quarta-feira, dezembro 28, 2005

Com Todas as Letras


Diz a sabedoria popular que não há fumo sem fogo, e quando começa a transpirar para o domínio público que existe a intenção de avançar com a privatização da água, é altura de começarmos, não a ficarmos preocupados - porque essa atitude já deveria vir de longe - mas genuinamente indignados.
O poder, porque é protagonizado pelos humanos (o tal sujeito do Fenómeno Humano do padre Pierre Theilhard de Chardin) e seus desígnios, tanto é capaz de gerar as mais justas e legítimas soluções para a civilização e o bem-estar social, como as mais vis das condições ou a mais abjecta das torpezas. Depois da privatização dos (maus) cuidados de saúde, arrisca-se agora a ideia de uma hipotética privatização da água, assim como se poderá falar amanhã da entrega da administração pública à iniciativa privada, da venda em hasta pública dos monumentos nacionais, das praias e da orla marítima, ou da instauração de um imposto sobre o consumo do ar. Não há nada como começar a falar no assunto, banalizando-o, para que a ideia ganha raízes e adeptos, dissipando assim o estigma do escandaloso.
A minha revolta e indignação exigem que termine este comentário (e talvez este ano), tomando de empréstimo a expressão que José Saramago usou num dos seus Cadernos de Lanzarote, para rematar uma situação similar:
- E se fossem privatizar a puta que os pariu…

sábado, dezembro 10, 2005

A Cadeira de Seis Pernas



Uma cadeira de seis pernas é um objecto difícil de descrever, se não for acompanhado de um esboço clarificador, como o que juntamos a este artigo. Tiradas as dúvidas, falta saber para que serve esta curiosa peça de mobiliário. É simples: é sempre utilizada pela mesma pessoa, umas vezes com responsabilidades governativas, nesse caso sentando-se do lado A, outras vezes como sócio de um escritório de advogados, e nessa função sentando-se do lado B. Exemplifiquemos: quando o protagonista estava sentado do lado A, isto é, com funções governativas, tinha que assegurar os interesses do Estado e do país, contra as pretensões de uma empresa de nome Eurominas, ao passo que quando se sentava do lado B, tinha por objectivo lutar pela garantia de satisfação das exigências dessa mesma Eurominas, mesmo que do outro lado estivesse o tal Estado, em cujo governo servira, sentado do lado A.
Explicadas as curiosas e múltiplas funções da cadeira de seis pernas, passemos aos factos.

Em 1974, ainda antes do 25 de Abril, o governo de Marcello Caetano atribuiu uma concessão de exploração de ligas de manganês, ao grupo francês Pechiney, com a cedência de terrenos e energia eléctrica a preços simbólicos, para a instalação da empresa Eurominas.
Em 1986 a EDP altera o custo das tarifas de electricidade, o que não é aceite pela Eurominas. Como não se chega a qualquer acordo, a empresa suspende o fornecimento de energia, levando a que a Eurominas decida interromper a laboração.
Em 1995, perante a cessação da actividade, o governo de Cavaco Silva assina um decreto que faz reverter para o domínio público os terrenos e instalações da Eurominas, sem direito a qualquer indemnização.
A Eurominas desencadeia acções judiciais contra o Estado, com vista a ser ressarcida de tal decisão, exigindo uma indemnização de 16 milhões de contos, ao mesmo tempo que efectua contactos com o recém-empossado governo de António Guterres.
O ministro António Vitorino recebe a incumbência de negociar com a Eurominas. Em 2001, contrariando a decisão do governo de Cavaco Silva, e sem nunca ser revogado o decreto que lhe deu origem, o executivo do PS, num acordo extra-judicial, decide conceder à Eurominas uma compensação de 2,3 milhões de contos, em troca do abandono das acções judiciais movidas contra o Estado e da reivindicação de direitos sobre os terrenos e instalações abandonados.
O ministro João Cravinho e o Tesouro, baseados em vários pareceres, recusam-se a pagar a dita indemnização, argumentando não existir enquadramento legal para tal encargo. Só em Outubro o Ministério das Finanças autoriza o pagamento, tendo que recorrer, para o efeito, a uma interpretação muito livre e flexível do primitivo decreto-lei de 1974, da lavra do governo de Marcello Caetano.
Até 2003 o pagamento é efectuado em três tranches. Sabe-se agora que nas negociações esteve envolvido um escritório de advogados, detido por António Vitorino, José Lamego e António Costa, sendo que os dois primeiros, repartiam a sua actividade entre o governação e a actividade no dito escritório, isto é, ocupando alternadamente a tal cadeira de seis pernas, umas vezes como negociadores por parte do Estado, outras vezes como defensores dos interesses da Eurominas.

Assim se explica para onde vai o dinheiro dos contribuintes. Assim se delapida o património português, desde o material até ao moral. Assim se vai percebendo porque vamos de mal a pior, e isso nada tem a ver com produtividade, competitividade e as outras balelas do costume. Há suspeitas de favorecimento, e sabe-se lá de mais o quê. O assunto vai baixar a uma comissão de inquérito da Assembleia da República, que esperemos faça a sua obrigação e chegue a conclusões dignas de nota. Até lá vai continuar a passear-se por aí muita gente séria, excepto quando não se estão a rir de nós...

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Reino dos Céus


O cardeal Grocholewsky, numa carta que enviou aos padres da comunidade católica, na sua qualidade de responsável pela Congregação para a Educação Católica, exprimiu-se com uma curiosa analogia. Na opinião deste prelado, assim como as pessoas que sofrem de vertigens não podem aspirar a ser astronautas, também a ordenação de padres está vedada a homossexuais. Na sua preocupação de defender o indefensável, fez confusão entre uma orientação sexual, que tem a ver com as humanas preferências, e certas perturbações do equilíbrio, localizadas nas células sensitivas do ouvido interno. Indo um pouco mais longe, é como dizer que no exercício da medicina, as mulheres devessem estar impedidas de se especializarem em ginecologia, pois isso seria um sinal evidente de apetência por pessoas do mesmo sexo.
O recurso a tais argumentos, demonstram bem que tanto este cardeal como o seu Vaticano, insistem em não terem os pés assentes na terra.

sábado, dezembro 03, 2005

Publicidade


O candidato a Presidente da República, Cavaco Silva, com aquele esgar, com pretensões a ser um sorriso permanentemente afivelado, aproveitou a entrevista que deu ontem à RTP1, para fazer publicidade encapotada. Eu explico: Pelo menos, em duas ocasiões, a perguntas da entrevistadora, não deu qualquer resposta, limitando-se a informar que o assunto vem muito bem explicado na sua recentemente publicada AUTOBIOGRAFIA. O homem que não tinha dúvidas e não lia jornais, com uma marretada “matou dois coelhos”, primeiro mostrando-se durante 30 minutos como candidato (porque dizer, continua a dizer muito pouco), e depois aproveitando o tempo de antena para publicitar gratuitamente o seu livrinho, ao melhor estilo das tele-vendas. Será que com este ardil a obra vai esgotar? Olhem que espertinho, hem!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Má Pontaria!


O submarino é reconhecido como sendo uma arma eminentemente estratégica, uma arma de ataque por excelência. Assim, não se compreende que Portugal, no actual contexto da americaníssima NATO, queira ser possuidor de 3 (três) armas deste tipo, a não ser que queira ser objecto de alguma risota complacente. Tais armas, contrariando o que enunciava o ex-ministro da defesa Paulo Portas, não são instrumentos vocacionados para patrulhar a ZEE, zelando para não ocorram pescarias à margem da lei, lavagens camufladas de tanques dos petroleiros, e muito menos para efectuar perseguições ao narcotráfico, provando que até nas escolhas de material de guerra, continua a persistir a má pontaria.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Patetices!


O choque tecnológico, aquilo que pretendia ser um dilúvio de ideias, uma enxurrada de projectos, perdeu impacto e transformou-se em simples plano, sem espessura, sem orientação, sem objectivos, como uma simples folha de papel em branco. Por isso mesmo, o primeiro ministro chamou a si a tutela e coordenação do plano. Inquirido sobre se esta alteração de liderança tinha alguma coisa a ver com as 7 recentes demissões de especialistas envolvidos no projecto, o ministro de economia, sempre de resposta pronta e surpreendente, afirmou com uma ênfase, quase a roçar o tom bíblico, que tudo isto já estava delineado há muito tempo, mesmo antes de Sócrates ter assumido os destinos do PS. Quer isto dizer que os alquimistas do Largo do Rato não dormem e as pessoas vão passando enquanto que o projecto fica, numa versão actualizada do provérbio que dizia que “os cães ladram e a caravana passa”.
Com esta determinação, os congressos de Vilar de Perdizes, o genoma humano e o escaravelho da batata que se cuidem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Reflectir e Perguntar


Estou quase tentado a concluir que se está a tornar desnecessário insistirmos em caracterizar e criticar a sociedade portuguesa actual. Em termos genéricos, já tudo foi dito. Para isso basta recapitular o que escreveu Eça de Queirós, há respectivamente 138 e 134 anos, e que a seguir se transcreve. Não acreditamos em fados, destinos e fatalidades, porém, curiosamente, quase tudo se ajusta às mentalidades, às competências e à situação actual do país. Basta ler, reflectir e perguntar: - Com tanto tempo decorrido, será que não aprendemos nada?

Em 1867 Eça de Queirós escreveu:
"Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a con­cepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?"

Mais tarde, em 1871, voltou a escrever:
”Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"

Pórtico para o Mar


GUTTA CAVET LAPIDEM - Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Pormenor do litoral algarvio, na primavera morna de 1975.

Então e os Outros?

