E
Os Estados Unidos da América têm, desde 28 de Setembro, uma nova lei para “tratar” os suspeitos de “terrorismo”, concebida de forma a ajustar-se na perfeição à óptica que o presidente Bush e seus correlegionários mais chegados têm sobre a matéria. A nova lei, além de desprezar e ignorar todas as convenções internacionais em vigor, que visam proteger os combatentes de uma qualquer guerra, deixa ao critério “todo-poderoso” do presidente americano, qual o tratamento a dar aos detidos, o qual pode incluir o recurso a sevícias e à tortura. A nova lei socorre-se de uma definição invulgarmente ampla e abrangente do conceito de “inimigo combatente ilegal”, definindo quem pode cair na alçada desta lei especial e ser acusado de estar a conspirar ou a trair o país. Sem grandes preocupações humanitárias, nem cuidados quanto à acusação e à idoneidade das provas, os alvos podem ser enjaulados em prisões militares, logo arredados da possibilidade de requererem o “habeas corpus”, serem julgados em tribunais militares, ficando assim sem possibilidade de apelarem às habituais instâncias de recurso civis. Sem os meios habituais de defesa, poderão apodrecer numa qualquer obscura penitenciária, dando origem a uma nova e invulgar geração de “desaparecidos em combate”, dentro do seu próprio país. Na verdade, esta lei, não foi feita para combater o terrorismo; é um instrumento que pode ser usado contra qualquer indivíduo, seja ele americano ou não, que se pretenda classificar como indesejável, e fazê-lo desaparecer sem demora. Resumindo: é o instrumento ideal para instalar e gerir o estado de sítio permanente, próprio de um estado policial.
Assim sendo, ninguém melhor que um americano para avaliar os termos e implicações dessa nova lei. Para esse efeito transcrevo o artigo publicado no jornal “Los Angeles Times”, da autoria de Bruce Ackerman, professor de direito e ciências políticas da Universidade de Yale.
1
“Nova lei americana abre o caminho à injustiça
2
Uma mensagem aterradora esconde-se na lei aprovada quinta-feira pelo Congresso americano sobre o tratamento de prisioneiros, e o seu alcance ultrapassa as disputas legais envolvendo os estrangeiros suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo. A lei autoriza o presidente a prender cidadãos americanos que considere combatentes inimigos, mesmo que jamais tenham saído dos EUA. E, uma vez detidos numa prisão militar, eles não terão um julgamento civil nem qualquer das protecções da Bill of Rights (as emendas constitucionais que regem os direitos civis nos EUA). Esta perigosa lei não só autoriza o presidente a prender e manter na prisão terroristas que lutaram contra soldados americanos durante um conflito armado, como também permite a detenção de qualquer pessoa que “intencional e materialmente tenha apoiado hostilidades contra os EUA”. A lei dá ao presidente um enorme poder sobre os cidadãos e pessoas que residam legalmente no país, os quais poderão ser acusados de combatentes inimigos, mesmo que só tenham dado dinheiro para uma organização de caridade no Médio Oriente, podendo ficar detidos indefinidamente numa prisão militar.
Não é caso de preocupação, dizem os defensores da lei. Dizem eles que o presidente não pode prender uma pessoa que contribuiu inocentemente, mas sim aquelas que financiaram expressamente práticas terroristas. Contudo, outros dispositivos da lei colocam em dúvida essa limitação.
Pior: se os tribunais federais confirmarem uma decisão do presidente de deter alguém, os americanos deverão ter que enfrentar um tribunal militar, sem as garantias estabelecidas para julgamentos criminais.
O tratamento para quem possui residência legal no país, mas não é cidadão americano, é ainda mais severo. A lei elimina inteiramente a possibilidade de essa pessoa conseguir um habeas-corpus, deixando-a à mercê das suspeitas do presidente.
Não estamos tratando de abusos hipotéticos. O presidente já submeteu um cidadão à autoridade e jurisdição militar. Alguns meses após o 11 de Setembro, José Padilla foi preso pela administração Bush, acusado de ser “combatente inimigo”. Apesar de ter cidadania americana, Padilla ficou detido mais de três anos numa prisão militar, sem poder contestar sua detenção num tribunal civil ou militar. E, após um tribunal federal de apelação ter ratificado a decisão do presidente, o Supremo Tribunal acabou por rejeitar uma revisão do caso, dando aos advogados do governo um terrível precedente.
A nova lei fortalece ainda mais o poder presidencial. No mínimo, encorajará o Supremo Tribunal a estabelecer uma odiosa distinção entre cidadãos americanos e residentes legais. Há dezenas de milhões de imigrantes legais nos EUA, e a lei incentiva a Justiça a apoiar detenções em massa nessa população. A lei também reforça as alegações do presidente, como no caso Padilla, em que o comandante-chefe das Forças Armadas pode apontar um cidadão dos EUA em solo americano como combatente inimigo e sujeitá-lo à justiça militar.
