suspeita de que assim se pretenderia controlar um órgão de informação que, embora com uma linha editorial discutível, tem sido muito crítico da acção governativa, e em especial, muitíssimo incómodo para a pessoa de José Sócrates.
É de todo desejável e necessário que estejamos de olho neles. A fanfarronice de há pouco tempo atrás está a ser substituída pelo descontrole, deixando muita coisa destapada, e a evidenciar que o governo, alarmado com a sua perda de influência, motivada pela derrota nas eleições europeias, está a deitar a mão a todos os recursos disponíveis para estender o seu domínio a áreas que não controla, pondo em causa a transparência das instituições, a independência dos meios de comunicação social e a própria democracia.

quarta-feira, junho 24, 2009

Um Retrato do Verdadeiro Artista

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Porque concordo com a perspicaz análise e desmontagem que é feita da personalidade, do tão aplaudido quanto odiado primeiro-ministro-VEDETA Pinto de Sousa, também conhecido por José Sócrates, reproduzo abaixo o artigo da autoria de José Pacheco Pereira, publicado no jornal Público de 20 de Junho de 2009, e depois no blog ABRUPTO, em http://abrupto.blogspot.com/.

"ENTRE O "ANIMAL FEROZ" E MANSO CORDEIRO"

"O José Sócrates manso, humilde, penitente, da entrevista que deu à SIC, e que a jornalista permitiu com demasiada complacência, é um mau produto de marketing que não durará muito. É interessante até ver como uma série de fugas relatadas no Diário de Notícias, raras por serem da cozinha interior da política "socrática", foram imediatamente feitas para distanciar a agência de comunicação que trabalha com ele, a LPM, daquilo que foi atribuído a um trabalho amador dos seus assessores: fazer do "animal feroz" um manso cordeiro. Não sei se foi assim porque, dada a natureza profissional de todas estas fugas e contrafugas, não acredito numa só linha sobre a realidade do que relatam, embora me interesse o que pretendem sugerir. Eu sei que é sugestio falsi, mas tem interesse saber que fast food estão a pôr no meu prato mediático. Neste mundo de ficções, que é hoje a política-espectáculo, tem que se ter, como um centípede, 99 pés atrás e só um à frente, para balanço.

Seja como for, os conselheiros e a agência dir-lhe-ão em breve que a coisa não pega e é contraproducente, pelo que voltará de novo o "animal feroz" que é mais compatível com o inner self do actor que todos conhecemos como José Sócrates, actual primeiro-ministro de Portugal. Haverá retoques na forma de ferocidade do "animal", mas será por aí que a coisa vai ir, uma vez estabilizada uma estratégia de marketing, já que a anterior ruiu no dia das eleições para o Parlamento Europeu. Seja dito, de passagem, que entre os grandes perdedores dessa noite estão as agências de comunicação, aquelas que tratam os políticos como "marcas", e os políticos que assim se deixam reduzir a um produto de compra e venda.

Voltando a José Sócrates, a personagem interessa por duas razões. Uma, é que a bipolarização que existe de facto em Portugal não é entre o PS e o PSD, nem entre a esquerda e a direita, é a favor ou contra José Sócrates. A segunda razão é porque ele é, em muitos aspectos, um produto típico do tempo. Não é único - as mesmas incubadoras que o produziram, as "jotas" partidárias, agora complementadas pelas carreiras políticas de blogue, Facebook e Twitter (com uma enorme capacidade de reproduzirem na Rede os piores defeitos das políticas das "jotas"), estão a gerar outros produtos do mesmo tipo. Gente ambiciosa, muito ambiciosa, com pouca "virtude", com poucas leituras e muita televisão e computador, deslumbrada pelos gadgets, movendo-se com à-vontade entre jornalistas e empresários, sem "vida" nem biografia e pensando a política como pouco mais do que uma forma elaborada de marketing. Depois, como estamos em Portugal, o grosso do "trabalho" está na "gestão da carreira", em milhares de telefonemas, muita intriga e "imagem". Depois, há uns melhores do que outros e Sócrates, dentro da espécie, aprendeu melhor e com mais eficácia. E teve sorte, apareceu-lhe uma causa, a co-incineração, com todas as vantagens de lhe ter permitido a suprema ambição deste tipo de políticos: "ter protagonismo".

O caso da co-incineração foi fundamental na educação política do primeiro-ministro, penso até que o mais decisivo nessa educação. José Sócrates percebeu que fazer a ficção da autoridade, ser actor da autoridade, podia dividir e irritar, mas que o lado que estimava a exibição da força e da determinação era sempre muito maior do que o que o criticava pela obstinação. Trouxe essa lição para o início do seu Governo com sucesso e depois estragou tudo. Não porque não "dialogasse", mas sim porque deitou fora o menino e a água do banho, não percebeu que uma reforma precisa de aliados no interior de qualquer grupo profissional, mesmo que minoritários, e ele descambou no populismo fácil de colocar grupos profissionais uns contra os outros. Tornou-os, mesmo quando ainda não o eram, em corporações entrincheiradas e depois, quando percebeu os custos, recuou. Fez a ficção das reformas, mas não era, nem é, um verdadeiro reformista.

