E
O meu amigo ACS, à mistura com meia dúzia de dicas, desafiou-me a tecer um comentário sobre a recente iniciativa do Governo, de pretender criar uma empresa para gerir a Administração Pública. Por não ser grande conhecedor dos meandros e da estrutura orgânica da Administração Pública, a par de alguns pormenores fornecidos pelo meu amigo, tive que respigar alguma informação junto da imprensa escrita que noticiou o facto. Assim, a futura Empresa de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP) vai gerir a reforma da Administração Pública, mais exactamente a gestão e acompanhamento dos funcionários em mobilidade especial, mais conhecidos por supranumerários, cobrando os seus serviços aos vários departamentos do Estado. A empresa terá também a seu cargo todas as actividades relacionadas com a prestação de serviços de suporte à Administração Pública, tais como todas as actividades relacionadas com os recursos humanos - como sejam o processamento de vencimentos e análise de desempenho -, a contratação centralizada de bens e serviços, no âmbito do sistema nacional de compras públicas, e a gestão da frota automóvel do Estado. No projecto de lei, que já vai em segunda versão, refere-se que a ESPAP pode "proceder à constituição de sociedades comerciais integralmente detidas por si ou igualmente participadas pelo Estado, com vista ao desempenho indirecto das atribuições que lhe são cometidas". Isto é, a ESPAP pode replicar-se, tantas vezes quantas as necessárias, senão mesmo desnecessariamente, por outras e variadas razões. Se não me engano, penso que irá ser uma espécie de Estado dentro do própria Administração Pública, com tanto poder que se poderá vir a tornar vítima desse gigantismo. Assim, no imediato, também me faz lembrar a ideia tristemente célebre dos governos de Cavaco Silva, que até 1995 insistiu na criação das Super-Esquadras da PSP, solução que em muitos casos, veio a provar-se insatisfatória, senão mesmo inoperacional.
Tudo isto não é novo. Vendo bem, todas estas soluções já foram encontradas, tendo vindo a evoluir ao longo dos anos, com bons resultados, só que neste momento, não satisfazem as condições para uma progressiva privatização do aparelho da Administração Pública, esse sim o grande objectivo que o governo trás em carteira. Senão vejamos:
Já em 1979 e através do Decreto-Lei n.º 507/79, de 24 de Dezembro, tinha sido criada a Central de Compras do Estado, cujas atribuições e competências foram integradas na Direcção-Geral do Património, do Ministério das Finanças. Percebe-se facilmente o carácter inovador da criação da Central de Compras do Estado, em 1979, e o impacto que produziu na eficácia e rentabilização dos recursos. Como pontos fracos do sistema há a apontar o facto dessa central só funcionar para algum tipo de equipamento (fotocopiadoras, impressoras, máquinas de calcular e respectivos consumíveis), embora estivesse previsto o alargamento do sistema à aquisição de outros bens, o que não se verificou (vá-se lá saber porquê...).Em 2003, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 111/2003. DR 185 SÉRIE I-B de 2003-08-12, o governo aprovou o Plano Nacional de Compras Electrónicas. Na sequência do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) a nova Lei orgânica do Ministério das Finanças prevê a extinção da Direcção-Geral do Património, sendo as suas funções (não todas, como se percebe), integradas na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.
Como se pode ver, a intenção tem sido baralhar e dar de novo, para que apareça agora a ESPAP, apresentada como a cereja em cima do bolo, quando no fundo o que se pretende é uma coisa bem diferente de uma versão final da gestão integrada e da funcionalidade daqueles serviços. Para que o projecto seja considerado “imprescindível”, há que generalizar a ideia do “Funcionário Público” incapaz e incompetente para gerir as soluções que já existem, coisa que só poderá ser conseguida, entregando as respectivas funções às chamadas "empresas capazes e inovadoras", essas sim, vocacionadas para, supostamente, darem um novo rumo à Administração Pública.
