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quinta-feira, junho 07, 2012

Entre a Realidade e a Ficção, Que Venha o Diabo e Escolha


NUM noticiário da RTP foi divulgado que a Autoridade Tributária vai passar a acompanhar as operações stop da PSP, com o objetivo de averiguar se os condutores têm dívidas ao fisco. Caso se verifiquem incumprimentos fiscais, a apreensão do veículo poderá ser feita de imediato. A PSP já veio desmentir a notícia nos pormenores, muito embora na generalidade não a refute, mas a coisa continua a não se perceber bem, pois há jornais que dizem que os fiscais tributários andariam à procura de viaturas já penhoradas, ao passo que outros dizem que é usada a operação stop para detectar incumprimentos fiscais, e logo ali ser penhorada a viatura, seguida da respectiva apreensão. 

Verdade inteira ou apenas meia verdade, uma coisa é certa: tal como os caixeiros viajantes e outras profissões não sedentárias, os incumpridores fiscais, pelos motivos óbvios, são pessoas esquivas e difíceis de localizar. São autênticos nómadas, hoje aqui, amanhã ali, e apenas com expedientes desta espécie, o Estado espera poder interceptá-los e conseguir cobrar as dívidas existentes. 

Apesar da discrepância, e sabendo-se de antemão, que não há fumo sem fogo, para apurar a verdade, voltei a recorrer aos préstimos do anão Serapião, que como certamente estão recordados, é um dos espiões infiltrados que eu tenho ao meu serviço junto das instâncias do Governo. E assim foi. Ele lá conseguiu voltar a introduziu-se nas instalações do Conselho de Ministros, e no regresso, aliás, zangadíssimo, sujíssimo e muito maltratado, porque ficou dois dias escondido nas tubagens do ar condicionado, o que me contou foi o seguinte: 

Um dos ministros, aquele rapaz que costuma fumar às escondidas, discordou deste método das operações stop para apanhar os incumpridores fiscais. Disse ele que este processo é muito incipiente, limitado, e peca por excesso de amadorismo, e nesta de coisa das dívidas ao fisco, os governos, além de inflexíveis e intransigentes, têm que ser cínicos, calculistas e de uma frieza florentina. Assim, o tal ministro, diz que a solução ideal é que seja implementado um dispositivo que faça a interacção, em tempo real, entre os serviços fiscais e os serviços bancários, o qual procederá ao bloqueio das contas do contribuinte, sempre que este precise de dinheiro, e esteja assinalado como devedor ao fisco. 

Em resumo: o dito infractor fiscal deixará de poder levantar dinheiro no MultiBanco, abastecer o automóvel de combustível, pagar as compras no supermercado ou na farmácia, as facturas da televisão por cabo, do telefone, da água, do gás e da electricidade, comprar uma viagem de avião, ou renovar o passe da Carris ou da CP, isto é, ficará cercado por todos os lados, com a sua vida quotidiana esfrangalhada, e só lhe restará ir de joelhos e cabeça baixa até à repartição de finanças mais próxima, para regularizar a situação, ou passar a pagar tudo com dinheiro vivo, o que nos tempos que correm é práticamente impossível, ou então emigrar a salto. Diz o tal ministro que este método, além de muito mais limpo e directo, evitará a bagunça e aparato das operações stop, e será cem vezes mais eficaz que “o cobrador do fraque”. 

Por outro lado, o ministro que costuma palitar os dentes e tirar macacos do nariz contrapôs que esta solução é atentatória dos direitos das pessoas, pois vai devassar e interferir na vida privada dos cidadãos contribuintes, mas o outro foi peremptório: ou bem que se levam as coisas a sério e se corta a direito, ou não vale a pena fingir que se anda a dar caça aos caloteiros. E já agora, disse ele, se até os pescadores desportivos têm que pagar licença, mesmo que não pesquem nada, não via inconveniente nenhum que se voltasse a implementar a obrigatoriedade de licença para o uso de isqueiro, como no tempo da ditadura, pois os portugueses, além de serem muito pacientes, até gostam que apertem com eles. E o governo só é parvo se não aproveitar. 

Já o ministro que costuma calçar um número acima e vive obsecado com as canções do Emanuel, disse que estava impressionado e era gratificante como o problema estava a ser abordado, e rematou dizendo que a solução podia iniciar-se com os impostos, mas que depois podia alargar-se o seu âmbito, explorando as suas potencialidades noutras áreas, tão carecidas de controle. 

Por sua vez, o ministro que se coça frequentemente, sobretudo na zona testicular, chamou a atenção para o facto de os fiscais de impostos envolvidos nas operações stop terem que ser remunerados com umas reconfortantes horas extraordinárias, coisa que se vai tornando rara nos tempos que correm, e deu um palpite a despropósito, qualquer coisa como aquilo não estar devidamente orçamentado, e se não poderia ser inscrito nas despesas extraordinárias das reformas estruturais, ou uma coisa assim. 

Contou-me o anão Serapião que o assunto ficou de voltar a ser novamente debatido, depois de consultada a Troika, mas que para já, e com carácter experimental, iam avançar com as tais operações stop, embora sem fazer muito alarde e não dando notícias muito detalhadas à comunicação social, para não espantar a caça.

E o anão Serapião, ainda agastado com a fuligem e os arranhões que ganhou com aquela excursão ao Conselho de Ministros, deu por terminado o seu relatório, acrescentando-lhe este comentário jocoso: - Razão, razão tinha a Branca de Neve quando dizia que entre um vigarista disfarçado de príncipe encantado e uma deliciosa maçã envenenada, que venha o diabo e escolha…

NOTA - Curiosamente, e já que falamos de impostos, há uma situação que me intriga: as empresas não mudam fácilmente de lugar, logo não podem ser apanhadas em operações stop, no entanto, muitas delas continuam a fazerem-se desentendidas com as suas próprias contribuições, e a reterem indevidamente os impostos descontados aos seus trabalhadores, não os entregando, ou entregando-os tarde e a más horas, aos respectivos serviços tributários. Para isso, sendo inviável o recurso às operações stop, a coisa resolvia-se com facilidade, se os fiscais se dessem ao trabalho de fazer uma visita às suas instalações, para efectuar a respectiva cobrança. Sobre esta matéria, os Conselhos de Ministros, que se saiba, não produziram até agora qualquer parecer ou decisão. Se não o fazem, porque será?