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quarta-feira, julho 20, 2011

Revisitando o Quarteto de Alexandria

«Considero a televisão muito educativa. Logo que alguém a liga vou para outra sala ler um livro»
Groucho Marx (1890-1977) - Actor


HABITUALMENTE, para marcar os livros que vou lendo ou relendo, uso os espécimes mais heterogéneos que tenho à mão. Dentro do primeiro volume da obra de que vos vou falar, fui encontrar um bilhete da “carris” dos anos 60, enfim, um resquício do passado. Como curiosidade, junto imagem do mesmo. Entretanto, quase 50 anos volvidos, e depois de algumas fortuitas investidas pelo meio, estou de volta a reler o fascinante Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell (1912-1990), uma tetralogia composta pelos volumes Justine (1957), Balthazar (1958), Mountolive (1959) e Clea (1960), traduzida por Daniel Gonçalves e publicada pela Editora Ulisseia em 1960.


Se quisesse usar expressões-chave para classificar a obra, diria simplesmente que é notável e fascinante, sob todos os aspectos. Desde a força telúrica que emana da cidade fundada pelo macedónio Alexandre, até aos retratos das personagens que a habitam, que por ela se apaixonam e por ela se deixam devorar, é uma espiral de descobertas, onde tanto se mergulha até águas profundas, como de repente se vem cá acima respirar em grandes haustos. É um teorema sobre a condição e as relações humanas, as íntimas e as outras, de uma riqueza e espessura que nos deixa atónitos, senão mesmo atordoados. É um friso de quatro figuras básicas, que embora sendo centrais, são mais observadores que protagonistas, servindo mais de escalpelo para, entre avanços e recuos na linha do tempo, esgravatarem tudo o que o ser humano tem de bom, mau ou péssimo, expondo-nos a sua anatomia até às vísceras, e cartografando tudo o que determina personalidades e comportamentos. É também a olhadela sobre um tempo de mudança, a época que precede e depois mergulha na Segunda Guerra Mundial, conflito que apenas tocou ao de leve a textura humana daquela cidade-invólucro ou cidade-labirinto, meio mercado, meio bordel, onde se confundem europeus, judeus, árabes, gregos e coptas, uma espécie de Babel, produto de muitas paixões, ódios, encontros e desencontros, diásporas e outras tantas deserções, operando a transição entre o mundo mediterrânico e o deserto, caldeando raças e culturas.

Dizem os estudiosos da obra de Durrell que o Quarteto foi uma obra inspirada na teoria da relatividade, isto é, os acontecimentos, embora dizendo respeito a uma mesma realidade, são interpretados segundo pontos de vista de diferentes, numa espécie de jogo de espelhos, onde se conjugam mistérios com revelações, o antes com o depois, o sagrado com o profano, o falso com o verdadeiro, em que Justine, Balthazar, Mountolive e Clea, cada um à vez, cumprem o papel de observadores múltiplos da mesma história, ao mesmo tempo que são protagonistas de histórias dentro de histórias, qual conjunto de matrioskas, umas vezes como sujeitos ocasionais, apanhados de raspão, outras vezes como autênticos descodificadores da realidade. Em Justine, primeiro volume, são relatados os acontecimentos do ponto de vista do sujeito, ou seja, do narrador da história. Os mesmos acontecimentos voltam a ser descritos em Balthazar e Mountoliove, embora na segunda história, a realidade seja remontada e revista, sob outra perspectiva e entendimento, ao passo que a verdade volta a ser reposta na terceira narrativa. Finalmente, Clea encarrega-se de elaborar a síntese, fechar a abóbada da obra, acertando as contas da realidade com o tempo.

Conforme for progredindo na redescoberta do Quarteto, irei acrescentando alguns apontamentos, feitos basicamente de citações. Tal como há 50 anos atrás, continuo cativo de encantamento por este Quarteto de Alexandria, e insisto em perguntar, como foi possível alguém ter concebido e escrito uma obra assim, tão imensa, intrincada e coerente, quanto exímio e sedutor é o seu discurso? Garanto-vos que é uma experiência inesquecível!