quarta-feira, setembro 10, 2008

Verdades e Mentiras

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A imprensa tem o dever de ser imparcial e equidistante. Isso significa tratar com a mesma frieza verdades e mentiras, de onde quer que venham, e não tratar verdades de um lado e mentiras do outro como se fossem a mesma coisa, o que apenas beneficia os infractores e degrada o espaço público.
… "
Rui Tavares, in “Uma coisa chamada realidade”, jornal PÚBLICO de 8 de Setembro 2008

domingo, setembro 07, 2008

Os Meus Eleitos (1)

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Título: Lawrence da Arábia
Título Original: Lawrence of Arabia
Data: 1962
Origem: Reino Unido
Realizador: David Lean
Argumento: T.E. Lawrence (livro) Robert Bolt (guião)
Género: Biográfico, Guerra
Actores Principais: Peter O'Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn, Jack Hawkins, Omar Sharif, José Ferrer
Comentário: O filme foi baseado no livro autobiográfico do tenente Thomas Edward Lawrence, OS SETE PILARES DA SABEDORIA, e refere-se ao período em que este foi oficial de ligação entre o exército britânico, estacionado no Cairo, e as tribos beduínas rebeldes, que combateram o domínio dos turcos do império otomano, durante a Primeira Guerra Mundial. Este filme é uma obra excessiva, sobre todos os aspectos, desde a missão que é entregue ao enigmático Lawrence, já de si desmedida, por almejar unir o que sempre estivera desunido, e que ninguém acreditava que pudesse ser consumada, mas que o apagado militar levou a cabo com sucesso, até à grandiosidade e metamorfose dos imensos e mutantes cenários dunares em que decorre a acção. Ao longo do filme Lawrence vai-se excedendo sempre mais, a cada passo que dava, cavalgando a tempestade, a esboçar os contornos de uma nação, engolido pela vertigem dos acontecimentos, e por um universo de homens rudes e excessivos, que viviam, sobreviviam e morriam naquele mundo inóspito onde tudo é grande, desde Alá misericordioso, até ao desmedido e fascinante deserto que é o Nefud e sua Bigorna do Sol, onde os excessos vivem lado a lado com a escassez, onde a água, a sombra e a honra, se disputam gota a gota, palmo a palmo e homem a homem. Lawrence da Arábia é um filme não descritivo, mas que nos serve sem cerimónia, a frio, debaixo de um calor tórrido e quase de improviso, actos de agitação que já não se praticam, vidas que já não se vivem, emolduradas por proezas e feitos heróicos, quase impossíveis de encontrar, onde um golo de água pode ser o preço de uma vida humana e as mulheres são tão ausentes, quanto excessivo e dominador é o protagonismo que a tradição islâmica reserva aos homens. O seu nome Lawrence acaba arabizado em Al-Aurens, ao passo que o militar acaba a transformar-se naquele homem improvável, travestido de beduíno, teatral, quase uma mistificação, que sem acreditar no mecanismo virtual que dá pelo nome de destino, acaba por cair nas malhas dos caminhos que se entrecruzam à sua frente, aceitando sem vacilar, como trágico experimentador e abusador do livre arbítrio que é, o incerto futuro de humilde herói desconhecido.
Lawrence da Arábia é um filme limpo, assim como limpo é o deserto. Hoje já não se fazem filmes desta envergadura. A realização de David Lean foi genial, a fotografia de Freddie Young é pujante e inigualável, ao passo que a música de Maurice Jarre é inexcedível. Quanto a Peter O'Toole, naquela época, mais actor de teatro que de cinema, superou-se e levou a cabo o desempenho mais alto e profundo da sua carreira. O próprio T.E. Lawrence, se fosse vivo, não o desdenharia.

Título: Forrest Gump
Título Original: Forrest Gump
Data: 1994
Origem: E.U.A.
Realizador: Robert Zemeckis
Argumento: Winston Groom (novela) Eric Roth (guião)
Género: Drama, Comédia
Actores Principais: Tom Hanks, Robin Wright Penn, Gary Sinise, Mykelti Williamson
Comentário: A infância de Forrest Gump, foi marcada por um grande equívoco: a sua mãe pensava que ele era fraco de pernas, mas afinal a sua fraqueza pendia mais para o lado dos miolos. Porém, o que Forrest Gump poderá ter a menos em intelecto, acaba por ser largamente compensado por um excesso de bondade, inocência e pureza, ao ponto de nos deixar incrédulos e confundidos. Sendo uma pessoa simples, a encarar o mundo sob um prisma diferente do habitual, a sua existência acaba por se estruturar à volta de três ideias que funcionam como âncoras do seu comportamento e moldam a sua existência. A primeira leva-o a comparar a vida com uma caixa de chocolates, isto é, nunca se sabe o que lá vem dentro. A segunda gira à volta daquele equívoco de infância e das vantagens que advêm de possuir um bom par de sapatilhas. Correr desenfreada e desalmadamente, está-lhe na massa do sangue, seja para fugir ou alcançar algo, queimar energias ou deixar correr o tempo para apaziguar más recordações. A terceira é a paixão inabalável que nutre por Jenny, sua amiga de juventude, a qual vai condicionando todos os seus passos. A Jenny, fizesse o que fizesse, andasse por onde andasse, sempre foi o seu fio condutor, uma espécie de cordão umbilical, por onde ele recebia todas as energias que o mantinham seguro e determinado para enfrentar a vida. Fosse ele arrastado para as situações mais inverosímeis, corressem bem ou mal todos os projectos em que se envolvia e entregava de alma e coração, a “sua” Jenny era um ponto de referência, e ocupando o lugar cimeiro das suas preocupações, estava sempre em primeiro lugar.
Ostentando sempre uma postura chocantemente disponível, sem ser servil, Forrest Gump não é exigente e cumpre o prometido, nem que para isso tenha que revolver o céu e a terra. Tanta generosidade é inacreditável! De tão simplório, genuíno, tocante e desarmante, Forrest Gump é um autêntico ser humano sem sombra de pecado.
Difícil de caracterizar como comédia pura, este filme é mais a biografia ficcionada e incompleta de uma vida plena e bela, recheada de situações caricatas e fortuitas, que acabam por ser simples acidentes de percurso, a emoldurarem sentimentos tão simples quanto profundos. Por todo o filme paira também, de forma subtil e subliminar, uma crítica velada à sociedade americana, a qual não tem pudor em classificar a vulgaridade e a mediocridade como virtudes, e usá-las como pretexto para fabricar falsos heróis e montar divertimentos de gosto duvidoso. Apesar de tudo, se existisse, Forrest Gump ainda era capaz de nos surpreender, com muito amor para oferecer, mais umas sapatilhas para esfarrapar, e outras tantas caixas de chocolate para desvendar.

sábado, setembro 06, 2008

Para Ler e Meditar

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O texto que a seguir se transcreve é da autoria de Eduardo Lourenço, um insigne e clarividente ensaísta português. Esta sua análise surge no rescaldo do conflito militar ocorrido entre a Rússia e a Geórgia, e quando os E.U.A. fazem reivindicações e elevam o tom de voz, usando a Europa como um dos braços da tenaz com que pretendem manietar e isolar Moscovo, barricando-se na falsa ideia de que estamos perante a ressurreição da guerra-fria.

Europa paralisada e mutilada

“No seu número de hoje, um dos mais conspícuos jornais europeus, para empregar um termo caro a Jorge de Sena, como se estivéssemos ainda em plena guerra-fria, assevera-nos que "Moscovo desafia as potências ocidentais". Isto a propósito do reconhecimento unilateral de antigos pedaços do seu ex-império, até há pouco incluídos na Geórgia, também ela antigo e até simbólico espaço moscovita.

