segunda-feira, novembro 07, 2005

Choque Fiscal

O velho “selo” do automóvel vai deixar de ser um imposto autárquico de circulação para passar a ser uma taxa que se aplica a todos os veículos automóveis, circulem eles ou não. Quer isto dizer que pode estar recolhido numa garagem, imóvel e moribundo, ou em exposição num qualquer museu, que os reformadores de impostos não têm contemplações, e todos vamos levar pela medida grande. O proprietário passará a ser notificado pelo correio para efectuar o pagamento, e só depois receberá a respectiva vinheta. Prevêm-se monumentais confusões, sobretudo nos casos em que os proprietários venderam os carros, e o novo proprietário, pelas mais variadas razões, nunca regularizou o registo de propriedade. Num devaneio de futurologia, prevê-se que a taxa venha a ser extensiva a todos os electrodomésticos. Isto é o governo Sócrates no seu melhor, na versão de “choque fiscal”, a espremer vigorosamente os contribuintes, a fim de arranjar verba, para dar emprego a mais uns quantos “assessores” e “especialistas”.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Prisão Perpétua

Que prazer encontrarão as pessoas no facto de terem pássaros engaiolados, seres que sem cometerem qualquer crime, estão a sofrer tamanho castigo, sem direito a revisão de processo, saídas precárias ou redução de pena. Quando cantam para nosso consolo e deleite, nós que não entendemos a letra da canção, talvez estejamos a ser assediados com pedidos de clemência, rogando-nos para que lhes deixemos a portinhola entreaberta, para iniciarem uma fuga, que por força do choque com a novidade e diversidade do mundo, poderá ser tão efémera como o viço de uma flor. Não esqueçamos que foram feitos para voarem e viverem num mundo de liberdade, cujos limites são a imensidão dos grandes espaços.

Pulo do Jacaré


É lamentável, mas esqueci o nome desta cascata. Lembro-me apenas que se localizava algures no Kwanza Norte, em Angola. Chamemos-lhe Pulo do Jacaré, até que alguém reconheça o local e lhe devolva a sua verdadeira identidade. Estive lá em 1970, e para lá chegar tive que percorrer uma razoável distância a pé, talvez uns dois ou três quilómetros, por um trilho que se esgueirava pelo meio do capim. O silêncio começou por ser cortado por um breve sussurro, depois por um sopro contínuo, finalmente por um rugido que subiu de intensidade, até que de repente, o espectáculo das águas em fúria se abriu à minha frente.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Jogos Pessoais

Estas eleições presidenciais, centradas nas candidaturas de Cavaco Silva e Mário Soares - duas criaturas que se detestam por razões óbvias - são, primeiro que tudo, uma luta de galos, uma espécie de ajuste de contas com o passado, onde se junta o inútil ao desagradável. Seja com Cavaco ou com Soares, para lá dos jogos pessoais do costume, não há novidades, não há pedagogia, e também não oiço nenhum deles opinar sobre o estado de degradação a que chegaram as condições de vida dos portugueses e as perspectivas de tempos negros que se avizinham. Em boa verdade, para estes dois, o que parece estar em causa não é a mais alta magistratura da nação, mas apenas uma disputa pessoal, uma espécie de confrontação de machos que querem ser dominantes. Do lado de uma direita que não se dispersou, está um economista adepto de tabus, frio, calculista, muito arrumadinho e educadinho, a sorrir e a dizer que não morde, perfilando-se para uma corrida que andou a treinar ao milímetro. Do lado de uma esquerda pulverizada em quatro candidaturas, está um tribuno voluntarista, repentista, que se acha imbatível e insubstituível, que rosna e mostra os dentes, que continua a gostar de exibir uma montanha de credendiais e um reizinho que traz na barriga.
Resumindo: a três meses de irmos a votos, vão prevalecendo as figuras, enquanto ícones, em prejuízo dos conteúdos e das ideias. Entretanto, lá atrás, os outros três candidatos de esquerda continuam a esgatanharem-se desalmadamente, irremediávelmente esquecidos de quem é o adversário principal.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Sequela de Sequela


Esta história, tal como o nome indica, é a sequela de uma sequela, situação normal nos meandros da sétima arte, mas pouco habitual quando falamos de coisa escrita. Porém, este caso é tão curioso e ilustrativo de como as coisas acontecem (e correm mal) em Portugal (estou a falar de uma empresa privada, mais exactamente um banco), que não consigo deixar passar em branco o epílogo (espero que o seja) desta minha peregrinação. Podia fazer um link para o anterior artigo onde sintetizava os antecedentes da história, mas não vem grande mal ao mundo se voltar a transcrever o que há meses atrás foi dito, saciando a curiosidade a quem de direito. Por isso, aqui vai:

2005 Setembro 3 - A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem, que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.
Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela. Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava. Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.