Pela doutrina constitucional actual, essa demonstração de apoio do Congresso ao presidente seria um factor-chave que o Supremo Tribunal deveria considerar para examinar os limites da autoridade presidencial. Não é tempo de brincar com a política nem com as nossas liberdades fundamentais.
Mas não está claro que o Supremo Tribunal vá proteger a Bill of Rights. A decisão no caso Korematsu - o qual ratificou a detenção militar de nipo-americanos durante a 2ª Guerra Mundial - nunca foi explicitamente revogada. Será difícil para o Supremo Tribunal condenar aquela decisão, especialmente se os ânimos se inflamarem com outro atentado. Mas, com o Congresso a apoiar os poderes presidenciais, ficará muito mais fácil estender a decisão no caso Korematsu, aplicando-a em futuras detenções em massa.
É trágico que os republicanos tenham aprovado uma medida que vai deixar muita gente apavorada na manhã seguinte ao próximo atentado.”
3
Se nada for feito para reverter esta situação, os EUA reunirão, num curto espaço de tempo, todas as condições para se transformarem, de uma democracia num estado de direito, num desprezível estado autoritário, de perfil policial-fascista. A instauração de leis de excepção, é o pior que pode acontecer a um povo. Basta que quem detém o poder, se assim o entender e lhe convier, decida que não há lugar para a regra, e tudo passe a ser excepção.
Numa altura em que a própria União Europeia, a par de continuar a questionar os voos da CIA, que operavam a distribuição de “terroristas” pelos países que se dispunham a levar a cabo “interrogatórios eficientes”, se deixa contaminar por cuidados supostamente securitários, que encobrem uma mão cheia de restrições aos direitos e liberdades, aceitando fornecer a essa mesma CIA e ao FBI, dados pessoais de passageiros de transportes aéreos, com destino aos EUA, é altura de ficarmos duplamente preocupados. Incapazes de terem uma política autónoma, os hipócritas e servis governos europeus, acham ser boa política lavar as mãos como Pilatos, acabando por vender o corpo e a alma dos seus cidadãos ao “amigo” americano, a troco de um sorriso de desdém e de uma palmadinha nas costas.
Os Estados Unidos da América têm, desde 28 de Setembro, uma nova lei para “tratar” os suspeitos de “terrorismo”, concebida de forma a ajustar-se na perfeição à óptica que o presidente Bush e seus correlegionários mais chegados têm sobre a matéria. A nova lei, além de desprezar e ignorar todas as convenções internacionais em vigor, que visam proteger os combatentes de uma qualquer guerra, deixa ao critério “todo-poderoso” do presidente americano, qual o tratamento a dar aos detidos, o qual pode incluir o recurso a sevícias e à tortura. A nova lei socorre-se de uma definição invulgarmente ampla e abrangente do conceito de “inimigo combatente ilegal”, definindo quem pode cair na alçada desta lei especial e ser acusado de estar a conspirar ou a trair o país. Sem grandes preocupações humanitárias, nem cuidados quanto à acusação e à idoneidade das provas, os alvos podem ser enjaulados em prisões militares, logo arredados da possibilidade de requererem o “habeas corpus”, serem julgados em tribunais militares, ficando assim sem possibilidade de apelarem às habituais instâncias de recurso civis. Sem os meios habituais de defesa, poderão apodrecer numa qualquer obscura penitenciária, dando origem a uma nova e invulgar geração de “desaparecidos em combate”, dentro do seu próprio país. Na verdade, esta lei, não foi feita para combater o terrorismo; é um instrumento que pode ser usado contra qualquer indivíduo, seja ele americano ou não, que se pretenda classificar como indesejável, e fazê-lo desaparecer sem demora. Resumindo: é o instrumento ideal para instalar e gerir o estado de sítio permanente, próprio de um estado policial.
Assim sendo, ninguém melhor que um americano para avaliar os termos e implicações dessa nova lei. Para esse efeito transcrevo o artigo publicado no jornal “Los Angeles Times”, da autoria de Bruce Ackerman, professor de direito e ciências políticas da Universidade de Yale.
