O EDMUNDO começou a ficar deveras saturado, e não era caso para menos. Desde que se conhecia como gente que o país tinha sido assolado por cinco crises, e em todas elas ele fora massacrado com aumentos de impostos, ajustamentos salariais, perda de direitos, aumento de preços e cortes em tudo o fosse convertível em combustível para alimentar a prometida recuperação económica, e a reconstrução do que outros haviam arruinado. Agora, esta última era ainda mais grave, tão grave que para fazer a tal reconstrução os governantes impuseram que (quase) toda a gente cedesse ao Estado cinquenta por cento dos seus rendimentos e bens patrimoniais, fossem eles móveis ou imóveis. Se em tempos diziam que o país estava primeiro, e as pessoas depois - como se o país não fosse feito de pessoas -, a conversa agora era outra, mais a atirar para o sentimento: tudo aquilo era feito em benefício das gerações futuras. O Edmundo ficou indignado, disse que era demais, queria revoltar-se, mas quando os executores fiscais começaram a congelar-lhe fatias do ordenado, a amordaçar-lhe a conta bancária e a expropriar-lhe uma parcela da casa de habitação, começou a ser atormentado por uma dor aguda que começava no dedo mínimo do pé esquerdo, subia pela perna acima, apanhava-lhe o braço e continuava a trepar até ao pescoço. Foi ao hospital mas disseram-lhe que a coisa não era grave e que acabava por passar com o tempo. Numa noite insone a dor foi tão aguda e persistente que ao levantar-se, adormeceu em definitivo.
Dois anos depois, ainda não estava debelada aquela crise e já começava a despontar uma outra, enrodilhada nas franjas e pontas soltas da anterior. Entretanto o Edmundo mantinha-se a "fazer tijolo", dando os restos mortais ao manifesto, em proveito daquela e das outras reconstruções que se seguiram.
Da Série "Contos Instantâneos"
Dois anos depois, ainda não estava debelada aquela crise e já começava a despontar uma outra, enrodilhada nas franjas e pontas soltas da anterior. Entretanto o Edmundo mantinha-se a "fazer tijolo", dando os restos mortais ao manifesto, em proveito daquela e das outras reconstruções que se seguiram.
Da Série "Contos Instantâneos"