Passaram, entretanto, dois meses, altura de voltarmos à tal sequela da sequela. Quando eu pensava que o assunto tinha ficado encerrado, engano meu. Na sequência do tal erro do banco, posteriormente rectificado, o mesmo banco (mais os seus impagáveis computadores) achou por bem enviar-me uma nova cartinha, muito simpática e solícita, a informar-me que agora estava devedor de 19 Euros, a título de JUROS DE PENALIZAÇÃO, a castigar o tal cheque mal lançado pelo banco, e que devia correr a pagá-los, porque senão, como caloteiro reincidente que era, o caldo podia ficar entornado. Como português temente e bem comportado, sem dívidas e com os impostos em dia, lá fiz uma nova viagem até ao dito, dissimulando da melhor maneira possível, uma tremenda vontade de lançar alguns urros cavernícolas, para sublinhar que quem devia ser multado era aquele banco, de que eu, apesar de esforçadas diligências, não me conseguia desembaraçar.
Tenho agora comigo um documento que dá como como saldada e extinta, para todos e os devidos efeitos, a tal conta que em má hora subscrevi, há vinte anos atrás. Tanto amadorismo e incompetência brada aos céus! Portanto, oremos para que esta história de encantar, depois de tanta diligência, fique por aqui.

NOTA – Qual é o banco, qual é ele? Aceitam-se sugestões.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Salto Imortal


Quedas do Duque de Bragança, no Rio Lucala, região de Malange, Norte de Angola, em 1971.
Não ficou registado o ruído ensurdecedor das águas a despenharem-se lá do alto, gerando cá em baixo uma erupção líquida que voluteava pelo ambiente. Sobreviveu apenas esta pequena imagem, a testemunhar a imponência de um salto imortal.

domingo, outubro 30, 2005

Duas Faces da Mesma Moeda

Temos ouvido o PCP afirmar amiúde que o PS, através do seu governo Sócrates, está a continuar, agora com maioria absoluta, a política de obsessão com o défice orçamental, que os governos do PSD/PP, com Barroso e Santana Lopes, tinham vindo a levar a cabo. Este ponto de vista tem sido sistemáticamente contestado pelos socialistas, os quais acusam o PCP de ser incapaz de coerência, assumindo-se permanentemente do “contra”, avesso a assumir uma posição construtiva e patriótica. No entanto, o parágrafo seguinte não tem origem em qualquer documento do PCP, sendo da lavra de José Pacheco Pereira, militante do PSD, está inserto no blog ABRUPTO, e reza o seguinte:
“O PSD irá provavelmente votar contra este orçamento, mas não escapará à dificuldade de justificar esse voto. Porque, estando as coisas como estão, não há muitas razões para o PSD votar contra um orçamento que contempla uma maioria de medidas que era suposto o PSD, se estivesse no governo, tentar realizar. O PSD pode dizer que o equilíbrio orçamental é mais conseguido pelo aumento (virtual e imaginativo, nalguns casos) da receita do que pelos cortes na despesa. Mas duvido que, se o PSD estivesse no governo, fosse capaz de ir mais longe do que o PS nos cortes da despesa pública. ...”
Mais palavras para quê? Se dúvidas houvesse, esperemos que fiquem esclarecidas.

