segunda-feira, outubro 09, 2006

Os Fundamentos da Democracia

O
O Ministério da Administração Interna português quer reformar compulsivamente dois agentes da PSP, por ambos terem proferido declarações e comentários, dirigidos ao primeiro-ministro e ao antigo director nacional da corporação, comentários esses que foram entendidos como ofensas pessoais, evidenciando assim um comportamento anti disciplinar, incompatível com o exercício da função policial. Os dois sindicalistas socorreram-se de uma providência cautelar para recorrerem da aposentação compulsiva. O todo-poderoso Estado que se diz democrático, respondeu com a invocação do “interesse público”, para anular o recurso e ver os dois agentes afastados, em definitivo, das suas funções sindicais e profissionais. Ora o que acontece é que tais ofensas não foram proferidas durante o cumprimento de tarefas profissionais, mas sim no estrito desempenho de funções de âmbito sindical, pois ambos os agentes são dirigentes do Sindicato dos Profissionais de Polícia. O governo, na pessoa do secretário de estado Magalhães, ao confundir a função policial com a função sindical, ao trocar alhos com bugalhos, pretende com isso condicionar o uso do direito de expressão e opinião, abrindo um precedente que coloca em causa os fundamentos da democracia. Repare-se o que sobre o assunto diz a Constituição Portuguesa:
A
Artigo 37.º
(Liberdade de expressão e informação)
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.
M
Mal vai a democracia quando o detentor de qualquer órgão de poder, não tem encaixe para receber o impacto das críticas, por mais azedas e violentas que sejam, senão mesmo injustas, que lhe possam ser dirigidas. Como diria Mr. Holmes, “são os ossos do ofício, meu caro Watson!”. Mal vai o estado que se quer democrático, quando para tapar a boca aos cidadãos, precisa de invocar aquela coisa tão imprecisa e desadequada, quanto impúdica, que dá pelo nome de “interesse público”. O direito de opinião e expressão quando extravasa certos limites, pode ser considerado ofensa. E as ofensas, quando as há, dirimem-se recorrendo à justiça, e não recorrendo às prerrogativas que o poder detém, exercendo represálias sobre quem pretensamente ofendeu. Tais ameaças sobre a liberdade de expressão são sobejamente conhecidas, têm o nome de auto-condicionamento, e são uma das formas mais subtis de praticar a censura e exercer a ditadura.

Sem comentários: