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Da autoria do jornalista António José Teixeira, transcrevo o artigo publicado no Diário Económico de 16-JAN-2009, o qual subscrevo na totalidade. Antes das eleições americanas poderia ser considerado um aviso; depois delas é uma amarga constatação.
“A tragédia Bush fica para a história como um intervalo de irracionalidade onde a ganância de alguns arrastou multidões para a miséria.
Foram oito anos de profundo retrocesso civilizacional. A poucos dias de sair de cena, a herança de George W. Bush não poderia ser mais negativa. Provavelmente, com ou sem Bush, o rastilho do terrorismo teria sido suficiente para incendiar as relações internacionais e minar a confiança que se respirava antes do 11 de Setembro. Mas Bush conseguiu o impensável: piorar tudo o que foi possível piorar. Fortaleceu os fundamentalismos, a pretexto do combate ao terrorismo. Começou por desvalorizá-lo, ignorando repetidos avisos, acabou por lançar uma guerra desnecessária, palco para uma longa série de abusos. Limitou as liberdades no país da liberdade, aproveitou-se do medo e da insegurança para justificar prepotências. Desmascarou-se em Abu Ghraib e em Guantanamo. Fez crescer o Irão. Riu-se do aquecimento global. Alargou as desigualdades. Alheou-se das desgraças que se abateram sobre o seu próprio povo, como aconteceu com o furacão Katrina. Como se não bastasse, despede-se agora deixando a economia americana e mundial numa das mais graves recessões de sempre.
A tragédia Bush fica para a história como um intervalo de irracionalidade onde a ganância de alguns arrastou multidões para a miséria. Será muito para atribuir a um só homem. Será desgraça a mais para um presidente duvidosamente eleito em 2000, ainda assim reeleito em tempo de guerra. Será. Mas o vendaval que varre boa parte da Humanidade tem a sua impressão digital, por acção ou omissão.
O balanço não é original nem resulta de qualquer senha antiamericana. Está escrito na imprensa dos EUA, que demorou a aperceber-se da deriva irresponsável e autoritária da administração de George W. Bush. Não sobram defensores deste legado. Cá e lá, já não há quem se atreva a justificar o injustificável. Não há palavras brandas, delicadas, que possam dissimular a tragédia em mero azar da história.
"A história de Bush é uma história de Ícaro - um homem que se despenha porque não compreende os seus limites ou as suas motivações. Ser presidente era algo que estava além das suas capacidades e ele não teve noção disso." As palavras são de Jacob Weisberg, que examinou exaustivamente a família Bush e o seu círculo de conselheiros. Não é apenas um problema de impreparação, é um impulso de predestinação disparatado, e o desejo de afirmação de um homem vulgar imerso num círculo ideológico de neoconservadores revanchistas.
Não foi agora que se provou a tragédia Bush. O republicano Paul O'Neill, que W. Bush escolheu para seu primeiro secretário do Tesouro, não demorou a perceber que o presidente era como "um cego numa casa de surdos". Estava O'Neill ainda na administração americana e, ele que trabalhara com o pai, depressa se desiludiu com o filho. A descrição dos seus encontros com o presidente é constrangedora. Silêncios inexpressivos cruzam-se com uma extrema dificuldade de argumentação e uma inabalável vontade de subordinar a decisão política a interesses particulares. É impressionante reler o livro que Ron Suskind publicou em 2004, "O Preço da Lealdade", escrito a partir de um lote de 19 mil documentos que O'Neill entregou ao jornalista. Importante para perceber o perfil sombrio de Bush e para constatar até que ponto a degradação das finanças públicas americanas, a manipulação dos resultados das empresas, a pouca transparência dos mercados e a falta de independência dos auditores eram já constatáveis. Paul O'Neill falava em 2002 da necessidade de "restabelecer um sistema de responsabilidade e contabilidade orientados para um crescimento sustentado a longo-prazo, não para uma ganância de mercado a curto-prazo". E o seu amigo Alan Greenspan era ainda mais peremptório. Numa reunião, realizada em Fevereiro desse ano, o presidente da Reserva Federal não tinha dúvidas: "Brincou-se demasiado com o sistema, até que se rompeu. O capitalismo deixou de funcionar! Há uma corrupção do sistema capitalista". A diferença entre estes dois homens é que O'Neill apenas se demorou dois anos com Bush, enquanto que Greenspan foi conivente com boa parte deste consulado.
Não espanta que a insanidade necessite da catarse da literatura. Philip Roth, no seu último livro, fala do "vexame sem remissão que consiste em ser um cidadão consciente no reinado de George W. Bush"... O fantasma está a sair de cena. Oxalá Barack Obama tenha a clarividência e a audácia necessárias a tamanho desafio.”