Pesadelos

A Associação Nacional de Municípios Portugueses, confrontada com a redução de verbas a transferir pelo governo para as autarquias, em consequência dos cortes orçamentais, destinados a reduzir o défice, como compensação, achou por bem propor uma solução genial. Nada mais, nada menos, que aplicar uma taxa aos utilizadores de instalações hoteleiras, que está a ser conhecida como imposto de dormida.
- O que é que eu tenho a ver com isso, dirá o cidadão anónimo, se eu até nunca durmo em hotéis? Este imposto é mais para os turistas estrangeiros, e esses até podem pagar!
- Apesar das associações hoteleiras estarem apenas preocupadas com problemas de competitividade, cuidem-se todos os portugueses, digo eu. Daí esta medida estender-se a todos os locais onde se caia nos braços de Morfeu, vai apenas um pequeno passo. Para que o governo decida alargar o âmbito desta preciosidade a nossas casas, basta que continuemos em crise e os inventores de impostos tomem o freio nos dentes.
Quando eu há dias, e a propósito da Taxa Municipal de Direito de Passagem (aquele imposto que os municípios cobram à PT, e que ela depois recobra de todos nós), fantasiei com a hipótese de virmos a ser colectados com um imposto sobre circulação pedonal, sobre o ar que respiramos ou sobre as nossas descargas fisiológicas, não estava a fazer futurologia, nem tão longe da realidade. Porventura, só acontecerá em Portugal, mas um imposto sobre dormidas em hotéis, por enquanto, talvez não passe de um assalto a forasteiros de passagem, com o extra de uma incómoda noite mal dormida. No entanto, quando se estender a todos os cantinhos onde exista um colchão para reclinarmos o corpo, certamente que se tornará um pesadelo.
Só espero que aquilo que tenho vindo a escrever, tão irónico quanto indignado, não esteja a ser fonte de inspiração para os espíritos preversos, atentos e vigilantes, que pontuam em cada esquina.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Imunidades

(Este comentário tem a ver com a amplitude da justiça e não com as motivações dos infractores)
Já com três antecedentes no currículo, sendo portanto reincidente nesta matéria, o Mário Soares permitiu-se voltar a violar, descaradamente, desta vez nas eleições legislativas e autárquicas de 2005, o que a lei eleitoral determina, sobre o termo das campanhas e os períodos de reflexão. Frente às assembleias de voto, mesmo ali à boca das urnas, perante os microfones e câmaras de televisão (que teriam sido cúmplices na divulgação dos apelos), insolente e incorrigível, apelou ao voto nos candidatos do Partido Socialista, sendo que num dos casos se tratava do seu próprio filho. As três primeiras foram arquivadas, e das duas últimas, até à data não sofreu qualquer sanção que se visse ou ouvisse, emitida pela Comissão Nacional de Eleições. Porém, contra o que é habitual no nosso país, onde a justiça também dá sinais de falência, desta última vez, o crime não compensou, em termos de ganhos eleitorais.
Já sabíamos de ministros, secretários de estados, juízes e outras eminências que, nas barbas da Brigada de Trânsito, se deslocam de automóvel a velocidades proibitivas ou cometem infracções que fazem tábua rasa do Código da Estrada, mas ignorávamos que o ter sido detentor de orgãos de poder, ser candidato ou recandidato aos mesmos, concede imunidade a todos os atropelos que possam cometer.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Ai dos Ricos!

