domingo, dezembro 03, 2006

São Assim!

A
S
São assim, belos e altivos. Nervosos de início, acabam por tornar-se grandes companheiros para toda a vida.
Coudelaria da Companhia das Lezírias em 2006-JAN-28

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Memórias

M
Terminei ontem a leitura das “Pequenas Memórias” de José Saramago, e assim a frio, perguntei a mim próprio se a seguir às pequenas não virão umas “Grandes Memórias”, ou apenas mais “Memórias”. No entanto, memórias e recordações é matéria frágil que escasseia, e nem todas podem ser trazidas para o domínio público. Para já, fiquemos por estes pequenos nadas, registos e fulgores que ficaram da infância e da juventude, que o autor entendeu necessário, senão mesmo obrigatório, posterizar pela escrita, em curtíssimos fragmentos, fazendo lembrar a repescagem de cenas cortadas, da montagem de um filme, que acabaram por se guardar, para o que desse e viesse. Os anos que vão passando são um bom coador, e a idade um observatório privilegiado, para reavaliar e interpretar, aquilo que conseguimos reter do nosso passado, seja ela a imagem desfocada de um irmão que não sobreviveu, a saga das deambulações, por quartos e “partes de casa” de Lisboa, com os poucos haveres às costas, a lembrança de um avô de nenhumas letras e poucas falas, mas tão sábio como o mais sábio, a maçaroca de milho que pesa na consciência ou o lagarto verde que deixou de se ver, pelas bandas da Azinhaga.
Com a leitura das “Pequenas Memórias”, poder-se-á avaliar a abissal diferença que existe entre um grande escritor e um mero escrevinhador.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Esquerda Moderna

E
O governo anda a pedir sacrifícios aos portugueses, para superar o défice orçamental e os maus momentos por que passa a economia, porém esses sacrifícios não são extensivos a todos. Chega-nos agora a informação, via Tribunal de Contas, que no Metro do Porto, entre os membros da administração, aquilo tem sido um fartar vilanagem. Eles banqueteiam-se com prémios de gestão de 100.000 Euros, atribuídos sem qualquer aprovação e mais alambazados que os praticados nas outras empresas públicas, eles distribuem entre si cartões de crédito com chorudas dotações mensais de 1.247 Euros, mesmo para aqueles administradores sem cargos executivos, e que só lá aparecem de quinze em quinze dias para fazer prova de vida e justificarem os 4.800 Euros de vencimento, eles mandam executar obras sem concurso público, em clara violação das leis, e dão-se ao luxo, pasme-se, de participar em negócios estranhos à actividade da empresa Metro do Porto. Ora vejam lá se adivinham quem é o presidente desta entidade? Acertou! Nem mais nem menos que o senhor Valentim, mais conhecido por “batatas”, dos tempos em que “administrava” a intendência militar, ex-presidente do Boavista e da Liga de Futebol Profissional, e que agora gere o seus interesses pessoais, como autarca cativo das terras de Gondomar, grande distribuidor de electrodomésticos em tempo de eleições, ofensor-ofendido de agentes da PSP e da Brigada de Trânsito, e ainda possível arguido no processo “apito dourado”, que passou a “apito encravado” pelas razões mais que óbvias. Diz ele, impante e insolente, como sempre o conhecemos, que tudo isto não passa de manobras de quem não quer reconhecer o trabalho esforçado e diligente, de gente sacrificada, dedicada à causa pública e cumpridora da lei, que paga impostos, não tem nada a temer nem a esconder, e que portanto não pode deixar de ser condignamente remunerada. Secundou-o, reforçando o seu límpido raciocínio, e com outros tantos argumentos inabaláveis, um conceituado e perpétuo autarca socialista, de nome Narciso, que também vai mamando na tetina do Metro do Porto.
Entretanto, conforme divulgam os semanários “Expresso”e “Focus”, a EDP tem um novo assessor jurídico, de seu nome Pedro Santana Lopes, a auferir 10.000 Euros mensais, um quadro superior da GALP, admitido em 2002, sai agora com uma indemnização de 290.000 Euros, para logo a seguir ser admitido na REFER, o filho de Miguel Horta e Costa, recém-licenciado, entra na GALP com um “salário” de 6.600 Euros, o cunhado de Morais Sarmento, transfere-se da ESSO para a GALP com um “salário” de 17.400 Euros, e Ferreira do Amaral, presidente não-executivo do conselho de administração da GALP, é remunerado de forma simbólica pelas presenças com 3.000 Euros mensais, mais um complemento de 10.000 Euros em PPR.
Eis quanto custam ao bolso dos contribuintes algumas inutilidades, para somar aos outros milhares de inutilidades que fervilham por esse país fora, e que nada acrescentam ao PIB, muito antes pelo contrário.
Do outro lado estão as universidades que se começam a queixar de que estão com sérias dificuldades para pagar o 13º. mês, tanto a funcionários como ao pessoal docente, dado que nem sequer podem recorrer às suas receitas próprias, pois o Estado, de há dois anos a esta parte, cativa esses valores (para além de outros do próprio Orçamento do Estado), desrespeitando a autonomia dos estabelecimentos de ensino superior. “As universidades não são gastadoras, nem contratam pessoas em excesso. Não estamos a pedir nada para nós. Estamos a dizer que para fazer médicos, engenheiros e economistas, o dinheiro não chega”, assegura Leopoldo Guimarães, reitor da Universidade Nova de Lisboa. É evidente que estas universidades não fazem políticos, nem autarcas, nem administradores-bibelots, porque senão outro galo cantaria.
Entretanto, no meio da fartura para uns e da indigência para outros, este governo da “esquerda moderna”, desinveste em áreas vitais para a sociedade portuguesa e continua a cortar desenfreadamente em certas regalias de quem trabalha, dizendo que o mal do país é estar atulhado de gente trabalhadora com privilégios a mais. São tantas e tão chorudas as regalias que os trabalhadores portugueses desfrutam, que os pobres dos patrões, dos gestores e administradores, continuam impossibilitados de gerir e administrar as suas empresas, de forma a tornarem-nas modernas e competitivas. Este governo que anda a pedir sacrifícios aos portugueses para equilibrar a balança, esbugalha os olhos para uns e vai-os fechando para os outros, os tais que sabem como continuar a facturar regiamente, contornando as barreiras legais e os insistentes pedidos de sacrifícios. Para este governo, inovar confunde-se com reformar, o que não é exactamente a mesma coisa. Para este governo, reformar é desideologizar a acção política e governativa, levando a prosperidade a si e aos seus amigos, e deixando cair nos serviços mínimos o resto da população.
Este governo que se diz da “esquerda moderna”, é o tal que promete uma coisa para ganhar as eleições, para depois fazer o seu contrário na acção governativa. É o governo que se diz inovador e reformista, mas que na prática é o governo da degradação das condições de vida, do congelamento dos salários, da espiral do desemprego, do aumento especulativo dos preços de bens essenciais, do aumento de impostos para os que trabalham por conta de outrem, das taxas e comissões a esmo, por tudo e por nada, a par da manutenção do paraíso e das facilidades para a actividade bancária, a indústria do betão, a especulação imobiliária, e a sempre omnipresente economia paralela.
Ah, é verdade, este é também o governo da introdução dos cartões de crédito para arredondar os honorários e compensar a “rapaziada” que se anda a sacrificar no serviço público, acumulando prebendas e sinecuras, tendo para isso que prescindir de um terço da reforma, ou um terço do vencimento.