Se me perguntarem agora o que eu penso sobre o assunto, eu volto a repetir o que já afirmei há uns tempos atrás: se o Estado não consegue responder a certas questões básicas, como seja saber-se qual o número total de trabalhadores da Administração Pública, ou explicar porque continuam a existir serviços que já foram descontinuados há imenso tempo, mas que ainda não foram abatidos, continuando a albergar quem lá prestava serviço, cumprindo horários, sem nada para fazer e a receberem vencimento, não faz muito sentido abalançar-se na criação de uma estrutura que visa centralizar um elevado número de competências, que actualmente são geridas por cada sector individualmente, e que se caracterizam por não primarem pela uniformidade, deixando no ar muitas e sérias reservas quanto à bondade da presente medida. Já não falo da perversidade que pode constituir a centralização das futuras adjudicações de bens e serviços em meia dúzia de grandes empresas, excluindo da possibilidade de fazer negócio, um vasto universo de pequenas e médias empresas, impossibilitadas de competirem com as grandes, sobretudo no capítulo dos preços. Sem mais nem menos, o próprio Estado passará a ser o grande fomentador de mega-empresas e monopólios, condenando à míngua, senão mesmo à extinção, a maior fatia do tecido empresarial português. Portanto, assim a frio, não se percebe o que o Estado e o País possam ganhar, no imediato e nas presentes condições, com a criação dessa ESPAP, a não ser que esta seja a antecâmara para o Estado levar até aos limites a sua desvinculação da gestão da coisa pública, abrindo o caminho à privatização da mesma, ao mesmo tempo que vai procedendo a nova e farta distribuição de “jobs for the boys” (empregos para a rapaziada). Por este andar, ainda virá o dia em que alguém, fruto de mais uma desinteria neoliberal, daquelas que ciclicamente reclamam “menos Estado e melhor Estado”, venha sugerir a criação de uma empresa para gerir o próprio Governo, abrindo caminho ao Estado Nulo e inaugurando, em definitivo, o paraíso da iniciativa privada.
Falta só dizer que o referido projecto de lei consagra ainda a possibilidade da ESPAP fazer compras de bens e serviços por ajuste directo até 31 de Março de 2007, desde que tais aquisições sejam consideradas imprescindíveis à concepção, instalação e funcionamento do sistema de informação e de gestão, associado à mobilidade especial de funcionários e agentes, operação que, dada a exiguidade temporal, ninguém contestará. Pois, bem! À custa dessa urgência e necessidade, alguém muito bem relacionado, que não precisa de ir a concurso público, vai fazer o grande negócio da sua vida. Naturalmente, para cobrir os custos milionários desta nova aventura, cá estaremos todos nós, firmes e hirtos contribuintes, a responder “Presente!”.
Não é por nada, mas eu acho que isto, mais dia, menos dia, ainda vai acabar mal!
O meu amigo ACS, à mistura com meia dúzia de dicas, desafiou-me a tecer um comentário sobre a recente iniciativa do Governo, de pretender criar uma empresa para gerir a Administração Pública. Por não ser grande conhecedor dos meandros e da estrutura orgânica da Administração Pública, a par de alguns pormenores fornecidos pelo meu amigo, tive que respigar alguma informação junto da imprensa escrita que noticiou o facto. Assim, a futura Empresa de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP) vai gerir a reforma da Administração Pública, mais exactamente a gestão e acompanhamento dos funcionários em mobilidade especial, mais conhecidos por supranumerários, cobrando os seus serviços aos vários departamentos do Estado. A empresa terá também a seu cargo todas as actividades relacionadas com a prestação de serviços de suporte à Administração Pública, tais como todas as actividades relacionadas com os recursos humanos - como sejam o processamento de vencimentos e análise de desempenho -, a contratação centralizada de bens e serviços, no âmbito do sistema nacional de compras públicas, e a gestão da frota automóvel do Estado. No projecto de lei, que já vai em segunda versão, refere-se que a ESPAP pode "proceder à constituição de sociedades comerciais integralmente detidas por si ou igualmente participadas pelo Estado, com vista ao desempenho indirecto das atribuições que lhe são cometidas". Isto é, a ESPAP pode replicar-se, tantas vezes quantas as necessárias, senão mesmo desnecessariamente, por outras e variadas razões. Se não me engano, penso que irá ser uma espécie de Estado dentro do própria Administração Pública, com tanto poder que se poderá vir a tornar vítima desse gigantismo. Assim, no imediato, também me faz lembrar a ideia tristemente célebre dos governos de Cavaco Silva, que até 1995 insistiu na criação das Super-Esquadras da PSP, solução que em muitos casos, veio a provar-se insatisfatória, senão mesmo inoperacional.