Infelizmente, esta séria peripécia da política internacional pós-Muro de Berlim e implosão do antigo império soviético só tem a ver com potências ocidentais, se nelas incluirmos os Estados Unidos, a única digna desse nome. E é o caso, mas é como se não o fosse. Em princípio, o título do Le Monde só nos devia dizer respeito, a nós europeus, enquanto apêndices histórico-políticos dos Estados Unidos, única superpotência do Ocidente desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas nós sabemos que esta imaginária distanciação europeia dos Estados Unidos é um mito. E que não podemos escapar, por enquanto, a nenhum conflito virtualmente sério, em que os Estados Unidos, na sua expressão superimperialista, estejam envolvido - quer se trate do Afeganistão, do Iraque, quer agora do Cáucaso, confrontado de um dia para o outro a uma nova situação balcânica.

Tudo é americano, mesmo o que não parece ou não devia ser. Não admira por isso que a maior parte da imprensa europeia tenha encontrado, num ápice, os reflexos, as imagens, os clichés mais estafados (e outrora justos ou justificáveis) da antiga guerra fria, com o mesmo Moscovo no papel óbvio do mau da fita. Basta ler a maioria dos jornais portugueses para o constatar. Mas não são os únicos. Como de costume, o olhar mais isento sobre os actuais acontecimentos vem-nos de Inglaterra, o único país europeu, apesar de relativizado no tabuleiro mundial, que ainda merecerá o nome de "potência ocidental". Recentemente, um historiador de Oxford lembrou com pertinência que o actual conflito pouco tem a ver com a grelha de leitura da antiga guerra fria e que o Ocidente faria bem em ter isso em conta. A situação seria comparável à das Malvinas, que a imprensa ocidental nunca diabolizou.

É um bom conselho, o desse intelectual de Oxford, Mark Almond. Se a situação actual não é muito diferente da clássica das Malvinas, em nada isso afecta a sua leitura de um ponto de vista europeu. Não é a Europa - a não ser por impotência ou defeito - que se encontra implicada no Cáucaso. São os Estados Unidos - via Geórgia - e Moscovo - via Ossétia do Sul e Abkhásia - num despique imperialista do mais clássico recorte. A Europa - na medida em que existe como actor histórico digno desse nome - está entre ambos os actores reais desta lamentável peripécia póstuma de uma guerra fria, reactivada na sua lógica absurda pelo ataque às duas torres... que não foi russo e que inaugurou um século XXI onde conflitos deste tipo já não pareciam possíveis. Mas a verdade é que são. O antigo urso moscovita não se mudou num anjo, como a intervenção na Tchetchénia o mostrou para grande exaltação de todos os mosqueteiros da antiga cruzada anti-soviética (de Bernard-Henri Levy a Glucksman). Mas esses reflexos de autocratismo imperial em defesa da sua zona de influência são menos imperialistas e condenáveis que a guerra unilateral do Iraque ou a guerra sem fim do Afeganistão para que uma Europa impotente e indigente se deixou arrastar?

Na mais indulgente das perspectivas, o actual conflito já não releva do antigo conflito maniqueísta entre o Bem (o do mundo democrático ocidental) e Mal (o mundo soviético totalitário) - se isto mesmo não entroniza abstractamente uma visão dualista da História bem discutível ou trágica -, mas do mais tradicional e perene conflito entre duas formas de poder virtualmente imperialistas. E, no caso vertente, o dos Estados Unidos não deixa os seus créditos por mãos alheias. Quem, em nome de uma luta antiterrorismo, sem estatuto definível em termos aceitáveis de democracia planetária, dispôs em torno da nova Rússia um dispositivo de mísseis, como se o Pacto de Varsóvia não tivesse caducado? E na Polónia ainda por cima...

Muitos de nós, europeus, devem à América, histórica e miticamente falando, um reconhecimento sério e inesquecível, mas não ao ponto de o pagar com uma subalternização política, ideológica e até cultural, digna do antigo Império Romano, universalidade virtual a menos. Se a Europa não fosse, como é, uma entidade à procura de existência credível e neste momento objectivamente paralisada, não entraria em transe, como outrora em tempos dos cossacos, de cada vez que a pátria de Catarina, mas também de Tolstoi e Dostoievski, move um peão no seu imenso e complexo tabuleiro. Tabuleiro mundial mas também europeu. Entre os devaneios mais aceitáveis da nossa velha Europa, agora pacífica como um cordeiro, figura o de se imaginar como o continente ideal, medianeiro entre o Novo Mundo (seu antigo filho) e a Rússia.

Mas este belo sonho é também o de uma Europa mutilada, voluntária e absurdamente cortada dessa mesma Santa Rússia há mais de mil anos ortodoxa e tão europeia como a mais românica ou nórdica Europa. Como é possível que a Europa tenha algum futuro digno dos seus sonhos do passado (bons e maus), sem pensar noite e dia nesse espaço naturalmente europeu, sem o qual, como dizia Valéry, a nossa Europa nunca será mais do que um pequeno cabo da Ásia? Não temos que escolher entre os Estados Unidos e a Rússia, ou digamos, entre Walt Whitman e Tolstoi. Mais nos importa partilhar à nossa maneira a visão epicamente universal do destino humano de que ambos foram exemplo. E, antes disso, ou a par disso, lembrarmo-nos da nossa "velha Europa", mãe de todas as utopias universalistas e, hoje, entre parênteses de si mesma, sem mais projecto que a pretensão de arbitrar à la petite semaine, e segundo o impulso dos seus Napoleões virtuais, conflitos que já não estão à altura da sua fraqueza. Ainda por cima, como criada de quarto pressurosa e impotente do único dono do universo.

Nem Afeganistão nem Cáucaso, após a ordem unilateral instaurada depois do 11 de Setembro merecem a nossa lamentável solicitude. Limitemo-nos a dar uma alma a um projecto de Europa que não consegue chegar ao fim dos seus braços. O Ocidente europeu temeu a Rússia durante sete décadas, mas nem por isso a longa e capital história comum deixou de nos importar. Os relentos de cruzadismo que, em tempos, essa ameaça suscitou não têm agora nem a mesma urgência nem o mesmo sentido. É vital para nós que a nova Rússia seja o mais democrática possível, mas não esqueçamos que o nosso ideal democrático ainda tem muito de ideal kantiano - como o de todas as democracias do mundo. Porque nos mobilizamos (em teoria...) tão facilmente contra a nova Rússia, como se fosse uma anti-Europa ou anti-Ocidente, quando há muito a cercámos de Estados ainda menos democráticos que ela e que nunca foram europeus? Não apenas por prudência um caso tão complexo como o do Cáucaso, em que, no mínimo, as culpas são partilhadas, escolher um dos litigantes num conflito em que um terceiro é o actor principal é uma aberração. Só por um passado de má reputação, como numa famosa canção de George Brassens?

Certos países europeus supõem ter o monopólio perpétuo das indignações virtuosas. Nos seus melhores momentos o tiveram ou nós supusemos que o tinham. Mas já não é o caso. No novo contexto planetário a exemplaridade é muito relativa. Bem sabemos o que os custou essa pretensão de sermos, como europeus, "a luz do mundo". Chegou o tempo da modéstia, o que não é incompatível com a dignidade. Uma certa imprensa europeia, belicista a título póstumo, lamenta que a Europa não enfrente com determinação a crise actual, chamando à pedra o suposto responsável por ela. Evoca-se o espectro de Munique, a eterna cobardia das democracias. Gostariam que se repetisse o cenário da Jugoslávia ou do Kosovo, fonte próxima desta crise. Em suma, que se pusesse a Rússia na ordem. Só os Estados Unidos conhecem o preço dessa hipotética lição ao seu antigo adversário, e no papel a deixam. Não sejamos mais papistas que o Papa. Os Estados Unidos podem brincar com o fogo e disso não se têm coibido. Não vale a pena ajudá-los numa missa que podem celebrar sozinhos. E não sem risco.”