Foi na semana passado que chegaram até nós as notícias de que o Ministério Público e a Polícia Judiciária haviam desencadeado uma grande operação, baptizada de “Furacão”, destinada a investigar alguns bancos, empresas a eles associadas e escritórios de advogados, todos eles envolvidos em métodos e práticas que tinham por objectivo o branqueamento de capitais, fraudes fiscais e camuflagem das grandes fortunas dos seus clientes, eximindo-os assim ao pagamento de impostos, e falando-se de valores astronómicos, que ascenderão a muitos milhares de milhões de Euros. Embora ainda haja muita investigação pela frente, e também já se vá falando em violações do segredo de justiça, que podem inquinar as investigações, vamos ficar atentos aos acontecimentos e desenvolvimentos, esperando que não apareça nenhum pauzinho a emperrar a engrenagem, e que se comece finalmente a procurar o dinheiro fugitivo, onde ele realmente está. Sem deixar de ser rico, diz a lei que o rico vai ter que justificar a origem daquele dinheiro que possui, bastando que o Estado passe a andar mais atento e faça cumprir a lei, para que não sejam sempre os mesmos a pagar as crises, e terem que suportar os devaneiros dos orçamentos de estado.
Entretanto, definitivamente apostado na moralização da vida e das finanças dos portugueses, o governo, inchado de arrojo e determinação, e porque não queria ficar atrás do Ministério Público, nesta cruzada anti-corrupção, correu a disparar sobre outro sector da sociedade, mais exactamente os ricos que se fazem passar por pobres. No caso presente falamos dos idosos com mais de 80 anos, que se dizem sem recursos e sem família, mas que se calhar não é bem assim, podendo cada um deles esconder um perigoso malfeitor, cujo objectivo é viver à grande e à francesa, à custa do erário público, lesando assim as frágeis finanças do país. Animado da melhor das intenções, acontece que o Estado decidiu atribuir uma pensão a cerca de 65 mil idosos, que se pensa serem manifestamente pobres, porém, o Estado não vai em cantigas. Os ditos idosos carenciados terão que provar a sua condição de indigência, sendo que tanto o candidato a pensionista, como a sua família próxima, se a tiver, terão que exibir os extratos das suas esqueléticas contas bancárias, provando deste modo a penúria. Assim, a pensão só será atribuída a quem não tiver família a quem recorrer, ou se a dita for tão ou mais pobre que o candidato. Entretanto, ainda não se sabe o que acontecerá a quem não tiver conta no banco, podendo muito bem acontecer que os octagenários e seus familiares sejam convidados a exibir as entranhas dos colchões, ou a levantar as tábuas do soalho. Como fácilmente se pode adivinhar, com tão bizarros condicionamentos, os tais 65 mil candidatos irão ficar reduzidos à lotação de meia dúzia de autocarros.
Segundo fontes do Ministério da Segurança Social, esta iniciativa já trás a marca e os contornos das mudanças que futuramente irão reger a obtenção de pensões, moralizando assim as prestações sociais. Face a isto, e considerando a fértil imaginação dos políticos portugueses, para engendrarem novas formas de espoliarem os cidadãos, e não esquecendo que há por aí muita gente que tem tendência para confundir maiorias absolutas com poder absoluto, prevêem-se, no futuro, pouquíssimas alterações nos direitos, mas grandes alterações nos deveres e obrigações de quem vive de pensões ou reformas. Sem querer fazer futurologia, vou dar três exemplos do que pode vir a acontecer.
Primeiro: Para acabar com o dinheiro escondido nos sítios mais incríveis, quem não tiver conta bancária não tem direito a nada.
Segundo: Habilitar-se a uma herança vai passar a ter mais um passo burocrático e um senão: o candidato à herança terá que apresentar um documento que prove que não é pensionista ou reformado, e caso o seja, a sua reforma ou pensão será reduzida numa percentagem proporcional à herança recebida. A condição de pensionista passa a ser incompatível com a condição de herdeiro.
Terceiro: O mesmo se passará com quem for premiado com a lotaria, totobola, totoloto ou o euromilhões. Para levantar o prémio terá que provar que não é reformado ou pensionista, e se o for, a Santa Casa está obrigada a comunicar o acontecimento aos serviços respectivos, que se encarregarão de reduzir a pensão de reforma do feliz contemplado, numa percentagem proporcional ao valor do prémio recebido. Neste caso, a condição de pensionista passa a ser incompatível com a condição de sortudo.
Dizem alguns teóricos socialistas de meia tijela que isto é solidariedade social, em estado de pureza absoluta, pois o Estado encarrega-se de redistribuir pelos outros carenciados do país, o quinhão que acabou de amputar às reformas e pensões, de uns quantos pobres priveligiados, por força de passarem a ser detentores de uma herançazita ou de um prémio da lotaria.
Depois das pensões e reformas, virá a vez dessa praga dos subsídios de desemprego, dar o corpo ao manifesto. A propósito, alguém consegue ver o Belmiro de Azevedo, o Sousa Cintra, o Espírito Santo Salgado, o Manuel Damásio ou o Jardim Gonçalves a receberem subsídio de desemprego, quando estão desocupados ou algum dos seus negócios dá para o torto? Claro que não! Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, nada impede que coloquemos os pobres em pé de igualdade com os ricos.
Portanto, sejam eles aposentados, reformados, pensionistas e todos os cidadãos em geral, que se cuidem, pois finalmente vem aí a tão apregoada como esperada justiça social. E já agora, quanto aos ricos, e para que não venham dizer que ficaram esquecidos, já sabemos o que a casa gasta...