Da autoria do jornalista António José Teixeira, transcrevo o artigo publicado no Diário Económico de 16-JAN-2009, o qual subscrevo na totalidade. Antes das eleições americanas poderia ser considerado um aviso; depois delas é uma amarga constatação.
“A tragédia Bush fica para a história como um intervalo de irracionalidade onde a ganância de alguns arrastou multidões para a miséria.
Foram oito anos de profundo retrocesso civilizacional. A poucos dias de sair de cena, a herança de George W. Bush não poderia ser mais negativa. Provavelmente, com ou sem Bush, o rastilho do terrorismo teria sido suficiente para incendiar as relações internacionais e minar a confiança que se respirava antes do 11 de Setembro. Mas Bush conseguiu o impensável: piorar tudo o que foi possível piorar. Fortaleceu os fundamentalismos, a pretexto do combate ao terrorismo. Começou por desvalorizá-lo, ignorando repetidos avisos, acabou por lançar uma guerra desnecessária, palco para uma longa série de abusos. Limitou as liberdades no país da liberdade, aproveitou-se do medo e da insegurança para justificar prepotências. Desmascarou-se em Abu Ghraib e em Guantanamo. Fez crescer o Irão. Riu-se do aquecimento global. Alargou as desigualdades. Alheou-se das desgraças que se abateram sobre o seu próprio povo, como aconteceu com o furacão Katrina. Como se não bastasse, despede-se agora deixando a economia americana e mundial numa das mais graves recessões de sempre.
A tragédia Bush fica para a história como um intervalo de irracionalidade onde a ganância de alguns arrastou multidões para a miséria. Será muito para atribuir a um só homem. Será desgraça a mais para um presidente duvidosamente eleito em 2000, ainda assim reeleito em tempo de guerra. Será. Mas o vendaval que varre boa parte da Humanidade tem a sua impressão digital, por acção ou omissão.
O balanço não é original nem resulta de qualquer senha antiamericana. Está escrito na imprensa dos EUA, que demorou a aperceber-se da deriva irresponsável e autoritária da administração de George W. Bush. Não sobram defensores deste legado. Cá e lá, já não há quem se atreva a justificar o injustificável. Não há palavras brandas, delicadas, que possam dissimular a tragédia em mero azar da história.
"A história de Bush é uma história de Ícaro - um homem que se despenha porque não compreende os seus limites ou as suas motivações. Ser presidente era algo que estava além das suas capacidades e ele não teve noção disso." As palavras são de Jacob Weisberg, que examinou exaustivamente a família Bush e o seu círculo de conselheiros. Não é apenas um problema de impreparação, é um impulso de predestinação disparatado, e o desejo de afirmação de um homem vulgar imerso num círculo ideológico de neoconservadores revanchistas.
Não foi agora que se provou a tragédia Bush. O republicano Paul O'Neill, que W. Bush escolheu para seu primeiro secretário do Tesouro, não demorou a perceber que o presidente era como "um cego numa casa de surdos". Estava O'Neill ainda na administração americana e, ele que trabalhara com o pai, depressa se desiludiu com o filho. A descrição dos seus encontros com o presidente é constrangedora. Silêncios inexpressivos cruzam-se com uma extrema dificuldade de argumentação e uma inabalável vontade de subordinar a decisão política a interesses particulares. É impressionante reler o livro que Ron Suskind publicou em 2004, "O Preço da Lealdade", escrito a partir de um lote de 19 mil documentos que O'Neill entregou ao jornalista. Importante para perceber o perfil sombrio de Bush e para constatar até que ponto a degradação das finanças públicas americanas, a manipulação dos resultados das empresas, a pouca transparência dos mercados e a falta de independência dos auditores eram já constatáveis. Paul O'Neill falava em 2002 da necessidade de "restabelecer um sistema de responsabilidade e contabilidade orientados para um crescimento sustentado a longo-prazo, não para uma ganância de mercado a curto-prazo". E o seu amigo Alan Greenspan era ainda mais peremptório. Numa reunião, realizada em Fevereiro desse ano, o presidente da Reserva Federal não tinha dúvidas: "Brincou-se demasiado com o sistema, até que se rompeu. O capitalismo deixou de funcionar! Há uma corrupção do sistema capitalista". A diferença entre estes dois homens é que O'Neill apenas se demorou dois anos com Bush, enquanto que Greenspan foi conivente com boa parte deste consulado.
Não espanta que a insanidade necessite da catarse da literatura. Philip Roth, no seu último livro, fala do "vexame sem remissão que consiste em ser um cidadão consciente no reinado de George W. Bush"... O fantasma está a sair de cena. Oxalá Barack Obama tenha a clarividência e a audácia necessárias a tamanho desafio.”
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