Autor: Eduardo Lourenço, ensaísta. Publicado no Jornal PÚBLICO de 1 de Setembro 2008

sexta-feira, setembro 05, 2008

O Poder e a Liberdade

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Uma sociedade com medo não é uma sociedade livre e quando não se é livre, é-se menos feliz. Por isso Cavaco andou bem ao lançar aquele alerta [a propósito do combate ao surto de criminalidade]. Mas fez mal, muito mal, ao aprovar a nova Lei de Segurança Interna, que abre portas à governamentalização da investigação criminal e confere ao primeiro-ministro um imenso poder de controlo sobre a sociedade. Ora, sem uma total separação de poderes não há verdadeira liberdade….”

Áurea Sampaio em CARTAS NA MESA, revista Visão de 4 Setembro 2008

domingo, agosto 31, 2008

A Cidade Fascinante (2)

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Lisboa - Museu Militar
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O edifício onde se encontram sediadas as várias dependências do Museu Militar é portador de memórias passadas que nos remetem para outras construções que, alvo de várias vicissitudes, humanas ou naturais, foram sofrendo alterações e profundas destruições ao longo de décadas.Os documentos mais antigos remetem-nos para umas construções que aproveitaram uma porção de terreno na parte oriental da cidade, junto, mas exteriores, á muralha fernandina, à beira rio, originadas a partir do fôlego das descobertas, no seu pico máximo, atingido no reinado de D. Manuel I. A existência de cinco armazéns ou casas fabris onde se fundia metal poderão ter existido nestes dois locais, tendo D. João III e D. Sebastião continuado e melhorado estas obras. A denominação de Tercenas das Portas da Cruz deve-se à sua proximidade a esta porta de saída da antiga muralha fernandina.Pelas cartas de quitação do rei D. Manuel as obras de fundação das tercenas terão ocorrido no ano de 1488, e teriam sido prosseguidas nos anos de 1516 e 1517.O troço de muralha fernandina que ia da Porta da Cruz e descia ao rio, inflectindo para o Postigo da Pólvora, teria sido demolido para a construção das Tercenas, não se encontrando hoje vestígios visíveis. Estes edifícios das tercenas privilegiavam da sua localização à beira rio, na altura em que o centro da cidade de Lisboa, com grande importância no séc. XV, se muda para os locais ribeirinhos, onde se assistia a uma nova dimensão de grande impulso ao comércio. As tercenas destinar-se-iam a armazenar o material de guerra e teriam oficinas para a fabricação de pólvora. As oficinas para a fundição de artilharia localizavam-se no piso térreo das edificações, denominadas por Fundição de Baixo.
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Com o domínio da coroa de Castela os armazéns e fundição vão ser despojados de muito do seu material de artilharia e outras peças de valor. Neste período a denominada Fundição de Baixo passou a ser conhecida por Fundição dos Castelhanos, laborando só para os espanhóis. Em 1640, face à necessidade de incrementar o fabrico de armamento, foi criada a Tenência, sob a dependência da Junta dos Três Estados, com o objectivo de garantir o fabrico, aquisição, guarda, conservação e distribuição de armamento, artilharia e outro material, para as forças terrestres e armadas. A Repartição da Tenência estaria sediada por cima das oficinas da Fundição de Baixo (caves), sob a chefia de um tenente-general de artilharia do reino, na ocasião Rui Correia Lucas.Durante o século XVII a Fundição foi sendo objecto de várias obras e aperfeiçoamentos. Como o edifício não tinha possibilidade de se expandir pelo espaço onde se encontrava e a necessidade de acorrer às solicitações do exército levou à criação de outros estabelecimento nos terrenos mais próximos, como a Fundição de Cima, por ordem do rei D. João V.Em Junho de 1726 os edifícios onde se encontrava a Tenência foram alvo de um incêndio, que durou oito dias, destruindo grande parte das construções. D. João V demonstra interesse por este edifício ordenando a sua reedificação. Nomeia para o risco exterior o arquitecto francês Fernando de Larre, destacando-se do seu trabalho o imponente pórtico da entrada principal.
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A obra ainda não concluída, muito em parte devido à morte de D. João V, acaba por sofrer mais destruições com o terramoto de 1de Novembro de 1755. No ano de 1775 as construções situadas no lado norte são cortadas pela abertura de uma rua para permitir a passagem da zorra que transportou a estátua equestre do rei D. José I da Fundição de Cima para a actual Praça do Comércio. Em 1760 foi mandado concluir o novo edifício por ordem de marquês de Pombal sob a direcção do tenente general francês Ferdinand de Chegaray e de seguida com orientações de Amaro Barreto e tenentes generais Manuel Gomes Carvalho e Bartolomeu da Costa.
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Por determinação do conde de Lippe, pelo alvará de 24 de Março de 1764, a Tenência passa a denominar-se por Real Arsenal do Exército. Nesta data o edifício é restaurado, sendo composto, na altura, por um piso térreo e um 1º andar com cinco "salas de armas" e uma com saída para um pátio a leste (actual Pátio dos Canhões).Em 1791 o Alvará de 21 de Outubro estabeleceu um regulamento pelo qual se deveriam reger os Arsenais Reais do Exército e Intendência Geral da Fundição de Artilharia e Laboratórios de Instrumentos Bélicos, sob a inspecção da Junta da Fazenda dos Três Estados.A principal repartição do Arsenal do exército situava-se no edifício da extinta Tenência, antiga Fundição de Baixo. Mas este edifício continuou a funcionar como depósito de peças de artilharia, espingardas e outras armas de fogo e brancas, armaduras antigas, bandeiras estrangeiras, troféus de vitórias dos portugueses e os bustos de personagens que se destacaram nos feitos históricos. Os quadros, pinturas, e estátuas, que embelezam as salas de armas e a escada principal do edifício são obras de artistas portugueses dos finais do século XVIII. As instalações do arsenal do exército não se encontravam num único edifício mas estavam compreendidas em várias dependências. A melhor forma de descrever este conjunto de edifícios por onde se encontravam as oficinas de fabrico de armamento, equipamentos e outros objectos é dada pelo Panorama "(…) corpo com os membros dispersos."
Em 1800 a actividade do Arsenal, sob a direcção do tenente general Bartolomeu da Costa, sofreu um grande incremento. Com a sua morte assiste-se a nova regressão. A sua situação é melhorada por acção de D. Pedro IV que, em 24 de Julho de 1833, determina a extinção da Junta dos três Estados e entrega a direcção do arsenal a um Inspector.O arsenal do exército, segundo o regulamento provisório de 1 de Julho de 1834 é definido como "estabelecimento do estado que tem por objecto fabricar, conservar e fornecer armas, máquinas de guerra, munições e outros objectos, que são inerentes ao uso do exército". Pelo mesmo Regulamento o Arsenal sofreu reformas e melhoramentos, sob a direcção dos inspectores coronel Leão, generais barão de Ovar e barão de Monte Pedral.Em 1927 o Arsenal do Exército é extinto.
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A origem do museu remonta ao ano de 1842 associado ao nome do tenente general José Baptista da Silva Lopes, barão de Monte Pedral, nomeado inspector do Arsenal em 27 de Março de 1840, determinando a "classificação de modelos de máquinas e aparelhos raros e curiosos que existiam no arsenal do Exército" na Repartição de Stª Clara. A acção do capitão Castelo Branco passa também pelo melhoramento das salas existentes para poderem receber os objectos museológicos, convidando os mais insignes artistas nacionais dos finais do século XIX, princípios do século XX, como Colombano, Condeixa, Veloso Salgado, Malhoa, Carlos Reis e outros. Outra preocupação passou pela catalogação dos objectos e sua exposição adequada a época.A fachada da ala oriental é fechada em 1905, erigindo-se um imponente portal, ladeado por colunas de capiteis da ordem coríntia e encimado por um frontão interrompido por um grupo escultórico alegórico da autoria do escultor gaiense, Teixeira Lopes.
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Em 1926 a denominação do Museu é alterada para Museu Militar. O edifício do Museu encontra-se classificado como Imóvel de Interesse Público, por Decreto de 25.10.1963.
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Fotos de Fernando Torres.
Resenha histórica extraída do site do Museu Militar em http://www.geira.pt/mmilitar/

sábado, agosto 30, 2008

Os Meus Eleitos

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Título: Nascido a 4 de Julho
Título Original: Born On The Fourth Of July
Data Estreia: 1989
Origem: EUA
Realizador: Oliver Stone
Argumento: Ron Kovic (livro) e Oliver Stone (guião)
Género: Biográfico, Drama
Actores Principais: Tom Cruise
Comentário: O drama pessoal de um inconformado veterano inválido da guerra do Vietname, e a sua corajosa adesão ao movimento pacifista do povo americano que saiu à rua, a contestar o desastroso envolvimento no conflito, em confronto aberto com os seus dirigentes políticos. Uma mensagem a rever, nesta época em que a guerra no Iraque tarda em agitar e mobilizar as consciências.

