domingo, novembro 26, 2006

Em Frente, MARCHE!

E
Vasco Pulido Valente (VPV), na sua croniqueta das sextas-feiras no jornal PÚBLICO, insurgiu-se contra alguns militares, por aqueles terem promovido “um passeio” entre o Rossio e a Praça do Comércio, o qual pretendeu ser uma forma pacífica de mostrar o seu descontentamento, face às medidas restritivas que este governo, com a sua matriz agressiva e uma inabilidade nata para lidar com pessoas, lhes quer impor. O governo do Sócrates arranjou mais um inimigo para entreter a malta, e as pessoas, apesar da repetição dos episódios, com variação de vítimas, tardam em aperceberem-se do ardil, e o próprio VPV engoliu o isco.
Diz VPV que os portugueses não devem nada aos militares, sobretudo aqueles que fizeram o 25 de Abril. Ora o povo português, tanto em relação aos militares, como com outras instituições do regime, não tem nada que ter contas saldadas, mas sim uma conta corrente, permanentemente aberta. Quanto à disciplina, ordem e respeito de que fala VPV, mas onde é que eu já ouvi isto? Eu que também andei por lá, entre 1968 e 1972, percebi que a “tropa”, embora sendo uma sociedade autónoma e com regras próprias, também ela não se conseguiu libertar dos anseios próprios da sociedade civil. De tal forma que no ano de 1973/1974, por não abdicarem dos seus direitos e não se sentirem inibidos com o napoleónico Regulamento de Disciplina Militar, romperam com o quadro da legalidade de então, conspiraram e rebelaram-se contra a ditadura, gerando o MFA. E porque eram portugueses, tão iguais e diferentes como os demais, acabaram por desencadear o 25 de Abril.
Hoje, ano de 2006, mês de Novembro, diz o meu amigo FMF que isto, fruto de algumas controversas acções e reacções, está tão parecido com o “antigamente” que até já nem se pode passear no Rossio! E se calhar, até tem razão, porque aqueles militares, com procuração ou não, de outros que ficaram lá atrás, como pessoas que se prezam, não fizeram mais que contestar, a intenção de quem lhes quer tirar o pouco que têm.
VPV diz que os militares, com esta sua iniciativa, ameaçaram (consciente ou inconscientemente) o poder civil, mas o que eu vi foi, não uma “quartelada” ou “levantamento”, mas apenas uma forma pacífica de trazer até à opinião pública, alguns dos problemas do foro civil, com que todos nós, e também eles, nos debatemos.
Afirma VPV que os militares, sejam de que posto ou categoria forem, não gozam dos mesmos direitos de um vulgar cidadão. Insiste ele que abdicaram desses direitos, para que o Estado lhes conceda o direito de exercerem, interna e externamente, o uso da força. Ora, a condição militar não implica apenas deveres e obrigações, e nunca ouvi dizer que dessa condição, troca por troca, estivesse excluído o direito à reclamação. Além disso, se os militares não têm os mesmos direitos que o vulgar cidadão, também não podem (nem devem) ter o mesmo tratamento que a restante sociedade civil. Ora o que temos pela frente é exactamente o contrário. Os militares estão a ser tratados como meros funcionários públicos indiferenciados, o que não é o caso.
Vamos imaginar uma situação. Se o governo, investido do poder democrático, e armado da sua discutível clarividência, decidisse, sem mais, reduzir em 50% o vencimento dos militares, o que achava VPV que eles fizessem? Que ficassem quietos e reduzidos à sua condição de militares silenciosos, obedientes e disciplinados? E que fazer, quando o direito à reclamação esbarra com a insensibilidade e indiferença das hierarquias? Reclamar será rebelião? Ou ficar calado será cobardia?
Os militares (tal como a PSP e a GNR) limitaram-se a mostrar à sociedade civil, que também eles têm um problema e um contencioso para solucionar com este governo, especializado em coleccionar inimigos públicos, e o estado a que chegámos não terá sido certamente porque houve diálogo, negociação e consenso (prática que não tem sido muito habitual), mas talvez porque o que se passou foi exactamente o contrário. E não confundamos este mal-estar dos militares, com aquela iniciativa de um bando de cómicos e debilitados, que achou por bem pôr uma acção em tribunal, por crime de traição à pátria, contra o ministro das obras públicas, por aquele se dizer um adepto convicto do iberismo.
Preocupe-se e acautele-se VPV com outros sinais, bem mais preocupantes, que transparecem na sociedade portuguesa, porque quanto àquele “passeio”, não me pareceu estar em causa a fidelidade das forças armadas, nem elas estarem contaminadas de qualquer intenção “putchista”. Afinal, VPV quer que os militares regressem aos quartéis, sem que eles, verdade seja dita, nunca de lá tenham saído.

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