domingo, junho 10, 2007

Os Meus Comentadores 2

O
Porque me começam a faltar a paciência, as palavras e a capacidade de armazenamento de todas as vacuidades e cavalidades que por cá se produzem, passo a palavra a outras pessoas, de indubitável respeitabilidade, sagacidade e clarividência.

Rui Mateus, na INTRODUÇÃO ao seu livro intitulado Contos Proibidos - Memórias de um PS Desconhecido, publicado em 1996, afirma o seguinte:
"Em Portugal, neste pequeno país periférico, diminuído pela indigência e obscurecido pela opacidade, ensaia-se um sistema político-partidário moldado pelo Partido Socialista, onde só duas décadas após o restabelecimento da democracia se começa a discutir o tráfico de influências, a transparência e, enfim, o cidadão. Discussão envolvida em tanta hipocrisia e por métodos tão falaciosos que poderemos considerar que o nosso país, neste capítulo, se encontra num espaço cultural de transição entre o fascismo e um «estado de juízes», que não vislumbra um regime de verdadeiro controlo e legitimação democrática das instituições."
E mais à frente, conclui:
“Não há Democracia sem a participação dos cidadãos na vida do seu país. Escolheu-se definir, em Portugal, que a ênfase dessa participação se faça através de partidos políticos. Mas faltam ainda definir regras estritas sobre a democracia interna nos partidos que os impossibilite de se transformarem, como tem vindo a acontecer em Portugal, em aparelhos burocráticos fechados que impedem essa mesma participação. E para além da ausência de regras que permitam, pela via individual, o acesso do cidadão à actividade política, não existem regras idóneas de financiamento dos partidos, nem de transparência para os políticos. Um pouco à semelhança dos «pilares morais» do regime, a Maçonaria e a Opus Dei, tudo se decide às escondidas, como se o direito dos cidadãos à informação completa e rigorosa de como são financiadas as suas instituições e dos rendimentos dos seus governantes e dos seus magistrados fosse algo suspeito, algo subversivo.
Liberdade, Justiça e Transparência são sinónimos de Democracia. E sem esses ingredientes essenciais o regime português não passará de uma democracia com pés de barro. Acontecerá então, para mal de todos nós, a conversão do já em si negativo «triunfo da política» no temível «estado dos juízes»!

Diz o senhor Possidónio, que é o veterano dos aposentados cá do bairro, antigo funcionário do Ministério da Justiça, a propósito desta última decisão da nossa magistratura, que reduziu a pena a um pedófilo, porque foi concluído que a criança tirou prazer do abuso, que esta sentença irá certamente fazer jurisprudência, sendo tomada em consideração no julgamento dos arguidos do caso da Casa Pia. Quando lhe perguntei, a talhe de foice, o que é que ele achava do facto de um conhecidíssimo e procuradíssimo traficante de droga ter sido libertado, depois de condenado a 25 anos de prisão, porque o processo tinha algumas incorrecções formais, ele limitou-se a dizer, simplesmente:
- Não comento; conclua você mesmo!

Recorda, com muita propriedade, o professor Santana Castilho, que “a delação é um fenómeno de todos os tempos e sempre habitou o lado mais negro da espécie humana. Para medrar, não importa a época. Basta, como qualquer semente daninha, que encontre terreno propício. É preciso, por isso, avisar todos os professores “Charrua”. Porque têm face e nome os que publicam um guia incitando 700 mil funcionários públicos à bufaria.”.

Diz a notícia do PÚBLICO de 2007-6-6, transcrita com palavras minhas, que aos 53 anos (idade madura para uns, podre para outros), José Salter Cid sai da presidência da PT ACS, onde esteve um ano, com uma pré-reforma mensal próxima dos 15 mil euros (3 mil contos mensais, pagos pelos contribuintes), para se assumir como número dois da lista de Fernando Negrão, candidato do PSD, à Câmara Municipal de Lisboa. Apesar da crise económica, do desemprego e da insustentabilidade da segurança social, continuam a multiplicar-se os “empregos” e as “reformas” douradas, a bem da nação, da democracia e do grande negócio dos tachos.

O senhor Venâncio, respeitável sacerdote excomungado da Igreja Católica Apostólica Romana, garante que a igreja, ao contrário do que apregoa, duvida da existência de todos os atributos relacionados com Deus (omnipresença e omnisciência), logo do próprio Deus. A sua convicção reside no facto de muitos sacerdotes afirmarem que um pecado é menos grave se for cometido na privacidade do que se for testemunhado por terceiros. Por exemplo: bater na mulher no recato do lar será um pecado menos grave (na opinião dos doutos purpurados) do que se for cometido em plena via pública, à hora de ponta. Insurge-se, e como muita razão, o meu amigo Venâncio, quando reclama desta justiça e desta moral, que faz distinção entre o público e o privado, onde as aparências valem mais que a realidade nua e crua, como se de comédia se tratasse, esquecendo a própria igreja que com tal juízo está a relativizar e a subverter o dom da omnipresença divina.
Finalmente, a prova de que a igreja católica duvida da eficácia de Deus, reside na obrigatoriedade de os católicos terem que enumerar os seus pecados junto de um padre confessor, nem mais nem menos do que um ser humano munido de procuração e poder para perdoar em nome do “altíssimo”. Será que a absolvição dos pecados, após a confissão terrena, sejam eles muitos ou poucos, grandes ou pequenos, dispensa o pecador, liminarmente, do tão apregoado julgamento divino final?
Moral da história: para já, não vale a pena acreditar no tal juízo final, coisa banal em tudo o que compromete divindades. Poderemos pecar tantas e quantas vezes nos apetecer, que a salvação estará sempre assegurada, desde que haja um sacerdote por perto.

segunda-feira, junho 04, 2007

Os Meus Comentadores

O
Comentando as corridinhas na via pública, que o nosso primeiro-ministro costuma fazer nas suas visitas ao estrangeiro, diz a dona Minervina, que é a florista aqui do bairro, que só corre quem quer fugir de alguma coisa…

Andam por aí a dizer que o aeroporto da Portela, depois de ser desactivado, pode muito bem vir a tornar-se a maior zona verde da cidade de Lisboa. Diz o senhor Teodoro, que é o meu cauteleiro preferido, que isso talvez venha a ser verdade, desde que o cimento deixe de ser cinzento.

Diz o nosso primeiro-ministro Pinto de Sousa (também conhecido por José Sócrates), discursando na Assembleia da República em 2007-5-31, que um aeroporto é assim uma coisa parecida com um parque de estacionamento de aviões, com um centro comercial no meio.

sábado, junho 02, 2007

A Regra e a Excepção

A
O Balbino era uma pessoa que sempre teve grande dificuldade em conduzir com resultados satisfatórios a sua actividade profissional. Apesar de exibir uma postura que sugeria estar permanentemente assoberbado de serviço, e ocupadíssimo com a resolução dos mais complexos problemas, na verdade, a realidade era bem diferente. Não havia dia que o Balbino não chegasse substancialmente atrasado ao escritório, invocando as mais variadas razões, desde uma noite mal passada, o relógio que se recusou a despertar, o corte de água quando estava ensaboado no banho, o ter ficado fechado no elevador, o monstruoso engarrafamento na ponte ou a irregularidade dos horários dos autocarros. Tudo era pretexto para interromper o seu ritmo de trabalho, fosse ele a falta de papel na impressora, o esquecimento das chaves da secretária, as insuportáveis dores na coluna, um aparte de um colega sobre as flutuações do campeonato de futebol, a carga da esferográfica que acabou, o serviço que já vinha engatado da outra secção, a maçada de ter que fazer o arquivo, o computador que ficou bloqueado, uma vontade desmedida de ir beber um café lá fora ou um qualquer telefonema, associado a um qualquer problema, particular e inadiável, para resolver no exterior. O regresso do almoço era também sempre com substancial atraso, seja porque os snacks da zona estavam a abarrotar, porque esperou uma eternidade pelo prato de jardineira, ou então porque o Ramos nunca mais trazia a conta. Ao fim da tarde, a mais de uma hora do fecho dos serviços, o Balbino começava sub-repticiamente a arrumar a secretária, dez minutos depois tornava-se invisível, desaparecendo da vista e dos apelos para tarefas de última hora, e à hora dos outros começarem a sair, já não havia sinais nem cheiro dele.
O chefe já estava habituado a esta rotina do Balbino, recheada de obstáculos, dificuldades, indisposições, ausências súbitas, situações imprevistas, azares, mais uma bateria infindável de acidentes domésticos e pequenas catástrofes no seu posto de trabalho, que faziam com que nunca se pudesse contar com o Balbino, fosse para o que fosse. Assim, impunha-se que a chefia assumisse que tudo o que o Balbino não conseguia ou queria fazer, alguém acabaria por ter que o fazer por ele. Em resumo, nunca ninguém contava com o Balbino. Mas a chefia lá ia contando, todos os anos, com a compensação dos simpáticos presentinhos do Balbino, sempre que vinha de férias. Ora bem, ninguém fica indiferente perante umas trouxas-de-ovos, um ou dois chourições e mais umas quantas vitualhas…
Excepcionalmente, ao longo dos anos, uma vez por outra, esta rotina do Balbino era quebrada, e isso acontecia sempre em dias muito especiais. Como aconteceu há alguns dias atrás. O Balbino, fugindo à regra, chegou antes da hora, fresco e determinado, despachou diligentemente uma quantidade razoável de serviço, sorveu, distraída e apressadamente, uma chávena de café à secretária, frente ao computador, gastou apenas vinte minutos do período do almoço, passou o resto do dia a tentar resolver problemas “bicudos”, e até acabou por sair mais tarde que o horário exigido, facto que o chefe registou, e o senhor director-geral, devidamente informado do facto, reconheceu com agrado. Ao contrário do Balbino, os poucos colegas que naquele dia tinham ido trabalhar contrariados, fizeram ronha durante todo o dia, trocaram entre si uns quantos sorrisos e olhares cúmplices, mas não esboçaram espanto nem qualquer comentário, pois a postura e a atitude excepcional do Balbino não mereciam tal.
De facto, aquele dia era muito especial: estava-se em 30 de Maio de 2007, dia de Greve Geral.

quarta-feira, maio 30, 2007

Recortes

R
“Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensão do seu corpo... Mas o livro é outra coisa, o livro é uma extensão da memória e da imaginação.”
Jorge Luís Borges, escritor argentino

O arcebispo de Pamplona entende que os pequenos partidos da extrema-direita, "fiéis à doutrinal social da Igreja", podem ser "dignos de consideração e apoiados". Como exemplo referiu a Falange, o partido fascista de Primo de Rivera, o mentor do ditador Francisco Franco.
Miguel Marujo, in FÁTIMA MISSIONÁRIA, de 07-05-2007
Meu Comentário: Da hierarquia católica já nada me ofende nem me espanta.

“O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela, que têm o ofício de sal, qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar.”
Padre António Vieira, jesuíta português, in Sermão de Sto. António aos Peixes

Parafraseando o humorista brasileiro Millôr Fernandes, também em Portugal, quando em 25 de Abril o povo tomou o palácio, inebriado com a alegria, cometeu um erro de palmatória: esqueceu-se de puxar o autoclismo!