Título: Dune
Título Original: Dune
Data: 1984
Origem: EUA
Realizador: David Linch
Argumento: Frank Herbert (romance)
Género: Ficção Científica:
Actores Principais: Kyle MacLachlan, Francesca Annis, Jürgen Prochnow, Linda Hunt, Kenneth McMillan, Sting
Comentário: Baseado no livro de Frank Herbert, publicado em 1965 e vencedor dos prémios Hugo e Nébula, DUNE, mais do que um filme de ficção científica, é uma reflexão sobre geoestratégia, interacção entre política, religião e messianismo, fontes de recursos e jogos de poder, num futuro tão longínquo quanto o ano 10.191, época em que as relações interplanetárias se estruturam à volta de um modelo de imperialismo galáctico, suportado por lealdades e soberanias de recorte feudal. A corporação ou guilda dos astronautas mutantes, detém o monopólio dos tráfegos interestelares, ao passo que a especiaria “melange” é a moeda-padrão de todo o universo conhecido, na medida em que possui o apetecido e precioso dom de expandir a consciência, prolongar a vida e ser vital para as viagens espaciais. Deste modo, quem controla semelhante produto, desde a extracção até à distribuição, controla todo o império. Dune é, simultaneamente, um singular e exuberante exercício, deixando bem claro que as maquiavélicas e farisaicas “regras” dos jogos de poder de ontem e de hoje, embora com outras cambiantes e noutros contextos, continuarão a ser as regras de amanhã.

Título: ET - O Extraterrestre
Título Original: ET - The Extra-Terrestrial
Data: 1982
Origem: EUA
Realizador: Steven Spielberg
Argumento: Melissa Mathison
Género: Drama, Ficção Científica
Actores Principais: Henry Thomas, Dee Wallace, Robert MacNaughton, Drew Barrymore, Peter Coyote
Comentário: Um extraterrestre, durante uma missão botânica de exploração à Terra, é abandonado acidentalmente no nosso planeta, a 3 milhões de anos-luz do seu planeta de origem. Para escapar à perseguição que lhe é movida pelos terrestres, vendo-se sozinho e assustado, acaba por estabelecer contacto e uma profunda e comovente amizade com um garoto de 10 anos, refugiando-se depois junto da sua surpreendida e solidária família. ET ficará para sempre como um exemplo, em que o universo, a sua diversidade e incomunicabilidade, se podem estreitar e desmontar, sem necessidade de recorrer a grandes meios, bastando pôr as crianças, com a sua ingenuidade e autenticidade, a resolver o problema.

Título: Inteligência Artificial
Título Original: Artificial Intelligence
Data: 2001
Origem: EUA
Realizador: Steven Spielberg
Argumento: Brian Aldiss (novela) Ian Watson (guião)
Género: Drama, Ficção Científica
Actores Principais: Haley Joel Osment, Jude Law, Frances O'Connor, William Hurt,
Comentário: Baseado numa ideia inicial de Stanley Kubrick e posteriormente desenvolvida por Steven Spielberg, conta a história de um rapaz- robot, encomendado a uma empresa de engenharia genética e destinado a substituir, temporariamente, o filho de um casal, vítima de doença incapacitante. Depois, é a história desse rapaz-robot que luta para que a sua mãe adoptiva e humana, o considere mais do que um mero instrumento de substituição do filho biológico. É a epopeia de um menino, que sem ser de carne e osso como os demais, também quer ser amado É quase uma versão do Pinóquio de Carlo Collodi, adaptada aos tempos que já não são tão do futuro, como se possa imaginar, ou ainda se quisermos, uma envolvente associação à inteligência cibernética do computador HAL 9000, do genial 2001 Odisseia no Espaço, do inimitável Kubrick. Fica a pergunta: amanhã, o que irá diferenciar a inteligência artificial de uma criatura andróide, daquela que qualifica um ser humano genuíno?

Título: África Minha
Título Original: Out of Africa
Data: 1985
Origem: EUA
Realizador: Sydney Pollack
Argumento: Karen Blixen (livros) Judith Thurman (adaptação)
Género: Biográfico, Drama
Actores Principais: Robert Redford, Meryl Streep, Klaus Maria Brandauer, Malick Bowens
Comentário: Ao contar a história de uma baronesa dinamarquesa que se estabelece na África oriental para gerir uma plantação de café, este filme é um fresco sobre o Quénia dos primórdios do século XX, quando os impérios coloniais se degladiavam em guerras europeias e mundiais, mas também quando muitos europeus começavam a lançar um olhar diferente sobre a África e os seus povos, já não tanto interessados na sua exploração desenfreada, mas sim na partilha de identidade, compreensão e preservação do continente. Hoje, vendo África Minha, os sentimentos que me assaltam são de nostalgia e de grande perda, não só para mim mas para toda a Humanidade, causada por tudo aquilo em que o homem branco tocou, contaminou e destruiu, sem preocupações de preservação, fosse de identidades ou de patrimónios, desde a Cidade do Cabo até Casablanca.
Eu que estive em África, também guardo bem fundo o minha paixão africana, à mistura com o cheiro a terra molhada da chuva, a pintura de colossais arcos-íris, os grandes espaços, os odores, os sons profundos e os ruídos quase insignificantes, de insectos e linhas de água a correr, sabe-se lá para onde. Por isso, sinto também como meu, o baptismo de voo de Karen Blixen (Meryl Streep), de uma beleza tão dominante e atroz, que o próprio ruído do motor do biplano se extingue no sobrevoo dos flocos de nuvens e dos extensos bandos de flamingos. Ou o grupo de guerreiros massai a atravessar a savana. Ou o leilão dos objectos pessoais de uma Karen falida, depois do seu projecto africano ter sido consumido pelo fogo. Sinto como se por lá tivesse passado, a esplanada sobranceira às majestosas montanhas Ngong, onde repousam os restos mortais de Denys Finch Hatton (Robert Redford), um homem que era de todos e de ninguém, visitados esporadicamente por um casal de leões, que ali vai partilhar o respeito e o silêncio. Depois da partida, também sinto como minha, a grande fogueira que a Karen teria que acender para que o criado Farah, deixado para trás, a pudesse reencontrar.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Em Que Ficamos?

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Inaugurada em 1887 e mais de um século sem ter acidentes, a linha do Tua (ou alguém por ela) começou a fazer vítimas. O último acidente, ocorrido em 22 de Agosto, saldou-se por mais um morto e 37 feridos, em consequência do descarrilamento da composição. Encerrada temporariamente e com o acidente a ser objecto de um inquérito preliminar, levado a cabo por entidades com interesses directos no acontecimento, a conclusão do mesmo é que tudo estava em conformidade, desde a via até ao material circulante, não havendo, portanto, causa para o acidente (?). Face a este impasse, o ministro Mário Lino, deu mais 30 dias, quase uma eternidade, para que haja um relatório conclusivo. A propósito, recorde-se que quanto aos anteriores acidentes, continuam a desconhecer-se quais as conclusões – se as há – das respectivas comissões de inquérito, nomeadas para apurarem as suas causas.
Entretanto, eu que sou um leigo na matéria, e nem sequer dei um passo para me deslocar ao local do acidente, tenho um ponto de vista diferente, pois apreciei com alguma atenção, duas excelentes fotografias do troço acidentado, e é bem claro nelas que a madeira das travessas está a desfazer-se em grandes lascas, evidenciando envelhecimento ou podridão, e sempre me disseram que as travessas, não só servem para apoio dos carris, com também para manter uniforme a distância dos mesmos entre si, caso contrário há o risco de descarrilamento. Além disso, diz quem sabe que, mais nuns sítios do que noutros, aquele é o estado deplorável em que se encontram as travessas da linha do Tua.Afinal, senhores “peritos e especialistas”, em que ficamos? Como é fácil de ver, no que respeita à assunção de responsabilidades, o país está a melhorar a olhos vistos.