segunda-feira, novembro 27, 2006

(in)Fidelidades

(I
Um deputado comunista, a quem deve fidelidade? Aos seus eleitores ou ao seu partido?
Em caso de conflito, um comunista, a quem deve fidelidade? À nação ou ao seu partido?
Um deputado comunista, saneado da bancada pelo seu partido, o que deve fazer? Recusar-se a aceita a decisão, mantendo-se no seu posto e arriscando-se a ver-lhe retirada “alguma confiança política” (outro eufemismo!), ou aceitar o veredicto e ir colar cartazes?
Tudo isto vem a propósito da deputada Luísa Mesquita ter recusado a resignação do seu cargo, a propósito de uma suposta “renovação da bancada parlamentar” (não lembra ao diabo fazê-la a meio de uma legislatura), em que, para além dela, estão envolvidos outros dois deputados, Odete Santos e Abílio Fernandes, os quais aceitaram obedientemente a decisão. “Somos deputados, não somos objectos” terá afirmado a deputada amotinada, quando confrontada com o decisão partidária. “O mandato é do deputado, mas o programa pelo qual foi eleito é do PCP”, terá respondido o secretário-geral. Quer isto dizer que o partido está à frente de tudo, e não há mais conversas. A tão ignóbil precariedade que invadiu o mundo do trabalho, acaba assim por também chegar à política, vinda do sector mais inesperado.
Não gosto de ver um partido de esquerda tratar desta forma os seus representantes eleitos pelo povo, pois deixa-me a amarga sensação de que, lá dentro, a democracia é entendida como um assunto menor, tão descartável como qualquer deputado, mesmo que esse deputado seja um empedernido ortodoxo, que só tardiamente percebeu que lhe podia acontecer a ele, o que, entretanto, já tinha acontecido a outros.
De facto, a gerontocracia cinzenta que continua a manobrar nos bastidores do PCP, não tem nada a ver com democracia, nem sequer com aquela coisa que ironicamente foi baptizada de “centralismo democrático”. Nos momentos cruciais dá-lhes para fazer coisas tão grosseiras como ostracisar e sanear deputados, ou então, exprimir controversas solidariedades, dirigidas ao “querido líder” pseudo-comunista da Coreia do Norte, Kim Jong-Il, e ao seu hediondo regime concentracionário. Aquela casta dirigente, alicerçada numa funcionarite crónica, para quem a própria competência e fidelidade têm um valor duvidoso, continua a usar militantes e quadros políticos como instrumentos e não como pessoas. Quando aqueles deixam de servir os seus interesses partidários, são descontinuados como qualquer ferramenta gasta. Quando não afinam pelo seu diapasão, levam com a etiqueta de traidores, fraccionistas ou reaccionários, e se não renunciarem, é certo que acabam banidos.
Na verdade, não sei se isto não será mesmo propositado. O exemplo está em que tanto conseguem reunir um grupo parlamentar altamente competente, como logo a seguir correm a desmembrá-lo. O PCP continua a ser o partido da liturgia dos congressos, da democracia interna que apenas serve para dar conhecimento das decisões das cúpulas dirigentes, da exploração até limites inaceitáveis, da generosidade dos militantes, dos delitos de opinião, e onde cair em desgraça, tanto pode ser uma consequência como uma inevitabilidade. Avessos a compromissos, os comunistas insistem em viver no seu limbo, com as suas regras muito próprias, são grandes lutadores pelas causas de uma sociedade mais justa, mas continuam a fazer muito pouco para se mostrarem como um possível e credível parceiro de coligação, ou mesmo uma alternativa de governo. Apesar das “paredes de vidro” terem passado a ser expressão obrigatória do seu léxico, e da festa do Avante! ter sido elevada a desígnio nacional, tal não consegue apagar uma matriz autoritária e centralista, que não passa despercebida a ninguém. Mais purga, menos purga, o PCP continuará a achar que tudo lhe é permitido, e tudo lhe será perdoado, se o seu objectivo for sobreviver e seguir em frente, como se ainda vivesse na obscura dureza dos tempos da clandestinidade.

domingo, novembro 26, 2006

Em Frente, MARCHE!

E
Vasco Pulido Valente (VPV), na sua croniqueta das sextas-feiras no jornal PÚBLICO, insurgiu-se contra alguns militares, por aqueles terem promovido “um passeio” entre o Rossio e a Praça do Comércio, o qual pretendeu ser uma forma pacífica de mostrar o seu descontentamento, face às medidas restritivas que este governo, com a sua matriz agressiva e uma inabilidade nata para lidar com pessoas, lhes quer impor. O governo do Sócrates arranjou mais um inimigo para entreter a malta, e as pessoas, apesar da repetição dos episódios, com variação de vítimas, tardam em aperceberem-se do ardil, e o próprio VPV engoliu o isco.
Diz VPV que os portugueses não devem nada aos militares, sobretudo aqueles que fizeram o 25 de Abril. Ora o povo português, tanto em relação aos militares, como com outras instituições do regime, não tem nada que ter contas saldadas, mas sim uma conta corrente, permanentemente aberta. Quanto à disciplina, ordem e respeito de que fala VPV, mas onde é que eu já ouvi isto? Eu que também andei por lá, entre 1968 e 1972, percebi que a “tropa”, embora sendo uma sociedade autónoma e com regras próprias, também ela não se conseguiu libertar dos anseios próprios da sociedade civil. De tal forma que no ano de 1973/1974, por não abdicarem dos seus direitos e não se sentirem inibidos com o napoleónico Regulamento de Disciplina Militar, romperam com o quadro da legalidade de então, conspiraram e rebelaram-se contra a ditadura, gerando o MFA. E porque eram portugueses, tão iguais e diferentes como os demais, acabaram por desencadear o 25 de Abril.
Hoje, ano de 2006, mês de Novembro, diz o meu amigo FMF que isto, fruto de algumas controversas acções e reacções, está tão parecido com o “antigamente” que até já nem se pode passear no Rossio! E se calhar, até tem razão, porque aqueles militares, com procuração ou não, de outros que ficaram lá atrás, como pessoas que se prezam, não fizeram mais que contestar, a intenção de quem lhes quer tirar o pouco que têm.
VPV diz que os militares, com esta sua iniciativa, ameaçaram (consciente ou inconscientemente) o poder civil, mas o que eu vi foi, não uma “quartelada” ou “levantamento”, mas apenas uma forma pacífica de trazer até à opinião pública, alguns dos problemas do foro civil, com que todos nós, e também eles, nos debatemos.
Afirma VPV que os militares, sejam de que posto ou categoria forem, não gozam dos mesmos direitos de um vulgar cidadão. Insiste ele que abdicaram desses direitos, para que o Estado lhes conceda o direito de exercerem, interna e externamente, o uso da força. Ora, a condição militar não implica apenas deveres e obrigações, e nunca ouvi dizer que dessa condição, troca por troca, estivesse excluído o direito à reclamação. Além disso, se os militares não têm os mesmos direitos que o vulgar cidadão, também não podem (nem devem) ter o mesmo tratamento que a restante sociedade civil. Ora o que temos pela frente é exactamente o contrário. Os militares estão a ser tratados como meros funcionários públicos indiferenciados, o que não é o caso.
Vamos imaginar uma situação. Se o governo, investido do poder democrático, e armado da sua discutível clarividência, decidisse, sem mais, reduzir em 50% o vencimento dos militares, o que achava VPV que eles fizessem? Que ficassem quietos e reduzidos à sua condição de militares silenciosos, obedientes e disciplinados? E que fazer, quando o direito à reclamação esbarra com a insensibilidade e indiferença das hierarquias? Reclamar será rebelião? Ou ficar calado será cobardia?
Os militares (tal como a PSP e a GNR) limitaram-se a mostrar à sociedade civil, que também eles têm um problema e um contencioso para solucionar com este governo, especializado em coleccionar inimigos públicos, e o estado a que chegámos não terá sido certamente porque houve diálogo, negociação e consenso (prática que não tem sido muito habitual), mas talvez porque o que se passou foi exactamente o contrário. E não confundamos este mal-estar dos militares, com aquela iniciativa de um bando de cómicos e debilitados, que achou por bem pôr uma acção em tribunal, por crime de traição à pátria, contra o ministro das obras públicas, por aquele se dizer um adepto convicto do iberismo.
Preocupe-se e acautele-se VPV com outros sinais, bem mais preocupantes, que transparecem na sociedade portuguesa, porque quanto àquele “passeio”, não me pareceu estar em causa a fidelidade das forças armadas, nem elas estarem contaminadas de qualquer intenção “putchista”. Afinal, VPV quer que os militares regressem aos quartéis, sem que eles, verdade seja dita, nunca de lá tenham saído.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Excessos