domingo, outubro 23, 2005

Nascido para Vencer

O Avelino Ferreira Torres veio há dias fazer um esclarecimento público surpreendente. Disse ele que, minutos antes da tomada de posse dos novos orgãos autárquicos em Amarante, nem ele nem a sua família sabiam se iria assumir, ou não, o seu lugar de vereador. É natural que fosse assaltado por esta dúvida, já que o que ele disputara fora a presidência, e não uma simplória vereação, mas a forma como o disse, deixa algumas dúvidas a latejar nos espíritos. Gerir e sublimar uma derrota, mesmo que autárquica, é um trabalho que exige, por parte do candidato, uma grande preparação psicológica. Será que o Avelino anda a tomar decisões por impulso, o que não é abonatório para a credibilidade de um político, campeão da construção de rotundas a martelo e de auto-baptismos toponímicos, ou será que foi “possuído” por “vozes” interiores, umas maléficas e outras benéficas (venha o diabo e escolha), que não controla, e que lhe ditam muitos dos seus exuberantes comportamentos? Tanto estar virado para dizer “sim” como “não”, e com isso defraudar as justas espectactivas dos seus correlegionários, não é aceitável! Deixo aqui a pergunta: - Neste país, alguém quer ver o Avelino de rastos? Não, eu pessoalmente não me conformo! Nascido para vencer, custe o que custar, doa a quem doer, cercado de conspirações e assediado por uma mórbida coligação de inimigos, que nada mais querem senão a sua queda, outra coisa não era de esperar deste indómito guerreiro da democracia, senão que assumisse por inteiro a tal vereaçãozinha. Mas com as suas dúvidas (indesculpáveis num indivíduo que, nos campos de batalha, sempre se assumiu voluntarioso e sem contemplações), ficam a pairar no ar algumas legítimas preocupações. Será que o homem está a perder “qualidades”? Assim, caso o seu problema sejam os impulsos, não seria má ideia disciplinar-se, e dar algum sentido às tomadas de decisão, praticando um-dó-li-tá, mal-me-quer, bem-me-quer, ou então que volte a emigrar (esta a solução que aconselho com denodo), desta vez para Felgueiras ou Gondomar, tentando aí a sua sorte, e confrontando-se com adversários do mesmo calibre. Pelo contrário, se o seu o problema são “vozes” interiores, sugere-se a intervenção de um conselheiro espiritual, ou então, em caso extremo, de um competente exorcista.

domingo, outubro 16, 2005

As Três Invasões

Estão em curso três invasões: a China que trabalha vinte e quatro horas por dia e quer fazer submergir a Europa (e o resto do mundo) com os seus produtos, os africanos que querem emigrar, fugindo à sua condição de infra-humanos, tentando romper o cordão sanitário estendido às portas da Europa, e as aves que, indiferentes aos nossos medos, cumprem o seu destino migratório, trazendo com elas a ameaça de uma gripe que poderá transformar-se numa pandemia entre os humanos.
A primeira é a consequência de existir um país com dois sistemas, que despertou para o grande circo da globalização, cheio de força, determinação e muitas contradições. A segunda é a trágica consequência de um dos continentes mais espremidos e vivissecados pelo colonialismo, estar agora nas mãos de um punhado de mastins, régulos, sobas e tiranos, que apaparicados pelos amigos de ocasião, sugam os seus povos até ao tutano, saqueando em benefício próprio, as poucas migalhas que sobraram do grande festim. A terceira é fruto de uma epidemia que está para as aves, assim como a doença das vacas loucas esteve para os bovinos. Tem o dramático inconveniente de não conseguirmos circunscrever os animais infectados, porque eles cruzam, sem cerimónia, todo o planeta, pelos seus próprios meios.
Deixemos a primeira invasão para os políticos e a terceira para os cientistas. Dediquemos algumas palavras à segunda, que neste muito saudado século XXI, tem que ver com gente que persegue um projecto de sobrevivência, num continente onde toda a gente é refugiado ou foge de qualquer coisa, sejam elas perseguições, genocídios ou limpezas étnicas, como vai acontecendo na Etiópia, no Sudão, no Ruanda ou na Libéria. Detenhamo-nos um pouco na grande migração de povos subsarianos, que depois de perseguidos, explorados e molestados nas terras por onde passaram, vão desembocando nos areais marroquinos e se lançam às águas do Mediterrâneo em frágeis barcaças a abarrotar, ou investem em hordas desesperadas, contra as vedações de arame farpado de Ceuta e Melilla. Eles não anseiam pela imortalidade, apenas querem trabalho e uma vida com alguma dignidade.
O nosso empedernido egoísmo, encolhe os ombros ou mascara-se de hipócrita compaixão, quando ouve falar dessas golfadas de gente exausta que, depois de calcorrearem milhares de quilómetros, com a vida presa por um fio e suspensa de uma garrafa de água, que é a sua ração de sobrevivência, se dispõem a enfrentar a escalada das paredes de arame farpado, último obstáculo que os separa de uma fugaz centelha de futuro decente. Insensíveis e cómodamente instalados, mudamos de assunto, quando nos dizem que mais uns quantos tombaram às portas de Ceuta ou Melilla, com os olhos postos numa Europa que só os quer a conta-gotas, para trabalhos indiferenciados e consoante as necessidades.
Esquecemos quão sórdida e ignóbil é esta Europa, como se de um campo de refugiados se tratasse, ao desejar aquela mão-de-obra, contingentada e a pataco, para garantir o seu bem-estar e nível de vida, ao mesmo tempo que, internamente, os políticos, bem nascidos e bem nutridos, traçam a régua e esquadro a desconstrução e esvaziamento do estado-providência, prenunciando um novo tipo de sociedade que, sustentado pela precaridade e indigência, roça sem pudor, alguns discretos modelos de esclavagismo. Entre o morrer emaranhado no arame farpado das barreiras de Melilla ou ser acossado e enxutado como mosquedo, para continuar a a vaguear, algemado e esfomeado pelos desertos magrebinos, perseguindo a visão de uma vida mínimamente decente, que a Europa lhes nega e o seu continente de origem lhes recusa, venha o diabo e escolha.
Assim vai este mundo-lobo!