Medeiros Ferreira chamou-lhe "pagão" e, num certo sentido, tem razão porque estas personagens representam uma forma moderna de "paganismo". José Sócrates tem semelhanças com algumas personagens menores da antiguidade, que em certos períodos da história de Roma tiveram o seu papel: Sejano, por exemplo, ou alguns imperadores pretorianos. Se olharmos para Sejano, o meu primeiro exemplo, percebe-se melhor. O verdadeiro criador da Guarda Pretoriana como força política, o homem que governava Roma com brutalidade, enquanto Tibério se entretinha em Capri a nadar com os seus "golfinhos", acabou mal, mas mandou muito enquanto pôde. O "paganismo" era no fundo pouco mais do que crueldade, alguma capacidade de organização (uma qualidade rara em Portugal), uma falta completa de escrúpulos e um certo instinto de sobrevivência e intriga. Em Roma essa intriga permanente fazia-se com mulheres, filhos, família e veneno real, hoje faz-se com jornais, blogues e veneno virtual. Sejano também era na época uma espécie de "animal feroz", só que não havia assessores de marketing para o amansar e acabou executado mais a família às ordens de Tibério.

Há também algo de artificial no Sócrates "animal feroz", algo de construído pelo próprio, depois ampliado pela máquina de propaganda gigantesca que ninguém antes dele tinha criado à volta de um primeiro-ministro. A verdade é que este "animal feroz" mostrou-se muitas vezes bem menos "feroz" do que se pensa. Sempre que via os votos a voarem pela janela e a perspectiva de sarilhos a sério, a ferocidade diminuía exponencialmente. Foi o caso da defenestração do ministro da Saúde e da actuação do Governo face aos pescadores bloqueando as lotas e os camionistas bloqueando o país. Na verdade, mesmo o argumento de que Sócrates sempre apoiou a ministra da Educação, contra a luta dos professores, que assumiu uma dimensão de guerra total e que certamente lhe acabou por retirar muitos votos, não colhe. Sócrates convenceu-se, e bem, de que, enquanto contra o ministro da Saúde estava o "povo" e não os médicos, contra a ministra da Educação estavam os professores mas não o "povo". Por isso, afastou o primeiro e deu cobertura política à segunda. Só que não percebeu que no contexto de um crescendo de conflitualidade, que ia muito para além dos professores, a irritação acabou por funcionar num sistema de vasos comunicantes e, no voto, o "povo" acabou por aceitar que professores na rua era bom porque era "contra Sócrates". E contra Sócrates, valia tudo.

O que aconteceu, e torna qualquer governo de José Sócrates a mais instável das soluções políticas, é que foi à sua volta, ou da sua persona, ou da sua máscara, ou da sua personagem, que o país se polarizou. Mais de metade do país é contra Sócrates e uma parte mais pequena é a favor, mas ambas estão muito radicalizadas. Na verdade, a que é contra Sócrates está ainda mais radicalizada, porque na outra há uma confluência poderosa de fãs absolutos do primeiro-ministro, com a habitual conjugação de interesses à volta do poder, e beneficiam de uma maior homogeneidade do que os do lado do contra.

Ora é por ser exactamente assim que há "ingovernabilidade", não porque possam não existir condições institucionais para sustentar um governo. Elas são uma vantagem potencial para a governabilidade, mas estão longe de ser suficientes, em particular se uma parte importante dos portugueses votar pelo protesto (contra Sócrates) no Bloco ou no PCP ou no voto branco, ou se abstiver como atitude de negação. É por isso que poucas soluções governativas seriam mais instáveis e conflituosas que um novo governo PS com ou sem maioria absoluta. E é também por isso que, se não existirem condições de alternância governativa, a instabilidade gerada por um governo PS pode levar a um ciclo de sucessivas eleições legislativas, ao modo italiano.

Enquanto for Sócrates a dominar a cena, a vida política portuguesa permanecerá muito conflitual e instável, não serão possíveis reformas, nem as políticas consistentes e difíceis que a crise exige. E não há mansidão programada que resulte para amainar uma opinião pública que, pura e simplesmente, não só não acredita na personagem, como a sua mera presença a irrita e muito mais a irritará se lhe puserem à frente um híbrido de "manso-feroz".
Por isso, Sócrates está condenado à ferocidade, que representará sempre melhor porque é-lhe mais fácil puxar pelo ego nesse cenário do que numa humildade em que ele é um erro de casting. Só que o "animal feroz" parte cada vez mais o país em dois e é gerador de instabilidade por si só.