Os EUA foram acusados de utilização de armas químicas, neste caso o fósforo branco e o agente MK77 (uma variante do napalm utilizado no Vietname), contra populações civis iraquianas, durante uma ofensiva contra Fallujah, em Novembro de 2004. A referida arma química tem um efeito devastador sobre os corpos, queimando-os e dissolvendo-os até aos ossos, porém, mantendo intactas as roupas. Até agora, mantém-se indeterminado o número de vítimas daquela ocorrência, porque habitualmente as tropas americanas não disponiblizam essas informações, classificadas de sensíveis.
Talvez este seja o momento propício para se equiparar este acontecimento ao tão falado caso da aldeia curda de Halabja, onde 5.000 civis foram dizimados pelo exército iraquiano de Saddam Hussein, em 1988, com recurso a armas químicas, naquele caso um gás de nervos.
Podem dizer-me que as armas são cegas, não distinguindo combatentes de simples população civil, que é difícil saber quem está naquele momento, voluntária ou involuntáriamente, no perímetro do campo de batalha, no entanto, isso são argumentos falaciosos. Se a guerra e a utilização de armas é já em si uma monstruosidade, a utilização de armas químicas é ainda mais abominável e censurável, pelo simples facto de que são um tipo de armas eminentemente letais, para as quais, fora as sofisticadas protecções, não há defesa eficaz, tanto para exércitos como para as sempre mártires populações civis. De facto, o direito impede os combatentes de empregar armas que não descriminem (combatentes de não-combatentes) ou que, pela sua natureza, causem sofrimento maior que o requerido, para deixar um combatente inoperacional. Embora tenham sido usadas desde a antiguidade até aos nossos dias, nas mais variadas formas, a utilização de armas químicas e biológicas, além de ser uma opção muito atractiva para quem as usa, por força dos reduzidos custos e da máxima eficiência, é barbárie em estado puro. Além de que é a negação das normas éticas e dos códigos de conduta contidos no Protocolo de Genebra de 1925, e nas duas Convenções baseadas naquele instrumento, os elementos mais antigos e mais importantes do Direito Internacional Humanitário.
Numa altura em que Saddam Hussein se senta no banco dos réus do tribunal dos vencedores, para responder por muitos dos crimes hediondos que cometeu ao longo da sua permanência no poder, entre os quais também se conta o massacre de Halabja, cabe aqui deixar uma pergunta incómoda:
Então e os outros?

sábado, novembro 19, 2005

Exterminadores Implacáveis

O tão apregoado choque tecnológico do José Sócrates, confrontou-se com a demissão em bloco de sete (7) dos dez (10) elementos que integravam esta unidade de investigação e inovação, desavindos com a (des)orientação que o projecto estava a seguir. Fontes que pediram o anonimato, adiantaram que o plano sofreu um curto-circuito, parece que provocado pela sobrecarga que resultaria da instalação de câmaras de vigilância em todas as avenidas, praças, ruas, becos e azinhagas do país, bem como a introdução de relógio de ponto, para os desempregados nos centros de desemprego, e para os doentes nas consultas hospitalares, isto para não falar num revolucionário processo de exterminação da lagarta da couve, que pela sua exigência de meios, implicaria o recurso a um orçamento rectificativo. O ministro da economia, indiferente às demissões e com a sua habitual impassibilidade, vai dizendo que o acontecimento não é relevante, e que depois desta primeira fase de produção teórica (???) o que é preciso é passar à acção.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Passarões e Passarolas

O plano tecnológico do governo Sócrates, exibido com pompa e circunstância durante a campanha eleitoral, com pretensões a ser a menina dos olhos do futuro governo, afinal, até agora, não tem passado de um balão de ar quente que, apesar de tantos projectos, reforços de orçamento, investimentos, medidas e contra-medidas, mentes brilhantes, especialistas, assessores e coordenadores, e muita conversa fiada, está a voar menos que a setecentista “Passarola” do padre Bartolomeu de Gusmão.

Pagadores de Promessas

Com a rejeição da proposta de novo referendo sobre o aborto, pelo Tribunal Constitucional, abriram-se novas perspectivas para solucionar o problema, voltando à ordem do dia a promoção de uma iniciativa legislativa que descriminalizasse a prática do aborto, ou na pior das hipóteses, suspendesse tal prática, até à ocorrência de novo referendo. Contudo, José Sócrates rejeitou liminarmente esta oportunidade, recusando a alteração ou a suspensão da lei por via parlamentar, escudando-se na sua promessa eleitoral (assim o pragmatismo fosse extensivo a outras promessas) de insistir na via referendária, a qual só voltará a ser exequível a partir de Setembro de 2006. A ser assim, o processo terá que voltar a passar novamente pelas avaliações da Presidência da República (que até poderá vetar a pretensão) e do Tribunal Constitucional. Escorado na rigidez formal da sua promessa, Sócrates adia mais uma vez a solução do problema, dando assim satisfação às pretensões e propósitos da direita mais retrógrada, hipócrita e intransigente.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Branca e Serena


Primeiros nevões na Serra da Estrela, em 1973. Nessa altura, a devastação dos incêndios ainda não tinha feito a sua aparição, pelo tecto de Portugal.

Brincar com o Fogo

Fala-se dos acontecimentos em França, neste Outubro de 2005, e há logo quem compare o fenómeno a Maio de 1968. Em boa verdade, não são comparáveis, porque tiveram protagonistas e motivações diferentes. Em 1968, tratou-se de uma insurreição estudantil, iniciada nos meios universitários, frequentados pelos filhos da classe média, que transferiu a dialética das aulas magnas para o calor das barricadas de rua, contestando o poder e o sistema. Nesta última, agora em 2005, caiu uma faísca no meio da pólvora que a sociedade e os políticos franceses, foram deixando acumular ao longo do tempo, varrendo os problemas da emigração para os bairros periféricos, cujas novas gerações, se confrontam hoje com problemas de identidade, marginalização e ausência de futuro. É uma mistura explosiva de abandono escolar, desemprego, fracturas familiares substituídas pela coesão do “gang”, e o mais que provável assédio do fundamentalismo religioso, que conduz aos perigosos terrenos de que tantos se queixam.
A Europa começou por ser um sonho, depois um pequeno “eldorado” para fugir à miséria, para logo se tornar na terra das oportunidades, onde merecia meter-se pés ao caminho, para finalmente se apresentar como um mundo oportunista, entre o hostil e o paternalista, com condescendências cedidas a conta gotas. Vem depois o tempo em que o sistema, insensível, gordo e anafado, esquecido de que estava a lidar com pessoas, e com um problema que não soube solucionar em tempo oportuno, não encontra outro modo de o encarar, senão apelidando-as de “escumalha”.
Já vão longe os tempos em que os europeus recorriam à importação de mão-de-obra, barata e pouco exigente, em termos de regalias e protecção, para satisfazer as suas necessidades. Hoje, essa necessidade decaiu, sobretudo quando o sistema capitalista começou a perceber que era muito mais económico mudar de método. Em vez de importar braços, bastava exportar (ou deslocalizar, como se diz na gíria) os seus mecanismos de exploração, implantando-se noutros países, para aí ter acesso, não só a grandes concessões e facilidades, como também à mão-de-obra de baixo custo. Assim nasceu a globalização.
Para agravar ainda mais a situação, as sociedades, lideradas por políticos imediatistas e sem visão prospectiva, ao abrirem-se e oferecerem caricaturas de integração para aqueles de que precisou, esqueceram-se que eles, como qualquer ser humano, reproduzem-se e multiplicam-se, gerando descendência. Porém, os seus objectivos economicistas estavam esquecidos desse problema capital. Porque não estava préviamente considerada nos seus planos, o resultado é que essa descendência, porque deixou de ser absorvida pelo sistema, foi sendo arrumada em guetos, sem formação digna desse nome, sem ocupação, marcada pelo ferrete da raça e da cultura, anestesiada com subsídios virados para um mínimo de subsistência, organizando-se em grupos marginais, desprovidos de futuro. Hoje, são franceses de segunda e terceira geração, mal amados, dispensáveis, descartáveis, e que não se podem mandar de volta para os seus países de origem, sendo o território, por excelência, onde se movem as direitas que, explorando a existência de variadas bolsas de pobreza, fazem engordar as suas predilectas causas de segregacionismo e securitarismo.
Aconteceu na França, assim como pode acontecer em qualquer outro país europeu, que tenha acolhido mão-de-obra emigrante, sem acautelar os efeitos que aquela possa gerar, a médio e longo prazo. Meditar e reflectir sobre os erros dos outros, pode ser um caminho para uma solução atempada. Nada fazer e ficar a ver o que acontece, será de certeza um desejo mórbido e irresponsável de brincar com o fogo.

O Império Contra-Ataca

Há quem observe pássaros, e sendo o número de hobbies quase infinito, há também quem fixe a sua atenção sobre outros objectos voadores, momeadamente os aviões que aterram e levantam voo de tudo o que é aeroporto. Só que esta ocupação de tempos livres está a produzir resultados que incomodam muita gente. Resumindo: há aparelhos que escalam os aeroportos de alguns países, com alguma regularidade, e que ostentam umas matrículas invulgares, que se veio a saber estarem ao serviço dos serviços secretos dos E.U.A.. O mais grave é que transportam no seu bojo um certo tipo de detidos, suspeitos de terrorismo, que os americanos entendem não terem quaisquer direitos nem garantias, que lhes permitam usufuir de tratamento humano. Não têm direito ao apoio jurídico de um advogado, e muito embora sejam considerados combatentes, não estão cobertos pela Convenção de Genebra. Habitualmente, são entregues em bases localizadas em certos países, uns que recentemente abraçaram a democracia, outros não tanto, mas que têm em comum o facto de serem permissivos ao uso de tratamentos degradantes e desumanos, com uso e abuso da tortura, para a obtenção de confissões e informações. São locais onde também, por sistema, se desaparece sem deixar rasto. Perante o justo clamor de quem diz que os direitos humanos são extensivos a toda a gente, sendo uma matriz do nosso nível civilizacional, os E.U.A., pouco interessados em voltarem a expôr-se a críticas e reprovações, visando as situações aberrantes que mantinham em Guantánamo e Abu Graib, não abriram mão do seu hábito de tratarem o resto do mundo, como um conjunto de “quintinhas” que lhes devem obediência, e responderam com a exportação da tortura para fora de portas, dispersando-a pelos tais países “amigos”, numa aplicação prática da expressão latina que diz, errando corrigitur error (errando, corrige-se o erro).
Quando reclamo - sem questionar a justiça a que deve estar sujeito quem se provar seja um operacional do terror - dizem-me que a guerra ao terrorismo é uma guerra total, que exige que se recorra a grandes remédios, sem dó nem piedade, e que os fins justificam os meios, nem que para isso se tenha que dizer que há armas de destruição maciça, onde elas não existem, e à custa disso se desencadeie uma guerra, que para além das habituais e incontáveis vítimas civis, se pode transformar num turbilhão de consequências imprevisíveis.
Quem não aceita esta retórica, tem que ter muito cuidado com o que diz, porque o Império, na sua intransigência de querer assumir-se como o polícia do universo (já fazem escutas e espiam a NET a nível planetário), é muito provável que os venha a considerar, mesmo sem a exibição de provas, no mínimo como estando do lado do inimigo, e no máximo como sendo um perigoso e potencial bombista.

sábado, novembro 12, 2005

Divido, Logo Existo!