O pagamento de uma indemnização a uma pessoa que fique incapacitada para o trabalho na sequência de um facto da responsabilidade de um terceiro vai substituir o pagamento da respectiva pensão por invalidez. A nova regra faz parte do decreto-lei que altera as regras para a atribuição de pensões – por invalidez e velhice – da Segurança Social que entra em vigor a 7 de Junho.
“Existindo responsabilidade civil de terceiro pelo facto determinante da incapacidade que fundamenta a atribuição de invalidez, não há lugar ao pagamento das respectivas prestações até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse tal responsabilidade, atinja o valor da indemnização por perda da capacidade de ganho”, lê-se no documento. Quer isto dizer que uma pessoa que receba uma indemnização de dez mil euros e tenha direito a uma pensão mensal de 200 euros, só irá usufruir desta passados 50 meses sobre o recebimento da primeira.Uma vez esgotada a indemnização, o beneficiário começará a usufruir da pensão fixada consoante a sua invalidez seja considerada relativa ou absoluta. A diferenciação é mais uma novidade do decreto-lei que define como invalidez absoluta a que incapacita de forma permanente e definitiva para qualquer profissão ou trabalho e como invalidez relativa aquela que impeça o beneficiário de auferir na sua profissão mais de um terço da remuneração correspondente ao exercício normal.
Jornal CORREIO DA MANHÃ, em 2007-5-14
Meu Comentário: Depois do Estado “mau administrador” e “esbanjador” da coisa pública, e do Estado “ladrão” que tira aos pobres e remediados para dar aos ricos, passamos a ter também o Estado “chulo”, que quer viver à custa da desgraça alheia.

“Com o dinheiro, os Rockefeller adquiriram o controlo dos meios de comunicação social. Com os meios de comunicação social, a família obteve o controlo da opinião pública. Com o controlo da opinião pública, obteve o controlo da política. E, com o controlo da política, está a assumir o controlo da nação.”
Gary Allen, in The “Rockefeller File”.

“… caímos nas mãos de uma classe de políticos profissionais de baixíssimo perfil, gente pequena no carácter e nos valores, curta na cultura e na educação, omissa na ética e nos princípios, que abraçou a carreira apenas e só porque vislumbraram nela uma porta franca para singrar na vida.”
A.Manuel A.Mendes, in Cartas ao Director, jornal Público de 2007-Maio-5

“Quem troca a liberdade pela segurança acaba por perder as duas.”
Benjamim Franklin (1706-1790), estadista americano, fundador da independência dos EUA.

“É uma triste sina: em Portugal, cada um interessa-se pela sua liberdade, quase nunca pela liberdade dos outros. E quase sempre, quando podem, escolhem o poder em detrimento da liberdade.”
António Barreto, sociólogo, in Retrato da Semana, Jornal PÚBLICO de 2007-4-29
Meu Comentário: É a tentação do “chefe providencial”. Começámos com Sidónio Pais, caímos nas garras de Oliveira Salazar, suportámos Cavaco Silva e estamos agora experimentando José Sócrates.

“O autoritarismo é uma doença social altamente contagiosa. Políticas autoritárias (sobretudo acompanhadas de culto da personalidade) geram tiranetes e bufos por todo o lado”.
Manuel António Pina in Jornal de Notícias

Nas comemorações do 25 de Abril de 2007, no Parlamento, o deputado Paulo Rangel do PSD, entre outras coisas disse que:
- Portugal vive um tempo de claustrofobia democrática;
- Nunca como hoje se sentiu este ambiente de condicionamento da liberdade;
- Não são só os meios de comunicação social, mas também a sociedade portuguesa que está condicionada;
- Nunca, como hoje, em décadas de democracia, se sentiu este ambiente de condicionamento da liberdade.
Em resumo, adensam-se os sinais e crescem as apreensões, de que há um risco efectivo de estarem a ser subvertidas a liberdade e o regime democrático, mas o primeiro-ministro, professoral e alegremente, vai apelidando tudo isto de mero “bota-baixismo”.

sábado, maio 26, 2007

O Eldorado

O
Vivo num país em que dia sim, dia não, umas eminências em economia e finanças, me dizem que vem aí a recuperação económica, à mistura com a maior taxa de desemprego dos últimos 21 anos, e que uma coisa não tem nada a ver com a outra;
Vivo num país em que se fecham maternidades e se passa a nascer em ambulâncias, lá para o quilómetro "coisa e tal";
Vivo num país em que se morre por “dá cá aquela palha”, porque fecharam as urgências hospitalares e o serviço móvel de emergência médica chegou tarde demais;
Vivo num país em que se fecham escolas, porque a educação se tornou um encargo insuportável;
Vivo num país em que os actuais governantes afirmam à boca cheia que Portugal não se consegue desenvolver se não for construído o TGV e o novo aeroporto da OTA;
Vivo num país em que a margem sul do Tejo é encarada pelo governo como um deserto, sem estradas, sem hotéis, sem farmácias, sem comércio, sem escolas, mas com perto de 800.000 camelos disfarçados de pessoas, que apesar de pagarem impostos, não lhes é reconhecido o direito de desfrutarem dos benefícios de um novo aeroporto;
Vivo num país em que existe um punhado de ministros, que apenas têm por função dizerem e fazerem algumas barbaridades, subtraindo o Primeiro-Ministro e principal responsável pela governação, às atenções e ao julgamento da opinião pública;
Logo:
Vivo num país em que o ministro da ECONOMIA não o queria nem para porteiro de um bar de alterne;
Vivo num país em que a ministra da EDUCAÇÃO não a queria nem para meter medo às criancinhas, quando não querem comer a sopa;
Vivo num país em que o ministro das OBRAS PÚBLICAS não o queria nem para canalizador ou perito em fotocopiadoras encravadas;
Vivo num país em que a ministra da CULTURA não a queria nem para afinadora de gaitas-de-foles;
Vivo num país em que o ministro da SAÚDE não o queria nem para embalsamador da funerária cá do bairro;
Quanto ao Primeiro-ministro não o queria nem para explicador de inglês técnico;
E direi mais:
Vivo num país em que os “tachos” nem sequer chegam a aquecer, já que uns dias depois de um conceituado “boy” ter sido indigitado para o Tribunal Constitucional, logo a seguir foi mobilizado para mais altos voos, correndo a desempenhar a função de novo ministro da Administração Interna;
Vivo num país em que depois de terem andado a incentivar a denúncia fiscal, como sendo uma virtude do estado democrático, passou a ser normal cultivar-se a prática da delação e intimidação, mascarada de excesso de zelo, promovendo a suspensão e instauração de processos disciplinares a professores que emitem opiniões em privado, a propósito das más práticas académicas e curriculares do Primeiro-ministro;
Vivo num país em que se tornou prática corrente vexar e insultar, num tom arrogante e autoritário, algumas classes profissionais, acusando-as de usufruírem de espantosos e mirabolantes privilégios, que seriam geradores de crise, quando o que se pretende é eleger uns quantos inimigos públicos, desviando assim a atenção da opinião pública dos verdadeiros autores e responsáveis pela crise;
Vivo num país em que o Supremo Tribunal de Justiça, na sua tocante e intocável sabedoria, sentencia que o simples acto de divulgar a verdade sobre algo ou alguém, pode ser punível, se essa verdade for inconveniente e susceptível de macular o “bom nome” ou “boa imagem” desse algo ou alguém. Divulgar a verdade passa a crime, ao passo que a corrupção, a mentira, a fraude e outros malefícios, poderão converter-se, por obra e graça desta fórmula jurídica, não digo que a mais casta das virtudes, mas apenas um delito de segunda ordem. Como se a anterior decisão não bastasse, para avaliar da idoneidade e respeitabilidade da nossa justiça, junta-se àquela uma outra deliberação que considera “lícitos” e “aceitáveis” a aplicação de castigos corporais em crianças deficientes, demonstrando que o mais retorcido obscurantismo medieval, continua de saúde e recomenda-se, apesar dos progressos verificados em matéria de direitos humanos;
Vivo num país em que o governo promoveu a criação de uma base de dados, para saber com rigor milimétrico, quem na administração pública vai fazer greve no próximo dia 30 de Maio, e depois, sempre que tal se repetir;
Vivo num país em que as todas as polícias, por causa da estafada desculpa do terrorismo, vão passar a ter um sábio-coordenador-orientador, que apenas receberá ordens, e delas prestará contas, ao Primeiro-ministro, o qual anseia por gozar de poderes semelhantes aos do “Grande Irmão”, figura central do “1984” de George Orwell;
Vivo num país em que um conhecido “comissário político” do partido do governo, num acesso de caceteira autoridade, afirmou que quem se meter com o PS, leva!;
Vivo num país em que a governadora civil de Lisboa (uma excrescência da monarquia constitucional), não teve o mínimo pudor em fazer o frete ao partido do governo, marcando eleições para uma data que inviabilizava a apresentação de candidaturas independentes. Para compor o quadro de respeitabilidade e isenção, a dita “madame” aceitou fazer parte da equipa de “notáveis” que dão apoio à candidatura do partido do governo;
Vivo num país em que o estado emocional do povão se passou a medir através de sondagens, as quais garantem que se mantêm intactos os níveis de aceitação do partido que nos governa (e dos outros que à custa disso se estão a governar), continuando a maioria absoluta beatificamente em estado de (DES)graça.
Aconselham-me a retratar-me, que reconsidere, que deixe de ser pessimista, pois devia dar graças por viver neste cantinho, candidato a Eldorado!
Reconsidero e, teimosamente, acabo por concluir que vivo num país adiado, onde por força de quem nos (DES)governa e da perda de sentido de decência, qualquer semelhança com o 24 de Abril JÁ NÃO É PURA COINCIDÊNCIA.

terça-feira, maio 08, 2007

Notícias da OTA

N
Da autoria do Arquitecto Luís Gonçalves, recebi a seguinte informação:

Será editado na primeira quinzena de Maio, pela Tribuna, o livro «O Erro da Ota e o Futuro de Portugal: a Posição da Sociedade Civil».