E
O juiz-conselheiro Artur Maurício, presidente do Tribunal Constitucional, numa curiosa intervenção, pronunciada no dia 20 de Novembro, a propósito do trigésimo aniversário da Constituição, entre outras considerações, constatou a “utilização quase frenética”, e por vezes abusiva, dessa mesma Constituição. Por estarmos desenfreada e repetidamente, “por tudo e por nada”, a recorrer ao aparelho jurídico, invocando a primeira lei do regime, para se resolverem incompatibilidades, problemas e atropelos de índole política, receia o referido senhor que estejamos a contribuir para banalizar, senão mesmo a desgastar, a dita Constituição, e consequentemente, digo eu, a incomodar os meritíssimos juízes que, tendo pouco que fazer, ainda menos querem fazer. Na minha modesta opinião, entendo que era bom sinal, e deveria ser motivo de júbilo e orgulho, que a Constituição Portuguesa fosse exibida, recomendada e solicitada, sempre que necessário, e mesmo que o pretexto fosse insignificante. Como garante do edifício jurídico-constitucional, e porque a Constituição é um instrumento de vigilância do regime democrático, ao seu guardião-mor, ficava-lhe bem escolher um tema mais actual e esclarecedor. Por exemplo, demonstrar preocupação e enunciar quantas vezes a Constituição tem sido violada.

terça-feira, novembro 21, 2006

Revolução

R
Diz Vital Moreira no blog Causa Nossa, que “A expressiva derrota dos Republicanos - a maior vitória Democrata nos últimos 30 anos -- não é somente a derrota de Bush mas também o princípio do fim da chamada "revolução neoconservadora", que os ideólogos prepararam desde os anos 70, a que a conjugação entre o big business e a direita religiosa proporcionou base social e dinheiro e que os homens de Bush tentaram consumar no plano das políticas públicas, incluindo na guerra do Iraque. Quem não quer dar-se conta disso, não quer perceber o significado profundo destas eleições.”
Eu percebo o significado destas eleições, mas não estou assim tão certo que esta revolução tenha provocado o início da curva descendente desse domínio neoconservador, iniciado nos anos 70, e entrado em aceleração desenfreada após a implosão do bloco de leste. Eles (os neoconservadores) infiltraram-se e contaminaram de tal modo todos os domínios da administração, do poder e da economia, que hoje será difícil saber o quão profundamente o sistema está infectado, ao ponto de o conseguir paralisar. Não devemos esquecer que George W.Bush chegou ao poder, nas eleições presidenciais do ano 2000, empurrado por uma espécie de golpe de estado constitucional muito bem urdido. Para já, e considerando que o novo Congresso apenas iniciará funções em Janeiro de 2007, o presidente George W.Bush e os seus influentes “conselheiros”, preparam-se para gastar os cartuchos destes dois meses finais de maioria republicana, para fazerem aprovar um lote de leis tão controversas como a que legaliza as escutas telefónicas, sem prévio mandato judicial, reforçando assim os poderes discricionários da presidência, a aprovação de venda de tecnologia nuclear à Índia (país não subscritor do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), e a confirmação de John Bolton à frente da representação dos E.U.A. junto da O.N.U..
Em Portugal, país de brandos costumes, dir-se-ia que era natural que até ao lavar dos cestos fosse vindima; nos E.U.A., e considerando a implantação e domínio que os neoconservadores conquistaram, não imagino, para já, como esta “revolução Democrata” está a ser interpretada e digerida, que valores quer transmitir e estabelecer, nem como se irá consolidar.

domingo, novembro 19, 2006

Quem Diria?

Q
Os elogios que o Presidente Cavaco Silva fez ao desempenho do governo de José Sócrates (*), teve três consequências. A primeira é que veio abrir uma fenda nas velhas lealdades que o PSD julgava manterem-se intactas, em relação a Cavaco Silva, e a segunda é que tais considerações do Presidente da República, cheirando a traição, acabaram por sabotar a já de si fraca e incipiente oposição que esse mesmo PSD tem vindo a fazer ao governo (pudera! O PS resolve na prática o que o PSD andou a formular em teoria). A terceira é uma consequência bizarra: vem mostrar que, finalmente, contrariando a lógica e a maioria dos cenários, que há uns anos atrás, os áugures e pitonizas deste burgo vaticinavam (verdade seja dita, houve uma minoria que acertou com estrondo), acabaram por se reunir as condições para que Portugal disfrute, enfim, da tríade constituída por UM PRESIDENTE, UM GOVERNO E UMA MAIORIA. Quem diria?
(
(*) Há 30 anos atrás, José Sócrates foi militante da JSD (Juventude Social Democrata), e na minha modesta opinião, nunca devia de lá ter saído.

Aberrações

A
Seja o Vaticano por razões de cariz religioso, seja as autoridades de um punhado de países que decidiram levar ao extremo a sua paranóia securitária, todos se estão a virar contra o uso do véu islâmico, nas suas mais variadas formas. A Santa Madre Igreja, no seu piedoso entendimento, invoca o respeito que os muçulmanos devem ter para com a cultura dos países de acolhimento, abstendo-se de exibirem as suas “chocantes” tradições, ao passo que esse mesmo Vaticano, já não se preocupa em aplicar a mesma regra, no que diz respeito às freiras e frades capuchinhos, quando estes se deslocam para países com outras religiões dominantes. Quanto aos governos, na sua infinita cretinice, estão a proibir o uso do véu, uns argumentando com o choque de tradições e as exigências do estado laico, ao passo que outros, mais directos e pragmáticos, admitem que sob os véus islâmicos se possam albergar, não frágeis e inofensivas figuras femininas, mas sim perigosos terroristas e bombistas. Uns e outros, acabam por esquecer que o uso do véu integral ainda é usado por muitas viúvas cristãs, e até voltou novamente a dominar algumas passareles da moda. Esperemos que o uso de óculos escuros e de máscaras de Carnaval continuam a estar excluídos daquela aberrante proibição, que tem tanto de estúpida como de desprezo pelas tradições alheias.