O candidato à Presidência da República Mário Soares, na sua recente entrevista à VISÃO, afirmou que “é salutar a esquerda estar dividida”. Embora não tenha especificado, e qualquer pessoa menos avisada possa ser induzida em erro, percebe-se que Soares se está a referir a uma divisão, ocasional e conjuntural, repartida por quatro candidaturas, que no contexto da disputa eleitoral que se avizinha, tendem para fazer convergir a votação no candidato de esquerda, que chegar a uma hipotética segunda volta. No entanto, estas palavras acabam por denunciar o divisionista que Mário Soares sempre foi, nos terrenos da luta política. Resumindo: a divisão sempre foi um instrumento a que recorreu para ganhar ascendente e chegar ao poder. É por esta e outras razões, que Mário Soares continua a ser para muita gente um político de confiança duvidosa, em última análise, um mal menor. Pelo seu apego aos valores da liberdade, é indiscutívelmente um democrata, mas por tantas e oportunísticas derivas, e excessivo culto pelos jogos de poder, não necessáriamente, um genuíno homem de esquerda. Basta lembrar a ruptura que provocou na oposição, ainda no tempo da ditadura, com a cisão na CDE e o aparecimento da CEUD, já depois do 25 de Abril com a história do socialismo na gaveta, que por lá ficou a ganhar cotão, depois a emblemática coligação com o CDS, e ainda a polémica retirada de apoio à candidatura de Ramalho Eanes, quando aquele se mediu com Soares Carneiro, isto para não falar de mais uns quantos atropelos e traiçõezinhas, cometidas dentro do próprio PS.
Para o bem e para o mal, a sua passagem pelo poder deixou marcas, e o Portugal que hoje somos, com o seu cortejo de atrasos, assimetrias e incertezas, também a ele o devemos.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Apitos e Furacões

A operação que o Ministério Público e a Polícia Judiciária desencadearam contra alguns bancos e escritórios de advogados com ligações a empresas “off shores”, com o intuito de encontrar o fio da meada de fugas ao fisco, fraudes e branqueamentos de capitais, parece estar a perder força, e talvez por isso se explique porque foi baptizada de “Furacão”. Aquele é um fenómeno metereológico que habitualmente, depois de provocar muito medo e apreensão, e também grandes estragos (dependendo isso da orientação que tomar), acaba quase sempre por perder a força inicial, até se transformar numa mera e insignificante tempestade tropical.
Fica a faltar uma explicação para o facto de ter deixado de haver notícias da operação “Apito Dourado”. Terá ficado entupida?

Liberdade Condicional

Na sua ânsia de cortar nas despesas públicas, o governo de José Sócrates tem a intenção de encerrar mais uns quantos hospitais psiquiátricos. O resultado é simples: vão haver por aí, mais uns quantos malucos à solta! Em contrapartida, os desempregados que estão a receber subsídio de desemprego, vão deixar de poder sair de casa, duas horas da parte da manhã, ou duas horas da parte da tarde, em semanas alternadas. A medida tem por objectivo cortar o subsídio a quem ande a trabalhar em qualquer biscate, como ajuda para os “alfinetes” (e pelos vistos, a procurar novo emprego), logo com dupla fonte de rendimentos, lesando assim as finanças públicas. Como disse o Daniel Oliveira, só falta terem que usar a pulseira electrónica, como se fossem arguidos em liberdade provisória. O governo quer evitar assim, que os desempregados enriqueçam desmesuradamente à custa do orçamento de estado, ao passo que pouco ou nada faz para pôr ordem nas falências em cascata, com patrões ausentes em parte incerta, nas empresas de barracão e vão-de-escada, combatendo assim a proliferação da economia paralela, que além de não pagar impostos, lá vai singrando à custa de muito trabalho precário e semi-clandestino.

Choque Fiscal

O velho “selo” do automóvel vai deixar de ser um imposto autárquico de circulação para passar a ser uma taxa que se aplica a todos os veículos automóveis, circulem eles ou não. Quer isto dizer que pode estar recolhido numa garagem, imóvel e moribundo, ou em exposição num qualquer museu, que os reformadores de impostos não têm contemplações, e todos vamos levar pela medida grande. O proprietário passará a ser notificado pelo correio para efectuar o pagamento, e só depois receberá a respectiva vinheta. Prevêm-se monumentais confusões, sobretudo nos casos em que os proprietários venderam os carros, e o novo proprietário, pelas mais variadas razões, nunca regularizou o registo de propriedade. Num devaneio de futurologia, prevê-se que a taxa venha a ser extensiva a todos os electrodomésticos. Isto é o governo Sócrates no seu melhor, na versão de “choque fiscal”, a espremer vigorosamente os contribuintes, a fim de arranjar verba, para dar emprego a mais uns quantos “assessores” e “especialistas”.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Prisão Perpétua

Que prazer encontrarão as pessoas no facto de terem pássaros engaiolados, seres que sem cometerem qualquer crime, estão a sofrer tamanho castigo, sem direito a revisão de processo, saídas precárias ou redução de pena. Quando cantam para nosso consolo e deleite, nós que não entendemos a letra da canção, talvez estejamos a ser assediados com pedidos de clemência, rogando-nos para que lhes deixemos a portinhola entreaberta, para iniciarem uma fuga, que por força do choque com a novidade e diversidade do mundo, poderá ser tão efémera como o viço de uma flor. Não esqueçamos que foram feitos para voarem e viverem num mundo de liberdade, cujos limites são a imensidão dos grandes espaços.

Pulo do Jacaré


É lamentável, mas esqueci o nome desta cascata. Lembro-me apenas que se localizava algures no Kwanza Norte, em Angola. Chamemos-lhe Pulo do Jacaré, até que alguém reconheça o local e lhe devolva a sua verdadeira identidade. Estive lá em 1970, e para lá chegar tive que percorrer uma razoável distância a pé, talvez uns dois ou três quilómetros, por um trilho que se esgueirava pelo meio do capim. O silêncio começou por ser cortado por um breve sussurro, depois por um sopro contínuo, finalmente por um rugido que subiu de intensidade, até que de repente, o espectáculo das águas em fúria se abriu à minha frente.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Jogos Pessoais

Estas eleições presidenciais, centradas nas candidaturas de Cavaco Silva e Mário Soares - duas criaturas que se detestam por razões óbvias - são, primeiro que tudo, uma luta de galos, uma espécie de ajuste de contas com o passado, onde se junta o inútil ao desagradável. Seja com Cavaco ou com Soares, para lá dos jogos pessoais do costume, não há novidades, não há pedagogia, e também não oiço nenhum deles opinar sobre o estado de degradação a que chegaram as condições de vida dos portugueses e as perspectivas de tempos negros que se avizinham. Em boa verdade, para estes dois, o que parece estar em causa não é a mais alta magistratura da nação, mas apenas uma disputa pessoal, uma espécie de confrontação de machos que querem ser dominantes. Do lado de uma direita que não se dispersou, está um economista adepto de tabus, frio, calculista, muito arrumadinho e educadinho, a sorrir e a dizer que não morde, perfilando-se para uma corrida que andou a treinar ao milímetro. Do lado de uma esquerda pulverizada em quatro candidaturas, está um tribuno voluntarista, repentista, que se acha imbatível e insubstituível, que rosna e mostra os dentes, que continua a gostar de exibir uma montanha de credendiais e um reizinho que traz na barriga.
Resumindo: a três meses de irmos a votos, vão prevalecendo as figuras, enquanto ícones, em prejuízo dos conteúdos e das ideias. Entretanto, lá atrás, os outros três candidatos de esquerda continuam a esgatanharem-se desalmadamente, irremediávelmente esquecidos de quem é o adversário principal.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Sequela de Sequela


Esta história, tal como o nome indica, é a sequela de uma sequela, situação normal nos meandros da sétima arte, mas pouco habitual quando falamos de coisa escrita. Porém, este caso é tão curioso e ilustrativo de como as coisas acontecem (e correm mal) em Portugal (estou a falar de uma empresa privada, mais exactamente um banco), que não consigo deixar passar em branco o epílogo (espero que o seja) desta minha peregrinação. Podia fazer um link para o anterior artigo onde sintetizava os antecedentes da história, mas não vem grande mal ao mundo se voltar a transcrever o que há meses atrás foi dito, saciando a curiosidade a quem de direito. Por isso, aqui vai:

2005 Setembro 3 - A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem, que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.
Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela. Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava. Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.

Passaram, entretanto, dois meses, altura de voltarmos à tal sequela da sequela. Quando eu pensava que o assunto tinha ficado encerrado, engano meu. Na sequência do tal erro do banco, posteriormente rectificado, o mesmo banco (mais os seus impagáveis computadores) achou por bem enviar-me uma nova cartinha, muito simpática e solícita, a informar-me que agora estava devedor de 19 Euros, a título de JUROS DE PENALIZAÇÃO, a castigar o tal cheque mal lançado pelo banco, e que devia correr a pagá-los, porque senão, como caloteiro reincidente que era, o caldo podia ficar entornado. Como português temente e bem comportado, sem dívidas e com os impostos em dia, lá fiz uma nova viagem até ao dito, dissimulando da melhor maneira possível, uma tremenda vontade de lançar alguns urros cavernícolas, para sublinhar que quem devia ser multado era aquele banco, de que eu, apesar de esforçadas diligências, não me conseguia desembaraçar.
Tenho agora comigo um documento que dá como como saldada e extinta, para todos e os devidos efeitos, a tal conta que em má hora subscrevi, há vinte anos atrás. Tanto amadorismo e incompetência brada aos céus! Portanto, oremos para que esta história de encantar, depois de tanta diligência, fique por aqui.