Ensinamentos do Livro Vermelho

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“Onde há luta há sacrifício, e a morte é uma coisa frequente. Como nós temos em mente os interesses do povo, os sofrimentos da grande maioria do povo, morrer por este é dar à nossa morte toda a significação. Contudo, há que reduzir ao mínimo os sacrifícios desnecessários.

Todo o homem tem que morrer um dia, mas nem todas as mortes têm a mesma significação. SEMA TSIEN, um escritor da China antiga, dizia: “É verdade que os homens são mortais; mas a morte de uns tem mais peso que o MONTE TAI, enquanto que a morte de outros pesa menos do que uma pena”. Morrer pelos interesses do povo tem mais peso que o MONTE TAI, mas esforçar-se ao serviço dos fascistas e morrer pelos exploradores e opressores do povo, pesa menos do que uma pena.”

Mao Tse-tung em “servir o povo”, 8 de Setembro de 1944, Obras Escolhidas, Tomo III

quarta-feira, agosto 27, 2008

Garagens!

G
É nas garagens, por esse mundo fora, que germinam os grandes projectos, desde os BEATLES até à MICROSOFT. Com a concepção deste logótipo, dei o meu contributo para que a actividade de mediador de seguros, do meu ex-colega e estimado amigo JOAQUIM GUERREIRO, seja coroada de êxito.
G

segunda-feira, agosto 18, 2008

O Pior Cego…

“…
Parece que só agora é que o governo, o Banco de Portugal e os defensores do pensamento económico único de cariz neoliberal, que domina os media portugueses, descobriram que Portugal é uma economia aberta, fortemente dependente do exterior e com um elevadíssimo grau de endividamento em relação ao estrangeiro, e que qualquer crise que se verificasse no mundo e se repercutisse na União Europeia – e particularmente em Espanha, em relação à qual o grau de dependência do nosso país é muito elevado – teria aqui consequências graves. A inércia e passividade em que se manteve e continua a manter o governo, assim como a desculpabilização que se está a procurar fazer (utilizando para isso a crise internacional como se ela fosse imprevisível), bem como a insistência do Banco de Portugal em defender a continuação da política seguida pelo governo, a qual contribuiu para o beco sem saída em que hoje nos encontramos, é que são dramáticas. A incapacidade total que o governo e os seus defensores, como Victor Constâncio, revelam para ter um pensamento próprio que não seja o imposto por Bruxelas e pelo Banco Central Europeu, e a sua quase doentia obsessão em relação à redução do défice, deixam o país quase indefeso.

O grave é que o governo não preparou o país para enfrentar uma crise totalmente previsível, embora com uma dimensão que poderia ser variável.”

Extractos do artigo “Governo sem plano para enfrentar a crise, dificuldades a crescer”, da autoria do economista Eugénio Rosa, publicado na edição portuguesa do LE MONDE DIPLOMATIQUE de Agosto 2008

O Monstro Espreita!

“…
Tenho sempre presente uma frase de Albert Speer, nas “Memórias” que escreveu nos anos 70, e que é uma frase terrível porque é verdadeira – “O nazismo foi uma coisa horrorosa, sou o primeiro a reconhecer (depois de 25 anos passados na prisão), mas uma coisa tenho por certa, quando “isto” se repetir, será muito pior!” Referia-se ele ao tremendo poder e à eficácia das novas tecnologias, das descobertas científicas e genéticas, dos bancos de dados…
Tudo isto pode vir a dar um conglomerado político-social-tecnológico do género da tal repetição de um fenómeno totalitário, que Albert Speer, com algum conhecimento interno do nazismo, previa como uma coisa medonha. Se analizarmos o sistema de satélites, as telecomunicações, a influência da televisão, vemos como os meios para o totalitarismo são muito superiores aos de há 50 anos. E ainda por cima são manuseáveis por muitos. Um dia, se disparar a loucura totalitária, será tremendo. Pode-se também referir, como é evidente, os aspectos positivos destes avanços tecnológicos. Mas o que eu acho é que não há um acompanhamento cultural dessas descobertas, dessa difusão tecnológica.
…”
Extractos de uma entrevista concedida por José Medeiros Ferreira à revista PÚBLICA, em Maio de 2003

quarta-feira, agosto 13, 2008

Paisagem (marítima)

P
Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.

Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.

Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa.

Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.

(Poema de Sophia de Mello Breyner Endresen)

sexta-feira, agosto 08, 2008

Computador “Sócrates”

C
Enviado pelo João Ricardo Mendes, recebi o seguinte e-mail:

""Magalhães" - o mais escandaloso golpe de propaganda do ano

Os noticiários abriram há dias, com pompa e circunstância, anunciando o lançamento do "Primeiro computador portátil português", o "Magalhães".
A RTP refere que é "um projecto português produzido em Portugal"
A SIC refere que é "um produto desenvolvido por empresas nacionais e pela Intel" e que a "concepção é portuguesa e foi desenvolvida no âmbito do Plano Tecnologico."
Na realidade, só com muito boa vontade é que o que foi dito e escrito é verdadeiro. O projecto não teve origem em Portugal, já existe desde 2006 e é da responsabilidade da Intel. Chama-se Classmate PC e é um laptop de baixo custo destinado ao terceiro mundo e já é vendido há muito tempo através da Amazon.
As notícias foram cuidadosamente feitas de forma a dar ideia que o "Magalhães" é algo de completamente novo e com origem em Portugal. Não é verdade. Felizmente, existem alguns blogues atentos. Na imprensa escrita salvou-se, que se tenha dado conta, a notícia do Portugal Diário: "Tirando o nome, o logótipo e a capa exterior, tudo o resto é idêntico ao produto que a Intel tem estado a vender em várias partes do mundo desde 2006. Aliás, esta é já a segunda versão do produto."
Pelos vistos, o jornalista Filipe Caetano foi o único a fazer um trabalhinho de investigação em vez de reproduzir o comunicado de imprensa do Governo.
A ideia é destruir os esforços de Negroponte para o OLPC. O criador do MIT Media Lab criou esta inovação, o portátil de 100 dólares...
A Intel foi um dos parceiros até ver o seu concorrente AND ser escolhida como fornecedor. Saiu do consórcio e criou o Classmate, que está a tentar impor aos países em desenvolvimento.
Sócrates acaba de aliar-se, SEM CONCURSO, à Intel, para destruir o projecto de Negroponte. A JP Sá Couto, que já fazia os Tsunamis, tem assim, SEM CONCURSO, todo o mercado nacional do primeiro ciclo.
Tudo se justifica em nome de um número de propaganda política terceiro-mundista.
Para os pivots (ex-jornalistas?) Rodrigues dos Santos ou José Alberto Carvalho, o importante é debitar chavões propagandísticos em vez de fazer perguntas.
Se não fosse a blogosfera - que o ministro Santos Silva ainda não controla - esta propaganda não seria desmascarada. Os jornalistas da imprensa tradicional têm vindo a revelar-se de uma ignorância, seguidismo e preguiça atroz.”

Meu comentário: O Fernão de Magalhães não merecia que lhe conspurcassem o nome e a memória; a condizer com outras travessuras que têm sido propaladas e cometidas pelo actual governo, o dito artefacto informático, podia muito bem ter sido baptizado para a posteridade com o nome de “Sócrates”.