Cumplicidades

C
Desde que a guerra contra o Líbano entrou em fase de rescaldo, Israel elegeu a Faixa de Gaza como sua coutada privada, para apurar as suas táticas militares e praticar uma espécie de desporto, conhecido por caça aos palestinianos. Desta vez, porque o brado internacional se fez ouvir mais alto e com mais persistência, Israel veio dizer que o assassinato de 18 civis em Gaza, pelas forças judaicas, foi um "erro técnico". Provavelmente tão “erro técnico” como o bombardeamento e morte de militares da ONU, instalados num posto fronteiriço libanês, ou os sobrevoos provocatórios da força aérea israelita, sobre as forças francesas de pacificação, instaladas no sul do Líbano.
Na sequência deste emblemático crime de guerra, e como os amigos são para as ocasiões, os Estados Unidos, sempre empenhados na resolução pacífica dos conflitos no médio-oriente, VETARAM na reunião do Conselho de Segurança da ONU, de 11 de Novembro de 2006, um projecto de resolução que condenava as operações militares de Israel na Faixa de Gaza. Muito embora as amizades e as cumplicidades não devam ser confundidas, sempre haverá quem o faça com a mais descarada das insolências.

Bacalhau com Todos

B
Enquanto aos portugueses lhes passa tudo ao lado, como se estivéssemos no paraíso, uma organização ecologista espanhola veio a público denunciar a existência de empresas transportadoras portuguesas, que utilizavam camiões para transportar para Espanha resíduos tóxicos perigosos, e que no regresso, usavam as mesmas viaturas para efectuar o transporte de produtos alimentares, tanto para uso humano como animal.
Os portugueses da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, puseram-se em campo para avaliar a veracidade da denúncia, investigarem o caso e apurarem pormenores, ao mesmo tempo que ia aparecendo nas televisões um qualquer (ir)responsável, de um qualquer organismo com atribuições nesta área, a afirmar que nada impedia que os transportadores utilizassem os mesmos camiões para o transporte de coisas tão incompatíveis como resíduos tóxicos e bens alimentares, desde que entre cada carregamento, os camiões fossem limpos e lavados, o que parece não ser totalmente verdade, se atentarmos ao que sobre o assunto diz a competente legislação.
Se assim fosse, é como se os escarradores, os bacios e as arrastadeiras hospitalares, depois de bem lavadinhos, também pudessem ser usados para cozinhar uma nova versão de bacalhau com todos.

O Livro do Lopes

O
O senhor Lopes publicou um livro, objecto que dá pelo nome de PERSEPÇÕES E REALIDADE. Nada nos garante que o tenha escrito (para já, mal sabe ler), já que, hoje em dia, com um gravador para onde se vão debitando algumas memórias e considerações, mais a contratação de um bom escriba para ajeitar o material, e se a tudo isto juntarmos a simpática ajuda das competentes e promocionais entrevistas televisivas, feitas em horário nobre, e em cima do acontecimento, consegue-se arranjar um candidato a “best-seller”, tal é a opinião da preclaríssima Zita Seabra. Como diria a saudosa avó Bernarda, “embora esse Lopes seja um eterno desistente, temos homem! Com uma beijoca aqui, uma bicada acoli, mais uma trincadela acolá, lá vai sobrevivendo”. Além de ser um catedrático jubilado das vidas nocturnas, presidente inacabado de clubes de futebol e ter grangeado fama (sem proveito) de “menino terrível” da política, onde os culpados da má governação são sempre os outros, agora, para não cair no esquecimento, está a tentar-se perfilar como um historiador-escritor-repórter das sacanices, matreirices, brejeirices e politiquices ocorridas durante o seu consulado como primeiro-ministro. Para já, e só para as primeiras impressões, o senhor Lopes ficou-se, humildemente, pelos 5.000 exemplares deste devaneio proto-literário.
Não li o livro, não faço conta de o ler, mas tenho saboreado algumas dissertações de terceiros sobre o seu conteúdo, o qual não divergirá muito da “metodogia de galinheiro”, uma vezes anarco-intuitiva, outras delico-doce e intimista, outras ainda a esbracejar o papel de vítima, que o senhor Lopes adoptou, enquanto primeiro-ministro falhado daquele poleiro, que dava pelo nome de Governo de Portugal.
Diz ele que “está longe da vida política” mas vai “continuar a andar por aí”, como se de uma “reserva da república” se tratasse, não está nos seus planos voltar a assumir funções governativas, mas como “o futuro a Deus pertence”, ninguém sabe o dia de amanhã. Pois não, a não ser que todo o povo desta terra ficasse atacado, de um dia para o outro, com a doença de Alzheimer. No entanto, com o baixo nível a que os políticos nos foram habituando, e depois de ter visto um porco a andar de bicicleta, já nada me espanta.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Verdades Amargas

