domingo, março 19, 2006

A França não Dorme


Não parece, mas de tempos a tempos a França acorda. Anteontem foi a França da Revolução, da tomada da Bastilha, dos Estados Gerais, do Directório e do terror. Ontem, há quase quatro décadas atrás foi a França do Maio de 68, e hoje continua a não ser uma França qualquer: é a França que ainda há pouco rejeitou a Constituição Europeia de cariz neoliberal, e agora a França dos estudantes, aliados aos sindicatos e às forças políticas de esquerda, que fazem frente a uma legislação que quer deixar a juventude que acede ao mercado de trabalho, sujeita à mais dura e despudorada precariedade.
Voltam a despovoar-se as universidades, as ruas a transbordarem de estudantes e a contestação e propagar-se do Quartier Latin aos quatro cantos do país. Diz o governo que os contestatários não passam de um punhados de esquerdistas, de holligans e de vadios. O governo diz que está a fazer isto tudo para o bem das novas gerações, a acautelar o seu futuro, portanto, tenham paciência e muito juízo, caso contrário levam…
Porém, os franceses já perceberam que isto é o capitalismo puro e duro, guloso, desavergonhado e sem freio, a reeditar a cartilha novecentista da revolução industrial, que levantava monopólios e aferrolhava fortunas colossais, à custa da constituição de imensos exércitos de reservistas desempregados. O mundo mudou, porém, mau grado as lições do passado, o capitalismo continua igual a si próprio. E o poder político vai pelo mesmo caminho, renovando e reforçando o mesmo tipo de ligações amásias e perigosas com as gentes do capital e da finança, os tais para quem o pior dos outros é sempre o melhor para eles. Para enfrentar a revolta e o descontentamento, põem-se as polícias na rua, amanhã talvez a tropa, a tal que deixou de ser instituição nacional e passou a ser voluntária, para não dizer mercenária. E mundo continua a mudar, se calhar para pior, mas nós continuamos alegremente distraídos. A França não dorme, mas nós parece que sim. Pode faltar dinheiro para tudo e mais alguma coisa, mas nada se regateia para equipar os corpos especiais das polícias de choque, bem comidos, bem pagos, bem montados, bem couraçados, bem armados e bem treinados, para reporem uma ordem, que de democrática vai tendo cada vez menos. Temos andado distraídos, embalados nos nossos brandos costumes, mas em Portugal passa-se o mesmo que pelo resto da Europa e do Mundo. Durante o Euro 2004 já tivemos uma demonstração do super-equipamento das polícias anti-motim. Não faltará muito tempo que experimentemos no lombo, o que de lá até cá, veio reforçar as “forças da ordem”. A bem da ordem e da nação.

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