quarta-feira, dezembro 28, 2005

Com Todas as Letras


Diz a sabedoria popular que não há fumo sem fogo, e quando começa a transpirar para o domínio público que existe a intenção de avançar com a privatização da água, é altura de começarmos, não a ficarmos preocupados - porque essa atitude já deveria vir de longe - mas genuinamente indignados.
O poder, porque é protagonizado pelos humanos (o tal sujeito do Fenómeno Humano do padre Pierre Theilhard de Chardin) e seus desígnios, tanto é capaz de gerar as mais justas e legítimas soluções para a civilização e o bem-estar social, como as mais vis das condições ou a mais abjecta das torpezas. Depois da privatização dos (maus) cuidados de saúde, arrisca-se agora a ideia de uma hipotética privatização da água, assim como se poderá falar amanhã da entrega da administração pública à iniciativa privada, da venda em hasta pública dos monumentos nacionais, das praias e da orla marítima, ou da instauração de um imposto sobre o consumo do ar. Não há nada como começar a falar no assunto, banalizando-o, para que a ideia ganha raízes e adeptos, dissipando assim o estigma do escandaloso.
A minha revolta e indignação exigem que termine este comentário (e talvez este ano), tomando de empréstimo a expressão que José Saramago usou num dos seus Cadernos de Lanzarote, para rematar uma situação similar:
- E se fossem privatizar a puta que os pariu…

sábado, dezembro 10, 2005

A Cadeira de Seis Pernas



Uma cadeira de seis pernas é um objecto difícil de descrever, se não for acompanhado de um esboço clarificador, como o que juntamos a este artigo. Tiradas as dúvidas, falta saber para que serve esta curiosa peça de mobiliário. É simples: é sempre utilizada pela mesma pessoa, umas vezes com responsabilidades governativas, nesse caso sentando-se do lado A, outras vezes como sócio de um escritório de advogados, e nessa função sentando-se do lado B. Exemplifiquemos: quando o protagonista estava sentado do lado A, isto é, com funções governativas, tinha que assegurar os interesses do Estado e do país, contra as pretensões de uma empresa de nome Eurominas, ao passo que quando se sentava do lado B, tinha por objectivo lutar pela garantia de satisfação das exigências dessa mesma Eurominas, mesmo que do outro lado estivesse o tal Estado, em cujo governo servira, sentado do lado A.
Explicadas as curiosas e múltiplas funções da cadeira de seis pernas, passemos aos factos.

Em 1974, ainda antes do 25 de Abril, o governo de Marcello Caetano atribuiu uma concessão de exploração de ligas de manganês, ao grupo francês Pechiney, com a cedência de terrenos e energia eléctrica a preços simbólicos, para a instalação da empresa Eurominas.
Em 1986 a EDP altera o custo das tarifas de electricidade, o que não é aceite pela Eurominas. Como não se chega a qualquer acordo, a empresa suspende o fornecimento de energia, levando a que a Eurominas decida interromper a laboração.
Em 1995, perante a cessação da actividade, o governo de Cavaco Silva assina um decreto que faz reverter para o domínio público os terrenos e instalações da Eurominas, sem direito a qualquer indemnização.
A Eurominas desencadeia acções judiciais contra o Estado, com vista a ser ressarcida de tal decisão, exigindo uma indemnização de 16 milhões de contos, ao mesmo tempo que efectua contactos com o recém-empossado governo de António Guterres.
O ministro António Vitorino recebe a incumbência de negociar com a Eurominas. Em 2001, contrariando a decisão do governo de Cavaco Silva, e sem nunca ser revogado o decreto que lhe deu origem, o executivo do PS, num acordo extra-judicial, decide conceder à Eurominas uma compensação de 2,3 milhões de contos, em troca do abandono das acções judiciais movidas contra o Estado e da reivindicação de direitos sobre os terrenos e instalações abandonados.
O ministro João Cravinho e o Tesouro, baseados em vários pareceres, recusam-se a pagar a dita indemnização, argumentando não existir enquadramento legal para tal encargo. Só em Outubro o Ministério das Finanças autoriza o pagamento, tendo que recorrer, para o efeito, a uma interpretação muito livre e flexível do primitivo decreto-lei de 1974, da lavra do governo de Marcello Caetano.
Até 2003 o pagamento é efectuado em três tranches. Sabe-se agora que nas negociações esteve envolvido um escritório de advogados, detido por António Vitorino, José Lamego e António Costa, sendo que os dois primeiros, repartiam a sua actividade entre o governação e a actividade no dito escritório, isto é, ocupando alternadamente a tal cadeira de seis pernas, umas vezes como negociadores por parte do Estado, outras vezes como defensores dos interesses da Eurominas.

