segunda-feira, dezembro 18, 2006

Arroz de Polvo

A
Algo vai mal quando arguidos em processos judiciais, podem candidatar-se e ocupar lugares nas mais variadas instituições, muitas delas com estatuto de interesse público. Algo vai muito mal quando juízes podem candidatar-se e ocupar lugares nessas mesmas instituições, confraternizando com os tais arguidos, podendo gerar incompatibilidades ou entrar em conflito com as funções que desempenham. Tudo isto vai de mal a pior quando o poder político convive com os marmanjos do futebol, anda de braço dado com os empresários que financiam as tais instituições, representadas pelos arguidos e juízes de que falei atrás, mais os autarcas que trocam subornos, prendas e prebendas com construtores civis, presidentes dos clubes de futebol, gerentes bancários e outros “agentes económicos”. Ele é o favor que se recebe, a mercê que se retribui, a ligação que é preciso cultivar e manter a todo o custo, não vá precisarmos dela, ou ela precisar de nós, nem que seja só para manter de pé a protecção que vem do silêncio, a regra de ouro de toda e qualquer traficância de privilégios, favores e influências. Assim sendo, pé ante pé, caso após caso, exemplo atrás de exemplo, este país vem sendo transformado numa das mais promissoras sucursais da máfia siciliana. Será por isso que o arroz de polvo (é polvo aos bocados, mas é polvo!) passou a ter tão grande aceitação junto da clientela da nossa restauração?
Ainda há pouco tempo, garantia a procuradora Cândida Almeida (aquela senhora de se preocupa com os presentes de “meia-tijela” que os funcionários públicos recebem) que “é uma temeridade afirmar, sem ter números, que o País é corrupto, porque isso fragiliza o nosso papel no concerto das nações e a nossa democracia. Eu não digo que não há corrupção, digo é que é preciso averiguar e saber o que realmente existe. Conhecer qual é o tipo de corrupção, se é a pequena, a média ou a alta, torna-se essencial para a combater e preveni-la na origem.” A senhora procuradora ainda não tem a certeza, e isso é mau, porque quem fica na dúvida, tarde ou nunca passa à acção. O problema da nossa corrupção é que não anda dissimulada, anda à solta, à vista de todos, e o pior cego é aquele que não quer ver. A nossa insensibilidade e indiferença é o resultado de, mês após mês, ano após ano, década após década, nada ser feito contra ela, tendo-se tornado um “pão-nosso de cada dia”, que todos se habituaram a tolerar e a propagar. Se os maus exemplos vêm de cima, porque não copiá-los cá por baixo?

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