Tudo isto não é novo. Vendo bem, todas estas soluções já foram encontradas, tendo vindo a evoluir ao longo dos anos, com bons resultados, só que neste momento, não satisfazem as condições para uma progressiva privatização do aparelho da Administração Pública, esse sim o grande objectivo que o governo trás em carteira. Senão vejamos:
Já em 1979 e através do Decreto-Lei n.º 507/79, de 24 de Dezembro, tinha sido criada a Central de Compras do Estado, cujas atribuições e competências foram integradas na Direcção-Geral do Património, do Ministério das Finanças. Percebe-se facilmente o carácter inovador da criação da Central de Compras do Estado, em 1979, e o impacto que produziu na eficácia e rentabilização dos recursos. Como pontos fracos do sistema há a apontar o facto dessa central só funcionar para algum tipo de equipamento (fotocopiadoras, impressoras, máquinas de calcular e respectivos consumíveis), embora estivesse previsto o alargamento do sistema à aquisição de outros bens, o que não se verificou (vá-se lá saber porquê...).Em 2003, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 111/2003. DR 185 SÉRIE I-B de 2003-08-12, o governo aprovou o Plano Nacional de Compras Electrónicas. Na sequência do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) a nova Lei orgânica do Ministério das Finanças prevê a extinção da Direcção-Geral do Património, sendo as suas funções (não todas, como se percebe), integradas na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.
Como se pode ver, a intenção tem sido baralhar e dar de novo, para que apareça agora a ESPAP, apresentada como a cereja em cima do bolo, quando no fundo o que se pretende é uma coisa bem diferente de uma versão final da gestão integrada e da funcionalidade daqueles serviços. Para que o projecto seja considerado “imprescindível”, há que generalizar a ideia do “Funcionário Público” incapaz e incompetente para gerir as soluções que já existem, coisa que só poderá ser conseguida, entregando as respectivas funções às chamadas "empresas capazes e inovadoras", essas sim, vocacionadas para, supostamente, darem um novo rumo à Administração Pública.
Se me perguntarem agora o que eu penso sobre o assunto, eu volto a repetir o que já afirmei há uns tempos atrás: se o Estado não consegue responder a certas questões básicas, como seja saber-se qual o número total de trabalhadores da Administração Pública, ou explicar porque continuam a existir serviços que já foram descontinuados há imenso tempo, mas que ainda não foram abatidos, continuando a albergar quem lá prestava serviço, cumprindo horários, sem nada para fazer e a receberem vencimento, não faz muito sentido abalançar-se na criação de uma estrutura que visa centralizar um elevado número de competências, que actualmente são geridas por cada sector individualmente, e que se caracterizam por não primarem pela uniformidade, deixando no ar muitas e sérias reservas quanto à bondade da presente medida. Já não falo da perversidade que pode constituir a centralização das futuras adjudicações de bens e serviços em meia dúzia de grandes empresas, excluindo da possibilidade de fazer negócio, um vasto universo de pequenas e médias empresas, impossibilitadas de competirem com as grandes, sobretudo no capítulo dos preços. Sem mais nem menos, o próprio Estado passará a ser o grande fomentador de mega-empresas e monopólios, condenando à míngua, senão mesmo à extinção, a maior fatia do tecido empresarial português. Portanto, assim a frio, não se percebe o que o Estado e o País possam ganhar, no imediato e nas presentes condições, com a criação dessa ESPAP, a não ser que esta seja a antecâmara para o Estado levar até aos limites a sua desvinculação da gestão da coisa pública, abrindo o caminho à privatização da mesma, ao mesmo tempo que vai procedendo a nova e farta distribuição de “jobs for the boys” (empregos para a rapaziada). Por este andar, ainda virá o dia em que alguém, fruto de mais uma desinteria neoliberal, daquelas que ciclicamente reclamam “menos Estado e melhor Estado”, venha sugerir a criação de uma empresa para gerir o próprio Governo, abrindo caminho ao Estado Nulo e inaugurando, em definitivo, o paraíso da iniciativa privada.
Falta só dizer que o referido projecto de lei consagra ainda a possibilidade da ESPAP fazer compras de bens e serviços por ajuste directo até 31 de Março de 2007, desde que tais aquisições sejam consideradas imprescindíveis à concepção, instalação e funcionamento do sistema de informação e de gestão, associado à mobilidade especial de funcionários e agentes, operação que, dada a exiguidade temporal, ninguém contestará. Pois, bem! À custa dessa urgência e necessidade, alguém muito bem relacionado, que não precisa de ir a concurso público, vai fazer o grande negócio da sua vida. Naturalmente, para cobrir os custos milionários desta nova aventura, cá estaremos todos nós, firmes e hirtos contribuintes, a responder “Presente!”.
Não é por nada, mas eu acho que isto, mais dia, menos dia, ainda vai acabar mal!
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