Assim se explica para onde vai o dinheiro dos contribuintes. Assim se delapida o património português, desde o material até ao moral. Assim se vai percebendo porque vamos de mal a pior, e isso nada tem a ver com produtividade, competitividade e as outras balelas do costume. Há suspeitas de favorecimento, e sabe-se lá de mais o quê. O assunto vai baixar a uma comissão de inquérito da Assembleia da República, que esperemos faça a sua obrigação e chegue a conclusões dignas de nota. Até lá vai continuar a passear-se por aí muita gente séria, excepto quando não se estão a rir de nós...

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Reino dos Céus


O cardeal Grocholewsky, numa carta que enviou aos padres da comunidade católica, na sua qualidade de responsável pela Congregação para a Educação Católica, exprimiu-se com uma curiosa analogia. Na opinião deste prelado, assim como as pessoas que sofrem de vertigens não podem aspirar a ser astronautas, também a ordenação de padres está vedada a homossexuais. Na sua preocupação de defender o indefensável, fez confusão entre uma orientação sexual, que tem a ver com as humanas preferências, e certas perturbações do equilíbrio, localizadas nas células sensitivas do ouvido interno. Indo um pouco mais longe, é como dizer que no exercício da medicina, as mulheres devessem estar impedidas de se especializarem em ginecologia, pois isso seria um sinal evidente de apetência por pessoas do mesmo sexo.
O recurso a tais argumentos, demonstram bem que tanto este cardeal como o seu Vaticano, insistem em não terem os pés assentes na terra.

sábado, dezembro 03, 2005

Publicidade


O candidato a Presidente da República, Cavaco Silva, com aquele esgar, com pretensões a ser um sorriso permanentemente afivelado, aproveitou a entrevista que deu ontem à RTP1, para fazer publicidade encapotada. Eu explico: Pelo menos, em duas ocasiões, a perguntas da entrevistadora, não deu qualquer resposta, limitando-se a informar que o assunto vem muito bem explicado na sua recentemente publicada AUTOBIOGRAFIA. O homem que não tinha dúvidas e não lia jornais, com uma marretada “matou dois coelhos”, primeiro mostrando-se durante 30 minutos como candidato (porque dizer, continua a dizer muito pouco), e depois aproveitando o tempo de antena para publicitar gratuitamente o seu livrinho, ao melhor estilo das tele-vendas. Será que com este ardil a obra vai esgotar? Olhem que espertinho, hem!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Má Pontaria!


O submarino é reconhecido como sendo uma arma eminentemente estratégica, uma arma de ataque por excelência. Assim, não se compreende que Portugal, no actual contexto da americaníssima NATO, queira ser possuidor de 3 (três) armas deste tipo, a não ser que queira ser objecto de alguma risota complacente. Tais armas, contrariando o que enunciava o ex-ministro da defesa Paulo Portas, não são instrumentos vocacionados para patrulhar a ZEE, zelando para não ocorram pescarias à margem da lei, lavagens camufladas de tanques dos petroleiros, e muito menos para efectuar perseguições ao narcotráfico, provando que até nas escolhas de material de guerra, continua a persistir a má pontaria.