quarta-feira, outubro 12, 2005

O Triunfo dos Porcos

A democracia tem destas aberrações. Se o candidato for arguido, é garantido que terá fartura de direito de antena, e se trabalhar com afinco recolherá os louros de herói regional, com discreto (mas eficiente) apoio partidário e eleição garantida. À falta de grandes causas e referências nacionais, os vivaços têm um lugar assegurado no imaginário popular, e isso explica o facto de haver quem goste de ser enganado, entregando o ouro ao bandido, de boca escancarada e olhos fechados. O povo português continua a ser sensível a caudilhos, caciques e insolentes trauliteiros, sendo tal disposição demonstrativa de que, trinta e um anos depois da revolução de Abril, ainda persistem as marcas deixadas pelos mandatários salazaristas, e dificuldades em assimilar ou compreender os mais elementares princípios da cultura democrática, que não se limita ao uso e abuso das liberdades de expressão. Quando assim é, nada feito. Só as fatais leis da vida e o investimento na cultura cívica das novas gerações, operarão a necessária transformação. Enquanto isso não acontece, se o povo entende votar no Valentim, pois que coma mais do Valentim! Se o povo quer votar na Fátima, pois que coma mais da Fátima! Se o povo quer voltar ao Isaltino, pois que coma mais do Isaltino! Quanto ao Avelino, com o Marco de Canavezes já espremido até ao caroço, resolveu emigrar para Amarante, com escasso tempo para angariar apoios e marcar território. Levou a cabo sessões contínuas de circo, com umas quantas passeatas de helicóptero, distribuiu uns blusões, e ficou-se por aí. Faltou-lhe o tempo para ir às compras de compadrios, não estava em Gondomar, e porque não despachou electrodomésticos ao desbarato, o resultado não podia ser o mesmo. Perdeu as eleições, acusou de mentirosos e conspiração metade do país, mas gabou-se de já ter um pé em Amarante. Daqui a três anos e meio, para ter novo tempo de antena e preparar-se para mais uma surtida, talvez volte à “quinta das obscenidades”, para alinhar alguns tijolos e chafurdar com os porcos. Assim vai este país que foi a votos.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Que lugar é este?