NOTA – Qual é o banco, qual é ele? Aceitam-se sugestões.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Salto Imortal


Quedas do Duque de Bragança, no Rio Lucala, região de Malange, Norte de Angola, em 1971.
Não ficou registado o ruído ensurdecedor das águas a despenharem-se lá do alto, gerando cá em baixo uma erupção líquida que voluteava pelo ambiente. Sobreviveu apenas esta pequena imagem, a testemunhar a imponência de um salto imortal.

domingo, outubro 30, 2005

Duas Faces da Mesma Moeda

Temos ouvido o PCP afirmar amiúde que o PS, através do seu governo Sócrates, está a continuar, agora com maioria absoluta, a política de obsessão com o défice orçamental, que os governos do PSD/PP, com Barroso e Santana Lopes, tinham vindo a levar a cabo. Este ponto de vista tem sido sistemáticamente contestado pelos socialistas, os quais acusam o PCP de ser incapaz de coerência, assumindo-se permanentemente do “contra”, avesso a assumir uma posição construtiva e patriótica. No entanto, o parágrafo seguinte não tem origem em qualquer documento do PCP, sendo da lavra de José Pacheco Pereira, militante do PSD, está inserto no blog ABRUPTO, e reza o seguinte:
“O PSD irá provavelmente votar contra este orçamento, mas não escapará à dificuldade de justificar esse voto. Porque, estando as coisas como estão, não há muitas razões para o PSD votar contra um orçamento que contempla uma maioria de medidas que era suposto o PSD, se estivesse no governo, tentar realizar. O PSD pode dizer que o equilíbrio orçamental é mais conseguido pelo aumento (virtual e imaginativo, nalguns casos) da receita do que pelos cortes na despesa. Mas duvido que, se o PSD estivesse no governo, fosse capaz de ir mais longe do que o PS nos cortes da despesa pública. ...”
Mais palavras para quê? Se dúvidas houvesse, esperemos que fiquem esclarecidas.

Pesadelos

A Associação Nacional de Municípios Portugueses, confrontada com a redução de verbas a transferir pelo governo para as autarquias, em consequência dos cortes orçamentais, destinados a reduzir o défice, como compensação, achou por bem propor uma solução genial. Nada mais, nada menos, que aplicar uma taxa aos utilizadores de instalações hoteleiras, que está a ser conhecida como imposto de dormida.
- O que é que eu tenho a ver com isso, dirá o cidadão anónimo, se eu até nunca durmo em hotéis? Este imposto é mais para os turistas estrangeiros, e esses até podem pagar!
- Apesar das associações hoteleiras estarem apenas preocupadas com problemas de competitividade, cuidem-se todos os portugueses, digo eu. Daí esta medida estender-se a todos os locais onde se caia nos braços de Morfeu, vai apenas um pequeno passo. Para que o governo decida alargar o âmbito desta preciosidade a nossas casas, basta que continuemos em crise e os inventores de impostos tomem o freio nos dentes.
Quando eu há dias, e a propósito da Taxa Municipal de Direito de Passagem (aquele imposto que os municípios cobram à PT, e que ela depois recobra de todos nós), fantasiei com a hipótese de virmos a ser colectados com um imposto sobre circulação pedonal, sobre o ar que respiramos ou sobre as nossas descargas fisiológicas, não estava a fazer futurologia, nem tão longe da realidade. Porventura, só acontecerá em Portugal, mas um imposto sobre dormidas em hotéis, por enquanto, talvez não passe de um assalto a forasteiros de passagem, com o extra de uma incómoda noite mal dormida. No entanto, quando se estender a todos os cantinhos onde exista um colchão para reclinarmos o corpo, certamente que se tornará um pesadelo.
Só espero que aquilo que tenho vindo a escrever, tão irónico quanto indignado, não esteja a ser fonte de inspiração para os espíritos preversos, atentos e vigilantes, que pontuam em cada esquina.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Imunidades

(Este comentário tem a ver com a amplitude da justiça e não com as motivações dos infractores)
Já com três antecedentes no currículo, sendo portanto reincidente nesta matéria, o Mário Soares permitiu-se voltar a violar, descaradamente, desta vez nas eleições legislativas e autárquicas de 2005, o que a lei eleitoral determina, sobre o termo das campanhas e os períodos de reflexão. Frente às assembleias de voto, mesmo ali à boca das urnas, perante os microfones e câmaras de televisão (que teriam sido cúmplices na divulgação dos apelos), insolente e incorrigível, apelou ao voto nos candidatos do Partido Socialista, sendo que num dos casos se tratava do seu próprio filho. As três primeiras foram arquivadas, e das duas últimas, até à data não sofreu qualquer sanção que se visse ou ouvisse, emitida pela Comissão Nacional de Eleições. Porém, contra o que é habitual no nosso país, onde a justiça também dá sinais de falência, desta última vez, o crime não compensou, em termos de ganhos eleitorais.
Já sabíamos de ministros, secretários de estados, juízes e outras eminências que, nas barbas da Brigada de Trânsito, se deslocam de automóvel a velocidades proibitivas ou cometem infracções que fazem tábua rasa do Código da Estrada, mas ignorávamos que o ter sido detentor de orgãos de poder, ser candidato ou recandidato aos mesmos, concede imunidade a todos os atropelos que possam cometer.

segunda-feira, outubro 24, 2005

Ai dos Ricos!

Foi na semana passado que chegaram até nós as notícias de que o Ministério Público e a Polícia Judiciária haviam desencadeado uma grande operação, baptizada de “Furacão”, destinada a investigar alguns bancos, empresas a eles associadas e escritórios de advogados, todos eles envolvidos em métodos e práticas que tinham por objectivo o branqueamento de capitais, fraudes fiscais e camuflagem das grandes fortunas dos seus clientes, eximindo-os assim ao pagamento de impostos, e falando-se de valores astronómicos, que ascenderão a muitos milhares de milhões de Euros. Embora ainda haja muita investigação pela frente, e também já se vá falando em violações do segredo de justiça, que podem inquinar as investigações, vamos ficar atentos aos acontecimentos e desenvolvimentos, esperando que não apareça nenhum pauzinho a emperrar a engrenagem, e que se comece finalmente a procurar o dinheiro fugitivo, onde ele realmente está. Sem deixar de ser rico, diz a lei que o rico vai ter que justificar a origem daquele dinheiro que possui, bastando que o Estado passe a andar mais atento e faça cumprir a lei, para que não sejam sempre os mesmos a pagar as crises, e terem que suportar os devaneiros dos orçamentos de estado.
Entretanto, definitivamente apostado na moralização da vida e das finanças dos portugueses, o governo, inchado de arrojo e determinação, e porque não queria ficar atrás do Ministério Público, nesta cruzada anti-corrupção, correu a disparar sobre outro sector da sociedade, mais exactamente os ricos que se fazem passar por pobres. No caso presente falamos dos idosos com mais de 80 anos, que se dizem sem recursos e sem família, mas que se calhar não é bem assim, podendo cada um deles esconder um perigoso malfeitor, cujo objectivo é viver à grande e à francesa, à custa do erário público, lesando assim as frágeis finanças do país. Animado da melhor das intenções, acontece que o Estado decidiu atribuir uma pensão a cerca de 65 mil idosos, que se pensa serem manifestamente pobres, porém, o Estado não vai em cantigas. Os ditos idosos carenciados terão que provar a sua condição de indigência, sendo que tanto o candidato a pensionista, como a sua família próxima, se a tiver, terão que exibir os extratos das suas esqueléticas contas bancárias, provando deste modo a penúria. Assim, a pensão só será atribuída a quem não tiver família a quem recorrer, ou se a dita for tão ou mais pobre que o candidato. Entretanto, ainda não se sabe o que acontecerá a quem não tiver conta no banco, podendo muito bem acontecer que os octagenários e seus familiares sejam convidados a exibir as entranhas dos colchões, ou a levantar as tábuas do soalho. Como fácilmente se pode adivinhar, com tão bizarros condicionamentos, os tais 65 mil candidatos irão ficar reduzidos à lotação de meia dúzia de autocarros.
Segundo fontes do Ministério da Segurança Social, esta iniciativa já trás a marca e os contornos das mudanças que futuramente irão reger a obtenção de pensões, moralizando assim as prestações sociais. Face a isto, e considerando a fértil imaginação dos políticos portugueses, para engendrarem novas formas de espoliarem os cidadãos, e não esquecendo que há por aí muita gente que tem tendência para confundir maiorias absolutas com poder absoluto, prevêem-se, no futuro, pouquíssimas alterações nos direitos, mas grandes alterações nos deveres e obrigações de quem vive de pensões ou reformas. Sem querer fazer futurologia, vou dar três exemplos do que pode vir a acontecer.
Primeiro: Para acabar com o dinheiro escondido nos sítios mais incríveis, quem não tiver conta bancária não tem direito a nada.
Segundo: Habilitar-se a uma herança vai passar a ter mais um passo burocrático e um senão: o candidato à herança terá que apresentar um documento que prove que não é pensionista ou reformado, e caso o seja, a sua reforma ou pensão será reduzida numa percentagem proporcional à herança recebida. A condição de pensionista passa a ser incompatível com a condição de herdeiro.
Terceiro: O mesmo se passará com quem for premiado com a lotaria, totobola, totoloto ou o euromilhões. Para levantar o prémio terá que provar que não é reformado ou pensionista, e se o for, a Santa Casa está obrigada a comunicar o acontecimento aos serviços respectivos, que se encarregarão de reduzir a pensão de reforma do feliz contemplado, numa percentagem proporcional ao valor do prémio recebido. Neste caso, a condição de pensionista passa a ser incompatível com a condição de sortudo.
Dizem alguns teóricos socialistas de meia tijela que isto é solidariedade social, em estado de pureza absoluta, pois o Estado encarrega-se de redistribuir pelos outros carenciados do país, o quinhão que acabou de amputar às reformas e pensões, de uns quantos pobres priveligiados, por força de passarem a ser detentores de uma herançazita ou de um prémio da lotaria.
Depois das pensões e reformas, virá a vez dessa praga dos subsídios de desemprego, dar o corpo ao manifesto. A propósito, alguém consegue ver o Belmiro de Azevedo, o Sousa Cintra, o Espírito Santo Salgado, o Manuel Damásio ou o Jardim Gonçalves a receberem subsídio de desemprego, quando estão desocupados ou algum dos seus negócios dá para o torto? Claro que não! Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, nada impede que coloquemos os pobres em pé de igualdade com os ricos.
Portanto, sejam eles aposentados, reformados, pensionistas e todos os cidadãos em geral, que se cuidem, pois finalmente vem aí a tão apregoada como esperada justiça social. E já agora, quanto aos ricos, e para que não venham dizer que ficaram esquecidos, já sabemos o que a casa gasta...

