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terça-feira, outubro 05, 2010

Da República

A DEMOCRACIA (poder do povo) não é exclusiva da REPÚBLICA (coisa pública), porém, os dois conceitos completam-se, sendo normal que, tanto na forma como no conteúdo, se combinem, pois o chefe de Estado da República, em oposição à monarquia - que se baseia na linhagem e na hereditariedade - é escolhido pelo povo, e o método de escolha, por excelência, é através do voto, instrumento basilar da Democracia.
Neste 5 de Outubro de 2010, 100 anos passados sobre a implantação da mesma em Portugal (em Loures foi proclamada no dia 4), eu queria falar sobre ela, mas falta-me o alento, não por erosão das convicções, mas por cansaço de assistir a tantos abusos e atropelos. Olhando para a lástima em que estamos, nem as palavras, nem as ideias, jorram límpidas para saudar o acontecimento com o brilho e energia que merece.
Carregada de vícios e imperfeições do período monárquico, a República, entre dignos actos reformadores, consubstanciados no ensino laico, na participação política e no progresso social, à mistura com ditaduras e sangrentos conflitos, foi sobejamente maltratada na sua primeira fase, entre 1910 e 1926. Foi engavetada e mutilados os seus ideais, durante a ditadura do Estado Novo, no período de 1926 a 1974, e libertada com a Revolução de Abril, desde 1974 até à actualidade. Arrasta-se agora, na sua terceira fase, pelas ruas da amargura, por obra e graça dos parasitas e malfeitores que dela têm abusado, para se aprovisionarem a si próprios, aos seus amigos, correligionários e outros cortesãos, e não para servirem o país. O que significa que não é a República nem o Regime Democrático que estão em causa, por desadequação, mas sim o uso e abuso que deles se faz, bem como a subversão de princípios e de regras a que são sujeitos.
Por isso, comemorar os 100 anos da implantação da República, com maiores ou menores festanças, empoladas com os habituais e empolgadíssimos discursos dos capatazes do “socialismo moderno, moderado e popular”, aliados aos congéneres que proclamam o “estado mínimo”, para que reine o capitalismo máximo, apenas serve para com os atrevimentos e exibicionismos do costume, distrair o povo da fossa para onde está a ser empurrado, e promover o branqueamento das grandes negociatas e cambalachos, que engrossam a cada dia que passa, desaguando no pântano em que se transformou o país.
A figura da República é uma senhora digna, mulher do povo, quase desnuda, altiva, determinada, e há por aí uns quantos proxenetas, com a boca atulhada de loas à democracia e a um pseudo “estado social”, que querem transformá-la em prostituta de meia tigela. Assim, nos 100 anos da implantação da República, é caso para dizer: aos historiadores cabe interpretar a História que é passado, ao Povo não ir em cantigas e saber distinguir o trigo do joio, ao passo que aos políticos compete fazer Política, e não sapateado, para benefício e dignificação dos portugueses do presente, e com os olhos postos no futuro.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Tempo de Livros (2)

Salazar: Uma Biografia Política
Autor: Filipe Ribeiro de Meneses
Editora: Dom Quixote

SOU POUCO frequentador de biografias, sobretudo as que se debruçam sobre Salazar, sejam elas de tendência hagiográfica e laudatória, ou fruto de algum tipo de convivência, mais ou menos prolongada, ocorrida entre o autor e o ditador. Há também uma outra razão para esta urticária, esta mais pessoal e profunda, baseada no facto de ter vivido parte da minha vida sob as regras, temores e terrores daquela figura execrável e do seu regime, além de que meu pai contribuiu para a imagem de marca do mesmo, durante quatro anos efectivos, como preso político, e depois mais uns tantos sob medidas de segurança, com perda de direitos políticos e apresentações mensais na Rua António Maria Cardoso, sob os olhares insolentes dos agentes de turno.
Tal como disse, e apontadas as razões, não sou nada admirador da criatura, mas também reconheço que, para além da aversão, há que enfrentar a personagem com ferramentas adequadas, sobretudo as da análise histórica, para desmistificar o que ainda vai permanecendo na penumbra e pouco explicado, embora nada me impeça de continuar a concluir que, mercê de um ambicioso projecto de poder pessoal, consubstanciado na famosa frase “sei muito bem o que quero e para onde vou”, sábia e engenhosamente entretecido com manobrismo, manipulação e mesquinhez, foi Salazar (o “venerável “mago” das finanças e da neutralidade colaboracionista) e a pandilha que se organizou à sua volta, quem esculpiu o regime que governou (e manietou) Portugal durante meio século, transformando-o, para além do Aljube, Caxias, Peniche e o Tarrafal, numa incomensurável colónia penitenciária.
Os hábeis pactos e jogos políticos que o ditador sustentou, todos eles convergentes na manutenção do seu poder pessoal, foram sempre mantidos com os vários matizes da direita e ultra-direita portuguesa (quase uma “conversa em família”), ao passo que para a esquerda, a verdadeira e mais arrojada oposição à ditadura, os recursos opressivos do regime apenas deixavam lugar à desistência, ao exílio, ao silêncio, à clandestinidade, tudo sob a alçada do longo braço da polícia política, mais os tribunais plenários e os respectivos calabouços.
Lida e relida a biografia, não estou nada arrependido de o ter levado a cabo. Se no início, após a abordagem da introdução, a tarefa já era promissora, posso agora dizer que fiquei, não digo que agradavelmente surpreendido, mas equipado com muitos mais argumentos, do que aqueles que até aqui possuía, tudo isto fruto de a obra ser rigorosa, bem estruturada e documentada, despojada de preconceitos e de"ideias feitas", ter sido escrita por alguém que não foi contemporâneo do regime, e por isso mesmo, dado o distanciamento temporal, não estar sujeita à colagem de carimbos panfletários.
No entanto, razão tem Vasco Pulido Valente, quando no comentário que teceu no jornal PÚBLICO de 5 de Setembro de 2010, sobre a obra em apreço, afirmou (e eu subscrevo) que «(…) para quem viveu sob Salazar - e já deve haver pouca gente -, o que falta nesta biografia é, naturalmente, a atmosfera do regime. Porque não existia uma ditadura, existiam milhares. Cada um de nós sofria sob o seu tirano, ou colecção de tiranos, na maior impotência. A família, a escola, a universidade, o trabalho produziam automaticamente os seus pequenos "salazares", que, como o outro, exerciam um autoridade arbitrária e definitiva que ninguém se atrevia a questionar. A deferência - se não o respeito - por quem mandava era universal; e essa educação na humildade (e muitas vezes no vexame) fazia um povo obediente, curvado, obsequioso, que se continua a ver por aí na sua vidinha, aplaudindo e louvando os poderes do dia e sempre partidário da "mão forte" que "mete a canalha na ordem".(…)».Quer queiramos, quer não, estou em crer que esta biografia de Salazar é marcante, e tem todas as condições para se tornar uma obra de referência.