quarta-feira, janeiro 07, 2009

“Sinto muito”

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ATÉ QUE PONTO a comunicação social em Portugal está domesticada e obediente? A minha opinião é que, em Portugal, já não é preciso voltar a instituir a Censura ou a Comissão de Exame Prévio, pois estes instrumentos limitadores da liberdade de expressão passaram a ser desempenhados pelas dóceis direcções e redacções de alguns jornais, rádios e televisões, e instalados na própria cabeça dos jornalistas, dependentes, ou melhor, à mercê, de uma controversa lealdade, em relação a quem lhe assegura o vencimento, atitude que pode ser sintetizada naquela expressão de um profissional das nossas televisões, quando disse, certo dia, que “quem tem ética passa fome”. O artigo que se segue põe o dedo na ferida, e é bem demonstrativo do patético estado em que se encontra, em certos meios, um certo tipo de jornalismo.

“Sinto muito, mas a entrevista dada ao ‘Expresso’ por Azeredo Lopes, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, não pode deixar ninguém indiferente, muito menos os senhores jornalistas. Mas, mais uma vez, a única voz que se ouviu foi a do silêncio. Não sei se foi por terem medo deste ‘patrão’, se foi por subserviência ou falta de consciência profissional e social.
A transparência e a qualidade da Democracia exigem mais destes actores que exercem uma profissão que, sendo nobre, não pode ficar condicionada na sua actividade nem ‘algemada’ no seu espírito crítico. O que se passou foi grave aos olhos do Estatuto dos Jornalista e das legis arte desta profissão, não tanto pela substância da entrevista, que não trouxe nada de novo, mas pela circunstância do entrevistado se ter dado ao luxo de vetar a presença de um jornalista do ‘Expresso’. O direito de informar e de ser informado, em suma a liberdade de expressão, mereciam mais respeito de Azeredo Lopes, quer enquanto cidadão, quer, sobretudo, enquanto presidente da Entidade que regula este sector.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que foi politicamente santificada e que pretende ser um poço de pureza ética, não pode dar este mau exemplo. Nesta fotografia, a preto e branco, todos ficaram mal vistos. Ficou mal visto Azeredo Lopes, que, embora tendo direito à palavra, era a última pessoa a ter o direito de escolher os jornalistas que iam fazer a entrevista (só faltou escolher as perguntas). Se já havia dúvidas sobre as qualidades e a eficácia do funcionamento regular desta instituição a que preside Azeredo Lopes, ao recusar falar com um jornalista, demonstrou que não acredita na regulação nem no seu papel. O direito à palavra nada tem que ver com a escolha dos jornalistas para uma entrevista.
A isenção e a independência que deveriam ser salvaguardadas pela ERC, ficaram à porta com o jornalista vetado. Ficou, igualmente, mal vista a jornalista do ‘Expresso’, Rosa Lima, que aceitou fazer o frete imposto pela sua direcção e conduzir a entrevista sozinha, sabendo que o seu colega de profissão, tinha sido ‘escorraçado’. Seria bom, antes de mais, ler o seu Código Deontológico, para ver se andou bem e se não foram violados os mandamentos da sua profissão. Também ficou mal visto o ‘Expresso’ que, com uma justificação irresponsável e absurda, aceitou fazer este ‘servicinho’. No fundo, o ‘Expresso’, Azeredo Lopes e Rosa Lima estão bem uns para os outros.
Bom Ano a todos os leitores.”

Artigo de Rui Rangel, Juiz desembargador, em Jornal Correio da Manhã de 31 Dezembro 2008

Sobre este lamentável caso, do site gestor de conteúdos IN VITRUS, colhemos a seguinte informação:

A entrevista ao presidente da Reguladora da Comunicação Social tem um enredo que, em nome da transparência para com os leitores, deve ser contado.
1.A ideia da entrevista foi sugerida pelo assessor de comunicação da ERC e aceite pela direcção do Expresso, que designou para a tarefa os dois jornalistas que habitualmente fazem a cobertura desta área: Humberto Costa (HC) e Rosa Pedroso Lima. A entrevista decorreria sem limite de temas ou de tempo.
2.Depois de marcada e designados os jornalistas, o mesmo assessor de imprensa comunicou que a entrevista não se realizaria caso HC nela participasse.
3.O Expresso repudiou a ideia de que o entrevistado pudesse escolher os entrevistadores. Mas, num acordo entre os jornalistas envolvidos e a direcção, foi decidido fazer uma contra-proposta à ERC, dando-lhe a possibilidade de a entrevista ser realizada sem HC (e com a prévia aceitação deste jornalista) desde que começasse precisamente por confrontar o presidente da Reguladora com esta atitude e com a sua adequação a alguém que, precisamente, tem para com a Comunicação Social deveres de isenção e imparcialidade. Só nestes termos o Expresso aceitou este trabalho, considerando que desta forma se garantia o dever de informar e de ser informado.
4.A entrevista decorreu como combinado. Durou mais de duas horas, numa conversa viva, por vezes acesa.
5.O presidente da ERC, porém, não conseguiu explicar com base em factos qual o motivo da exclusão de HC, cujas notícias nunca sofreram qualquer desmentido por parte da ERC ou de qualquer dos seus membros.
6.O presidente da ERC sustentou a sua atitude no facto de o jornal ser "sistematicamente hostil à ERC", apesar de reconhecer que nunca lhe fora "negado espaço no Expresso" em artigos de opinião. Afirmou ainda que "não existiu (no Expresso) nenhuma notícia neutra" em relação àquele organismo e que considera legítimo recusar falar com um jornalista, pois tem "o direito à palavra, o que significa que falo com quem quero".
7.Deixou claro, aliás, que HC é "o único jornalista em Portugal com quem não falo". E sente que nem o facto de ser detentor de um cargo público - regulador da Comunicação Social - o obriga a mudar de atitude. Admite mesmo que HC e o Expresso possam apresentar queixa à ERC contra o seu presidente, por ter vetado um jornalista e negado o seu acesso à informação. Garante que não participará na discussão deste assunto.
Nota da Direcção
Neutro?
Azeredo Lopes acusa o Expresso, entre outras coisas, de falta de neutralidade no tratamento da ERC. Mas acrescenta que nunca a ele lhe foi negado espaço para contrapor e responder. É, precisamente, por reconhecermos que podemos cometer erros que damos, com todo o gosto, espaço a Azeredo Lopes. E cremos que a independência do jornal (que é diferente da neutralidade) fica assim assegurada e manifesta, ao contrário do que pensa o responsável pela regulação dos jornais. Um jornal plural como o Expresso há-de ter diferentes opiniões, incluindo a do presidente da ERC a quem excepcionalmente permitimos o veto a um entrevistador. O que não há-de ter é a neutralidade química que Azeredo reivindica. Porque a exigida neutralidade (mesurável, segundo afirma) é uma outra forma de alguém exterior ao jornal decidir o que nele se publica. E isso tem um nome que todos sabemos qual é.
Texto publicado na edição impressa do Expresso de 20 de Dezembro.

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