V
“Emagrece-se o Estado, os serviços públicos. E aquilo que era obrigação social do estado e um direito de todos os cidadãos passa a ser lucro de alguns, numa lógica de privatização. Ora, conseguir mais justiça social não é tarefa do mercado. É-o, sim, da política. Mas esse terá deixado de ser o paradigma do actual PS. O que mantém os militantes ao lado de Sócrates é – além das próprias carreiras – a tranquilização da consciência com a ideia de que com o PSD ainda seria pior. Pura ilusão.”
São José Almeida in Liquidação? Público de 2006-11-11
O
O governo do PS transformou o dia-a-dia da governação, junto dos meios de comunicação social, participados ou detidos pelo Estado, numa espécie de permanente e agressiva campanha eleitoral - diga-se de passagem, magistralmente bem orquestrada – conduzida pelo artista principal que é o primeiro-ministro Sócrates, que tem sempre debaixo de mira um inimigo público a abater, e que se desenrola sem o concurso da oposição. A curiosidade que me assalta é onde está instalado e quem estará à frente desta espécie de “ministério da propaganda”, e já agora, quantos assessores envolverá. Porque quem o paga, já estamos fartos de saber quem é…
Fernando Torres in comentário a um post
J
Já nem os pescadores amadores escapam à fúria colectora deste governo, pois vão ser obrigados a ter licença e a pagar uma taxa. Nesta primeira investida sobre os momentos de ócio dos portugueses, foi a pesca desportiva a feliz contemplada, abrindo um grave precedente. Dizem os responsáveis governativos que esta iniciativa vem regulamentar uma actividade lúdica que, muitas vezes, encobria uma actividade profissional, sendo que por arrastamento acaba por funcionar como instrumento passivo de protecção das espécies, com as minhocas incluídas, ora nem mais! A moral da história é esta: o imposto tem por objectivo proteger as espécies, porém, se pagarmos imposto já estamos autorizados a contribuir para a sua extinção. Como convém, o diploma não é extensivo às regiões autónomas. Lá pode-se brincar, cá nem pensar!
Não são apenas os bancos que possuem o dom da criatividade para conceberem taxas sobre as mais insignificantes operações bancárias. Este governo aceitou o desafio e parece ter tomado o freio nos dentes. O que virá a seguir? Imposto sobre os campeonatos de dominó nos jardins públicos?
Fernando Torres in comentário a post.
H
Hoje em dia, lutar pela ecologia, gera negócios e dá dinheiro. Lutar contra a miséria, os refugiados, a fome, a poluição e as doenças, também gera negócios e dá dinheiro. E se der dinheiro, mesmo sem acabar com esse imenso cortejo de problemas, nem eliminar as suas causas, que venham mais problemas, que nós voluntários, pagos pela tabela de mercenários, cá estamos para os enfrentar.
Quanto ao Estado, agradece que os voluntários se multipliquem com a mesma determinação com que ele se desmultiplica das suas funções e atribuições básicas.
Fernando Torres in comentário a post.
E
“É teoricamente aceitável que as empresas não paguem impostos. Que paguem apenas as pessoas.”
António Lobo Xavier in Quadratura do Círculo em 8-11-2006
E
É necessário aplicar aqui (em Israel) o modelo cipriota. Desde que os turcos tomaram posse de uma parte da ilha e os gregos fugiram para a outra, Chipre vive em segurança, estabilidade e prosperidade. Vinte por centro dos árabes israelitas formam uma quinta coluna que aspira apenas a destruir Israel. Os deputados e os cidadãos que negoceiem com o Hamas, merecem ser acusados perante um tribunal de Nuremberga. É preciso proibir uma vez por todas os árabes israelitas de se candidatarem ao Knesset (parlamento israelita).
Declaração de Avigdor Lieberman, ministro do governo israelita, em entrevista a um jornal de Telavive.
C
Conhece-te a ti próprio e ao teu adversário e em cem batalhas vencerás cem. Se te conheceres mas não conheceres o teu adversário, em cem batalhas vencerás cinquenta. Se não te conheceres nem conheceres o teu adversário, em cem batalhas não vencerás nenhuma.
Sun Tzu in A Arte da Guerra
E
“Eu até consigo aproveitar as partes boas das pessoas más, pois o desperdício é a coisa mais feia que existe.”
Joaquim Guerreiro a falar de improviso.
A
Ai de ti, se não tens “agenda”! Um homem sem “agenda” é como um barco desgovernado, um político sem rumo, ou a tal casa que se quer construir, sem projecto nem orçamento. Um homem sem “agenda” é meio caminho andado para se tornar um desqualificado, uma aberração, um zé-ninguém, um ser desprezível a tender para a marginalidade. Seja ela o clássico livrinho que cabe no cano das meias, ou o último grito, em miniatura, das tecnologias de informação, é bom que todo o homem (ou mulher) tenha a sua “agenda”, mesmo que nunca tenha intenção de cumprir as tarefas “agendadas”.
Fernando Torres in comentário a um post
A
“A imprensa só é livre para quem é dono dela.”
Do filme O INFORMADOR (Insider) do realizador Michael Mann
E
Enquanto que as outras, por esse mundo fora, crescem, as nossas diminuem. Estou a falar das nossas Feiras do Livro, tanto a de Lisboa como a do Porto, as quais neste ano de 2006 ostentaram menos 23 pavilhões, reflectindo assim o desinteresse pela leitura, tanto dos editores e livreiros, como dos portugueses em geral.
Fernando Torres in comentário a um post
S
Se o Universo foi começado num dado momento, em que se ocuparia Deus antes de o inventar?
António Lobo Antunes, escritor português
D
Daqui a 3.000 anos, quando os arqueólogos desenterrarem a nossa civilização, e se depararem no Vaticano com os arquivos da Congregação para a Causa dos Santos, exclamarão certamente: - Ora bem, cá temos mais outra religião politeísta!
Fernando Torres in comentário a um post
N
"não me temo de Castela, temo-me desta canalha".
Desabafo do Padre António Vieira (1608-1697), jesuíta português autor dos célebres “Sermões”, a propósito da sistemática perseguição que lhe era movida pela Inquisição.

Que Fazer Com Esta Victória?

Q
Que fazer com esta victória, é o que dirão agora os democratas americanos, quando confrontados com a nova realidade, depois de terem reconquistado a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, além do governo de alguns Estados.
Demitir e fazer recuar o Donald Rumsfeld (nem Kissinger gostava dele) para os bastidores da política, onde continuará a tricotar as suas ideias e influências, era o mínimo que G.W.Bush tinha que fazer, pois aquele havia sido o arquitecto da invasão do Iraque, e nestas eleições, foi o descalabro em que se transformou aquele país, associado à memória da intervenção no Vietname, que levou o eleitorado a inverter o sentido do voto, levando os republicanos a esta amarga derrota.
A invasão e a ocupação do Iraque, fundamentada em grossas mentiras, que garantiam uma suposta posse de armas de destruição maciça, a insolência com que os países europeus foram mimoseados, ao ponto de os resistentes aos planos americanos serem acusados de representarem a “velha Europa”, em contraste com uma enfileirada “Nova Europa”, a imposição de um unilateralismo arrogante que acabou por desembocar no desprezo pelas leis internacionais, mais a criação dos infernos concentracionários de Guantánamo e Abu Ghraib e a legalização da tortura, foi uma deriva neo-conservadora da política externa americana, que acabou por ter as consequências que estão à vista de todos: no Afeganistão a produção de ópio voltou a ser a principal actividade económica, ao passo que os talibãs voltam a controlar imensas parcelas do território, Osama Bin Laden continua algures em parte incerta a mexer os cordelinhos de um terrorismo global em franca expansão, deixando comprometida a suposta guerra contra o terrorismo, e o Iraque, transformado num imenso matadouro, encontra-se em vésperas de mergulhar numa guerra civil.
Apesar desta derrocada republicana, acho que pouco ou nada irá mudar. Muito embora, e na sequência do 11 de Setembro de 2001, hajam sido aprovadas leis que contradizem o espírito de liberdade e tolerância da sociedade americana (Patriot Act), ainda irá correr muita água debaixo das pontes, até que os E.U.A. voltem ao bom caminho, pois a presidência só voltará a estar em disputa lá para fins de 2008. Além disso, é preciso não esquecer que o círculo mais íntimo de conselheiros e colaboradores de G.W.Bush (Dick Cheney, Condoleezza Rice, John Bolton, Donald Rumsfeld, Richard Perle, George Tenet, Karl Rove, entre muitos outros), inspiradores das políticas desta presidência, são um grupo de malfeitores neo-conservadores, que não recuam em nada para continuarem a deter e a influenciar o poder.
Por agora, extintos que estão os discursos exaltados que inflamaram a campanha eleitoral e atingidos os objectivos eleitorais, os democratas, afinal, acabam por concordar com os republicanos, em linhas gerais, quanto aos objectivos da política externa norte-americana, a qual continua a pugnar por um grande espaço global não regulamentado, onde o petróleo continue a jorrar a bom ritmo, num mundo em que a “pax americana” seja vigiada por uns Estados Unidos, dominadores e intransigentes. Diferenças, se as houver, será apenas na forma e nos pormenores para a concretizar.
Assim, apesar do sentido de voto ter invertido a relação de forças entre o Congresso e a Presidência, o mais certo é que o nó górdio iraquiano continue por desatar, e as tropas americanas não regressem a casa tão cedo. Porém, os democratas que se cuidem. Em democracia, as maiorias, conforme se fazem, também se desfazem, e estas eleições são bem a prova disso.
Finalmente, um amigo meu que sempre manteve um acentuado sentido crítico, relativamente ao comportamento dos americanos, tanto dentro como fora das suas fronteiras, diz ele que, seja republicano ou democrata, quando se fala de políticos, torna-se difícil encontrar diferenças, pois é tudo farinha do mesmo saco.

