terça-feira, agosto 04, 2009

Livros que Ando a Ler


HENRIQUE TENREIRO – uma Biografia Política” da autoria de Álvaro Garrido. Temas e Debates - Círculo de Leitores. 2009.

É uma biografia não só do homem, mas também uma história do complexo subsistema que ele criou, a partir de Junho de 1936, na qualidade de Delegado do Governo junto do Grémio dos Armadores da Pesca do Bacalhau, e da vasta rede de organismos corporativos, que ao longo do tempo foram surgindo, passando a gravitar à volta da organização das pescas portuguesas. Indefectível salazarista, deputado da União Nacional, empenhado dirigente da Legião Portuguesa e da sua Brigada Naval, foi também um arrebatado organizador de grandes eventos, desfiles e manifestações pró-regime, as quais encabeçava com garbo e volúpia. No entanto, foi na reorganização e fomento das pescas em Portugal, sobretudo a do bacalhau, dentro do quadro do apertado sistema corporativo, durante toda a vigência do Estado Novo, e que se manteve até à revolução de 25 de Abril de 1974, após a qual foi desmantelado, que o almirante Henrique Tenreiro mais se destacou. Sagaz, intuitivo, voluntarioso, ambicioso, oportunista e orgulhoso da sua obra, numa pertenceu à elite política do regime, muito embora fosse considerado seu símbolo e guardião. No entanto, sem nunca ter desempenhado nenhum cargo governativo, Henrique Tenreiro foi talvez um dos homens do antigo regime que mais poder concentrou nas suas mãos, gozando de uma invulgar autonomia, facto que continua a constituir um enigma, dado que Salazar fazia questão de manter, mesmo os homens do seu círculo, com responsabilidades governativas ou administrativas, sob apertada vigilância e com rédea curta. Nesta conformidade, sendo Henrique Tenreiro senhor de uma inexcedível capacidade de trabalho e iniciativa, aliada ao facto de ser detentor dessa impar liberdade de movimentos e concretização de projectos, amado por uns e odiado por muitos mais, acabou por erigir um estado, melhor dizendo, quase um império (a Organização das Pescas) dentro do próprio estado (o Estado Novo), feito à medida das suas ambições e vaidades, e mantido à custa de uma complexa rede de amizades e fidelidades, onde sobressaiam homens como Ortins de Bettencourt, Nuno Teotónio Pereira e Américo Rodrigues Tomás.
Em suma, e tal como diz nas conclusões o seu biógrafo, o historiador e investigador Álvaro Garrido, «mais do que definir este homem singular e vibrante, que se salientou nos teatros políticos do seu tempo – no palco firme do Estado Novo salazarista – importa discutir a natureza do poder que ele construiu e exerceu, pergunta principal desta biografia». Se era essa a sua intenção, então o autor conseguiu-o, plenamente e com distinção.
Sendo Álvaro Garrido um catedrático que se tem dedicado, sobremaneira, à história das pescas em Portugal e de toda a sua envolvente, esta biografia de Henrique Tenreiro, também conhecido por “Patrão das Pescas”, acaba por surgir como uma consequência, ou melhor, um reforço, do trabalho que o historiador tem desenvolvido nesta área específica, e que só muito recentemente tem sido objecto de mais atenção e aprofundado estudo.

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