segunda-feira, janeiro 29, 2007

Retratos

A
As Nossas Togas
A
Para os poderosos, a justiça que temos é lentíssima, recheada de prescrições, requerimentos, procedimentos e recursos que se arrastam ao longo dos anos, sendo, quantas vezes, magnânima, enviesada ou inconclusiva. Em compensação, essa mesma justiça delicia-se a ser caríssima, burocrática, insensível, arrevesada, pragmática, muito técnica e pouco ética, e quantas vezes perversa, para os cidadãos comuns. Isto para não falar nas vezes em que o poder judicial, tão zeloso da sua intocabilidade e independência, acaba por se tornar instável, volúvel e caprichoso, quando sobre ele incidem os holofotes e as críticas da sociedade civil, dando a sensação que não consegue conviver com a democracia, as críticas e a pluralidade de opiniões.
Na magistratura portuguesa há um excesso de exímios jurisconsultos e muita carência de autênticos juízes. Aplicar as leis não é difícil. Difícil é fazer justiça.
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Bafo de Sacristia
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O Bispo da Guarda, de seu nome Manuel Felício, discursou para uma assistência constituída por jovens, e entre outras alarvidades, sublinhou que “o aborto é um crime de pena capital”. Estes clérigos, empenhados na enunciação de anátemas mirabolantes, que visem a demonização do SIM à IVG, são verdadeiros achados, nas suas asserções científico-jurídico-catequístico-filosóficas. Roma deve rejubilar com o seu empenho e verborreia.
V
Vacina Republicana
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Basta escutar alguns argumentos da hierarquia católica e dos sermões dos sacerdotes a emoldurarem as missas, e dar uma vista de olhos sobre os folhetos distribuídos nas caixas do correio, bolçando as mais torpes considerações contra o SIM no referendo ao aborto, para se começar a perceber porque é que os republicanos da 1ª. República, em 1910, arremeteram com tanta energia contra a Igreja Católica, ao ponto de nacionalizarem todos os bens das ordens religiosas, e terem posto um ponto final no ensino eclesiástico.
P
Pequeno Jornalismo
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No último debate televisivo da RTP1, denominado PRÓS E CONTRAS, a jornalista fez tudo menos um trabalho isento, perante os argumentos antagónicos das duas posições em presença. Aos jornalistas, quando em exercício, e por muito louvável que possa ser a sua escolha pessoal, compete-lhes ter uma postura equidistante, mais preocupada com a clarificação e moderação do debate, sublinhando as diferenças e anotando as semelhanças, e não a de ser um agente multiplicador de simpatias ou insinuador de favoritismos. É isto que faz a diferença entre profissionalismo e diletantismo popularóide.
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O “Choque” Ferroviário
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Daqui a alguns milhões de Euros, e quando finalmente Portugal embandeirar em arco, por já ter operacional a sua “rede” de TGV, é quase certo que já os outros europeus andarão, há algum tempo, a pensar seriamente em renovar os seus transportes ferroviários, com a nova geração de comboios MAGLEV (levitação magnética). Os políticos portugueses, em termos de transportes ferroviários, pouco mais têm feito, de há vinte anos para cá, do que providenciar o enriquecimento dos gestores públicos, a brincar aos comboios e a gozar connosco. Nas outras matérias, os seus cérebros definham, só de pensar nos problemas. Anseiam enxergar uma luz ao fundo túnel e serem a locomotiva dos países europeus pobrezinhos, mas nunca sabem como imaginá-lo, quanto mais fazê-lo.
A
A Opinião do Prelado
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O bispo de Viseu, relativamente ao referendo sobre a despenalização do aborto, disse que votaria SIM, se o objectivo do referendo fosse apenas, e só, o de rejeitar a prisão e punição das mulheres que abortam, com a sua exibição pelas salas dos tribunais. Mas como isso exige que se descriminalize o acto, até às 10 semanas, direccionando a sua prática para estabelecimentos de saúde apropriados, com o objectivo de se por termo ao aborto clandestino, já não concorda e vai votar NÃO.
Este bispo “esqueceu-se” que para haver um crime têm que existir duas coisas: o acto criminoso (o acto de abortar) e quem o decidiu fazer (a mulher que escolheu abortar). Logo, não se pode despenalizar o sujeito da acção, sem previamente descriminalizar a acção, apenas e só, até às 10 semanas, como reza a pergunta do referendo.
F
Fachada Democrática
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No dia 8 de Outubro do ano passado, aquando da visita de Sócrates à Madeira, para participar no Congresso Nacional do PS, um grupo de 250 professores decidiu manifestar-se à porta do hotel, contra a política de educação do governo. Agora, três meses depois da ocorrência, alguns dos professores e dirigentes sindicais participantes no protesto, estão a ser instados a deslocarem-se às esquadras da PSP madeirense, a fim de prestarem declarações sobre a ocorrência.
Por enquanto é assim: obrigam-se os professores a irem prestar declarações às esquadras da PSP, com interrogatórios do estilo, passe para cá os seus documentos, o que é que estava a fazer ali, quem foi que o mandou para lá, não tinha outra coisa para fazer?, não sabe que é proibido alterar a “ordem pública”?, etc. e tal. Depois, perde-se a vergonha e acaba-se a mandar a GNR a cavalo, carregar sobre os manifestantes. Tal e qual como nas ditaduras de fachada democrática, e nas outras sem fachada. Novos políticos com velhos métodos, eis a esquerda moderna de Sócrates, em versão jardinal.

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