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“Nova lei americana abre o caminho à injustiça
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Uma mensagem aterradora esconde-se na lei aprovada quinta-feira pelo Congresso americano sobre o tratamento de prisioneiros, e o seu alcance ultrapassa as disputas legais envolvendo os estrangeiros suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo. A lei autoriza o presidente a prender cidadãos americanos que considere combatentes inimigos, mesmo que jamais tenham saído dos EUA. E, uma vez detidos numa prisão militar, eles não terão um julgamento civil nem qualquer das protecções da Bill of Rights (as emendas constitucionais que regem os direitos civis nos EUA). Esta perigosa lei não só autoriza o presidente a prender e manter na prisão terroristas que lutaram contra soldados americanos durante um conflito armado, como também permite a detenção de qualquer pessoa que “intencional e materialmente tenha apoiado hostilidades contra os EUA”. A lei dá ao presidente um enorme poder sobre os cidadãos e pessoas que residam legalmente no país, os quais poderão ser acusados de combatentes inimigos, mesmo que só tenham dado dinheiro para uma organização de caridade no Médio Oriente, podendo ficar detidos indefinidamente numa prisão militar.
Não é caso de preocupação, dizem os defensores da lei. Dizem eles que o presidente não pode prender uma pessoa que contribuiu inocentemente, mas sim aquelas que financiaram expressamente práticas terroristas. Contudo, outros dispositivos da lei colocam em dúvida essa limitação.
Pior: se os tribunais federais confirmarem uma decisão do presidente de deter alguém, os americanos deverão ter que enfrentar um tribunal militar, sem as garantias estabelecidas para julgamentos criminais.
O tratamento para quem possui residência legal no país, mas não é cidadão americano, é ainda mais severo. A lei elimina inteiramente a possibilidade de essa pessoa conseguir um habeas-corpus, deixando-a à mercê das suspeitas do presidente.
Não estamos tratando de abusos hipotéticos. O presidente já submeteu um cidadão à autoridade e jurisdição militar. Alguns meses após o 11 de Setembro, José Padilla foi preso pela administração Bush, acusado de ser “combatente inimigo”. Apesar de ter cidadania americana, Padilla ficou detido mais de três anos numa prisão militar, sem poder contestar sua detenção num tribunal civil ou militar. E, após um tribunal federal de apelação ter ratificado a decisão do presidente, o Supremo Tribunal acabou por rejeitar uma revisão do caso, dando aos advogados do governo um terrível precedente.
A nova lei fortalece ainda mais o poder presidencial. No mínimo, encorajará o Supremo Tribunal a estabelecer uma odiosa distinção entre cidadãos americanos e residentes legais. Há dezenas de milhões de imigrantes legais nos EUA, e a lei incentiva a Justiça a apoiar detenções em massa nessa população. A lei também reforça as alegações do presidente, como no caso Padilla, em que o comandante-chefe das Forças Armadas pode apontar um cidadão dos EUA em solo americano como combatente inimigo e sujeitá-lo à justiça militar.
Pela doutrina constitucional actual, essa demonstração de apoio do Congresso ao presidente seria um factor-chave que o Supremo Tribunal deveria considerar para examinar os limites da autoridade presidencial. Não é tempo de brincar com a política nem com as nossas liberdades fundamentais.
Mas não está claro que o Supremo Tribunal vá proteger a Bill of Rights. A decisão no caso Korematsu - o qual ratificou a detenção militar de nipo-americanos durante a 2ª Guerra Mundial - nunca foi explicitamente revogada. Será difícil para o Supremo Tribunal condenar aquela decisão, especialmente se os ânimos se inflamarem com outro atentado. Mas, com o Congresso a apoiar os poderes presidenciais, ficará muito mais fácil estender a decisão no caso Korematsu, aplicando-a em futuras detenções em massa.
É trágico que os republicanos tenham aprovado uma medida que vai deixar muita gente apavorada na manhã seguinte ao próximo atentado.”
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Se nada for feito para reverter esta situação, os EUA reunirão, num curto espaço de tempo, todas as condições para se transformarem, de uma democracia num estado de direito, num desprezível estado autoritário, de perfil policial-fascista. A instauração de leis de excepção, é o pior que pode acontecer a um povo. Basta que quem detém o poder, se assim o entender e lhe convier, decida que não há lugar para a regra, e tudo passe a ser excepção.
Numa altura em que a própria União Europeia, a par de continuar a questionar os voos da CIA, que operavam a distribuição de “terroristas” pelos países que se dispunham a levar a cabo “interrogatórios eficientes”, se deixa contaminar por cuidados supostamente securitários, que encobrem uma mão cheia de restrições aos direitos e liberdades, aceitando fornecer a essa mesma CIA e ao FBI, dados pessoais de passageiros de transportes aéreos, com destino aos EUA, é altura de ficarmos duplamente preocupados. Incapazes de terem uma política autónoma, os hipócritas e servis governos europeus, acham ser boa política lavar as mãos como Pilatos, acabando por vender o corpo e a alma dos seus cidadãos ao “amigo” americano, a troco de um sorriso de desdém e de uma palmadinha nas costas.
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