domingo, outubro 23, 2005

Nascido para Vencer

O Avelino Ferreira Torres veio há dias fazer um esclarecimento público surpreendente. Disse ele que, minutos antes da tomada de posse dos novos orgãos autárquicos em Amarante, nem ele nem a sua família sabiam se iria assumir, ou não, o seu lugar de vereador. É natural que fosse assaltado por esta dúvida, já que o que ele disputara fora a presidência, e não uma simplória vereação, mas a forma como o disse, deixa algumas dúvidas a latejar nos espíritos. Gerir e sublimar uma derrota, mesmo que autárquica, é um trabalho que exige, por parte do candidato, uma grande preparação psicológica. Será que o Avelino anda a tomar decisões por impulso, o que não é abonatório para a credibilidade de um político, campeão da construção de rotundas a martelo e de auto-baptismos toponímicos, ou será que foi “possuído” por “vozes” interiores, umas maléficas e outras benéficas (venha o diabo e escolha), que não controla, e que lhe ditam muitos dos seus exuberantes comportamentos? Tanto estar virado para dizer “sim” como “não”, e com isso defraudar as justas espectactivas dos seus correlegionários, não é aceitável! Deixo aqui a pergunta: - Neste país, alguém quer ver o Avelino de rastos? Não, eu pessoalmente não me conformo! Nascido para vencer, custe o que custar, doa a quem doer, cercado de conspirações e assediado por uma mórbida coligação de inimigos, que nada mais querem senão a sua queda, outra coisa não era de esperar deste indómito guerreiro da democracia, senão que assumisse por inteiro a tal vereaçãozinha. Mas com as suas dúvidas (indesculpáveis num indivíduo que, nos campos de batalha, sempre se assumiu voluntarioso e sem contemplações), ficam a pairar no ar algumas legítimas preocupações. Será que o homem está a perder “qualidades”? Assim, caso o seu problema sejam os impulsos, não seria má ideia disciplinar-se, e dar algum sentido às tomadas de decisão, praticando um-dó-li-tá, mal-me-quer, bem-me-quer, ou então que volte a emigrar (esta a solução que aconselho com denodo), desta vez para Felgueiras ou Gondomar, tentando aí a sua sorte, e confrontando-se com adversários do mesmo calibre. Pelo contrário, se o seu o problema são “vozes” interiores, sugere-se a intervenção de um conselheiro espiritual, ou então, em caso extremo, de um competente exorcista.

domingo, outubro 16, 2005

As Três Invasões

Estão em curso três invasões: a China que trabalha vinte e quatro horas por dia e quer fazer submergir a Europa (e o resto do mundo) com os seus produtos, os africanos que querem emigrar, fugindo à sua condição de infra-humanos, tentando romper o cordão sanitário estendido às portas da Europa, e as aves que, indiferentes aos nossos medos, cumprem o seu destino migratório, trazendo com elas a ameaça de uma gripe que poderá transformar-se numa pandemia entre os humanos.
A primeira é a consequência de existir um país com dois sistemas, que despertou para o grande circo da globalização, cheio de força, determinação e muitas contradições. A segunda é a trágica consequência de um dos continentes mais espremidos e vivissecados pelo colonialismo, estar agora nas mãos de um punhado de mastins, régulos, sobas e tiranos, que apaparicados pelos amigos de ocasião, sugam os seus povos até ao tutano, saqueando em benefício próprio, as poucas migalhas que sobraram do grande festim. A terceira é fruto de uma epidemia que está para as aves, assim como a doença das vacas loucas esteve para os bovinos. Tem o dramático inconveniente de não conseguirmos circunscrever os animais infectados, porque eles cruzam, sem cerimónia, todo o planeta, pelos seus próprios meios.
Deixemos a primeira invasão para os políticos e a terceira para os cientistas. Dediquemos algumas palavras à segunda, que neste muito saudado século XXI, tem que ver com gente que persegue um projecto de sobrevivência, num continente onde toda a gente é refugiado ou foge de qualquer coisa, sejam elas perseguições, genocídios ou limpezas étnicas, como vai acontecendo na Etiópia, no Sudão, no Ruanda ou na Libéria. Detenhamo-nos um pouco na grande migração de povos subsarianos, que depois de perseguidos, explorados e molestados nas terras por onde passaram, vão desembocando nos areais marroquinos e se lançam às águas do Mediterrâneo em frágeis barcaças a abarrotar, ou investem em hordas desesperadas, contra as vedações de arame farpado de Ceuta e Melilla. Eles não anseiam pela imortalidade, apenas querem trabalho e uma vida com alguma dignidade.
O nosso empedernido egoísmo, encolhe os ombros ou mascara-se de hipócrita compaixão, quando ouve falar dessas golfadas de gente exausta que, depois de calcorrearem milhares de quilómetros, com a vida presa por um fio e suspensa de uma garrafa de água, que é a sua ração de sobrevivência, se dispõem a enfrentar a escalada das paredes de arame farpado, último obstáculo que os separa de uma fugaz centelha de futuro decente. Insensíveis e cómodamente instalados, mudamos de assunto, quando nos dizem que mais uns quantos tombaram às portas de Ceuta ou Melilla, com os olhos postos numa Europa que só os quer a conta-gotas, para trabalhos indiferenciados e consoante as necessidades.
Esquecemos quão sórdida e ignóbil é esta Europa, como se de um campo de refugiados se tratasse, ao desejar aquela mão-de-obra, contingentada e a pataco, para garantir o seu bem-estar e nível de vida, ao mesmo tempo que, internamente, os políticos, bem nascidos e bem nutridos, traçam a régua e esquadro a desconstrução e esvaziamento do estado-providência, prenunciando um novo tipo de sociedade que, sustentado pela precaridade e indigência, roça sem pudor, alguns discretos modelos de esclavagismo. Entre o morrer emaranhado no arame farpado das barreiras de Melilla ou ser acossado e enxutado como mosquedo, para continuar a a vaguear, algemado e esfomeado pelos desertos magrebinos, perseguindo a visão de uma vida mínimamente decente, que a Europa lhes nega e o seu continente de origem lhes recusa, venha o diabo e escolha.
Assim vai este mundo-lobo!

quarta-feira, outubro 12, 2005

O Triunfo dos Porcos

A democracia tem destas aberrações. Se o candidato for arguido, é garantido que terá fartura de direito de antena, e se trabalhar com afinco recolherá os louros de herói regional, com discreto (mas eficiente) apoio partidário e eleição garantida. À falta de grandes causas e referências nacionais, os vivaços têm um lugar assegurado no imaginário popular, e isso explica o facto de haver quem goste de ser enganado, entregando o ouro ao bandido, de boca escancarada e olhos fechados. O povo português continua a ser sensível a caudilhos, caciques e insolentes trauliteiros, sendo tal disposição demonstrativa de que, trinta e um anos depois da revolução de Abril, ainda persistem as marcas deixadas pelos mandatários salazaristas, e dificuldades em assimilar ou compreender os mais elementares princípios da cultura democrática, que não se limita ao uso e abuso das liberdades de expressão. Quando assim é, nada feito. Só as fatais leis da vida e o investimento na cultura cívica das novas gerações, operarão a necessária transformação. Enquanto isso não acontece, se o povo entende votar no Valentim, pois que coma mais do Valentim! Se o povo quer votar na Fátima, pois que coma mais da Fátima! Se o povo quer voltar ao Isaltino, pois que coma mais do Isaltino! Quanto ao Avelino, com o Marco de Canavezes já espremido até ao caroço, resolveu emigrar para Amarante, com escasso tempo para angariar apoios e marcar território. Levou a cabo sessões contínuas de circo, com umas quantas passeatas de helicóptero, distribuiu uns blusões, e ficou-se por aí. Faltou-lhe o tempo para ir às compras de compadrios, não estava em Gondomar, e porque não despachou electrodomésticos ao desbarato, o resultado não podia ser o mesmo. Perdeu as eleições, acusou de mentirosos e conspiração metade do país, mas gabou-se de já ter um pé em Amarante. Daqui a três anos e meio, para ter novo tempo de antena e preparar-se para mais uma surtida, talvez volte à “quinta das obscenidades”, para alinhar alguns tijolos e chafurdar com os porcos. Assim vai este país que foi a votos.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Que lugar é este?

Que lugar é este onde as Forças Armadas portuguesas são abjectamente parodiadas, em mais um abjecto “reality show” televisivo, sem que as hierarquias, noutras alturas, tão lestas e prontas a clamar por coesão e disciplina, esbocem agora uma simples palavra de repúdio?
Que lugar é este onde os Avelinos, as Fátimas, os Valentins, os Isaltinos e mais uns quantos ilustres desconhecidos, se passeiam, se gabam, se vangloriam, se exibem despudoradamente, toureando as polícias e a justiça, para se candidatarem depois a orgãos de poder, sem que quase nada lhes aconteça, na mais desbragada e imoral das impunidades?
Que lugar é este onde encontram aceitação e espaço de manobra as mais carismáticas associações do crime, tais como o vasto mundo dos cartéis da droga, as máfias russa, ucraniana, siciliana e calabresa, a camorra, a cosa nosta, a yacuza, e mais umas quantas réplicas autóctones, que chafurdam em certos nichos da administração pública, do meio político e da generalidade do mundo futebolístico, todos eles amancebados com os mais recatados e respeitados poderes económicos?
Que lugar é este onde os faltosos relapsos são contemplados com uma redução de 25% nos impostos em atrazo, se voluntáriamente decidirem visitar a repartição de finanças mais próxima, ao passo que se vai apertando o nó estrangulador aos que, invariávelmente, espremidos como limões, cumprem as suas obrigações fiscais?
Que lugar é este onde se mata por coisa nenhuma, como aconteceu na zona da Guarda, onde um cidadão que se achava com direitos de propriedade sobre uns quantos metros de estrada municipal, bloqueando o acesso a estacionamentos, matou a tiro o presidente da junta de freguesia, quando aquele coordenava os trabalhos de devolução do tal espaço ao domínio público?
Que lugar é este onde...

sábado, setembro 17, 2005

Abortos

Por razões que seria fastidioso enumerar aqui, em termos gerais sou a favor da interrupção voluntária da gravidez. Porém, no caso português, tenho um motivo especial: sermos poupados à proliferação de um outro tipo de abortos, com lugares garantidos nos governos e no aparelho de estado.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Uma ONU à Medida Deles

Assim como há quem tenha sugerido que New Orleans, após a trágica passagem do furacão Katrina, fosse riscada do mapa, extirpando dos EUA aquela incómoda mancha de pobreza e negritude, há um outro especialista em demolições, que dá pelo nome de John Bolton, e é embaixador dos EUA junto da ONU. Ultraconservador conhecido pela sua intransigência negocial e por ser adepto de uma reforma radical da instituição, de forma que aquela se transforme num instrumento dócil dos interesses americanos, no seu papel de potência dominante, a dita criatura tem vindo a declarar aos quatro ventos que “a ONU não existe”. Falta saber a que tempo se refere, se antes de ter assumido funções, ou se depois do trabalho feito.
Tudo isto acontece num momento em que a ONU carece de profundas reformas, para enfrentar a realidade dos novos tempos, e onde se degladiam o modelo nacionalista da China, o modelo comunitário da Europa e o modelo unilateralista dos EUA que, avesso a compromissos que belisquem os seus interesses, também insiste em não querer falar de combates à pobreza, de protocolos de Quioto e de Tribunais Penais Internacionais.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Grande Coração!