Tiro e Queda

T
A Comissão Técnica propõe encerrar 14 serviços de urgência sem a devida e cabal fundamentação. Mas convida os lesados a provar que o encerramento é um erro. Chama-se a isto “inversão do ónus da prova”. A Comissão Técnica (nomeada pelo Ministério da Saúde para dissimular as suas opções políticas) é que deveria indicar quais as eventuais vantagens do encerramento.
Castro Almeida in Urgências: o que parece não é. Público de 9-11-2006
J
Já alguém pensou como é esquisito que o PS (Governo) dê tanto valor à problemática da despenalização do aborto que a queira referendar, e se esteja completamente nas tintas para saber o que pensamos de todas as outras questões que nos atormentam?
Já alguém se perguntou porque está, por exemplo, o Governo a destruir paulatinamente um bem essencial como o Serviço Nacional de Saúde e nunca perguntou a ninguém se era esse o nosso desejo? É este o seu critério referendário!
João Marques dos Santos in A Grande Ilusão. Correio da Manhã de 3-11-2006

Deus e Darwin

D
A febre fundamentalista cristã que tem vindo a assolar o ensino e as escolas nos EUA (que na agressividade não fica atrás do fundamentalismo islâmico), está a estender-se à Europa, mais exactamente ao Reino Unido. Essa febre reclama que as teorias criacionistas, as quais sustentam que todos os seres vivos têm a sua origem na inspiração divina de um criador supremo, deveriam ser ensinadas nas escolas, em pé de igualdade com a teoria evolucionista, a qual defende que as espécies se aperfeiçoam ou extinguem, através de um processo evolutivo que dá pelo nome de selecção natural, onde prevalece a adaptabilidade às condições ambientais. Como é óbvio, a esmagadora maioria dos membros da comunidade científica não subscreve esta pretensão, pois na sua opinião, a religião é uma opção do foro pessoal e íntimo dos indivíduos, gerida por um conjunto de crenças que se fundamentam na fé, e como tal não deve ser confundida com ciência, a qual se rege pela demonstração baseada na experimentação.
Depois do grande esforço que foi a laicização das sociedades, e num ano em que toda a obra de Charles Darwin, o cientista que traçou as linhas mestras da teoria da evolução, é colocada no domínio público, este frenesim dogmático e proselitista, diz bem dos tempos que estamos viver, onde os teocratas, talvez sentindo que os locais de culto vão ficando vazios de crentes, querem voltar a assentar praça nos bancos das escolas, transformando-as em lugares de catequese, de onde sairão, dóceis e tementes, levas de mentecaptos, numa subtil réplica dos primórdios medievais.