Diz-me Com Quem Andas…

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Da autoria da jornalista Ana Cristina Pereira, o jornal PÚBLICO de quarta-feira, 6 de Agosto de 2008, publicou a seguinte notícia:
D
“Os jornalistas d' O Primeiro de Janeiro já não se concentram hoje à porta da redacção. Os 32 profissionais, aos quais se juntaram outros dois que trabalhavam no Norte Desportivo, já receberam as notas de despedimento. O deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro visitou-os ontem, último dia de vigília. E decidiu questionar a Autoridade para as Condições de Trabalho, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Ministério do Ambiente, a quem compete a gestão do mais recente pacote de fundos comunitários (QREN).Soeiro não percebe como é que o dono do Janeiro, "que trata assim os trabalhadores e em Março foi condenado por fraude na utilização de fundos do Estado", beneficiou de verbas do QREN e, em Abril, até "foi apresentado pelo Governo como empresário-modelo". Anteontem, ao visitar os trabalhadores, o deputado do Partido Comunista Honório Novo levantara a mesma questão.”
D
Meu comentário: Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, aplica-se com propriedade aos governantes que pactuam com empresários do calibre do atrás indicado. Tal como diz o provérbio, os impostores, para sobreviverem, têm por costume ampararem-se uns aos outros.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Descida ao Inferno

D
Título: Haverá Sangue
Título original: There Will Be Blood
Ano: 2007
Origem: E.U.A.
Realização: Paul-Thomas Anderson
Argumento: Baseado na novela de Upton Sinclair
Actores Principais: Daniel Day-Lewis, Paul Dano, Dillon Freasier,

Paul-Thomas Anderson já me tinha surpreendido com MAGNOLIA. Agora, com HAVERÁ SANGUE, baseado no livro “Oil”, de Upton Sinclair, publicado em 1927, deixou-me atónito e com a agradável sensação de que se está a voltar a criar cinema de qualidade, com substância e letra maiúscula. Feitas as contas, este HAVERÁ SANGUE tem tudo para vir a tornar-se numa obra de referência, senão mesmo um clássico.
Situado temporalmente entre fins do século XIX e princípios do século XX, no começo da corrida às jazidas do “ouro negro”, conta a história de Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis), um empresário prospector de petróleo independente, que quer sobreviver a todo o custo, ao assédio das grandes companhias emergentes, e que utiliza todas as ferramentas para singrar naquele meio. É um homem mau, egocêntrico, determinado e manipulador, que sabe que para atingir os seus fins, não pode olhar a meios. É um homem visceralmente mau, que com o passar do tempo se vai tornando cada vez pior. Para ele, as relações humanas, não são relações de amor ou de entreajuda, mas apenas competição pura e dura, entre sujeitos da mesma espécie. Ele sabe que todo o ser humano é tendencialmente venal, e o preço para chegar à riqueza, vale bem um sacrifício, nem que seja uma conversão a algo em que não se acredita. No entanto, a sua avidez por riqueza, não é uma ânsia de poder, mas sim frenesi pela materialização de um projecto muito pessoal: ser tão independente quanto possível, para que isso lhe permita isolar-se da abominável sociedade humana, que ele odeia. Por isso, a vida para ele é um jogo arriscado, em que o importante é ganhar sempre, custe o que custar, doa a quem doer, e sendo o petróleo o seu veículo de libertação, onde há petróleo, mais tarde ou mais cedo, também haverá sangue.
Assim, o curso da existência de Daniel Plainview acaba por retratar uma parcela da história dos E.U.A. que muitos fazem por ignorar, mas que Paul-Thomas Anderson teve a coragem de abordar e desnudar. Capitalismo e religião sempre foram dois notáveis aliados. Enquanto o primeiro explora desenfreadamente os corpos, o segundo cuida que os espíritos se mantenham submissos, atentos à visão do paraíso, qual prémio final depois do corpo abandonar o inferno terreno. E é aí que HAVERÁ SANGUE vai ganhar raízes e desenvolver-se, entre um fundamentalismo de feira, misto de crendice e terrorismo emocional, e um capitalismo que estrategicamente se deixa baptizar, vai à missa, senta-se ao lado dos operários e declama os salmos com piedoso fervor, ao mesmo tempo que vai acumulando riqueza.
Tal como acontece com o “Citizen Kane” de Orson Welles ou “O Gigante” de George Stevens, este Daniel é uma espécie de doutor Fausto dos tempos modernos, que vende a alma, não ao diabo, mas ao deus de uma certa Igreja da Terceira Revelação, não a troco da imortalidade, mas como expediente para angariar a tal fortuna que o liberte da dependência e proximidade da abjecta e execranda espécie humana, que ele detesta, mas de que é também um exemplar acabado. “Odeio todos os homens” diz ele sem embaraço, no raro momento em que se confessa a um burlão, que o veio procurar, reclamando ser seu suposto irmão. No outro extremo da história, o seu antagonista é Eli Sunday (Paul Dano), um auto-proclamado pastor evangélico da tal Igreja da Terceira Revelação, misto de curandeiro, oportunista e chantagista, tão alucinado quanto Daniel, porém, mais conforme o clássico de Goethe. Acaba a renegar tudo em que dizia acreditar e vende a alma, desta vez ao diabo, pelo possível lucro que obteria da venda de uma herdade cujo valor julgava medir-se em muitos barris de petróleo, mas que afinal está seca, valendo menos que um tostão furado. Quer isto dizer que todo o ser humano é tendencialmente corruptor e corruptível, pois a concretização de certos sonhos e desejos, muitas vezes por terem um preço demasiado alto, ou custam muito dinheiro, ou acabam por nos levar a hipotecar a coerência, a dignidade e aquilo que se convencionou designar por bons princípios.
Quando Daniel Plainview diz que "não suporta que mais alguém tenha sucesso", mesmo que esse alguém seja o seu próprio filho, HAVERÁ SANGUE lança mais um olhar crítico sobre o capitalismo, como arma devastadora, escorada na competição desenfreada e na obsessão do sucesso, sobre as ambições desmedidas e outras ignomínias que imperam no grande laboratório darwiniano, onde evoluciona o género humano (onde os mais fortes e aptos, serão os sobreviventes da espécie), e deixando adivinhar nesse preceito comportamental a ideia-chave que acabou por modelar o tão conhecido “american away of life”. Assim, HAVERÁ SANGUE é a história paralela da edificação de uma nação no alvor do século XX, e o amadurecimento de uma personagem, que para alcançar o êxito, empreende, numa sucessão de cataclismos pessoais, uma repugnante descida aos infernos da condição humana, sem dissimulações nem arrependimentos. Neste filme nada é gratuito, nada é trivial, tudo tem sentido, a par de uma carga emocional impar, contribuindo cada cena para moldar a personalidade e a vida do seu protagonista, e apontar também a trajectória de uma nação. Depois, é também um filme sem mulheres activas e interventivas. Quando elas se mostram, funcionam apenas como peças secundárias de uma paisagem humana onde os homens eram considerados o cerne da sociedade, os grandes protagonistas, os únicos criadores de factos e de riqueza.
A soberba fotografia de Robert Elswit, aliada à banda sonora, uma vezes feita de simples ruídos do meio circundante, outras por música acompanhada pelo som cavo e monocórdico da bombagem das torres de petróleo, sublinha com eficácia e perfeição o ambiente ora cru ora patético que percorre todo o filme. Quanto a Daniel Day-Lewis, é mais do que magistral no seu desempenho, pois autentica a encarnação de uma personagem complexa, que se vai transformando com a passagem dos anos, e isto é um talento que nem todos os actores são capazes de transpor para a representação.
Por tudo o que deixei dito, mas não só, considero HAVERÁ SANGUE um grande e genial filme, direi mesmo, uma potencial obra-prima da sétima arte.

sábado, julho 26, 2008

A Aula foi Adiada!