O meu amigo QUIM FAÍSCA (que também tem uma página na WEB), grande adepto de automóveis antigos, depois de superadas muitas dificuldades e burocracias, tomou a inciativa de promover uma concentração de MINIS, lá para fins de Novembro deste ano, estando agora na fase de angariação de apoios e patrocínios, junto de empresas e comerciantes. A receita do evento reverterá para apoio às crianças carenciadas da sua autarquia.
Ainda há grandes corações!

domingo, setembro 11, 2005

Imperdoável!

Afinal, a América poderia ser o paraíso terrestre, mas não é. Pode mesmo tornar-se um inferno, tudo porque tem um governo ultraconservador que ao mesmo tempo que se compraz a promover o “estilo de vida americano”, ameaçando meio mundo e liquidando a outra metade, esquece que há catástrofes naturais que é preciso prevenir e enfrentar, sob pena de também ficar responsável pela liquidação física de alguns milhares de membros da sociedade civil, do seu próprio país. Como agora aconteceu em New Orleans, sob o impacto do furacão Katrina, onde quase nada funcionou, seja porque a protecção civil era uma insignificância, face à extensão do desastre, ou porque a guarda nacional estava reduzida a quase nada, por força das mobilizações para o Iraque. Tudo isto acontece num país onde quem é branco lá vai tendo oportunidades e singra na vida, ao passo que quem é negro vive da assistência social e de múltiplos expedientes, e com isso vai vegetando, num país onde o Estado se tem vindo a demitir das suas funções sociais básicas, deixando tudo entregue à voracidade dos interesses e ambições privadas.Tudo isto acontece num país onde quem manda é o dinheiro e ainda persistem os preconceitos raciais, excrecências do esclavagismo e da luta pelo direitos cívicos, onde quem tem dólares foge e sobrevive, quem os não tem fica para trás e sofre as consequências. Continua a ser uma sociedade que se rege por conceitos e preconceitos a preto e branco, onde se alguém for apanhado a apropriar-se do recheio de uma loja, no caso de ser branco é luta pela sobrevivência, mas se for negro é um puro acto de pilhagem.Onde estavam os socorristas, os médicos, a água potável, os alimentos, os agasalhos, os transportes para as evacuações, as autoridades para garantirem a segurança e evitarem o caos social? O que prevaleceu foram os corpos de fuzileiros, mobilizados à pressa, a exibirem-se de armas aperradas e olhos em alvo, para combaterem as pilhagens, indiferentes aos acenos de gente refugiada nos telhados e aos cadáveres que boiavam na água fétida. O presidente apareceu seis dias depois para debitar, como é seu hábito, entre sorrisos, acenos, palmadinhas nas costas e duas preces, algumas tiradas alarves e despropositadas, para que dez dias depois ainda continuasse a sobrar muito improviso e a escassear método e organização, deixando no ar a ideia de que o Estado, negligente e insensível, adoptou uma postura tão próxima quanto possível do “amanhem-se como puderem, temos mais em que pensar, a luta contra o terrorismo é prioritária”. Mas o mais preocupante é haver gente que pensa que se a cidade atingida tivesse sido outra qualquer, que não Nova Orleans, talvez os meios e recursos de socorro, tivessem aparecido em tempo oportuno, em quantidade e qualidade. E tudo isso ficou bem visível no que as reportagens transmitiram para todo o planeta, dando uma visão que se confundia com um misto de campo de batalha e de catástrofe terceiro-mundista, onde se morre às carradas, num abrir e fechar de olhos. Pura ilusão. Aquilo estava a acontecer na casa da hiperpotência que dá ordens ao mundo e transfere exércitos num abrir e fechar de olhos, impondo pela força as suas regras, que tem o estrelato de Beverly Hills, o carisma do MIT, a massa cinzenta de Silicon Valey, ao mesmo tempo que não consegue precaver e minimizar os efeitos de uma catástrofe natural (amplamente prevista e monitorizada) no seu próprio território, denunciando a mais grotesca das negligências e incompetências. O furacão Katrina deixou atrás de si um imenso rasto de destruição e uma mensagem que não é difícil de descodificar. Bem vistas as coisas, a América de Bush e seus compadres, além de não ser essa a sua vocação, está impreparada e convive mal com guerras deste tipo, talvez porque não estão em causa interesses geoestratégicos, chorudos recursos naturais, a consolidação de um qualquer regime “amigo”, personalizado pelo mais hediondo dos empaladores, a destruição de uma qualquer fatia do “eixo do mal”, mesmo que não passe de tiranete mal enjorcado, ou algum teste de novas armas inteligentes, com vista à exportação do seu estilo de vida e modelo de democracia. Talvez por isso já tenham aparecido os idiotas do costume, emproados, engravatados e bem instalados no sistema, sugerindo que seja arrazado o que resta daquela que é (ou foi) uma das cidades mais carismáticas dos EUA, como se estivéssemos numa qualquer missão nos confins do Afeganistão, a levar a cabo uma preparatória demolição com tapetes de bombas.

terça-feira, setembro 06, 2005

Os Estados Interessantes

Ser estúpido é uma limitação da natureza humana, com que temos de conviver, ao passo que ser ignorante é um estado que pode ser superável com alguma aprendizagem. Porém, é preciso ter cuidados redobrados, quando a esperteza se disfarça de inteligência, com a intenção de nos iludir ou fazer passar por parvos. Foi talvez o que se passou quando o ultraconservador pastor tele-evangelista Pat Robertson, ex-candidato presidencial e actual grande apoiante de G.W.Bush, sugeriu que o governo dos EUA, deveria promover a liquidação física do presidente venezuelano Hugo Chavez, para eliminar aquilo que ele pensa ser um foco de terrorismo e comunismo. As gravidezes de fundamentalismo religioso e de política neofascista, dão sempre abortos deste tipo.

sábado, setembro 03, 2005

A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.

Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela.
Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava.
Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Edificante

Dizem os jornais que a Câmara do Funchal, mais conhecida por RAB (Região Autónoma das Bananas), vai entregar a uma empresa recém-criada, onde pontuam vários políticos da região, conoctados com a maioria governante, a edificação e exploração de um grande projecto turístico, implicando a construção de apartamentos, restaurantes, um hotel e uma marina, a erigir em pleno domínio público marítimo. O projecto está ferido de muitas e variadas ilegalidades, além de que denuncia o claro envolvimento e favorecimento de gradas figuras regionais, razão porque foi apresentada, contra o projecto, uma queixa em tribunal. Instado a comentar a situação, o sempre alerta e inquestionável régulo Alberto João afirmou que “só uma sova resolve o problema... e se as leis não estiverem em condições de se fazer o projecto, nós faremos novas leis para que o projecto seja feito”. Ora aqui está um homem que não vira a cara a nada, nem às oportunidades, nem à violência física ao estilo dos “tonton-macoutes” do “Papa Doc”, nem à corrupção, nem mesmo à própria justiça. Edificante, não é?

domingo, agosto 28, 2005

Não há Milagres!

Depois de ter feito perto de 300.000 vítimas, ainda falta avaliar as consequências, a médio e longo prazo, do terramoto e consequente tsumani do Golfo de Bengala. Para já, dizem os cientistas que foi afectada a rotação da Terra, o polo magnético talvez tenha sofrido mais um deslocamento, e o planeta perdeu a sua forma ligeiramente achatada para ficar mais esférica. Entretanto, as cheias catastróficas irrompem por todo o lado, as temperaturas árticas invadem os locais mais improváveis, coabitando com uma desertificação que galopa desenfreadamente, preparando-se para galgar fronteiras que se julgavam inexpugnáveis. A natureza reage assim, lenta mas inexorávelmente, aos abalos e convulsões naturais do planeta, bem como às monstruosas barbaridades impostas pelo género humano, que teima em ignorar os sinais que se multiplicam. Que significado, importância e implicações terá isto no equilíbrio ecológico, nas condições climatéricas e no futuro da vida sobre a Terra?

sábado, agosto 20, 2005

Apanhados a Copiar


Em 1987 rabisquei esta ilustração que, entre outras, incluí num desdobrável que enviei a alguns amigos de meio mundo, denunciando as minhas preocupações com o equilíbrio ecológico e a protecção da natureza. Já nessa altura, os incêndios florestais faziam a sua aparição no nosso país, com uma tal regularidade, que exigia que as entidades governativas se tivessem debruçado sobre o fenómeno. Porém, ano após ano, ao passo que a mancha de carvão ia alastrando, transformando-se num hábito, numa visita do costume, um quase lugar-comum, mantinha-se na boca dos responsáveis governativos sempre o mesmo discurso, com poucas variantes mas recheado de promessas, tais como: “o governo está atento”, “vamos tomar medidas”, “nomeámos uma comissão para a avaliar a extensão...”, “vamos reforçar os meios no terreno”, “vamos sensibilizar os interessados”, “vamos mobilizar...”, “vamos investir...”, blá-blá, blá-blá, etc...
Montou-se um sistema de protecção civil que umas vezes não funciona, outras vezes funciona melhor, outras vezes pior. Compraram-se equipamentos para equipar os C-130 da Força Aérea no combate a incêndios, que acabaram arrumados em armazens (vá-se lá saber porquê) e nunca foram utilizados. Em 2003, perante a vaga de incêndios algarvios, curiosamente, acabámos a pedir ajuda aos marroquinos, que nos enviaram C-130 equipados com os mesmos dispositivos que nós nos recusámos a instalar e usar. Em contrapartida, alugaram-se meios aéreos pagos a peso de ouro, que em vez de atacarem os fogos no seu início, evitando a fatal progressão, só são chamados quando o sinistros já estão incontroláveis, com as consequências que estão à vista de todos. Os bombeiros fazem das tripas coração e também acabam por morrer de exaustão. Reacende-se o que já estava extinto, porque os rescaldos são incompletos, já que há ordens para ir atender o fogo que irrompeu na freguesia vizinha. Ignoram-se as faúlhas incandescentes que viajam distâncias incríveis, indo provocar novas ignições ali e acolá, e pergunta-se se alguém responsável se deu ao trabalho de proibir as festividades que não prescindem dos tradicionais foguetórios, semeando ao desbarato, as canas e restos de pólvora incandescente, ou se as desculpas vão continuar a ser as tais mãos criminosas, de uma espécie de mafarricos invisíveis (a acreditar no povo em transe e com o coração nas mãos, seríamos um país de pirómanos), que numa dança diabólica, semeiam fogachos nas barbas de toda a gente. Entretanto, o primeiro ministro, sem estar em causa o direito a gozar as suas férias, escolhe a pior altura para o fazer.
Dezoito anos depois, o discurso continua a não variar, tal como o sobejamente conhecido “vamos tomar medidas”, mas os fogos sim: hoje já não ardem apenas as florestas e o mato rasteiro, mas também instalações agro-pecuárias, aglomerados habitacionais, com populações a serem evacuadas, e já vão acontecendo mortes pelo meio. Assim, apenas consigo chegar a uma conclusão: por negligência, incompetência e opções ruinosas, está perdida a guerra contra os incêndios!
Dizem os entendidos na matéria que para inverter este estado de coisas, bastava copiar as soluções adoptadas por outros países, que tinham um problema semelhante ao nosso e conseguiram superá-lo. Entretanto, Portugal vai-se transformando, ano após ano, num deserto deprimente, riscado por autoestradas, semeado de aldeias-fantasma e muitas misérias humanas.
Será que ninguém explica aos senhores que nos governam, que neste caso, à falta de preocupação, imaginação e iniciativa, ser-se apanhado a copiar a solução do vizinho do lado, não significa reprovação garantida?
(Publicado no semanário EXPRESSO de 17 de Setembro de 2005)