O panorama traçado pelos autores revela que não está apenas em jogo decidir se o novo aeroporto de Lisboa deve ser grande e substituir o da Portela; se deve ser mais pequeno e servir os voos de Baixo Custo e combinar-se com o actual, na solução Portela +1; ou se deve haver um novo aeroporto na grande banda de território plano entre Tejo e Sado que vai desde o Campo de Tiro de Alcochete até à Marateca. O que está em jogo exige começar por “sentir o território”; tentar perceber a geografia da região metropolitana de Lisboa; quais as potencialidades dos grandes estuários e a ligação dos corredores do Tejo e Sado; as vulnerabilidades da expansão a Norte do Tejo; a abrangência e as ameaças ambientais ao aquífero da península de Setúbal; a rede de ligações mar e terra, os portos e o transporte ferroviário e rodoviário.
Em segundo lugar, os autores deste livro rejeitam a Ota. Foi uma decisão mal preparada por sucessivos governos; mal fundamentada do ponto de vista técnico; acompanhada da ocultação e da manipulação de estudos; e desacompanhada por precauções relativamente à especulação fundiária: rejeitam o erro da Ota que contraria toda e qualquer normalidade de procedimentos de “bom senso”.
Em terceiro lugar, aceitam que a Portela tem de ser complementada por um novo Aeroporto que deverá surgir de uma perspectiva de implementação faseada. O novo Aeroporto Internacional terá de reservar espaço de desenvolvimento para todo o século XXI. Para isso, o território em que se implanta deve ser bem compreendido, e as ligações com portos e ferrovias bem estabelecidas porque, em futuro próximo, as contingências ambientais limitarão a correcção de trajectória.
A

domingo, maio 06, 2007

Dadores

D
Uma breve publicada na 1ª página do Expresso revela que o nosso putativo engenheiro - PM Pinto de Sousa - resolveu ser criativo e num acto de abnegação e altruísmo decidiu doar a sua medula. Um acto louvável, se efectuado no anonimato e de acordo com as boas práticas.No entanto, os seus assessores de imagem na sofreguidão de "implementarem" estratégias de reparação de danos olvidaram um pequeno pormenor: Só são admitidos dadores maiores de 18 anos e menores do que 45 anos. Se a biografia do natural de Vilar de Maçada está correcta, o jovem voluntário já passou o prazo.

Divulgado pelo blog GRANDE LOJA DO QUEIJO LIMIANO
(
http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/ )

quinta-feira, maio 03, 2007

Discursar Pró Boneco

D
Foi no dia 1.º de Maio, feriado e Dia do Trabalhador. São 17 horas, hora dos tele-noticiários intercalares da RTPN e da SIC Notícias. Há uma concentração da UGT para os lados de Loures e o senhor Proença vai debitando o seu discurso para as televisões, com direito a uma ampla panorâmica, abarcando um majestoso cenário, pintalgado de relva e de pessoas, sendo que a relva é muito mais que as pessoas. Há concentração da CGTP na Cidade Universitária, e as mesmas televisões mostram apenas o senhor Carvalho da Silva a discursar para um hipotético público, do qual não nos é mostrada uma única cabecinha, apesar de lá estarem uns largos milhares. As câmaras de ambas as estações parecem atacadas da mesma súbita paralisia e até a jornalista da SIC Notícias que acompanha o evento se sentiu na obrigação de se recolher sob um alambazado chapéu-de-chuva (choveria mesmo?), que não deixou ver nada para lá dela. Enquanto que o secretário-geral da UGT fala para as televisões, no segundo caso, por obra e graça da mais reles manipulação, o secretário-geral da CGTP estava apenas a discursar pró boneco. À hora dos tele-noticiários da noite, o tratamento foi mais condizente com a realidade, talvez porque os “censores” de serviço eram menos zelosos. No meio destes propósitos, é habitual os responsáveis por este tratamento desigual, continuarem a dizer que a informação que veiculam, é objectiva, isenta e imparcial! Prevejo que no próximo dia 30 de Maio, dia da greve geral decretada pela CGTP, o tratamento televisivo seja orientado pelas mesmas normas de objectividade, rigor e verdade. Assim vai a informação em Portugal! Há coisas fantásticas, não há?

terça-feira, maio 01, 2007

Maio

M
É tempo de anseios e exaltações,
Motins, revoltas e libertações.
É altura de mãos cheias de sementes,
Contadas e lançadas entre dentes.
É história de milagres e aparições,
Visitas de outros mundos,
Outras ciladas e interpretações.

Maio é multidão de cores
E outros tantos odores.
Maio é pórtico de vida,
Curta e desmedida,
Por vezes desentendida.
Maio é torrente de abraços,
Êxtases e outros laços,
E um caudal de gestos
Contra a corrente.

Deixem Maio ser
Fogo que arde devagar,
Caminheiro do tempo
Que avança sem olhar.

F.Torres, 2001


MAIO em ABRIL – Guache e colagem sobre cartolina(47x67cm)
de Fernando Torres, 1975

terça-feira, abril 24, 2007

Quatro Visões Daquela Madrugada

E
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

A aventura de ficar
Nesta terra espezinhada
Ou o delírio de acordar
Pelas três da madrugada

Augusto Carvalho in ARESTAS VIVAS – 1980

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena

José Carlos Ary dos Santos
Excerto de AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU - 1975


ABRIL em 74 – Guache sobre cartolina (38x58cm)
de Fernando Torres, 1975

sexta-feira, abril 20, 2007

Gestão por Objectivos

G
Através de e-mail, recebi do meu amigo PVM uma historieta cheia de graça, que não resisto a divulgar.

Era uma vez uma aldeia onde viviam dois homens que tinham o mesmo nome: Joaquim Gonçalves. Um era sacerdote e o outro, taxista. Quis o destino que morressem no mesmo dia. Quando chegaram ao céu, São Pedro esperava-os.
- O teu nome?
- Joaquim Gonçalves.
- És o sacerdote?
- Não, eu sou o taxista.
São Pedro consulta as suas notas e diz:
- Bom, ganhaste o paraíso cinco estrelas. Levas esta túnica com fios de ouro e este ceptro de platina com incrustações de rubis. Podes entrar.
São Pedro dirige-se ao outro:
- Então és tu o sacerdote?
- Sim, sou eu mesmo.
- Muito bem, meu filho, ganhaste o paraíso duas estrelas. Levas esta bata de linho e este ceptro de ferro.
O sacerdote diz:
- Desculpe, mas deve haver engano. É que eu sou o Joaquim Gonçalves, o sacerdote!
- Sim, meu filho, ganhaste o paraíso. Levas esta bata de linho e...
- Não pode ser! Eu conheço o outro, Senhor. Era taxista, vivia na minha aldeia e era um desastre! Subia os passeios, batia com o carro todos os dias, era desleixado, conduzia pessimamente e assustava as pessoas. Nunca mudou, apesar das multas e repreensões policiais. E quanto a mim, passei 75 anos pregando todos os domingos na paróquia. Como é que ele recebe a túnica com fios de ouro e eu... isto?
- Não há nenhum engano - diz São Pedro.
- Aqui no céu, estamos a fazer uma gestão mais profissional, como a que vocês fazem lá na Terra.
- Não entendo!
- Eu explico. Agora aderimos à gestão por objectivos, logo o que interessa são os resultados. É assim: durante os últimos anos, cada vez que tu pregavas, as pessoas dormiam. E cada vez que ele conduzia o táxi, as pessoas começavam a rezar. Os resultados estão à vista! Percebeste?

Cenas do Portugal “socialista”

C
O Banco de Portugal, cujo governador é um socialista, de seu nome Victor Constâncio, e que se tem mantido particularmente activo nas promessas e recados ao mundo empresarial, veio dizer que o Código Laboral é um dos principais entraves ao desenvolvimento económico do país, pois continua a condicionar a mobilidade e a flexibilidade do mercado de trabalho, logo é um factor da fraca prestação das empresas. Assim, defende uma nova revisão da legislação laboral, com vista à sua “modernização”, o que só se pode traduzir em menores salários e maior precariedade. Vivam este PS e a flexisegurança!

O ministro da saúde Correia de Campos não tem preconceitos, não descrimina nem segrega ninguém. A prova disso é que tanto manda fechar centros de saúde, urgências e maternidades do Serviço Nacional de Saúde, como corre a inaugurar em Carnide, com grande estardalhaço, uma nova clínica privada.

O ministro do ambiente Nunes Correia anunciou que o Governo levantou a proibição de construção em áreas florestais ardidas, quando provado que o fogo resultou de causas fortuitas, ou então «em caso de interesse público ou de empreendimentos com relevante interesse geral» (estão a perceber, não estão?). Eis mais um caso que vem dar razão à sentença que vem ganhando foros de verdade incontestável: em Portugal, cada vez mais, o crime compensa!

Já depois da renúncia do deputado João Cravinho, autor da primeira versão de um projecto-lei contra o crime de enriquecimento ilícito de políticos e funcionários públicos, o grupo parlamentar do PS voltou a declarar-se contra tal iniciativa, tendo reprovado, pela terceira vez, desta vez uma proposta apresentada pelo PSD e votada favoravelmente pelo PSD, PCP e BE. Eles lá sabem porquê!

Segundo diz o jornal PÚBLICO, entre os anos 2000 e 2006, a carga fiscal das empresas portuguesas, apesar das queixas, desceu 7,7 pontos percentuais. E no mesmo período, a carga fiscal dos trabalhadores subiu quanto?

Carlos Farinha Rodrigues, investigador e docente no Instituto Superior de Economia e Gestão, alertou para o facto de em Portugal, 20% da população estar abaixo do limiar de pobreza, e continuar a ser o país da União Europeia que apresenta maiores níveis de desigualdade. Dizem os optimistas de serviço que isto são apenas números, e que carecem de escrutínio das entidades oficiais.

O presidente da Comissão Europeia (José Barroso lá fora, e Durão Barroso cá dentro) informou que a União Europeia vai desbloquear uma verba de 423 milhões de euros, através do Fundo Social Europeu, destinada a acções de promoção da cidadania e de combate à exclusão social em Portugal. Fica aqui a pergunta sacramental: Quem irão ser os excêntricos felizes contemplados, com este próximo e substancial “cabaz de euro-milhões”?

O governo regional da Madeira, sob a batuta do “rei” João, recusa-se a aplicar as leis da República, nomeadamente a que exclui a possibilidade de acumulação (por inteiro) de vencimentos de cargos públicos com pensões de reforma. Daqui do continente, ninguém diz nada nem ninguém faz nada, contemplando aqueles rugidos e manguitos insulares com sorrisos de transigência e comiseração nos lábios. Em Portugal, e sobretudo na Madeira, o motim institucional compensa, e de que maneira!

A nova direcção do muitíssimo próximo do governo, jornal Diário de Notícias, na sua árdua tarefa de desideologização dos seus conteúdos, acompanhada da competente tablóidização dos mesmos, prescindiu da colaboração dos comentaristas Medeiros Ferreira (PS), Ruben de Carvalho (PCP) e Joana Amaral Dias (BE). A bem da nação e desta democracia!

Eis um bom exemplo das voltas que o mundo dá: Joaquim Pina Moura, economista, outrora comunista, posteriormente membro do PS, ex-ministro da Economia e das Finanças do governo de António Guterres, vai ser o novo administrador da Media Capital (proprietária da TVI), cargo que vai acumular com a presidência da Iberdrola (empresa eléctrica espanhola). Anunciou, entretanto, que vai abandonar o lugar de deputado (era melhor que não o fizesse!) e todos os cargos no PS para se dedicar exclusivamente à gestão daquelas empresas.

