Em proposta feita no passado dia 2 de Junho, o Papa Bento XVI sugeriu que as famílias ocidentais deveriam apadrinhar individualmente famílias de países pobres. A ideia foi entusiásticamente aplaudida pelos 350 mil participantes no Encontro Mundial das Famílias Católicas, no parque de Bresso, em Milão.
Através de doações, já conhecíamos o apadrinhamento de animais em cativeiro, promovida pelos jardins zoológicos, mas esta de apadrinhar famílias pobres de países pobres, convertendo-as em comunidades dependentes de esmolas, não lembra ao diabo, e se quisermos usar uma expressão popular de indignação, até brada aos céus. Com tal iniciativa, a Santa Sé pretende desvincular-se dos princípios que enformam a dignidade humana, passando uma esponja sobre as obrigações dos Estados detentores de demasiada pobreza - muita dela resultante da desenfreada exploração do trabalho, da super-protecção dos detentores da riqueza, e desta estar mal distribuída - e transferindo esse encargo para uma espécie de caridade a nível planetário, tão demagógica quanto ineficaz, acarinhada com a respectiva benção papal.
Eu que não sou crente, apetece-me tomar a liberdade, quiça ousadia, de sugerir a Sua Santidade o seguinte: que tal redigir uma encíclica dirigida aos governos de todas as nações, incitando-os a que se empenhem na dignificação do trabalho, diligenciando a sua justa remuneração, que não protejam tão escandalosamente os detentores do capital, e que promovam uma mais justa e equilibrada distribuição da riqueza? Os povos e os pobres, certamente que ficariam gratos.