quinta-feira, agosto 18, 2005

Sabedoria Oriental

Hoje, via e-mail, enviado por um amigo, recebi o seguinte:
Há um ditado chinês que diz que se dois homens, cada um carregando seu pão, se encontrarem numa estrada, e trocarem os seus pães, cada homem irá embora só com um pão. Porém, se esses dois homens que se encontram, cada um carregando a sua idéia, trocarem as suas idéias, cada homem irá embora com duas. Por isso, sempre que possível, troque idéias. Elas ajudam a esclarecer, acrescentando discernimento e saber.

terça-feira, agosto 16, 2005

Uma História Trágico-Marítima

Esta é uma história resumida das andanças de Miguel Antão de Figueiroa, filho de Diogo Antão de Figueiroa, neto de Luís Antão de Figueiroa, bisneto de Álvaro Antão de Figueiroa e trisneto de Pero Antão de Figueiroa.

O apetite pela aventura, pirataria e actividades marginais, corria abundantemente nas veias dos Figueiroa. A saga daquela família tinha começado a desenhar-se há quase 200 anos atrás, por volta de 1535, com o trisavô Pero Antão, quando este andara por Ceilão e pelas costas malabares, arrecadando fortuna. Rezam as crónicas que teria mesmo confraternizado com o aventureiro Fernão Mendes Pinto, nas suas peregrinações, e só não foi cativo numa das muitas pelejas com piratas malaios, porque se lançou às águas e andou à deriva, durante três dias, rodeado de tubarões e amparado a uma pipa vazia, até ser recolhido por pescadores chineses.

Quanto ao bisavô Álvaro Antão, avesso a aventuras, a outras latitudes, aos ares marítimos e aos balanços das ondas, ficara-se pelo amanho das suas propriedades, por alturas de Monforte, ocupado em caçadas ao javali, pelas florestas do feudo, e a fazer filhos ao mulherio das redondezas. Entre a mais de meia centena de rebentos que deixou espalhados pelas redondezas, apenas reconheceu um deles como legítimo, nada mais, nada menos, do que aquele cuja mãe era a abadessa do convento das freiras reclusas, e a quem deu o nome de Luís, por respeito a um rei dos franceses que andou nas cruzadas. O velho garanhão, apagou-se numa tarde de verão, já perto dos setenta anos, quando vinha de regresso a casa, por caminhos tortuosos, a debicar amoras silvestres, depois de ter ido meter o dente na filha de um camponês que amanhava uma das suas propriedades.

Aquele avô Luis Antão, fruto dos amores ilícitos traficados na cela da abadessa, veio depois a distinguir-se no cerco de Diu, fizera vida de marajá, mas acabara mal, contrariando as ordens do vice-rei de não traficar com os mercadores árabes do mar Vermelho, que demandavam depois as rotas das caravanas, perturbando com isso o monopólio do comércio português.
Depois de muitas surtidas e escapadelas entre o estreito de Ormuz e o mar de Omã, e de lhe terem passado pelas mãos muitas toneladas de canela, nós moscada, cravinho, pimenta, gengibre, e incontáveis sacos de ouro e pedrarias, acabou recambiado para a mãe-pátria, com uma mão à frente e outra atrás, deserdado pela ganância, não sem que o tenham chicoteado na parada do fortim de Cochim, à frente de toda guarnição. Já cá em Lisboa, andou como aguadeiro e à serventia de pedreiros, nas obras do palácio real. Mais tarde amanhou-se com uma peixeira da ribeira, que lhe gerou um Figueiroa, e que foi baptizado de Diogo.

Diogo Antão, futuro pai de Miguel Antão, filho de peixeira e pedreiro, também ele se deixou inebriar pelos odores e sabores das índias, mas isso aconteceu quando o poderio e o frenesim português já tinham entrado em declínio e as fortunas já não se conseguiam fazer da noite para o dia. Havia que mourejar com afinco, se era intenção trazer algumas moedas para amparar a velhice, ou então ficar definitivamente por lá, entre brâmanes, santões, faquires e encantadores de serpentes. Embarcou, ficou por lá, mas entregou-se a actividades marginais, traficando com a escória dos mercadores mouros e associado com os piratas filipinos que cruzavam os mares da China, espalhando o terror e saqueando juncos e aldeias. Foi já depois dos quarenta anos que finalmente se decidiu a constituir família, casando com uma viúva goesa, que temente dos editais da inquisição, se viera acolher aos pés da Santa Madre Igreja, recebendo no baptismo o nome de Mariana, a que depois acrescentou o apelido dos Figueiroa.

Do enlace nasceu o nosso Miguel Antão de Figueiroa, que desde cedo se manifestou uma nulidade na aprendizagem da doutrina, das letras e dos números, apesar dos castigos e chibatadas que os missionários lhe aplicavam. Já rapazola, preferia andar pelos tugúrios portuários, misturando-se com a marinhagem e os mercadores, até que numa primeira oportunidade, deixou a casa paterna e fez-se à vida, embarcando numa carraca que ia para Cantão.
Por lá andou, saltitando de junco em junco, até que foi parar à equipagem do mestre Bartolo, um veneziano maneta e meio cego, já bastante entrado nos anos, carregado de maleitas e sem família, com quem fez uma amizade interesseira, na mira de lhe herdar teres e haveres. E assim aconteceu. Três anos depois finou-se o veneziano, depois de ter redigido testamento a favor de Miguel Antão, deixando-lhe a barcaça, a tripulação, as arcas, baús e todas as traficâncias e trafulhices em que andavam envolvidos. Entretanto, Miguel Antão já tinha aprendido que um homem, desde que se entregue a actividades marginais e pecaminosas, está-lhe vedado ter hábitos sedentários, deve mudar de pouso com regularidade, sob pena de ser denunciado, montarem-lhe emboscadas e deitarem-lhe a unha, com as previsíveis consequências. Foi assim que vinte anos depois de ter cruzado, em todas as direcções, os mares setentrionais, da terra dos somalis até ao Bornéu, resolveu mudar-se para as bandas do atlântico, e passar a frequentar o litoral dos brasis.
Miguel Antão saía ao pai e ao avô, quanto ao apetite pelos bens materiais. Sempre que podia, não virava a cara a uma boa oportunidade que tornasse mais pesadas e bem recheadas as arcas que trazia aferrolhadas no porão do seu pequeno galeão “Santa Ana”, que havia arrematado há dois anos atrás, numa praça do Maranhão. Mas também ostentava uma costela do bisavô de Monforte, pois ficava embevecido e a salivar com qualquer baloiçar de quadris, e deixava-se seduzir facilmente pelo primeiro par de olhos, fossem eles pretos, castanhos, verdes ou azuis, que se pousassem nele. Já tinha tido várias mulheres, ao todo umas quatro, que sempre o tinham acompanhado nas suas deambulações pelas quatro partidas do mundo. Uma morrera de malária, outra de saudades de terra, outra deitara-a pela borda fora e a última trocara-a por meia dúzia de barris de pólvora. Hoje com quase setenta anos, arrastava atrás de si uma jovem mulher de 24 anos, que dava pelo nome de Carolina Pires, e que as línguas viperinas diziam ser filha de um comerciante andaluz e de uma nobre portuguesa caída em desgraça, cuja família fora apoiante da corte filipina.
Mas a mudança de ares e de mulher só lhe trouxera ralações. Fosse pelo ciúme que desponta e engrossa com a idade, fosse a virilidade que começara a murchar, os amores já não lhe corriam de feição. Apesar das suas ordens de ninguém lhe dirigir a palavra, se acercar ou pisar o risco, entre ele e a sua Carolina Pires tinha-se intrometido o novo piloto do “Santa Ana”, um tal Álvaro Trovoada, homem de trinta e poucos anos, curtido por muitos sóis e borrascas, que já andara pela Costa da Mina a acorrentar escravos pretos, depois de ter cumprido serviço nas guarnições de Malaca, e que Miguel Antão tivera necessidade de contratar em Porto Alegre, porque o velho Jacobo, meio judeu, meio mouro e meio maluco, havia perecido numa zaragata de taberna, com uma mão cheia de facadas.
Carolina e Álvaro foi amor à primeira vista. Viram-se de perto, pela primeira vez, quando Dona Carolina teve que ir a terra, fazer uma compras de tecidos, recem-chegados de Lisboa, e apalavrar os serviços de uma costureira mulata. Depois disso, o sol até parecia outro, embaciado pelo esplendor da bela dama. O Trovoada andava sempre à espreita, de olhos arregalados, fixos na porta que dava acesso ao castelo da popa, onde a sua Carolina estava recolhida. Não despegavam os olhos um do outro, durante os escassos momentos em que dona Carolina vinha até à coberta, despejar o balde de fezes e urinas, ou então, em curtíssimas passeatas, inalar o ar dos trópicos, carregado de outros aromas, antecâmara para conspícuos e desvairados sonhos. Fitavam-se com insistência e demoradamente, por entre os panos das velas, as chapadas de vento, o cordame tenso e o olhar faiscante e ciumento do velho Miguel Antão, que andava sempre por perto, uma vezes a sibilar como uma serpente, outras a rosnar como um cão de guarda. Fora esses momentos, Dona Carolina passava o tempo entre uns intermináveis bordados, leituras piedosas de missais, e um ou outro panfleto com a descrição da vida de santos.
Mas a Miguel Antão, se era verdade que os amores não lhe corriam de feição, já as suas escuras negociatas iam de mal a pior. Em tempos, fizera muitas surtidas pela calada, fornecendo material, mantimentos e ferramentas ao garimpo, sendo pago com ouro e diamantes que escapavam aos fiscais de impostos, os quais tinham por missão garantir a cobrança do “quinto” devido à coroa portuguesa. Mas os tempos agora eram outros, os fiscais da fazenda real redobraram a vigilância, o seu número duplicara e as leis tinham endurecido, ao ponto do tráfico ser punido com a morte.
Miguel Antão desconfiou então que o mundo estava a mudar, os bons velhos tempos tinham acabado, e que era altura de mudar de pouso e de ofício. Iria arriscar um último servicinho já ajustado com os garimpeiros, e depois, se o corpo tivesse energia e alento para seguir em frente, iria entregar-se ao emergente comércio de escravos, que vinha alimentando de força motriz os engenhos do açúcar.
Mas o tal último serviço correu mal. Ele desconhecia que já andavam no seu encalço, e foi apanhado com a boca na botija pela tropa jagunça, quando ia fazer a troca de ouro por ferramentas, e a mão pesadíssima do capitão da capitania fez-se sentir, sem necessidade de fazer passar o Miguel Antão pela bicheza da enxovia ou os trâmites do tribunal. Foi ali mesmo, ao nascer do dia, naquele ano de 1719, que a sentença foi oralmente traçada. Foi ali mesmo, sem tempo para pestanejar ou mastigar um Pai Nosso, entre as enxárcias e o voo da passarada irrequieta, que o velho Miguel Antão foi deixado a espernear no mastaréu durante meio minuto, até que ficou ali dependurado, cabeça à banda, língua azulada de fora, a oscilar ligeiramente, ao sabor do sopro quente e húmido da brisa, à espera que alguém o arriasse para umas rápidas exéquias. Interrompeu-se ali aquela linha directa dos Figueiroa, mas não a tentação do ilícito e a vesga interpretação das escrituras, segundo as conveniências da época. Haveriam de nascer muitas mais fortunas, feitas à custa de pirataria e escravatura, e muitas mais seriam engolidas pelas ondas do mar e da cupidez humana, muito depois de um tal padre Vieira se ter engalfinhado com os corruptos e poderosos do império, e quase ninguém ter percebido porque razão pregava aos peixes e se pôs contra os negreiros, a favor dos escravos. Mas isso é outra história, que não vem agora para o caso.
Encomendada a alma e descido à terra o corpo ensopado do último Figueiroa, foi a vez de Álvaro Trovoada falar então, pela primeira vez, com uma ruborizada Carolina Pires, tendo ficado combinado que ele tomaria conta de todos os haveres e da situação, passando a comandar o galeão. Ficar por ali não era do agrado de ninguém. Assim, iriam contratar outro piloto e renovar a tripulação que o medo dispersara, mandar raspar o casco, encher as juntas de estopa, remendar as velas, carregar água e mantimentos, e atravessar o atlântico até à Costa da Mina, para avaliar se o tal comércio de escravos era compensador e tinha pernas para andar.