O ministro Gago, perante a coincidência de situações que foram o desnorte e caos institucional da Universidade Independente e as dúvidas relativas à licenciatura do primeiro-ministro Pinto de Sousa (também conhecido por José Sócrates), obtida naquela mesma universidade, achou por bem, depois de ameaçar a instituição com o encerramento, no prazo de 10 dias, louvar as boas prestações e o bom desempenho do primeiro-ministro, enquanto aluno daquela fabriqueta de diplomas, facto que além de não ser da sua competência, não se sabe muito bem como o ministro poderá fundamentar.
Depois foi a vez da Inspecção Geral do Ensino Superior exigir que a Universidade Independente lhe fizesse entrega de toda a documentação relacionada com os cursos de engenharia ali ministrados, entre 1993 e 1996, não se sabe bem para que efeito, a qual incluiria o processo do antigo aluno José Sócrates. Além de haver dúvidas sobre a legitimidade da apropriação de tais documentos, fica por explicar qual a razão porque foi exigida a documentação respeitante a 1993 e 1994, quando o curso de engenharia apenas foi autorizado em Maio de 1995. Quanto à UNI propriamente dita, começou por convocar uma conferência de imprensa, para divulgar pormenores “bombásticos” relacionados com a situação do aluno Sócrates, adiou por duas vezes a dita, e no fim, quando finalmente abriram a boca, nada de especial adiantaram ao que já se sabia, excepto que o aluno Sócrates deixou muitas saudades e até foi orador num seminário, facto que as pessoas presentes (?) ainda hoje recordam com gratidão (?).

O Portugal “rosa”, seguindo o exemplo do Portugal “laranja” dos clássicos sociais-democratas, do Portugal “toranja” dos emigrantes da extrema-esquerda, e do Portugal “tangerina” das tias e das noitadas, quando vêem os seus governos em assados, espetadas e afins, correm a dizer que estão a ser vítimas de manobras conspirativas, boatos, feitiços, macumbas e cabalas, tudo animado de objectivos inconfessáveis, congeminados e cozinhados nas redacções dos jornais, em estreito conluio com os comités terroristas, as lojas maçónicas e as oposições políticas, e se necessário for, com a Dona Germânia do quiosque da florista. Tal é o caso da famigerada licenciatura do primeiro-ministro Pinto de Sousa, vulgarmente conhecido por José Sócrates, um político que ambicionava ser um feroz adepto e continuador da “terceira via trabalhista”, mas que afinal, acabou por deixar que o seu suposto título de engenheiro andasse aos tombos pela via pública.
Tudo indica que depois de escorraçados os fantasmas, os vampiros, o inglês técnico e os cálculos de estabilidade, o futuro do senhor Pinto de Sousa (também conhecido por Zézinho, ou apenas Sócrates) será radioso, como manda a lei nesta pátria de brandos costumes. Quanto aos ingratos lusitanos, que tenham maneiras, ou então que se lixem!

quarta-feira, abril 18, 2007

Condução em Contra-Mão

C
Não tenho a pretensão de lhe chamar o “Ovo de Colombo” para tentar minimizar as consequências de quem inadvertidamente entra em contra-mão nas auto-estradas (AE), mas pode muito bem ser uma solução, que tem tanto de económica, como de simples de levar a cabo. Assim, em todas as saídas de AE, que possam ser consideradas potenciais acessos de condução em contra-mão, seriam colocados, de cada lado da via, voltados para o sentido de contra-mão, um sinal de SENTIDO PROIBIDO, encimado por um letreiro com a seguinte expressão:

ATENÇÃO
ENTROU EM CONTRA-MÃO
RISCO DE COLISÃO FRONTAL
ESTACIONE NA BERMA E PEÇA AJUDA

Há soluções que pela sua simplicidade são mais eficazes que os mais complexos e sofisticados dispositivos. Além disso, deixaria de haver desculpas. Estaria em causa uma nítida infracção do Código da Estrada.

sábado, abril 14, 2007

Haja Memória dos "feitos" de Oliveira Salazar (2)

A

Meu pai, Américo Garcia Torres, falecido em 1997, a exemplo de muitos milhares de outros portugueses, também foi “agraciado” com a “visita” da PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado) que, para quem não saiba ou não se lembre, era a polícia política do regime do ditador Oliveira Salazar, quando corria o ano de 1959, e tinha eu os meus 13 anos. Conforme o atesta a sua ficha policial, que aqui reproduzo, e que vem inserida no sexto volume da obra “Presos Políticos no Regime Fascista VI 1952-1960”, da autoria da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista e editada pela Presidência do Conselho de Ministros em 1988, meu pai foi detido no seu local de trabalho, a tesouraria de uma seguradora, às 8 horas e 30 minutos do dia 20 de Maio de 1959, uma quarta-feira, por uma brigada de agentes da dita PIDE, coordenada com uma outra brigada que, para espanto de minha mãe, exactamente à mesma hora batia à porta da nossa residência, para proceder à busca e apreensão de possíveis materiais e provas incriminatórias. Estiveram lá a manhã inteira. Não se preocuparam com o facto de eu estar de cama doente, reviraram a casa toda e acabaram a levar uns quantos livros e revistas de pouca importância.
O meu pai passou 15 dias nas celas das instalações da sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, onde foi “cordialmente” interrogado, com sessões de tortura de “estátua” e de “sono”, acompanhadas de esbofeteamentos, sádica e metodicamente conduzidos pelo major Silva Pais, com o objectivo de o levar a confessar as atrocidades mais incríveis e surpreendentes. Esteve sem contacto com o mundo exterior durante perto de 15 dias, e quando o visitámos pela primeira vez após a detenção, já depois de ter sido transferido para os celebérrimos “curros” do Aljube (nunca mais esquecerei esta sequência), tinha emagrecido, estava despenteado, atordoado, cambaleante, macilento e olheirento, e o que mais me impressionou foi aquele olhar esbugalhado, próprio de quem atravessou uma grande provação. Não trazia óculos, nem relógio de pulso, nem cinto, porque a PIDE detestava os suicídios quando as vítimas estavam sob a sua alçada (medo das repercussões internacionais), e durante toda a visita, de pouco mais de 5 minutos, fomos sempre acompanhados pela presença intimidante de um agente da PIDE, muito bem barbeado, bem vestido e engraxado, a tresandar a água de colónia, que passou todo o tempo, a esgravatar os dentes e a limpar as unhas com um palito, exibindo um permanente sorriso de desdém. Em 23 de Julho de 1959 foi transferido para o Depósito de Presos de Caxias, vulgarmente conhecido por Reduto Norte do Forte de Caxias, tendo sido castigado em 26 de Outubro desse mesmo ano, com proibição de actividade ao ar livre (vulgo recreio), durante 2 dias, por ter alterado o sossego no estabelecimento prisional e ter-se recusado a obedecer às ordens dos guardas. Em 6 de Maio de 1960, isto é, um ano após a detenção, foi finalmente a julgamento, no Tribunal Plenário da Boa-Hora, presidido pelo famigerado juiz Caldeira, homem que se gabava de comungar diariamente (tantos eram os seus pecados!), juntamente com mais perto de meia centena de colegas da mesma profissão de seguros, tendo averbado, por actividades subversivas e atentatórias da segurança do Estado, a perda dos direitos políticos durante 15 anos, isto é, a capacidade de eleger e ser eleito, mais uma condenação de 2 anos de prisão maior, e mais 6 meses a 3 anos de regime de “medidas de segurança”, expediente usado pelo regime, para manter um opositor preso durante tempo indefinido. Foi defendido pelo causídico Dr. Rui Cabeçadas, ele mesmo posteriormente perseguido pelo regime, e obrigado a exilar-se no estrangeiro. Nessa altura já havia o hábito de todos os sábados, eu e minha mãe o irmos visitar. Agora, fruto da condenação, minha mãe socorreu-se dos seus conhecimentos de costura para, trabalhando em casa como modista, enfrentar as necessidades e carências do dia-a-dia, enquanto que eu tive que reorientar os estudos e entrar precocemente no mundo do trabalho, graças à solidariedade de classe, como paquete de uma companhia de seguros, para assegurar o pagamento da renda da casa.
Durante a detenção foi castigado com a suspensão do direito a visitas pelo período de 15 dias, por ter colaborado num protesto, ocorrido nas instalações prisionais, motivado pela má alimentação fornecida aos presos. Em 4 de Dezembro de 1961, voltou a ficar privado de visitas durante duas semanas, assim como todos os outros detidos, como represália por ter ocorrido uma espectacular fuga do presídio, coroada de êxito e levada a cabo no próprio carro oficial do director do forte (que havia pertencido ao ditador Salazar), a que eu quase assisti, devido ao facto de ter chegado mais cedo às imediações das instalações prisionais. Ao longe ainda escutei o ruído da metralha lançada contra o carro dos fugitivos, e quando cheguei à beira do forte, pude constatar o estado em que ficou o portão exterior que foi violentamente abalroado. Se internamente se agudizava a resistência ao regime, também a nível internacional a ditadura tinha começado a sofrer contrariedades e revezes. O ano de 1961 ficou para a História como o “annus horribilis” do regime salazarista, primeiro com o sequestro do paquete “Santa Maria” em Janeiro de 1961, levado a cabo pelo opositor do regime, comandante Henrique Galvão, à frente de uma força de vinte membros da DRIL (Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação), constituída por portugueses e espanhóis, logo a seguir, em Fevereiro de 1961, com o início da guerra colonial em Angola, e finalmente, com a consumação da invasão das possessões indianas de Goa, Damão e Diu, por parte da União Indiana, em Dezembro desse mesmo 1961.
Entretanto, já em 1962, meu pai partilhou algum do tempo de detenção com o Dr. Arlindo Vicente, outro opositor do regime e antigo candidato à presidência da república.
Terminada que foi a pena, já durante a vigência das famigeradas medidas de segurança, e sem aviso prévio, foi posto em liberdade condicional no dia 27 de Dezembro de 1962, com a obrigatoriedade de todos os meses ir assinar uma folha de presença, na sede da PIDE. Bateu-nos à porta de casa, ao fim da tarde daquele dia, a pedir para lhe darmos dinheiro para pagar ao taxista. Tinha saído de casa a uma quarta-feira, regressou a uma quinta. Estava mais velho quase 4 anos, e com a sua oposição ao regime transformada numa surda, metódica e profunda revolta. A sua ausência deixou marcas, fez estragos, e também por isso, nunca mais voltámos a ser a mesma família.
Os “crimes hediondos”, propriamente ditos, que praticou, foi ter sido um opositor visceral do regime de Salazar, guardar em casa meia dúzia de livros e uma resma de revistas, que só o excesso de zelo poderia considerar literatura subversiva, ter colaborado nas listas de Humberto Delgado e Arlindo Vicente, ter subscrito alguns abaixo-assinados e ter participado nas actividades sócio-profissionais do sindicato de seguros, tudo perigosas actividades que colocavam em risco de colapso, o “grande edifício social” e a “democracia orgânica” do Estado Novo, erigidas por esse “grande português” que foi o ditador Oliveira Salazar. Porém, igual ou muito pior do que aconteceu a meu pai, foi o destino que o regime, antes e depois, reservou a muitos milhares de outros portugueses, que tiveram a ousadia de contestar e pôr em causa as regras em vigor, mais próprias de uma imensa penitenciária, do que de um país, digno desse nome.

quinta-feira, abril 12, 2007

Choque Curricular

C
Há quem diga que esta questão da licenciatura em engenharia do senhor Pinto de Sousa (vulgarmente conhecido por José Sócrates) é uma grande trapalhada, mas não comungo dessa opinião. Situações e dúvidas desta natureza resolvem-se de uma penada, com uma ida à secretaria do estabelecimento universitário, e o competente pedido de emissão de um certificado de habilitações, logo não há trapalhada nenhuma, mas sim uma trapaça mal enjorcada, fruto de favorecimentos, chico-espertismo e da mediocridade reinante. Este caso somado a outros que medram por aí, vem provar que Portugal está pejado de doutores e engenheiros de contrafacção, e que até uma falsificação consegue chegar a primeiro-ministro.