Que lugar é este onde as Forças Armadas portuguesas são abjectamente parodiadas, em mais um abjecto “reality show” televisivo, sem que as hierarquias, noutras alturas, tão lestas e prontas a clamar por coesão e disciplina, esbocem agora uma simples palavra de repúdio?
Que lugar é este onde os Avelinos, as Fátimas, os Valentins, os Isaltinos e mais uns quantos ilustres desconhecidos, se passeiam, se gabam, se vangloriam, se exibem despudoradamente, toureando as polícias e a justiça, para se candidatarem depois a orgãos de poder, sem que quase nada lhes aconteça, na mais desbragada e imoral das impunidades?
Que lugar é este onde encontram aceitação e espaço de manobra as mais carismáticas associações do crime, tais como o vasto mundo dos cartéis da droga, as máfias russa, ucraniana, siciliana e calabresa, a camorra, a cosa nosta, a yacuza, e mais umas quantas réplicas autóctones, que chafurdam em certos nichos da administração pública, do meio político e da generalidade do mundo futebolístico, todos eles amancebados com os mais recatados e respeitados poderes económicos?
Que lugar é este onde os faltosos relapsos são contemplados com uma redução de 25% nos impostos em atrazo, se voluntáriamente decidirem visitar a repartição de finanças mais próxima, ao passo que se vai apertando o nó estrangulador aos que, invariávelmente, espremidos como limões, cumprem as suas obrigações fiscais?
Que lugar é este onde se mata por coisa nenhuma, como aconteceu na zona da Guarda, onde um cidadão que se achava com direitos de propriedade sobre uns quantos metros de estrada municipal, bloqueando o acesso a estacionamentos, matou a tiro o presidente da junta de freguesia, quando aquele coordenava os trabalhos de devolução do tal espaço ao domínio público?
Que lugar é este onde...

sábado, setembro 17, 2005

Abortos

Por razões que seria fastidioso enumerar aqui, em termos gerais sou a favor da interrupção voluntária da gravidez. Porém, no caso português, tenho um motivo especial: sermos poupados à proliferação de um outro tipo de abortos, com lugares garantidos nos governos e no aparelho de estado.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Uma ONU à Medida Deles

Assim como há quem tenha sugerido que New Orleans, após a trágica passagem do furacão Katrina, fosse riscada do mapa, extirpando dos EUA aquela incómoda mancha de pobreza e negritude, há um outro especialista em demolições, que dá pelo nome de John Bolton, e é embaixador dos EUA junto da ONU. Ultraconservador conhecido pela sua intransigência negocial e por ser adepto de uma reforma radical da instituição, de forma que aquela se transforme num instrumento dócil dos interesses americanos, no seu papel de potência dominante, a dita criatura tem vindo a declarar aos quatro ventos que “a ONU não existe”. Falta saber a que tempo se refere, se antes de ter assumido funções, ou se depois do trabalho feito.
Tudo isto acontece num momento em que a ONU carece de profundas reformas, para enfrentar a realidade dos novos tempos, e onde se degladiam o modelo nacionalista da China, o modelo comunitário da Europa e o modelo unilateralista dos EUA que, avesso a compromissos que belisquem os seus interesses, também insiste em não querer falar de combates à pobreza, de protocolos de Quioto e de Tribunais Penais Internacionais.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Grande Coração!

O meu amigo QUIM FAÍSCA (que também tem uma página na WEB), grande adepto de automóveis antigos, depois de superadas muitas dificuldades e burocracias, tomou a inciativa de promover uma concentração de MINIS, lá para fins de Novembro deste ano, estando agora na fase de angariação de apoios e patrocínios, junto de empresas e comerciantes. A receita do evento reverterá para apoio às crianças carenciadas da sua autarquia.
Ainda há grandes corações!

domingo, setembro 11, 2005

Imperdoável!