Vamos conhecer tempos interessantes, como na maldição chinesa."

terça-feira, junho 23, 2009

O Impagável Victor (in)Constâncio (2)

"...
Na prática, os bancos estariam a penhorar bens que legalmente não podiam ser penhorados. Para agravar o problema, acusa a Provedoria de Justiça, o Banco de Portugal não colaborou no combate aos abusos por parte dos bancos. "Os cidadãos vão tendo conhecimento de que podem/devem dirigir-se ao Banco de Portugal, solicitando-lhe que exerça os poderes que lhe são conferidos em matéria de supervisão do sector bancário, mas o resultado de tal solicitação fica, não raro, aquém do esperado pelos reclamantes. E, diga-se, fica também, com frequência, muito aquém do desejado pelo provedor de Justiça", repreende o relatório, acusando o Banco de Portugal de se escudar numa "alegada ausência" de competências. Ora, na óptica do provedor, o Banco de Portugal tem base legal suficiente para uma actuação "mais incisiva" em matéria de execução de ordens de penhora.
Num comunicado emitido ontem à noite, o Banco de Portugal garantiu que prestou os esclarecimentos solicitados pelo Provedor de Justiça, reagindo assim ao relatório de Nascimento Rodrigues, que acusou a entidade liderada por Vítor Constâncio de ter um problema de comunicação e de deixar a desejar em termos de cooperação com a Provedoria.
..."
(Extracto da notícia do jornal PÚBLICO, da autoria da jornalista Natália Faria, publicada em 23 de Junho de 2009)

segunda-feira, junho 22, 2009

O Impagável Victor (in)Constâncio

"...
Anteontem [em 27 de Maio de 2009] o deputado Honório Novo, membro da comissão parlamentar de inquérito [sobre o caso BPN], afirmou que "Vítor Constâncio já tem matéria de facto e de conteúdo para ter pedido a sua demissão." Fê-lo quando confrontado com o facto de o Banco de Portugal ter recusado enviar vários documentos requeridos pela Assembleia. "A punição para o crime de desobediência qualificada está definida no código penal com pena de prisão ou multa", comentou o parlamentar comunista. O Bloco também já tinha pedido a demissão do governador. Constâncio disse ontem, no Parlamento, que a oposição lhe faz exigências de supervisão que transformariam o banco central numa espécie de "KGB e FBI juntos"."

(Extracto do blog de João Tilly, "De Seia, da Serra da Estrela e do Portogallo à Siciliana" em
http://joaotilly.weblog.com.pt/ )

domingo, junho 21, 2009

Grande Mesquita Hassan II




É uma pequena-grande maravilha da arquitectura hispano-mourisca contemporânea. Edificada à beira do Oceano Alântico, na cidade de Casablanca, sobre uma plataforma conquistada ao mar, foi mandada construir pelo falecido monarca Hassan II de Marrocos (1961/1999), com recurso a subscrição pública. Concebida pelo arquitecto francês Michel Pinseau, o seu custo final estimou-se em 800 milhões de dólares.

A sua construção decorreu em tempo recorde, entre 1986 e 1993, com o recurso à mão-de-obra de perto de 6.000 operários e artesãos, ao longo de 7 anos, sem interrupção, 24 sobre 24 horas, em 3 turnos de trabalho de 8 horas. Se não tivesse sido usado este expediente, a sua construção ter-se-ia prolongado durante 21 anos. .

Foram utilizadas as mais modernas técnicas científicas aplicadas à arquitectura, nomeadamente o laser e a computação gráfica, bem como os materiais mais nobres, a maioria de proveniência marroquina, tais como o cedro do Médio Atlas e o mármore, ao passo que apenas foram importados o granito branco das colunas, os lustres de vidro de Murano (Veneza) e o titânio utilizado nas monumentais portas. A construção é anti-sísmica, o pavimento aquecido, para conforto dos crentes, e as portas são operadas eléctricamente, devido ao seu enorme peso e dimensões.


A cobertura da mesquita é constituída por dois elementos que, quando necessário, se separam, deslizando em cerca de 4 minutos, para deixar entrar a luz natural no recinto interior. O seu minarete (ou almadena) tem uma altura de 210 metros, sendo encimado por um potente raio laser que, à noite, serve simultaneamente para apontar a direcção de Meca e assinalar a entrada do porto de Casablanca.

Pode albergar 25.000 crentes no seu espaço interior, ao passo que no recinto exterior, circundado de monumentais arcadas, a sua lotação pode chegar aos 75.000 crentes.
Actualmente, esta mesquita é a única que permite visitas guiadas, sem restrições a não-muçulmanos e a mulheres com a cabeça descoberta, sendo permitido que se obtenham imagens em fotografia e vídeo, tanto do interior como do exterior.

Semelhante a um grande diamante, soberbamente lapidado, com os pavimentos de mármore, na meia obscuridade, a assemelharem-se a espelhos de água, torna-se difícil transmitir através de palavras a beleza deste templo. Apesar das suas dimensões colossais, impera tanto no exterior como no interior, uma extraordinária leveza, transmitida pela luz coada pelos vitrais, a embeber-se na profusão do rendilhado que decora os arcos mouriscos e na fluidez das colunas que se perdem lá no alto, entre as cúpulas, onde esvoaçam aves que ali encontram acolhimento. É um lugar de excelência, feito para orar e meditar.

(Fotos de F.Torres em 2009-Junho-9)