Maus Sinais

M
O tempo continua a andar nublado para os lados da Justiça. Tudo porque chegou ao domínio público o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que vem dar razão à pretensão do Sporting Clube de Portugal de ser indemnizado pelo jornal “Público”, na sequência de uma notícia publicada por aquele diário, nos idos de Fevereiro de 2001, e que dizia que o referido clube era devedor de 460 mil contos à administração fiscal. Até aqui tudo bem. O pior é que a notícia, tendo sido provado que era verdadeira, e havendo sentenças de tribunais de primeira instância e da Relação que ilibavam a publicação das acusações de ofensas à idoneidade do clube, vem agora o Supremo dizer exactamente o contrário, isto é, que não senhor, embora a notícia fosse verdadeira, houve ofensa do crédito e bom-nome do SCP, logo há que indemnizá-lo por isso. Isto tanto pode ser um clamoroso erro judiciário gerado por mentes tortuosas, ser o resultado de um sério ataque de miopia jurídica, ou então, muito pior ainda, o iníquo exercício da justiça, com tonalidades e subtilezas kafkianas. Assim, no entendimento dos doutos e gongóricos juízes do STJ, o acto de divulgar um acto cometido por alguém, seja aquele falso ou verdadeiro, é já de si um ilícito, pois pode estar a abalar a reputação e credibilidade do sujeito que o praticou. Custa a acreditar, mas é isso mesmo: o mau da fita é quem divulga e não quem pratica a má acção.
Se a esta antológica sentença juntarmos a nova lei de imprensa, o novo estatuto dos jornalistas, as atribuições e deambulações da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social), as pressões dos governantes sobre os directores de jornais, tudo medidas que pretendem alterar regras, sob falsos pretextos, ou criar limitações ao exercício da liberdade de imprensa, é caso para perguntar: será que isto são apenas casos pitorescos e isolados, fruto ocasional das circunstâncias, ou será que podemos ver nisto o acumular de sinais preocupantes de que, passo a passo, estão a ser incubadas as condições que podem levar à sufocação das liberdades de expressão e à subversão do regime democrático?

quarta-feira, abril 04, 2007

Reaprender o Futuro

R
OS FILHOS DO HOMEM, com realização de Alfonso Cuarón, e as principais interpretações entregues a Clive Owen, Juliane Moore e Michael Caine, tem todas as condições para se tornar um filme de culto, ou então, comportar-se como uma quase-profecia. Para já, reconheço-lhe o estatuto de grande filme. Tem um discurso escorreito, com uma inusitada e poderosa realização, frenética e estonteante, quase a tocar a reportagem em directo. Não é um filme sobre o futuro, porque o futuro que ali é retratado, já está à mão de semear, pois chegaremos a 2027 mais depressa do que pensamos. Também não é um filme de heróis, antes pelo contrário. É um filme com pessoas comuns, amedrontadas, envolvidas no turbilhão dos acontecimentos e a questionarem a toda a hora o porquê da situação. As nossas rotineiras paisagens urbanas sofreram transformações. Predomina a “patine” do vandalismo, da violência, do caos apocalíptico, do abandono, do declínio e da luta pela sobrevivência, num Reino Unido multiracial e multicultural. Aquilo que hoje são sinais a multiplicarem-se no nosso dia-a-dia, no filme já são factos, condensados numa duríssima realidade. A sociedade é uma coisa híbrida, oscilando entre o aparato repressivo nazi-fascista, a degladiar-se com grupos de guerrilha urbana e resistentes com objectivos imprecisos, e uma autoridade que prima pela invisibilidade. A luta pelo poder tornou-se um anacronismo, um reflexo condicionado, já que a humanidade, por um qualquer acidente do foro reprodutivo, deixou de se renovar, gerando filhos, e caminha para a extinção. Naquela (ou será nesta?) nova ordem, o grande bode expiatório, o inimigo público, a fonte de todos os males, deixou de ser o judeu ou o negro, para passarem a ser os emigrantes de todas as latitudes, que são caçados nas ruas e enjaulados para deportação, como se de cães vadios se tratassem. Ainda não se vêm câmaras de gás, mas numa tal realidade, nada é impossível. Para demonstrar isso lá está a referência aos “Animals” dos Pink Floyd, na imagem de um dirigível com a forma de um suíno, a pairar sobre as instalações fumegantes da Batterseas Power Station. Entretanto, anacronismo dos anacronismos, a esperança da humanidade acaba por se renovar com o aparecimento da primeira mulher grávida, nos últimos dezoito anos, que escapou ao anátema da infertilidade, e que por sinal é de raça africana. Acontece um parto em directo. Aleluia! No meio da erupção de ferro e fogo dos combates de rua, ouve-se o pranto do recém-nascido, e todo o mundo se queda atónito e incrédulo, perante aquilo que, tendo sido em tempos uma banalidade, é hoje um fenómeno de uma atroz singularidade. Volta a brilhar uma incipiente centelha e renasce a esperança. Há um mítico Projecto Humano que surge do nevoeiro, para recolher mãe e filho. Fica a pairar a ideia de que a Humanidade talvez volte a soletrar e a reaprender o significado da palavra Futuro.
Tem sido dito que o argumento deste filme é de uma previsibilidade perturbante, mas isso, longe de ser um defeito, quer-me parecer que é típico desta temática, avessa a devaneios, se não quer resvalar para a patetice ou para o inverosímil. Alguém disse também que este filme é especialista em banalizar e descartar personagens, mas se atentarmos bem, não será essa a característica mais marcante da nossa época, com tendência para se agravar?
Se alguém estava à espera de ver um filme para se divertir, ficou forçosamente desapontado. Só que os grandes filmes raramente divertem. São mais do que isso. Sendo mensageiros, obrigam-nos a tropeçar estrondosamente com a realidade e acabam por se transformarem em puros objectos de reflexão. OS FILHOS DO HOMEM, mais que um objecto cinematográfico, é uma revelação, viscosa, nua e crua da nossa realidade próxima-futura. E já agora, deixo aqui a pergunta: quando a realidade se começa a parecer com a ficção, que nome lhe devemos dar?
(Comentário publicado em www.cinema.ptgate.pt)

terça-feira, abril 03, 2007

A Grande Ilusão

A
As religiões são hábeis a explorar a estupidez, a ignorância, a pobreza, a infelicidade e a crendice dos seres humanos. Neste princípio de século e na sequência da queda das ideologias, com o desencanto generalizado e a instalação do vazio no horizonte das aspirações humanas, as religiões transformaram-se nas grandes bóias de salvação, o canal alternativo que as pessoas usam para pedincharem o que não conseguem alcançar por outros meios. Deus é aval e pretexto para tudo, até para a própria submissão. Por isso, as religiões tornaram-se grandes máquinas de angariação de adeptos e de fundos, usando bem oleadas campanhas de marketing para venderem a palavra divina, os deleites dos paraísos e os terrores dos infernos. Quanto às proibições e punições, as religiões mais não fazem que aproveitar o pendor sádico e masoquista que habita, em maior ou menor grau, em cada um de nós, consolidando assim o seu domínio. Pelo meio vão impingindo alguns milagrosos soporíferos para as dores físicas e psíquicas dos crentes, como se estivessem a vender flocos de cereais para o pequeno-almoço. Entretanto, o Vaticano aconselha vivamente que se volte a usar nas missas, não as línguas vernáculas, mas sim o velho latim. A razão só pode ser uma: como no céu ainda não existe serviço de tradução simultânea, Deus só atende as preces que lhe são dirigidas em latim.

segunda-feira, abril 02, 2007

Inspirações

N
Num dos muitos institutos que enxameiam a galáxia para-estatal, há um quadro dirigente que, necessitando brilhar e ganhar notoriedade junto do seu presidente, e à falta de outras ideias mais inspiradas, decidiu avançar com uma sugestão de antologia: já que o Instituto possui um excelente parque de estacionamento, porque não rentabilizá-lo, começando a cobrar o parqueamento aos próprios funcionários?

Haja Memória dos "feitos" de Oliveira Salazar

H
1931

O estudante Branco é morto pela PSP, durante uma manifestação no Porto;

1932

Armando Ramos, jovem, é morto em consequência de espancamentos; Aurélio Dias, fragateiro, é morto após 30 dias de tortura; Alfredo Ruas, é assassinado a tiro durante uma manifestação em Lisboa;

1934, 18 de Janeiro

Américo Gomes, operário, morre em Peniche após dois meses de tortura; Manuel Vieira Tomé, sindicalista ferroviário morre durante a tortura em consequência da repressão da greve; Júlio Pinto, operário vidreiro, morto à pancada; a PSP mata um operário conserveiro durante a repressão de uma greve em Setúbal

1935

Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE);

1936

Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus-tratos, é deportado do 18 de Janeiro de 1934; Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura;

1937

Ernesto Faustino, operário; José Lopes, operário anarquista, morre durante a tortura, sendo um dos presos da onda de repressão que se seguiu ao atentado a Salazar; Manuel Salgueiro Valente, tenente-coronel, morre em condições suspeitas no forte de Caxias; Augusto Costa, operário da Marinha Grande, Rafael Tobias Pinto da Silva, de Lisboa, Francisco Domingues Quintas, de Gaia, Francisco Manuel Pereira, marinheiro de Lisboa, Pedro Matos Filipe, de Almada e Cândido Alves Barja, marinheiro, de Castro Verde, morrem no espaço de quatro dias no Tarrafal, vítimas das febres e dos maus tratos; Augusto Almeida Martins, operário, é assassinado na sede da PIDE (PVDE) durante a tortura ; Abílio Augusto Belchior, operário do Porto, morre no Tarrafal, vítima das febres e dos maus tratos;

1938

António Mano Fernandes, estudante de Coimbra, morre no Forte de Peniche, por lhe ter sido recusada assistência médica, sofria de doença cardíaca; Rui Ricardo da Silva, operário do Arsenal, morre no Aljube, devido a tuberculose contraída em consequência de espancamento perpetrado por seis agentes da Pide durante oito horas; Arnaldo Simões Januário, dirigente anarco-sindicalista, morre no campo do Tarrafal, vítima de maus tratos; Francisco Esteves, operário torneiro de Lisboa, morre na tortura na sede da PIDE; Alfredo Caldeira, pintor, dirigente do PCP, morre no Tarrafal após lenta agonia sem assistência médica;