terça-feira, novembro 07, 2006

Assuntos Sérios

A
“Quem não sabe cuidar do passado nunca saberá cuidar do futuro.”
Esta é a conclusão de Sérgio Rodrigo, a propósito da degradação e abandono em que se encontra o Convento de Cristo em Tomar.
O
O governo adoptou a táctica de publicitar grandes medidas de contenção, que afectam a carteira dos contribuintes, para posteriormente, face ao grau das reacções e da contestação, reduzi-las para metade ou um terço, instilando no povo a ideia de que, sendo aquela maldade uma necessidade, sempre é melhor um mal menor do que o mal absoluto.
C
Considerando os grandes problemas gastro-intestinais que os cortes orçamentais iriam provocar na gula despesista do soba madeirense, o tal que tem por hábito cavalgar paquidermes à custa dos “continentais”, aqueles cortes vão ser aplicados em seis prestações suaves, que se estenderão até 2012. Cá estaremos para contar as que se irão perder pelo caminho.
N
Não sei se os neo-conservadores americanos aceitarão de ânimo leve as consequências de uma derrota nas próximas eleições para o Congresso, que se realizam hoje, já que isso deixariam seriamente comprometidos os seus planos futuros. Na verdade, desde que G.W.Bush chegou à presidência que outra coisa não têm feito senão criarem as condições para que a constituição americana e a democracia sejam subvertidas, rumo a um estado policial de tendência fascizante.
U
Um novo escândalo de espionagem envolve a Casa Branca. O técnico de informática Daniel Brandt, através da página digital Googlewatch, está a denunciar a actividade a que se entregou a Agência Nacional de Segurança, órgão de segurança interna do governo Bush, a qual utilizou uma classe especial de programas, denominados “cookies”, para efectuar espionagem nos computadores domésticos. Brand descobriu que na página on-line da Agência havia “cookies” que se mantinham activos até 2.035, período que excede em muito a vida útil de qualquer computador actualmente em uso. Os “cookies” (biscoitos) são pequenos programas que entram no seu computador todas as vezes que os utilizadores acedem a certas páginas da Internet previamente preparadas para isso, ficando por lá, como uma espécie de agente infiltrado, até que ocorra nova consulta. Depois da denúncia, os tais “cookies” foram retirados da página e a Agência publicou uma nota de desculpas, mas não esclareceu quem decidiu, o porquê de tal intrusão, nem que tipo de informação foi compilada.
Contradizendo os cépticos, este caso é bem a prova de que o GRANDE IRMÃO (Big Brother) já está entre nós!
H
Há já algumas décadas que as condições climáticas do planeta estão a mudar, por influência directa e indirecta das actividades humanas, no entanto, ainda há quem diga que isso do buraco do ozono, do “efeito de estufa” e outras congeminações ecológicas, são tudo “histórias da carochinha”.
Para contrariar isso e passar a dispor de uma ferramenta que funcione como referência para as opções a tomar no futuro, o governo britânico encomendou a Nicholas Stern um estudo sobre o impacto das mudanças climáticas nas economias dos países. O Projecto Stern pretende pôr as coisas no seu devido lugar, mas, apesar de ser um trabalho sério e profundo, longe de colher a unanimidade, como seria de esperar, parece ter alargado ainda mais, o fosso que já separava, nestas questões ambientais, os optimistas dos pessimistas. Dizem uns que o documento é alarmista, incompetente e deve ser rejeitado, enquanto que outros afirmam que não aborda a questão nuclear, é francamente optimista, faz demasiadas cedências e é pouco exigente. Eu, para quem isto não é matéria virgem, que apenas li as páginas de conclusões finais, e fiquei atordoado, parece-me ser de uma crueldade atroz continuar a ignorar o que já está a acontecer, e o que os vindouros irão padecer. Qualquer bom observador sabe identificar os sinais que diariamente se vão acumulando, e que demonstram que se estão a operar transformações que degradam a qualidade de vida do planeta. Por outro lado, qualquer mente minimamente informada, também sabe que a bitola económica não é a única chave para garantir a continuação, de forma viável, da vida sobre a Terra. Finalmente, no meio de tantas e tão grandes preocupações, corremos o risco de esquecer que o problema principal reside nos optimistas indefectíveis, que não vêm perigos imediatos em lado nenhum, e que com essa leviandade acabam por inquinar todas as medidas e combates que, para terem sucesso, terão que ser CONSENSUAIS e GLOBAIS. É preciso interiorizarmos, de uma vez por todas, que a Terra é como se fosse uma imensa nave espacial, onde se não forem respeitadas as regras de coexistência e sobrevivência, a vida acabará por se extinguir. Por isso, deixemos de assobiar e olhar para o lado, sempre que o tema de conversa é poluição e os seus efeitos. Ai da Humanidade se não reflectirmos, se não formos prudentes e se não tomarmos medidas. É garantido que a Grande Nave soçobrará.
No fundamental, este relatório Stern vem dizer-nos que as mudanças de clima são uma ameaça global já a ganhar terreno, exigem uma urgente resposta global, sendo que os benefícios colhidos com essa resposta, superarão largamente os danos resultantes de pouco ou nada ser feito. Ninguém nem nenhum país está resguardado da ameaça do aquecimento global. Toda a gente, de uma forma ou de outra, acabará por ser afectada, cabendo aos países mais pobres, menos desenvolvidos e mais desprotegidos, a maior fatia de danos. Tudo isto implica que se alterem substancialmente os estilos de vida, tendo que ser abandonados os conceitos tradicionais que associam o desenvolvimento e o progresso, com altíssimos consumos de energia. Diz o relatório que os próximos 10-20 anos serão determinantes para se apurar se esta guerra, que exige cooperação global e terá que ser travada a nível global, pode ou não ser ganha pela Humanidade. O seu êxito ou fracasso, como é óbvio, depende, não de discursos e intenções, mas essencialmente das acções empenhadas e determinadas que os responsáveis políticos decidam levar a cabo, de forma concertada.
S
Sempre houve muita gente, dentro e fora dos labirínticos corredores vaticanos, que discordaram das conclusões e orientações do concílio Vaticano II, reunido durante o papado de João XXIII. Uns manifestaram-se abertamente contra, como foi o caso do arcebispo Marcel Lefèbvre, fundador da Fraternidade Sacerdotal Pio X, o qual chegou mesmo a ordenar quatro bispos, à revelia do Vaticano, rejeitou o ecumenismo, as missas em línguas vernáculas e manteve o rito tridentino (o sacerdote oficia de costas para os crentes), enquanto que outros, embora cumprindo as novas regras, mantiveram interiormente a sua discordância, aguardando na expectativa e sob uma prudente reserva, o regresso, total ou parcial, aos velhos tempos. Agora que o Vaticano, a propósito de uma certa intenção de pacificar as suas hostes, quer autorizar o regresso, se for esse o desejo de clérigos e paroquianos, às práticas litúrgicas anteriores ao concílio Vaticano II, vem a parte contrária, isto é, os adeptos da renovação, dizer que discorda da medida, porque retira legitimidade às reformas do concílio e acaba por formalizar a divisão da igreja católica em tendências.
Nestas querelas de religião, porque não sou crente, a mim tanto me faz. No entanto, porque não desdenho debruçar-me sobre temas religiosos, dá para perceber, neste princípio de século que vê ressurgir tantos fundamentalismos e ortodoxias, que as organizações não democráticas, onde as resistências são tratadas sem diálogo nem contemplações, quando querem parecer sê-lo, acabam por cair em impasses deste tipo.
O
“O que não falta em Portugal são escritores e realizadores com a inteligência de organismos unicelulares.”
In Inimigo Público de 4 de Novembro de 2006

domingo, novembro 05, 2006

Revista de Imprensa

R
O José Pacheco Pereira (JPP), no seu comentário semanal no jornal PÚBLICO de 26 de Outubro de 2006, transcrito depois para o seu blogue ABRUPTO, resolveu insurgir-se contra alguma comunicação social, neste caso o EXPRESSO, o qual estará a “alimentar o voyeurismo” e a criar condições para que se explore desenfreadamente a hipotética relação do primeiro-ministro com uma certa senhora, a qual é apontada como sua presumível "namorada", classificando tal intromissão na esfera privada dessas pessoas, de algo mais preocupante que mera “coscuvilhice e boatério”, caindo tal prática nos domínios do totalitarismo (?). JPP não foi económico. Na sua dissertação usou, nada mais, nada menos que 1.037 palavras, que serviram de embrulho a um tremendo arrazoado moralista, onde pretende denunciar a imprensa que pretendendo fazer-se passar por “séria” e de referência, mas que cumpre, afinal, de uma forma mais ou menos encapotada, a função que cabe aos tablóides. Na minha modesta opinião, não vale desancar, por atacado, nos jornais e nos jornalistas, quando os responsáveis pela decadência da imprensa séria e a franca expansão da sensacionalista, somos nós, ilustres e decadentes lusitanos.
Do outro lado, estão as pessoas que andam nas bocas do mundo, que enquanto assunto dessas pseudo-notícias, se dividem em dois grupos. De um lado estão as pessoas que por pura ingenuidade, são apanhadas nas malhas do jornalismo sensacionalista, saindo fragilizadas dessa ligação, ao passo que do outro estão aquelas que se expõem deliberadamente, disso tirando graúdas vantagens, porque os seus inconfessáveis interesses assim o exigem. Na situação em análise (o Sócrates é ou não é namorado da tal senhora), ainda não ouvi nenhuma reacção que viesse pôr em causa a veracidade das notícias, logo, apoiando-me na sabedoria popular, concluo que quem cala consente. Quanto aos jornais propriamente ditos, e como atrás deixei dito, quem faz a imprensa de um país são os seus consumidores, e se o EXPRESSO, de jornal de referência, entendeu mudar de estatuto e “tabloidizar-se”, ou é porque não é dirigido por profissionais à altura, seguidores de uma dada linha editorial, ou então é porque o seu público-alvo está a sofrer uma mutação, “desinteressando-se” dos assuntos sérios, e antes que os leitores mudem de jornal, muda-se o jornal a si próprio.
Desde que a palavra escrita se conhece como tal, que foi objecto de uma de duas atitudes: ou se elogiou o analfabetismo e a consequente ignorância como um atributo da santidade, chegando ao extremo de usar línguas mortas para difundir mensagens (missas em latim), ou então, perante a erradicação do analfabetismo, os detentores do poder económico acharam que o maior investimento a que podiam aspirar, era dominar os instrumentos de comunicação social, de forma a que pudessem moldar e controlar subtilmente a informação, segundo os seus interesses e desígnios. É por isso que o tal “quarto poder” de quem tanta gente se queixa, e que é detido por tão poucos, continuará a produzir notícias que serão cada vez menos informação, e cada vez mais manipulação, enquanto nós formos permitindo que assim seja.
N
No editorial do jornal PÚBLICO de 27 de Outubro, José Manuel Fernandes (director do diário) excedeu-se de forma inadmissível. Ao comentar a existência de alguns seres abjectos que escudados no anonimato da blogosfera, se recreiam a lançar suspeitas sobre a idoneidade intelectual de escritores portugueses, sem mais, nem menos, meteu toda a gente no mesmo saco ao dizer que “neste país de cobardes sem rosto que intrigam pelas costas…”, etc, etc. A expressão utilizada, “país de cobardes”, pretende ser um saco enorme, onde estamos todos incluídos, sem excepção. Eu, tu, ele, nós, vós e eles, todos sem escapatória nem perdão, fazemos parte do mesmo bando de biltres. Oh Zé Manel, tenha tento na escrita, faça marcha-atrás e vá chamar cobarde a outro!
E
Entretanto, fiz questão de enviar este texto, por e-mail, para as “cartas ao director” do PÚBLICO. O José Manuel Fernandes respondeu nestes termos:
E
Em nenhum país todos são cobardes. Mas a frontalidade não é por certo uma das nossas maiores virtudes. Basta notar que em 48 anos de ditadura morreram a combatê-la menos pessoas do que em qualquer um dos doze dias do levantamento húngaro contra os soviéticos. Ou que um mês antes do 25 de Abril o Estádio de Alvalade em peso aplaudiu Marcello Caetano, tendo-se levantado para o fazer gente que, provavelmente, depois esteve no Largo do Carmo a exigir o seu linchamento. Claro que todas as regras têm excepções e, sobretudo, “país de cobardes” é uma figura retórica que visa chamar a atenção para a tibieza e o vergar a espinha que, infelizmente, nos confrontamos demasiadas vezes.
Com os melhores cumprimentos
José Manuel Fernandes
A
A resposta não me satisfez e persisti.
A
Agradeço a sua resposta e passo a retribuir. Pois é Zé Manel, volto a insistir que uma coisa é frontalidade e outra é usar desbragadamente figuras de retórica, adjectivando a torto e a direito, TODOS OS PORTUGUESES de cobardolas, esquecendo que a retórica é a arte de bem ARGUMENTAR. Não tenho pretensões a discorrer sobre ética ou boas maneiras, mas acho que o respeitável director do jornal PÚBLICO, não é propriamente um qualquer descabelado “bloger”, desses sem eira nem beira, que nem imaginação têm para arranjar um pseudónimo.
Finalmente, e já que levantou a questão, porque não comparar o escasso número de pessoas que morreram a combater os 48 anos de ditadura salazarista, com as que foram dizimadas pela ditadura de Pinochet, pela tirania de Pol Pot, pelo regime franquista ou até na longa luta pelos direitos cívicos nos EUA?
Aceite os meus cumprimentos.
Fernando Torres