A
… ou um conto às três pancadas

Talvez tivesse sido do cansaço, mas naquele dia de Setembro, mesmo com o despertador programado, o Vasco deixou-se dormir, e quando finalmente saltou da cama para ir para as aulas, o tempo já era escasso para um asseio a preceito. A barba, como de costume, é que pagou as favas. Tinha estado até às tantas da madrugada a preparar a dissertação sobre Newton e as leis da gravitação, e o descanso é que ficara a perder. Posta de lado a hipótese de um pequeno-almoço simulado, vestiu-se quase às cegas, depois pegou nos apontamentos do curso, meteu-os na pasta, desligou as luzes e saiu porta fora. Enquanto esperava pelo elevador sentiu o prédio estremecer ligeiramente.
– Olá, querem ver que vamos ter sismo! disse ele para os seus botões, a pensar que, mesmo sendo um acontecimento insignificante, apenas um susto, já tinha ali uma desculpa, assaz esfarrapada, para o atraso. A Terra, de vez em quando precisava de acomodar as suas entranhas, e isso acabava a reflectir-se na superfície da sua pele, e na vida quotidiana dos parasitas que a habitavam, com os incómodos que são conhecidos, que podem ir do simples sobressalto, até à demolição de cidades inteiras. Parou, olhou à volta e esperou meia dúzia de segundos, enquanto a vizinha do apartamento contíguo, a dona Sandra, corria espavorida pelas escadas abaixo, sem sequer gemer o tradicional “bom-dia”. As tremuras não voltaram. Por precaução, tal como a vizinha, desistiu do elevador e optou por descer as escadas, mas sem grandes correrias. Já na rua, instalou-se no velho Fiat a cair de podre, e fez-me ao caminho. O dia estava esquisito, ostentando uma luminosidade ambiente de cor âmbar com pinceladas de sépia (parecia um pergaminho envelhecido), tempo encoberto e demasiado abafado para aquela estação e para aquela hora da manhã. A meio da Avenida de Roma circulava-se a passo de caracol. Havia um acidente complicado, enquadrado por muitos mirones e gente a gesticular, qualquer coisa parecida com um invulgar choque em cadeia, coisa esquisita dado que aquela artéria não era propícia a grandes velocidades. No entroncamento da Avenida do Brasil com a Rio de Janeiro, enquanto esperava, no meio do tráfego que o semáforo voltasse ao verde, o chão voltou a tremer, só que agora de forma mais prolongada e acompanhado de um ruído cavo e surdo, oriundo das profundezas da terra, ao mesmo que tempo que o Vasco era ligeira e inexplicavelmente arremessado para cima, batendo com a cabeça no tejadilho, como se tivesse perdido o peso, ao mesmo tempo que o estafado Fiat, mesmo parado, se bamboleava estranhamente na sua decrépita e rangedora suspensão. As luzes dos semáforos tremeram, apagaram-se, voltaram a acender-se, tremeluziram e acabaram por se apagar em definitivo, iniciando-se o habitual concerto de buzinas. A fila de trânsito estava imobilizada e assim ficou. Lá à frente, gesticulando e dizendo coisas inaudíveis, os condutores começavam a sair dos carros, visivelmente amedrontados, e com ar inquiridor sondavam a fila que serpenteava a perder de vista. Começava a ficar instalada a confusão, e o atraso para as aulas começava agora a tornar-se escandaloso.
- Irá haver aulas? Interrogou-se ele falando para os seus botões, ao mesmo tempo que as tremuras do pavimento voltaram mais insistentes, e alguns carros que estavam imobilizados no engarrafamento, sabe-se lá devido a que força, começaram a chocar entre si, como se subitamente se tivessem transformado naqueles velhos brinquedos de meados do século passado, prensados em levíssima folha-de-flandres. Depois de uma manobra quase impossível aproveitou uma nesga desimpedida sobre o passeio e lá estacionou o carro. A universidade ficava a pouco mais de mil metros dali, alcançável numa corridinha esforçada, para aquela hora matinal, mas oportuna para quem tentava escapar à barafunda circundante. Trancou o carro e começou a correr. Em dada altura sentiu-se mais leve e o chão parecia fugir-lhe debaixo dos pés. Tropeçou meia dúzia de vezes, fintou contentores do lixo que andavam a rebolar e protegeu-se de veículos que pareciam carrinhos de choque desgovernados, umas vezes já sem condutor, outras vezes com pessoas ao volante, incrédulas, paralisadas e aterrorizadas.
Atingiu o campus universitário pelas 10h e 50m quando as primeiras pessoas, a gritarem e de olhos esbugalhados, começavam a deixar de ter os pés assentes na terra, e aquela, do chão até às copas das árvores, tremia como se tudo quisesse mudar de lugar. A partir daquele momento o atraso tinha perdido todo o significado. Mudo e assombrado com o que estava a acontecer, o Vasco sabia que as desculpas tinham perdido o sentido, e verdade, verdadinha, era que aquela lei que dizia que a força da gravidade depende da massa dos corpos e da distância entre eles, e que é proporcional ao inverso do quadrado desta distância, tinha começado a deixar de funcionar, e o mundo, talvez o próprio universo, estavam em vias de mudar de forma, talvez mudar de lugar ou de sentido, talvez a caminho da extinção, sem avisar nem pedir licença a ninguém, no meio de um grande caos e terror.
O Vasco, com um misto de pavor e desânimo a esgravatar-lhe as entranhas, achou-se a esbracejar junto às copas das árvores, agarrado à pasta que já aberta espalhava pelos ares os seus agora inúteis tópicos e apontamentos, misturando-se com bandos de passarada em pânico, um carrinho apagado de castanhas assadas, pedras, pedrinhas e pedregulhos em remoinho, a mochila de criança, cabines telefónicas, telhas, muitas telhas, toneladas de telhas, bicicletas, uma baliza de futebol, contentores de lixo, muito lixo, montanhas de lixo, na mais colossal demonstração de ausência de gravidade de que há memória. Se naquele momento, por qualquer razão, o seu efeito cessasse, seria pior a emenda que o soneto, porque ninguém tinha o costume de sair de casa de capacete e com um pára-quedas amarrado às costas, para o que desse e viesse. Ao mesmo tempo, entre a dúvida e a angústia continuava a dizer de si para si: - O raio da aula deve ter sido adiada de certeza absoluta! Para já, e sem avançar com grandes conjecturas ou explicações, aquele iria ser um dia diferente, talvez para recordar, talvez para esquecer.
Dois ou três minutos depois, já a uma altura considerável, talvez uns dois mil metros, deixou de se ver a superfície da terra, o traçado das ruas, a mancha do Campo Grande e a geometria da Cidade Universitária, tanto era o pó que rodopiava, à mistura com a mais extravagante amálgama de pessoas, objectos e detritos. Havia muita gente a espernear, desde vestidos a rigor, embora já muito amarrotados, até outros de pijama ou em nu integral, uns de cabeça para baixo, uma velhinha com o cão preso pela trela, um casal abraçado, outros a ensaiarem um estranho bailado ou uma espécie de tentativa de voo, expresso num misto de esbracejar e bater de asas, outros aos berros, muitos a urinarem-se, outros a vomitarem o pequeno almoço, outros paralisados, como que hipnotizados, com o terror estampado no rosto, quase todos a tentarem agarrar-se a qualquer coisa que passasse perto, nem que fosse o telhado do quiosque dos jornais, como se estivessem no alto mar, debatendo-se à procura de uma tábua de salvação. Como algum do seu sentido de humor se mantinha intacto, imaginou que para o cenário ficar composto, só estava mesmo a faltar ver passar ali por perto o primeiro-ministro, a prometer solenemente que ia baixar os impostos, a dar autógrafos aos graúdos e computadores aos miúdos, arrastando consigo, cinco ou seis guarda-costas, pendurados nas bainhas das suas calças e nas bandas do seu casaco.
Mesmo a propósito, veio-lhe à memória aquele romance do Douglas Adams, que estivera a ler a semana passada, mas até agora, e tal como acontecia no livro, antes da Terra ser riscada do sistema solar, não tinha aparecido pelas imediações, in extremis, qualquer espécie de nave alienígena para lhe dar uma boleia. Como é compreensível, naquela aflição, uma coisa dessas vinha mesmo a calhar!
Sempre a subir rumo às alturas, até à estratosfera rarefeita, e pensando que à falta de um fato de astronauta, ou algo melhor, seria bom ter por ali uma garrafa de oxigénio, achou por bem voltar a matutar no mau uso que tinha andado a fazer do seu tempo:
- E eu que perdi uma noite agarrado às leis de Newton, quando bastava ter dormido como um justo, para agora as ver comprovadas na prática! Este universo, descomunal e talvez imensurável, não respeita nada nem ninguém. Raios partam os buracos negros, as galáxias em colisão, o efeito doppler, as energias radiantes, os quasares e os pulsares, o Isaac Newton e as suas leis da atracção universal…
E foi então que o Vasco, a pairar no vazio, entre aquela dramática, singular e colossal desordem, tomou uma decisão radical: atirou fora a pasta vazia, as chaves do carro, adoptou a posição fetal, pousou a cabeça sobre as mãos entrelaçadas, aconchegou-se, fechou os olhos e voltou a pegar no sono interrompido.

sexta-feira, julho 25, 2008

Com a Verdade me Enganas!