1939

Fernando Alcobia, morre no Tarrafal, vítima de doença e de maus tratos;

1940

Jaime Fonseca de Sousa, morre no Tarrafal, vítima de maus tratos; Albino Coelho, morre também no Tarrafal; Mário Castelhano, dirigente anarco-sindicalista, morre sem assistência médica no Tarrafal;

1941

Jacinto Faria Vilaça, Casimiro Ferreira; Albino de Carvalho; António Guedes Oliveira e Silva; Ernesto José Ribeiro, operário, e José Lopes Dinis morrem no Tarrafal;

1942

Henrique Domingues Fernandes morre no Tarrafal; Carlos Ferreira Soares, médico, é assassinado no seu consultório com rajadas de metralhadora, os agentes assassinos alegam legítima defesa (?!); Bento António Gonçalves, secretário-geral do P. C. P. Morre no Tarrafal; Damásio Martins Pereira, fragateiro, morre no Tarrafal; Fernando Óscar Gaspar, morre tuberculoso no regresso da deportação; António de Jesus Branco morre no Tarrafal;

1943

Rosa Morgado, camponesa do Ameal (Águeda), e os seus filhos, António, Júlio e Constantina, são mortos a tiro pela GNR; Paulo José Dias morre tuberculoso no Tarrafal; Joaquim Montes morre no Tarrafal com febre biliosa; José Manuel Alves dos Reis morre no Tarrafal; Américo Lourenço Nunes, operário, morre em consequência de espancamento perpetrado durante a repressão da greve de Agosto na região de Lisboa; Francisco do Nascimento Gomes, do Porto, morre no Tarrafal; Francisco dos Reis Gomes, operário da Carris do Porto, é morto durante a tortura;

1944

General José Garcia Godinho morre no Forte da Trafaria, por lhe ser recusado internamento hospitalar; Francisco Ferreira Marques, de Lisboa, militante do PCP, em consequência de espancamento e após mês e meio de incomunicabilidade; Edmundo Gonçalves morre tuberculoso no Tarrafal; assassinados a tiro de metralhadora uma mulher e uma criança, durante a repressão da GNR sobre os camponeses rendeiros da herdade da Goucha (Benavente), mais 40 camponeses são feridos a tiro.

1945

Manuel Augusto da Costa morre no Tarrafal; Germano Vidigal, operário, assassinado com esmagamento dos testículos, depois de três dias de tortura no posto da GNR de Montemor-o-Novo; Alfredo Dinis (Alex), operário e dirigente do PCP, é assassinado a tiro na estrada de Bucelas; José António Companheiro, operário, de Borba, morre de tuberculose em consequência dos maus-tratos na prisão;

1946

Manuel Simões Júnior, operário corticeiro, morre de tuberculose após doze anos de prisão e de deportação; Joaquim Correia, operário litógrafo do Porto, é morto por espancamento após quinze meses de prisão;

1947

José Patuleia, assalariado rural de Vila Viçosa, morre durante a tortura na sede da PIDE;

1948

António Lopes de Almeida, operário da Marinha Grande, é morto durante a tortura; Artur de Oliveira morre no Tarrafal; Joaquim Marreiros, marinheiro da Armada, morre no Tarrafal após doze anos de deportação; António Guerra, operário da Marinha Grande, preso desde 18 de Janeiro de 1934, morre quase cego e após doença prolongada;

1950

Militão Bessa Ribeiro, operário e dirigente do PCP, morre na Penitenciária de Lisboa, durante uma greve de fome e após nove meses de incomunicabilidade; José Moreira, operário, assassinado na tortura na sede da PIDE, dois dias após a prisão, o corpo é lançado por uma janela do quarto andar para simular suicídio; Venceslau Ferreira morre em Lisboa após tortura; Alfredo Dias Lima, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Alpiarça;

1951

Gervásio da Costa, operário de Fafe, morre vítima de maus tratos na prisão;

1954

Catarina Eufémia, assalariada rural, assassinada a tiro em Baleizão, durante uma greve, grávida e com uma filha nos braços;

1957

Joaquim Lemos Oliveira, barbeiro de Fafe, morre na sede da PIDE no Porto após quinze dias de tortura; Manuel da Silva Júnior, de Viana do Castelo, é morto durante a tortura na sede da PIDE no Porto, sendo o corpo, irreconhecível, enterrado às escondidas num cemitério do Porto; José Centeio, assalariado rural de Alpiarça, é assassinado pela PIDE;

1958

José Adelino dos Santos, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR, durante uma manifestação em Montemor-o-Novo, vários outros trabalhadores são feridos a tiro; Raul Alves, operário da Póvoa de Santa Iria, após quinze dias de tortura, é lançado por uma janela do quarto andar da sede da PIDE, à sua morte assiste a esposa do embaixador do Brasil;

1961

Cândido Martins Capilé, operário corticeiro, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Almada; José Dias Coelho, escultor e militante do PCP, é assassinado à queima-roupa numa rua de Lisboa;

1962

António Graciano Adângio e Francisco Madeira, mineiros em Aljustrel, são assassinados a tiro pela GNR; Estêvão Giro, operário de Alcochete, é assassinado a tiro pela PSP durante a manifestação do 1º de Maio em Lisboa;

1963

Agostinho Fineza, operário tipógrafo do Funchal, é assassinado pela PSP, sob a indicação da PIDE, durante uma manifestação em Lisboa;

1964

Francisco Brito, desertor da guerra colonial, é assassinado em Loulé pela GNR; David Almeida Reis, trabalhador, é assassinado por agentes da PIDE durante uma manifestação em Lisboa;

1965

General Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos são assassinados a tiro em Vila Nueva del Fresno (Espanha), os assassinos são o inspector da PIDE Rosa Casaco e o sub-inspector Agostinho Tienza e o agente Casimiro Monteiro;

1967

Manuel Agostinho Góis, trabalhador agrícola de Cuba, more vítima de tortura na PIDE;

1968

Luís António Firmino, trabalhador de Montemor, morre em Caxias, vítima de maus tratos; Herculano Augusto, trabalhador rural, é morto à pancada no posto da PSP de Lamego por condenar publicamente a guerra colonial; Daniel Teixeira, estudante, morre no Forte de Caxias, em situação de incomunicabilidade, depois de agonizar durante uma noite sem assistência;

1969

Eduardo Mondlane, dirigente da Frelimo, é assassinado através de um atentado organizado pela PIDE;

1972

José António Leitão Ribeiro Santos, estudante de Direito em Lisboa e militante do MRPP, é assassinado a tiro durante uma reunião de apoio à luta do povo vietnamita e contra a repressão, o seu assassino, o agente da PIDE Coelha da Rocha, viria a escapar-se na "fuga-libertação" de Alcoentre, em Junho de 1975;

1973

Amilcar Cabral, dirigente da luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, é assassinado por um bando mercenário a soldo da PIDE, chefiado por Alpoim Galvão;

1974, 25 de Abril

Fernando Carvalho Gesteira, de Montalegre, José James Barneto, de Vendas Novas, Fernando Barreiros dos Reis, soldado de Lisboa, e José Guilherme Rego Arruda, estudante dos Açores, são assassinados a tiro pelos pides acoitados na sua sede na Rua António Maria Cardoso, são ainda feridas duas dezenas de pessoas.

A PIDE acaba como começou, assassinando. Aqui não ficam contabilizadas as inúmeras vítimas anónimas da PIDE, GNR e PSP em outros locais de repressão.

Mais ainda

Podemos referir, duas centenas de homens, mulheres e crianças massacradas a tiro de canhão durante o bombardeamento da cidade do Porto, ordenada pelo coronel Passos e Sousa, na repressão da revolta de 3 de Fevereiro de 1927. Dezenas de mortos na repressão da revolta de 7 de Fevereiro de 1927 em Lisboa, vários deles assassinados por um pelotão de fuzilamento, às ordens do capitão Jorge Botelho Moniz, no Jardim Zoológico.

Dezenas de mortos na repressão da revolta da Madeira, em Abril de 1931, ou outras tantas dezenas na repressão da revolta de 26 de Agosto de 1931. Um número indeterminado de mortos na deportação na Guiné, Timor, Angra e no Cunene. Um número indeterminado de mortos devido à intervenção da força fascista dos "Viriatos" na guerra civil de Espanha e a entrega de fugitivos aos pelotões de fuzilamento franquistas. Dezenas de mortos em São Tomé, na repressão ordenada pelo governador Carlos Gorgulho sobre os trabalhadores que recusaram o trabalho forçado, em Fevereiro de 1953. Muitos milhares de mortos durante as guerras coloniais, vítimas do Exército, da PIDE, da OPVDC, dos "Flechas", etc.

(Recebido por correio electrónico.)

domingo, março 25, 2007

A Vingança

A
Cavaco Silva não convidou Mário Soares para participar nas comemorações evocativas dos 50 anos do Tratado de Roma, levadas a cabo pela Presidência da República, passando por cima e ignorando deliberadamente o facto de Mário Soares ter sido o grande obreiro da adesão de Portugal à CEE. Para isso deverá ter contribuído o facto de Cavaco Silva não ter esquecido os vexames e crueldades por que Mário Soares o fez passar, quando aquele era inquilino de Belém, apostado em dificultar e bloquear a governação, e ele um sorumbático primeiro-ministro, que só queria que o deixassem trabalhar. Para que a vingança se servisse fria e com todos os requintes florentinos, nada mais apropriado que este momento.

Mais Respiganços

R
“Pode-se enganar todas as pessoas durante algum tempo e algumas pessoas durante todo o tempo. Mas não se pode enganar todo o mundo durante todo o tempo.”
Abraham Lincoln (1809-1865), 16º. Presidente dos E.U.A.

“Liberdade sem socialismo é privilégio e injustiça, mas socialismo sem liberdade é escravatura e violência.”
Mikhail Bakunin (1814-1876), filósofo anarquista russo.

“o «Mistério da Santíssima Trindade», […] explica com uma clarividência espantosa como é que uma religião que tem três deuses principais, uma deusa de segunda categoria e algumas dezenas de milhar de semideuses é, ainda assim, uma religião monoteísta.”
Luís Grave Rodrigues, in O Prepúcio dos Deuses, blog Random Precision, em 2007-Mar-14

“Os Trabalhadores jogam futebol, os Directores jogam ténis, os Administradores jogam golfe, ou seja, quanto mais se sobe na hierarquia, mais pequenas são as bolas...”
Graçola de autor anónimo, que anda a girar nas trocas de e-mails.

Porque será que as pessoas, quando estão a apreciar um automóvel, dão sempre pontapés nos pneus?
Fernando Torres, in comentário a um post.

Cada vez que ouço o José Sócrates dizer que este é o melhor governo de “centro-esquerda” que o país alguma vez teve, vem-me logo à ideia que ele nunca deveria ter abandonado o partido onde começou a militar, isto é, o PPD/PSD.
Fernando Torres, in comentário a um post.

