segunda-feira, março 06, 2006

Farsas


José Sócrates diz que aquela sua iniciativa, é o máximo que a solidariedade humana podia ter engendrado. Eu digo que não, e para o provar aí está a entrevista que o Primeiro-ministro deu, onde tentou dourar uma pílula prenhe de propaganda e nula de consequências. O subsídio complementar de pobreza na velhice, com toda a sua panóplia de documentos burocráticos que o candidato tem que apresentar, é a súmula máxima da crueldade deste estado pseudo-social. Imaginem um solitário e carente octogenário, com relações familiares conflituosas ou inexistentes, ignorado, solitário, entregue às pequenas tarefas da sobrevivência, quase incapaz de se deslocar, afectado por aquela timidez e acanhamento próprio de quem se sente marginalizado, condição que o leva a escolher a invisibilidade e o silêncio, amparado à bengala, a calcorrear repartições para requerer atestados de pobreza, a preencher formulários, a querer apensar fotocópias de declarações de impostos que nunca chegam, enfim, a tentar provar que não tem onde cair morto. Este estado socialista, como de socialista só tem o nome, faz os velhotes passarem vergonhas, obrigando-os à humilhação de exibirem o abandono a que foram votados, ou a penúria dos seus descendentes, dá uma esmolinha aos que se sujeitam a levar o calvário até ao fim, e nos restantes casos põe-se de fora, satisfeito com a sádica tarefa de levantar barreiras ao elementar direito de sobreviver com alguma dignidade, na última etapa da vida.

Em vez de providenciar que as regras básicas do código da estrada e do comportamento cívico comecem nos bancos do ensino primário, em vez de exigir excelência e rigor nos exames de condução, em vez de pôr em acção mecanismos adequados para pôr um ponto final no comércio escandaloso da venda ao desbarato de licenças de condução, o governo quer impor o uso de limitadores de velocidade, nos veículos conduzidos por pessoas com carta há menos de dois anos. O governo, mais uma vez, na sua ânsia, ignorância e incompetência, quando não sabe, engendra, convencido que inventou a roda. Começa por não saber o que é um limitador de velocidade (não é um parafuso a travar o curso do acelerador), e não faz ideia de como e quem irá providenciar a fiscalização de tais dispositivos. Sem os tradicionais recursos policiais para cobrir adequadamente o espaço rodoviário do país, tudo isto tem a pretensão de travar a carnificina nas estradas portuguesas, que está provado, não é, tendencialmente, um problema dos traçados das vias, nem que se solucione com a limitação das aptidões dos veículos, mas sim com a moderação e civilidade de quem os conduz.

Por outro lado, Ricardo Almeida, deputado do PSD, é useiro e vezeiro em ultrapassar os limites de velocidade por esse país fora, qual lusitano Speedy Gonzalez, sem que nunca tenha pago uma única multa. Diz ele que tais excessos se devem ao facto de ser um político que gosta de cumprir horários. Todos somos portugueses, mas há uns que são portugueses pontuais, enquanto que outros são portugueses atrasados. Este argumento tem deixado sensibilizado até às lágrimas, quem lhe vai perdoando as acrobacias rodoviárias, provavelmente apoiado noutros precedentes, ocorridos com figuras do poder judicial, que deram como justificação para o facto de serem interceptados a velocidades proibitivas, razões e compromissos do foro jurídico, mas que afinal não passavam do anseio de chegar a tempo e horas a uma boa patuscada.

O ministro Jaime Silva, confrontado com perguntas sobre as precauções que devemos tomar com a gripe aviária, apesar de ter enunciado certas cautelas, fazendo alguma pedagogia sobre o assunto, acabou por estragar a intervenção, rematando com a confissão de que não dispensa o seu franguito assado, iguaria que aprecia. Se o vírus morre à temperatura de 70 graus, ficamos sem saber o que é mais seguro, se frango assado como o ministro gosta (na versão a carvão a temperatura do pitéu não chega aos tais 70 graus), galinha de fricassé ou canja de miúdos. Preocupado em desdramatizar o problema, mas esquecido da prudência que o caso exige, acabou por fazer uma triste figura, fazendo lembrar um outro ministro, apanhado a comer mioleira, com grande sofreguidão, na época em que a BSE começava a grassar em Portugal, e que disse não haver nada que o desviasse de deleitar-se com tal manjar.

Para avançar com a OPA sobre a Portugal Telecom, Belmiro de Azevedo vai utilizar os serviços de uma subsidiária holandesa, tirando partido das isenções de impostos que aquele país oferece nestas operações financeiras, pondo assim os seus interesses à frente do aconchego que tal maquia traria às finanças públicas de Portugal. Deste modo, vão deixar de entrar nos cofres do Estado português qualquer coisa como 57,5 milhões de euros relativos a imposto de selo, mais o pagamento de imposto sobre mais-valias e dividendos, bem como a retenção na fonte de juros bancários. Isto é capitalismo, puro e duro, sem olhar a quem.
Lembro-me de o patrão da Sonae ter dito, certa vez, que para enfrentar o Estado ávido de impostos, independentemente do dinheiro, dos assessores e advogados, e da perseverança que era preciso mobilizar, era preciso ter-se coluna vertebral. Porém, agora neste caso, em particular, vai também ser preciso assumir-se um nadinha menos patriota, economicamente falando, claro está.

O presidente Sampaio tem andado a despedir-se da função que ocupou durante uma década. Acabou a distribuir condecorações, entre muitas outras, por tudo o que apareceu, pelo menos uma vez, nos jornais, nas televisões, nos palcos e nas passerelles da moda. Passe a comparação, seguiu o exemplo do Papa João Paulo II, que se sentiu na obrigação de beatificar e santificar, todos os pretendentes que constavam dos processos pendentes, pelos corredores do Vaticano. Na última sessão fez questão de agraciar alguns jornalistas, gesto que apreciei sobremaneira, porque são eles que nos transmitem informação, conhecimento e não só. Só não percebi porque os apelidou, sem mais nem menos, de Pais da Pátria, porque, para mim, Pais da Pátria, continuam a ser os nossos egrégios avós, como aquele brutamontes do D. Afonso Henriques, o ínclito D. João I, o imortal Luís de Camões, os ousados conjurados de 1640, e um tão modesto quanto grande patriota de nome Salgueiro Maia.

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