C
Tem que se reconhecer que o primeiro-ministro Pinto de Sousa, também conhecido por José Sócrates, uma vez por outra, foge-lhe a boca para a verdade. A propósito das pretensas boas intenções do novo Código do Trabalho, antes de assestar as suas baterias contra a esquerda, começou por declarar, patéticamente, que a direita está ausente desta discussão sobre aquele documento. Pudera, não houvera de estar! Para defender e levar à prática os pontos de vista dessa muda e serena direita, estão lá em peso, nada mais, nada menos que as iniciativas deste (des)governo, que enganosamente se auto-qualifica de esquerda “moderna”, coadjuvado por um seguidista e irreconhecível PS.

segunda-feira, julho 21, 2008

Protecção do Trabalho

P
Dizem as notícias que os Tribunais de Trabalho estão a ser esvaziados, tanto de funcionários como de magistrados, com ambos os quadros reduzidos para metade, por força da aplicação de uma portaria do ano passado, ao passo que se verificou um acréscimo de recurso a estas instâncias, por parte do mundo laboral, pelos motivos óbvios. Isso reflecte-se em 15.000 processos pendentes, só no Tribunal de Lisboa, e os trabalhadores que a ele recorrem chegarem a esperar 18 meses por uma sentença. Dizem os sindicatos que há “indícios que permitem concluir que existe um projecto do poder político de esvaziamento das competências, ou mesmo de extinção dos Tribunais do Trabalho”.
Fora as novas “maldades” que a revisão do Código do Trabalho promete, temos agora mais este episódio. É caso para dizer que a protecção do mundo do trabalho nunca foi tão precária nem conheceu condições tão adversas.

Ciclos de Impunidade

C
“O procurador-geral da República disse anteontem, por outras palavras, que o Código de Processo Penal está a matar as investigações de crime económico. Esta possibilidade, denunciada por várias vozes logo após a aprovação do Código, é contestada pelo ministro da Justiça, que teima em defender a sua dama, argumentando com o pouco tempo de vida que as novas leis penais têm. Em teoria, o ministro até pode ter razão: não se muda códigos de um ano para o outro. Neste caso, porém, os primeiros meses dão já indicações muito claras de que no campo do crime económico caminhamos para o desastre.
C
A ‘Operação Furacão’ está em risco e o mesmo acontece com outros processos que implicam fortes investimentos periciais e a cooperação judiciária internacional. O que está na forja, não tenhamos ilusões, é a criação de mais um ciclo de impunidade brutal, daqueles a que o sistema político já nos habituou. Primeiro os fundos comunitários, depois a negociação política de grandes dívidas fiscais – criando fundos partidários e outros que estão na origem de instituições financeiras que nunca primaram pela transparência. A seguir as facturas falsas e o erro legislativo que originou milhares de prescrições. Agora temos tudo mais às claras e sob a cobertura inequívoca da lei. Será isto o que queremos para Portugal?”
C
(Autor: Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto do jornal Correio da Manhã)

OMAR KHADR, Guantanamo e Portugal

O
“OMAR KHADR foi preso no Afeganistão e transferido - segundo dados oficiais americanos comunicados aos advogados - para Guantanamo, onde chegou no dia 28 de Outubro de 2002.
Nesse dia, sobrevoaram o espaço aéreo português, com destino a Guantanamo, dois aviões militares americanos, tipo C-17, com as matriculas RCH184Y e RCH319Y. O primeiro proveniente da Base americana de Rota (Espanha). O segundo proveniente da base americana de Incirlik (Turquia). Dois aviões militares do mesmo tipo de muitos que passaram para Guantanamo carregadinhos de prisioneiros (há documentos oficiais americanos que o comprovam).A data da chegada de OMAR KHADR consta do relatório da REPRIEVE de 28.1.2008. Relatório que foi objecto de uma rejeição liminar e indignada por parte do actual governo português, sem se dar ao trabalho de demonstrar como incorrecta ao menos uma vírgula (e há algumas pequenas incorrecções naquele primeiro relatório da REPRIEVE sobre Portugal) .Convém notar que, por sua vez, os dados da REPRIEVE se baseiam no cruzamento dos dados obtidos de fontes militares americanas com a lista de voos, de e para Guantanamo, com passagem por Portugal, entre 11.2.2002 e 24.6.2006, que eu consegui obter e divulguei, apesar de ela ter sido sonegada ao PE e à AR. Nessa lista estão identificados os dois voos militares que poderão ter transferido OMAR KHADR e mais 26 outros prisioneiros para Guantanamo nesse dia 28 de Outubro de 2002, passando pelo espaço aéreo português.

“Os media de todo o mundo – portugueses incluídos – estão a dar o relevo merecido ao vídeo de um dos interrogatórios repugnantes a que o jovem canadiano, de ascendência afegã, OMAR KHADR está há anos a ser submetido na ignomínia que é a prisão americana de Guantanamo.Os media sublinham – como eu tenho repetidamente sublinhado - que a detenção de OMAR KHADR configura uma das mais escandalosas violações da legalidade internacional e dos direitos humanos por parte da Administração Bush, pois era ainda apenas uma criança de 15 anos quando foi encerrado em Guantanamo.Fiquei atenta ao caso de OMAR depois de ter encontrado o seu irmão, ABDURAHMAN KHADR, em Toronto, em Dezembro de 2006, na sequência de uma importante reportagem publicada pelo jornalista Ricardo Lourenço no EXPRESSO em 9.9.2006. Recordo que Abdurrahman Kadhr também esteve detido uns meses em Guantanamo, para onde foi com apenas 17 anos, até ter sido levado pela CIA, com escala em Santa Maria, Açores, para trabalhar como informador na Bósnia em 2003, de onde conseguiu escapulir-se para voltar ao Canadá. De Abdurahman trouxe eu um “affidavit”, de que fiz entrega à PGR; nele se faz referência à situação do seu irmão mais novo Omar, ainda detido em Guantanamo. Dos estranhos voos (civis) da CIA com passagem por Portugal, que a transferência de Abdurrahman implicara, havia eu já em meados de 2006 devidamente alertado o governo português.Por ter seguido estes dois casos em particular, entendo aqui destacar um ponto muito relevante que não vi nenhum órgão de informação português notar. Um ponto muito relevante para o apuramento de eventuais responsabilidades portuguesas (do Estado e de agentes do Estado português) no sequestro, detenção e tortura de uma criança em Guantanamo: OMAR KHADR.É que há dados que indicam que OMAR KHADR poderá ter passado por Portugal, num voo militar americano autorizado políticamente pelas autoridades portuguesas (MNE/MDN – governo Barroso/Portas) a sobrevoar espaço aéreo nacional, a caminho da prisão de Guantanamo.”
O
(Publicado por Ana Gomes, em16 e 17 de Julho de 2008 no blog CAUSA NOSSA)