Se há alguma verdade na investigação que o jornal PUBLICO está a levar a cabo, sobre a validade do diploma de engenheiro de José Sócrates, obtido naquela universidade onde imperam os golpes de mãos, emboscadas e as cenas de gangsterismo, podemos facilmente concluir que, em Portugal, até uma falsificação pode chegar a primeiro-ministro.
Fernando Torres, in comentário a um post.

No espaço de 15 dias, e já depois do encerramento do bloco de partos da Figueira da Foz, já são duas as crianças que nascem dentro das ambulâncias, em plena auto-estrada A14, a caminho de Coimbra. Está à vista o resultado da avançada política de saúde pública, implementada pelo governo do Zézinho Sócrates.
Fernando Torres, in comentário a um post.

“Devido à existência de extensos terrenos alagadiços, o futuro aeroporto da Ota é uma óptima escolha para a amaragem de hidroaviões.”
Comentário de um participante no programa Opinião Pública da SIC NOTÍCIAS

quinta-feira, março 22, 2007

Prioridades

P
O acontecimento teve lugar num lar de idosos em Santana da Serra, concelho de Ourique. Um pensionista sentiu-se mal e o pessoal do lar tentou contactar o 112, mas só à terceira tentativa conseguiu ser atendido. Do CODU, escutados os sintomas, dizem que talvez fosse um caso de desidratação, logo não era prioritário, não se justificando a deslocação de uma viatura de emergência até Santana da Serra. Portanto, que chamassem a ambulância dos bombeiros para levar o idoso ao centro de saúde de Ourique. O pessoal do lar assim fez, e os bombeiros chegam 15 minutos depois. No momento em que o idoso dá entrada no centro de saúde de Ourique, sobrevém-lhe um ataque cardíaco, que logo ali o vitimou.
Recorde-se que o ministro da saúde (?), em Janeiro deste ano, depois da ocorrência de várias mortes no Alentejo, por ausência ou demora de socorro atempado, e depois de ter dito que se ia debruçar sobre o assunto e tomar medidas, acabou por decidir que a instalação, em Mértola ou Ourique, de uma unidade rápida de suporte intermédio de vida “não era prioritária”. Não se debruçou nem tomou medidas, e o resultado está à vista. Este ministro e as ideias que ele tem sobre bons e irrepreensíveis serviços, continuam a dar resultados, mostrando como se “trata da saúde” aos portugueses.

quarta-feira, março 21, 2007

No Dia da Poesia

A
Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, março 20, 2007

A Táctica

A
Alguns ministros do governo Sócrates têm uma característica distinta: mentem despudoradamente com todos os dentes que têm na boca, e continuam, alegres e desavergonhados, a aborralharem as suas cadeiras nos ministérios, como se nada fosse com eles ou nada tivesse acontecido. Em qualquer país, com um governo decente, resignavam e passavam a pasta a outro. Em Portugal, não! Ficam de pedra e cal, e se for preciso, voltam a reincidir.
Penso que isto é intencional. Estou convicto que Sócrates usa estes ministros como engodo, para se manter incólume, longe das polémicas e a recato do fogo da crítica. Enquanto atirarem sobre eles, não atiram sobre ele. Enquanto os Pinhos, os Campos, os Linos, os Costas e as Lurdes forem os animadores da festa, ele pode continuar a dormir descansado.

segunda-feira, março 19, 2007

O Genocídio

O
O genocídio dos funcionários públicos
C
Artigo publicado no Diário de Notícias de 2007-03-13
C
Por Santana Castilho, Professor do ensino superior
C
“O que o Governo acaba de propor para o funcionalismo público é a continuação de um genocídio em que os professores foram os primeiros imolados. Muitos dos que aplaudiram a cruzada, sendo funcionários públicos, perceberão, quando lhes tocarem à porta, que os dividendos do egoísmo são efémeros. O que se fez aos professores vai agora ser aplicado aos restantes funcionários públicos. Concluído este segundo assalto, o sector privado ficará à mercê da lógica dos patrões: se a precariedade já é máxima no público, por que havemos de manter o que sobra de estabilidade no privado? Pela mão de Sócrates, o Único, a esquerda moderna terá então feito, numa legislatura, mais do que a direita desejou, mas não fez, durante toda a Terceira República.
Os comportamentos mudam-se com incentivos, com formação, com comunicação organizacional, com chefias competentes, com gestão adequada. O grande problema dos serviços públicos não radica nos que obedecem. Está nos que mandam. Os que mandam querem convencer os indígenas de que a chave do sucesso é a avaliação do desempenho. Mas não sabem do que falam. O que produzem é tecnicamente grosseiro e com objectivos únicos: diminuir as remunerações, aumentar as horas de trabalho, despedir, vergar. Não será por aí que aumentarão a qualidade e a produtividade.
A avaliação do desempenho só serve se for um instrumento de gestão do desempenho. Os reformadores ignorantes confundem avaliação do desempenho com classificação do desempenho. Avaliar é comparar um percurso percorrido com um percurso planeado, para identificar obstáculos e formas de os superar. Supõe objectivos claramente definidos e estratégias adequadas. À boa gestão importa, sobretudo, o carácter formativo da avaliação: para identificar as dificuldades das pessoas e ajudá-las a superá-las, com formação e assistência; para apurar a ineficácia e a ineficiência dos processos e substituí-los por outros mais adequados. Um processo credível de avaliação tem uma lógica de 360 graus. Envolve todos. Não deixa de fora os chefes, obviamente.
Classificar é seriar. Tão-só! Tendo aplicações e importância, não põe conhecimento onde ele não existe. Pode haver avaliação sem classificação. Mas não se deve classificar sem se avaliar. A obsessão dos nossos reformadores reside na classificação. Construíram uma fantasia com a qual julgam chegar ao fim sem abordar o inicial e o intermédio. O que têm produzido são grelhas de classificação mal feitas, a aplicar por processos e critérios que a gestão moderna há muito abandonou. Isto não provocará mudança organizacional. Isto vai gerar, por parte dos funcionários visados, o que a literatura da especialidade denomina por retaliação organizacional. Ou seja, oposição dissimulada e desmotivação generalizada, a última coisa de que necessitamos para melhorar os serviços. Quando tal acontece, é evidente que a culpa não reside nos funcionários, mas nos chefes e nos processos e sistemas que impõem. Sobre o essencial para reformar a função pública, continuará a pairar o silêncio do Olimpo. Quanto a avaliação do desempenho, pura e simplesmente não existe. Apenas bolsa da pesporrência retórica e oca dos novos justiceiros.
O que se conhece da grelha proposta para classificar os professores que concorrerão ao topo da carreira é paradigma do que acabo de afirmar. Está lá tudo: o atropelo grosseiro à lei; a evidência de que legislam por impulso, sem coerência nem norte (começaram por achar que 120 pontos eram o mínimo e já baixaram para 95); o primado do administrativo sobre o pedagógico (menosprezo escandaloso da docência e do conhecimento, que chega ao ridículo de valorar ou não um doutoramento em função do dia em que foi feito). É a burocracia posta num altar, que nenhum Simplex disfarça.”

domingo, março 18, 2007

O Negócio da Saúde

O
Começa agora a perceber-se qual era o objectivo que norteava o encerramento de urgências e outras unidades de saúde, promovido pelo governo Sócrates: entregar à iniciativa privada a exploração deste inesgotável filão, nas zonas que passaram a ficar desprovidas de estruturas de saúde, em resultado dos vários golpes-de-mão levados a cabo pelo traficante de serviço, ministro Correia de Campos.
Referem as notícias que são três os grupos privados, a que se juntam as Misericórdias, que estão a ultimar projectos, destinados a implantar unidades de saúde nas áreas deixadas vagas pelo recente encerramento de urgências, serviços de atendimento permanente e maternidades. Acrescente-se que as Misericórdias têm sido das entidades que mais têm militado por virem a complementar ou substituir a rede de serviços de saúde pública, em permanente declínio. Como é óbvio, os preços praticados pelas unidades de saúde privadas, não terão comparação com as muito contestadas taxas moderadoras de 15 euros, instauradas pelo actual governo, sobretudo nas urgências, onde não há lugar a qualquer comparticipação. Consuma-se, assim, o que alguém em tempos insinuou: quem quiser saúde, compra-a! Porém, este caso é mais grave: depois de sermos tributados em impostos, que era suposto suportarem, entre outros, os serviços de saúde pública, e por ausência destes, se temos que recorrer aos serviços privados, é fácil de concluir que, no caso particular da saúde, estamos a pagar a dobrar.
De forma directa ou indirecta, também os bancos estão envolvidos neste assalto ao filão da saúde, e para dissimular e branquear o óbvio conluio que se estabeleceu entre o governo e os grupos privados, insistem estes em dizer que já vinha de longe a sua intenção de investirem na área da saúde, mesmo antes de o governo ter anunciado os encerramentos agora verificados. É evidente que não cabe na cabeça de ninguém que os privados se preparavam para entrar em concorrência directa com os serviços públicos, às cegas e sem garantias seguras de sucesso, como se de uma lotaria se tratasse. Na verdade, a intenção do governo de se demitir de garante da saúde pública já vem de longe, e apenas se aguardava que aquele batesse em retirada para que os grupos privados viessem ocupar o terreno agora deixado vago.
Ao demitir-se da sua obrigação constitucional de garantir aos portugueses um Serviço Nacional de Saúde, pago pelos nossos impostos e tendencialmente gratuito, isso é razão suficiente para se poder afirmar, sem receio de errar, que este governo não foi feito para governar o país, mas sim para favorecer e ajudar os “outros amigos” a sugarem esse mesmo país.

A Taluda

A
As notícias foram frias e contundentes, dizendo simplesmente que o governo decidiu entregar à “dinâmica” da iniciativa privada a gestão de 600 milhões de euros (120 milhões de contos), provenientes de reservas públicas da Segurança Social, as quais foram geridas, até agora, com resultados muito positivos, pelo Instituto de Fundos de Capitalização, logo, não se percebendo, no imediato, as razões desta súbita mudança (não sei se estão a perceber…). É certo que esta medida vinha inscrita no programa de governo, mas dados os bons resultados apresentados pela gestão pública, era natural que a solução fosse suspensa. Mas não! Os favores em dívida falam mais alto e os “outros amigos” estavam na expectativa. Conclusão: saiu a taluda à iniciativa privada. Quanto aos portugueses, que continuam embriagados com as promessas e os espectáculos de ilusionismo do governo, vão continuar a acumular jogo branco.
Resumindo: José Sócrates e o seu governo do “socialismo moderno” entregaram a gestores privados de fundos de pensões, os descontos dos portugueses, seus concidadãos, não porque queira fazer mais um favor aos seus amigos da alta finança (nem pensar, era o que faltava!), mas porque entende que os portugueses devem ser estimulados, e já que perderam o desejo de correr riscos, e isso não é “competitivo”, devem sentir que alguém arrisca por eles, numa das mais prometedoras acções pedagógicas de que há memória. Nem que para isso, se tudo correr mal, tiverem que ir viver para debaixo do viaduto e alimentarem-se das ceias fornecidas pelos voluntários da caridade. Portanto, e salvo melhor opinião, o jogo da roleta tomou conta das economias que depositámos nas mãos do Estado, e que este governo achou por bem entregar aos tubarões-correctores dos fundos de pensões. Vou deixar aqui uma advertência: no futuro, e se algo correr mal, a roleta russa e o “jumping sem elástico” poderão vir a ser os desportos favoritos dos portugueses.

sexta-feira, março 16, 2007

Euros

E
Em 2003, num momento de entusiasmo, decidi conceber e esboçar um novo reverso para as moedas de 1 Euro. A figura dominante era um astrolábio náutico do século XV, símbolo das navegações e descobrimentos portugueses. Este foi o resultado dessa fantasia.
E

quinta-feira, março 15, 2007

Crítica Tardia

C
Eu quero aqui tirar o meu chapéu (ou barrete, tanto faz!) aos engenheiros que conceberam o absurdo e caótico traçado rodoviário do Parque das Nações, em Lisboa. Na verdade, porém, eles não são verdadeiramente os culpados. Admitindo que os erros e disparates são sempre susceptíveis de correcção, a culpa acaba por recair, integralmente, sobre quem aprovou e mandou executar aquela aberração.