Afinal, a América poderia ser o paraíso terrestre, mas não é. Pode mesmo tornar-se um inferno, tudo porque tem um governo ultraconservador que ao mesmo tempo que se compraz a promover o “estilo de vida americano”, ameaçando meio mundo e liquidando a outra metade, esquece que há catástrofes naturais que é preciso prevenir e enfrentar, sob pena de também ficar responsável pela liquidação física de alguns milhares de membros da sociedade civil, do seu próprio país. Como agora aconteceu em New Orleans, sob o impacto do furacão Katrina, onde quase nada funcionou, seja porque a protecção civil era uma insignificância, face à extensão do desastre, ou porque a guarda nacional estava reduzida a quase nada, por força das mobilizações para o Iraque. Tudo isto acontece num país onde quem é branco lá vai tendo oportunidades e singra na vida, ao passo que quem é negro vive da assistência social e de múltiplos expedientes, e com isso vai vegetando, num país onde o Estado se tem vindo a demitir das suas funções sociais básicas, deixando tudo entregue à voracidade dos interesses e ambições privadas.Tudo isto acontece num país onde quem manda é o dinheiro e ainda persistem os preconceitos raciais, excrecências do esclavagismo e da luta pelo direitos cívicos, onde quem tem dólares foge e sobrevive, quem os não tem fica para trás e sofre as consequências. Continua a ser uma sociedade que se rege por conceitos e preconceitos a preto e branco, onde se alguém for apanhado a apropriar-se do recheio de uma loja, no caso de ser branco é luta pela sobrevivência, mas se for negro é um puro acto de pilhagem.Onde estavam os socorristas, os médicos, a água potável, os alimentos, os agasalhos, os transportes para as evacuações, as autoridades para garantirem a segurança e evitarem o caos social? O que prevaleceu foram os corpos de fuzileiros, mobilizados à pressa, a exibirem-se de armas aperradas e olhos em alvo, para combaterem as pilhagens, indiferentes aos acenos de gente refugiada nos telhados e aos cadáveres que boiavam na água fétida. O presidente apareceu seis dias depois para debitar, como é seu hábito, entre sorrisos, acenos, palmadinhas nas costas e duas preces, algumas tiradas alarves e despropositadas, para que dez dias depois ainda continuasse a sobrar muito improviso e a escassear método e organização, deixando no ar a ideia de que o Estado, negligente e insensível, adoptou uma postura tão próxima quanto possível do “amanhem-se como puderem, temos mais em que pensar, a luta contra o terrorismo é prioritária”. Mas o mais preocupante é haver gente que pensa que se a cidade atingida tivesse sido outra qualquer, que não Nova Orleans, talvez os meios e recursos de socorro, tivessem aparecido em tempo oportuno, em quantidade e qualidade. E tudo isso ficou bem visível no que as reportagens transmitiram para todo o planeta, dando uma visão que se confundia com um misto de campo de batalha e de catástrofe terceiro-mundista, onde se morre às carradas, num abrir e fechar de olhos. Pura ilusão. Aquilo estava a acontecer na casa da hiperpotência que dá ordens ao mundo e transfere exércitos num abrir e fechar de olhos, impondo pela força as suas regras, que tem o estrelato de Beverly Hills, o carisma do MIT, a massa cinzenta de Silicon Valey, ao mesmo tempo que não consegue precaver e minimizar os efeitos de uma catástrofe natural (amplamente prevista e monitorizada) no seu próprio território, denunciando a mais grotesca das negligências e incompetências. O furacão Katrina deixou atrás de si um imenso rasto de destruição e uma mensagem que não é difícil de descodificar. Bem vistas as coisas, a América de Bush e seus compadres, além de não ser essa a sua vocação, está impreparada e convive mal com guerras deste tipo, talvez porque não estão em causa interesses geoestratégicos, chorudos recursos naturais, a consolidação de um qualquer regime “amigo”, personalizado pelo mais hediondo dos empaladores, a destruição de uma qualquer fatia do “eixo do mal”, mesmo que não passe de tiranete mal enjorcado, ou algum teste de novas armas inteligentes, com vista à exportação do seu estilo de vida e modelo de democracia. Talvez por isso já tenham aparecido os idiotas do costume, emproados, engravatados e bem instalados no sistema, sugerindo que seja arrazado o que resta daquela que é (ou foi) uma das cidades mais carismáticas dos EUA, como se estivéssemos numa qualquer missão nos confins do Afeganistão, a levar a cabo uma preparatória demolição com tapetes de bombas.

terça-feira, setembro 06, 2005

Os Estados Interessantes

Ser estúpido é uma limitação da natureza humana, com que temos de conviver, ao passo que ser ignorante é um estado que pode ser superável com alguma aprendizagem. Porém, é preciso ter cuidados redobrados, quando a esperteza se disfarça de inteligência, com a intenção de nos iludir ou fazer passar por parvos. Foi talvez o que se passou quando o ultraconservador pastor tele-evangelista Pat Robertson, ex-candidato presidencial e actual grande apoiante de G.W.Bush, sugeriu que o governo dos EUA, deveria promover a liquidação física do presidente venezuelano Hugo Chavez, para eliminar aquilo que ele pensa ser um foco de terrorismo e comunismo. As gravidezes de fundamentalismo religioso e de política neofascista, dão sempre abortos deste tipo.

sábado, setembro 03, 2005

A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.

Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela.
Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava.
Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.