quinta-feira, novembro 02, 2006

Os Espontâneos

O
O primeiro-ministro Sócrates e o seu camarada Jorge Coelho, porque se intitulam figuras da “esquerda moderna” portuguesa, fizeram uma descoberta colossal: conseguem distinguir uma manifestação organizada de uma manifestação espontânea. Para eles as primeiras são sempre montadas previamente pelos comunistas, baseiam-se na velha injecção atrás da orelha e apenas têm por objectivo denegrir e criar agitação, enquanto que as segundas, são genuínas e puras, porque são de concepção espontânea, virgens de contágios e isentas de malefícios. José Sócrates inclui no primeiro grupo aquelas manifestações de desagrado que normalmente o recebem nas suas deslocações pelo país, e no segundo aquelas audiências, escolhidas a dedo, que emolduram, gratas e aduladoras, as suas prelecções nessas mesmas deslocações, e que pretendem marcar o compasso do andamento do país.
Quanto ao doutor Eduardo Prado Coelho, “eminência” intelectual que umas vezes por outras também desce ao terreiro da política, não fica atrás neste tipo de deduções e cogitações, pois até costuma ser convidado a integrar, como “espontâneo”, essas manifestações. Do alto da sua cátedra, confiante e sibilino, “intelectualmente moderno” mas avesso a blogismos, fala de pequenos grupos mobilizados e orquestrados pelos tais comunistas, que continuam a usar os tais incomodativos e obsoletos “métodos para fazer política”, quando, bem vistas as coisas, e até onde a vista abrange, toda gente está feliz, contente e confiante, não havendo razões nenhumas para tais propósitos.
Convém advertir os incautos que qualquer semelhança destes telegénicos colóquios com aquelas concentrações cívicas que se reuniam “espontaneamente”no Terreiro do Paço, para apoiar as políticas do Salazar, organizadas e comandadas pelos caciques locais e governadores civis, nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado, não passa de pura coincidência.

BANCOS

B
“Só nos resta entregarmos o país aos bancos. O problema é que os bancos dificilmente aceitarão o negócio, pela simples e justificada razão de que o país já é deles.”
Manuel António Pina, in Jornal de Notícias em 1-11-2006
B
Carta Aberta ao BRADESCO (divulgada por correio electrónico)
B
Exmos. Senhores Administradores do BES
B
Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria desta forma: todos os meses os senhores e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico, tabacaria, frutaria, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao utilizador. Serviria apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos. Por qualquer produto adquirido (um pão, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até ligeiramente acima do preço de mercado.
Que tal?
Pois, ontem saí do meu BES com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade. A minha certeza deriva de um raciocínio simples.
Vamos imaginar a seguinte situação: eu vou à padaria para comprar um pão. O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de embrulhar ou ensacar o pão, assim como, todo e qualquer outro serviço. Além disso, impõe-me taxas. Uma "taxa de acesso ao pão", outra "taxa por guardar pão quente" e ainda uma "taxa de abertura da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no meu Banco.Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto do negócio bancário. Os senhores cobraram-me preços de mercado. Assim como o padeiro cobra-me o preço de mercado pelo pão.Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto que adquiri.Para ter acesso ao produto do v/ negócio, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de crédito" - equivalente àquela hipotética "taxa de acesso ao pão", que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente no v/ Banco. Para que isso fosse possível, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de conta".Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da padaria", pois, só é possível fazer negócios com o padeiro, depois de abrir a padaria.Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "Papagaios". Para gerir o "papagaio", alguns gerentes sem escrúpulos cobravam "por fora", o que era devido. Fiquei com a impressão que o Banco resolveu antecipar-se aos gerentes sem escrúpulos.
Agora ao contrário de "por fora" temos muitos "por dentro".
Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores cobraram-me uma taxa de 1€.
Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de 5€ "para a manutenção da conta" - semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".
A surpresa não acabou: descobri outra taxa de 25€ a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo. Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quente".
Mas, os senhores são insaciáveis.
A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu fizer.
Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações do v/. Banco.
Por favor, esclareçam-me uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que a v/ responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito elevados, etc, etc, etc. e que apesar de lamentarem muito e nada poderem fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco de Portugal.
Sei disso.
Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem o v/ negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.
Sei que são legais.
Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade. O cartel algum dia vai acabar e cá estaremos depois para cobrar da mesma forma.