Há 111 Anos...

H
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. […] Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro […] Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. […]A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos […] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, […] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar…"
Estas são palavras de Guerra Junqueiro, extraídas do seu opúsculo "Pátria", datado de 1896, já lá vão 111 anos e parece que nada mudou.

quarta-feira, março 14, 2007

Prodígios e Boas Intenções

P
O Prof. Vital Moreira, no seu blog “Causa Nossa”, apelidou de “prodígios de imaginação” a relação que Vasco Pulido Valente (VPV), na sua crónica do Público, estabeleceu entre a anunciada coordenação das forças policiais, o futuro cartão do cidadão e o documento único do automóvel, classificando-os como aperitivos ou condimentos de um proto-estado policial.
Não possuo dons de previsão ou visão estroboscópica para dizer que VPV tem carradas de razão ou entrou em delírio, mas a vida ensinou-me que nem sempre o problema está no excesso de imaginação dos comentadores, mas sim na demasiada displicência, entusiasmo e credulidade, com que abordamos algumas medidas que era suposto visarem a “modernização” ou “reforma” das sociedades, e que acabam por dissimular outros objectivos, bem menos respeitáveis.
Diz o ditado que de boas intenções está este mundo cheio, e também continua a ser verdade que a prudência, que muitas vezes é confundida com pessimismo, outra coisa não quer dizer senão que o gato escaldado de água fria tem medo. Nunca me dei mal com o princípio que nos aconselha a reflectir atentamente, quando há demasiadas coincidências e poucas evidências. Por isso, há certas opiniões que a prudência me aconselha, não digo que a subscrever, mas a não subestimar.

terça-feira, março 13, 2007

O Intendente Pina Manique

O
O governo apresentou um novo modelo integrado de gestão das informações recolhidas e das investigações efectuadas pela PSP, GNR, PJ e SEF, que passará a ser detida por um secretário-geral para a segurança interna (SGSI), figura essa que passará a reportar directamente ao primeiro-ministro. No entanto, para além destas competências, que visam fundamentalmente as áreas que dizem respeito à segurança interna, um outro tipo de rastreio começa a ganhar forma, e que tem a ver com uma multiplicidade de cruzamentos de dados, com origem nas mais diversas instituições, e que terá por finalidade última, traçar um perfil dos cidadãos, até ao mais ínfimo pormenor. Está convencionado que os funcionários públicos irão ser as cobaias deste novo sistema, mas é mais do que evidente que o objectivo será, a curto ou médio prazo, estender este tratamento a toda a população portuguesa. O jornal Público avaliou, sistematizou e pormenorizou os aspectos desta complexa e preocupante operação de devassa da vida dos cidadãos, a qual se transcreve a seguir:
D
Dados a cruzar:
- Identificação e cadastro contributivo das bases de dados da CGA, ADSE, ADM, SSMJ, SAD da GNR e da PSP, DGITA e IIES;
- Nacionalidade, residência e estado civil das bases de dados do Ministério da Justiça;
- Benefícios sociais das bases de dados da CGA, ADSE, ADM, SSMJ, SAD da GNR e da PSP, ISS e IIES;
- Vínculo laboral com a administração pública da base de dados da DGAP, do ISS e do IESS;
- Rendimentos da base de dados da DGITA;
- Património mobiliário e imobiliário sujeito a registo das bases de dados do Ministério da Justiça;
- Situação escolar dos alunos, relativamente à frequência e aproveitamento;
- Obrigações acessórias, designadamente, início, reinício, alteração, suspensão e cessação da actividade, das bases de dados da DGITA, ISS, IESS e Ministério da Educação.
B
Bases de dados a serem cruzadas:
- Subscritores, pensionistas e outros beneficiários da Caixa Geral de Aposentações (CGA);
- Beneficiários da ADSE;- Beneficiários da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM);
- Beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça (SSMJ);
- Beneficiários da Assistência na Doença (SAD) ao pessoal da GNR e da PSP;
- Funcionários públicos e agentes administrativos da Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP);
- Identificação dos contribuintes fiscais da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA);
- Identificação civil, residência de estrangeiros e registo predial e automóvel, do Ministério da Justiça;
- Contribuintes e beneficiários do Instituto da Segurança Social (ISS) e do Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade (IIES).
Q
Quem começa por ter acesso:
- Todas as "gestoras" das bases de dados referidas anteriormente;
- Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;
- Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo;
- Inspecção-Geral de Finanças;
- Instituto da Segurança Social, nomeadamente através do Centro Nacional de Pensões;
- Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais;- Solicitadores de Execução.
C
Como alguém disse, e muito bem, “de cada vez que alguém, fala do levantamento do sigilo bancário para combater a fuga ao fisco, com muito mais garantias legais e de defesa dos direitos dos cidadãos do que esta proposta, cai o Carmo e a Trindade. Perante esta inacreditável proposta instalou-se o silêncio.” Silêncio esse, cortado aqui e ali, por opiniões nem sempre convergentes. Se formos a analisar bem o que atrás se transcreveu, quem tiver acesso a este tipo de informações, será sempre alguém que, para o bem ou para o mal, passa a deter um poder imenso. No entanto, dizem algumas pessoas, naturalmente optimistas, que a utilização incorrecta ou abusiva daquelas informações, cairá sempre sobre a alçada fiscalizadora da Assembleia da República, acção fiscalizadora essa que, como é sabido, nem sempre é levada a cabo com rigor e isenção, por força da distribuição das forças políticas, e respectivas lealdades a elas associadas, como foi o caso dos famigerados voos secretos da CIA. As conclusões das comissões parlamentares não são vinculativas, e nada impede que quem lá vai depor minta descaradamente ou diga que não sabe de nada. Além disso, para a exequidade e eficácia das instituições políticas, apenas são desejáveis os modelos que acautelem, em toda e qualquer situação, a ocultação da verdade, a proliferação dos excessos ou das más práticas, e não aqueles que se limitem a remediar efeitos ou a censurar comportamentos.
Diogo Inácio de Pina Manique, foi o intendente geral da polícia, durante o reinado de D.José I e da governação do ministro Marquês de Pombal. Referem os livros de História que aquele homem, detentor de uma autoridade quase tão absoluta, quanto a do rei e do seu ministro, foi grande perseguidor dos liberais, dos adversários do Marquês e da sua política baseada no despotismo esclarecido, os quais eliminava friamente, sem contemplações e sem olhar a meios. Só nos faltava que a “modernidade” e “boas práticas” que José Sócrates insiste em imprimir à sociedade portuguesa, não nos esteja a fazer recuar no tempo, a módica bagatela de 250 anos.

segunda-feira, março 12, 2007

Crimes de Algibeira

C
O novo Código Penal, prevê que os pequenos crimes, nomeadamente pequenos furtos, danos e burlas simples, como a subtracção de produtos de estabelecimentos ou o vulgar assalto de rua, de valor até 96 Euros, deixem de ser considerados crimes públicos e passem a ser classificados como crimes particulares. Chama-se a isto “descriminalização encapotada”. Assim, o lesado, tenha ou não recorrido à intervenção policial, caso decida incriminar o infractor, terá que pagar custas judiciais que andam à volta de 200 Euros, isto é, sensivelmente o dobro do valor patrimonial do fruto de crime, isto sem contar com os honorários que terá que desembolsar para ter a assistência de um advogado. Tal como já sucede com a emissão de cheques sem provisão, até 150 Euros, os quais deixaram de ser objecto de qualquer acção judicial, agora, ao implementar esta medida, o Estado pretende alargar o âmbito dos chamados “pequenos crimes”, desmotivando os burlados a apresentarem queixa, aliviando desta forma a pressão sobre os tribunais. O roubo de uma mala, uma carteira, um relógio, um telemóvel, um anel ou fio de ouro, vão passar a ser actos fúteis, comparáveis ao puro extravio desses bens, e para os quais passa a ser irracional e antieconómico apresentar queixa. Como é natural, os principais lesados serão sempre as pessoas mais humildes e de menos posses.
Num país em que ser corruptor activo ou passivo, roubar à descarada ou locupletar-se com o que não lhe pertence, se tornou uma banalidade, manchando as próprias instâncias da justiça, é compreensível que o governo queira adaptar o Código Penal aos novos tempos, realidades e mentalidades (se assim não fosse não estaria à altura do dito “socialismo moderno”), adoptando, para o efeito, a sabedoria do Manual Prático do Major e da Santa de Felgueiras, onde se diz que devemos partir o bolo em fatias grossas e fatias fininhas, para que ninguém fique de fora. As grossas são para nós, a nata, os líderes e os dirigentes, e as finíssimas, mais as migalhas, revertem para a “maralha” que, mais ou menos saciada, para a próxima lá estará a gritar a plenos pulmões e a votar outra vez em nós. O Estado, como bom aprendiz, assim faz: tanto na grande como na pequena criminalidade, o que é preciso é dividir o bolo da justiça, democraticamente, em partes muito desiguais. As fatias grandes são para os processos dos graúdos, lentos, pesadíssimos, arrastadões e que acabam em prescrição ou absolvição, por falta de tempo ou de provas. As fatias fininhas, são para os crimes de algibeira, alguns deles que, por serem tão corriqueiros, tão banais, são uma chatice e uma maçada, logo não devem chegar aos tribunais, caso contrário corriam o risco de os entupir. Para isso, basta que deixem de ser considerados crimes, e a ladroagem, vendo o furo, multiplicar-se-á como chinchilas e irá tomar conta de nós, até ao suspiro final. Se eu levar a cabo, por dia, um pequeno furto até 96 euros, em teoria estão criadas as condições para arrecadar uma receita mensal de 2.880 Euros (579 contos), uma bela maquia para quem não for muito ambicioso ou exigente. Com a vantagem de não ser preso, nem condenado e estar isento de IRS. Como se pode ver, em Portugal as “boas práticas”, não discriminam ninguém; a partir de agora, o crime passa a compensar, seja ela a grande como a pequena criminalidade.