Tempos depois, já no mar alto, e até alturas de Cabo Verde, onde aportou à ilha de Santiago para fazer aguada, Álvaro Trovoada começou a alternar as suas novas obrigações no convés e coberta, com assíduas e demoradas visitas à cabina de Dona Carolina Pires, onde partilhando o apertado beliche, ia degustando a doce, tenra e inconsolável viúva.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Será Mesmo?

No fim dos anos 70 do século passado, com a revolução de Abril ainda fresca e a operar mudanças, rabisquei este desenho para ilustrar a capa de um boletim partidário. O texto era uma ideia bonita e mobilizadora, que de tanto ser repetida se tornou banal, e de tanto ser perseguida acabou esquecida. Será mesmo?

Palestina

Não se pode querer mudar o mapa do Médio Oriente ao bel-prazer dos interesses ocidentais, como se as sociedade e os povos pudessem ser agitados, como se de amendoins se tratassem, e depois arrumá-los dentro de países com fronteiras traçadas a régua e esquadro.
Quem disse isto foi Edward Said (1935-2003), eminente intelectual e professor de literatura da Universidade de Columbia, de ascendência palestiniana, a propósito da interminável crise israelo-palestiniana, que remonta a 1948, aquando da criação do estado de Israel, a qual provocou a opressão, marginalização e expulsão dos povos da região.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Sinais de Fumo

Os incêndios de verão, que continuam a grassar de norte a sul do país, são a prova de que Portugal não passa de um grande armazém de pasta de papel, mal arrumado e entregue às ambições humanas e inclemências metereológicas. Entretanto, pior do que isso é, ano após ano, ninguém aprender com a experiência dos anos anteriores. Fica-nos a esperança que, quando já não houver mais floresta, também já não haverá mais incêndios.
Além de termos que pagar os ordenados e a futura aposentação do Armando Vara, nós contribuintes, ainda temos que fazer mais uns quantos sacrifícios para ajudar a pagar os estágios e tirocínios que o grupo Portugal Telecom, qual incubadora e alfobre de futuros quadros, disponibiliza aos “catraios” da nata dirigente portuguesa.
Ainda alguém tem dúvidas de que o capital telecomanda a política? A prova está em que até o Sr. Van Zeller já se permite dizer que o Prof. Diogo Freitas do Amaral é a única nódoa negra do governo do Eng. Sócrates.

terça-feira, agosto 09, 2005

Portugal Pequenino...


Em Portugal os socialistas são grandes especialistas em acabamentos. A direita vai para o governo e começa por abrir os caboucos, levantar paredes e estender a cobertura do edifício neo-liberal, em mais uma etapa do desmantelamento do que ainda vai restando do estado social. Desalojados do poder pelas eleições, a alternância leva depois ao poder os socialistas, os quais, depois de congelarem os seus programas e promessas eleitorais, esmeram-se desenfreadamente nos acabamentos das políticas iniciadas pela direita, sendo nestas alturas que não se consegue distinguir os primeiros dos segundos. Compete ao PR fazer uma análise e avaliação do desempenho deste governo (pese embora a sua maioria absoluta), em função das promessas feitas (e não cumpridas) e dos resultados da sua actuação, a bem da credibilidade do regime democrático, tão citado e simultâneamente subvertido e maltratado.

Em Portugal o choque tecnológico afinal não passa do choque do betão e do alcatrão, em prejuízo do investimento nas áreas produtivas, as únicas que podem ser criadoras de riqueza, desenvolvimento e emprego. Se a isso acrescentarmos a tendência que os políticos têm para o espavento, com o anúncio de obras grandiosas e sumptuárias, candidatas a futuros elefantes brancos, como o TGV e o aeroporto da OTA, o edifício fica completo. No caso particular da OTA, os seus patronos, gente pouco qualificada para estudos prospectivos, logo com larga experiência em comprometer o futuro do país, mas declarados adeptos das apostas - como se tornou comum classificar as opções governativas - mantêm-se firmes, continuando a ignorar os avisos que apontam para a progressiva penúria das reservas petrolíferas planetárias, o que significa o crescente encarecimento dos transportes aéreos, e a sua inevitável decadência a médio prazo.
Levando a que o futuro aeroporto da OTA, indiferente aos milhões que lá terão sido enterrados, acabe os seus dias como pista de karts movidos a álcool de beterraba.

Em Portugal há dois problemas distintos: uma coisa é a imoralidade que tem grassado entre os gestores públicos, no que toca às vantagens recolhidas por desempenharem cargos nas instituições, que é suportada pelos contribuintes, e outra coisa é ir buscar os dinheiros que faltam às receitas, junto de quem, escandalosamente, se tem eximido a declarar o que de facto anda a facturar.

Nesta ordem de ideias, que credibilidade se pode esperar de um governo que não dispunha de mais ninguém para nomear para administrador da Caixa Geral de Depósitos, senão o Armando Vara, o tal senhor que andou envolvido nos manobrismos e malabarismos do Instituto para a Prevenção e Segurança, no tempo dos governos de António Guterres? Assim, se o governo está cada vez mais parecido com uma Colónia Balnear, onde ministros e secretários de estado se juntam para dar uns mergulhos, testando as suas habilidades e disfarçando as suas incompetências, por outro lado, a Caixa Geral de Depósitos, assemelha-se cada vez mais a um Centro de Dia, distribuidor de lautos vencimentos e reformas douradas, para premiar favores, alojar temporáriamente todos aqueles que não arranjaram lugar no aparelho da (des)governação, ou então dar guarida a quem precise de um bem remunerado estágio de branqueamento, para ocultar inabilidades ou actividades menos recomendáveis.

Tal como a seca, os incêndios e os mortos na estrada, o desemprego grassa em todo o país. Fechar uma empresa, mandar uma mão cheia de trabalhadores para o “olho da da rua”, com ordenados em atrazo, sem garantias e com as contribuições sequestradas, para ir abrir nova fabriqueta, no distrito vizinho, para uma nova surtida, tornou-se uma banalidade fora de controle. Por outro lado, alguns patrões mais “civilizados” (e já vamos tendo alguns), já não receiam as reivindicações por melhores condições salariais, e recorrem a outros métodos. Basta ameaçarem com a deslocalização das empresas para que trabalhadores e sindicatos recuem nas suas pretensões. Ao contra-ataque do capital os trabalhadores e as suas organizações, respondem com o silêncio, a divisão e a dispersão, estando precisados de recapitularem as lições do passado.

Em Portugal, porque somos muito educados e respeitadores das personagens detentoras de poder, ninguém levanta a voz e chama à ordem o javardo madeirense, quando aquele apelida de bastardos e filhos da puta, alguns profissionais da comunicação social, ou entre dois copos de três, grunhe invectivas xenófobas contra chineses e indianos.

Neste Portugal pequenino, que não pára de minguar, porque também somos pequeninos, irracionalmente optimistas e persiste a tendência para esquecer rápidamente, convém lembrar a quem de direito, que três dos quatro países protagonistas da Cimeira de Guerra dos Açores (EUA, Reino Unido, Espanha e o anfitrião Portugal), que subscreveram o início da guerra contra o Iraque, já sofreram ataques terroristas, dois deles de retaliação. Apenas resta incólume o quarto, isto é, Portugal.