sexta-feira, agosto 31, 2012

Expliquem-me, Como Se Eu Fosse Muito Burro!


NUMA ALTURA em que ainda nada está decidido (isto a fazer fé nas afirmações do primeiro-ministro Coelho) sobre o modelo de alienação da RTP, e sendo a actual administração daquela entidade, uma mera gestora do actual modelo, logo não lhe cabendo posicionar-se, institucionalmente, em relação às eventuais soluções que aí vierem, custa-me a perceber o seu público repúdio de uma hipotética concessão ou privatização do serviço, demitindo-se em bloco, o que para além de parecer uma curiosa forma de pressão do gerente sobre o patrão, também dá a ideia de estar a exorbitar nas suas funções. Ou então - e aí já começo a perceber mais qualquer coisa - com a sua demissão, e ao assumir-se como virgem ofendida, está a disfarçar um frete ao Governo, abrindo-lhe o caminho e facilitando-lhe as manobras futuras.

Independentemente de eu considerar que se está na presença de mais um escandaloso ataque aos direitos constitucionalmente consagrados, desmembrando sem cerimónia um serviço público de televisão, que o país paga e reclama, fico à espera do comunicado daquela pitoresca administração, divulgando os prosaicos fundamentos da sua decisão, e estou curioso quanto ao desenvolvimento dos futuros episódios desta telenovela.

quarta-feira, agosto 29, 2012

Terão Ficado Esquecidos no Parque Infantil?


«A exigência de identificação fiscal dos dependentes nas declarações de IRS entregues a partir de 2010 motivou uma forte descida do número de pessoas alegadamente a cargo dos contribuintes. A redução foi tão acentuada que o Fisco admite que milhares de filhos declarados, até 2009, eram ‘fictícios’, tendo sido portanto atribuídos benefícios indevidos.

Em 2009, as famílias declararam ter 2.173.270 filhos menores de 25 anos a cargo. Volvidos dois anos - e já com a obrigação de colocar o número de identificação fiscal na declaração de IRS -,este número baixou para 2.038.796. São menos 134,474 dependentes de 2009 para 2011, de acordo com os dados obtidos pelo Económico junto do Ministério das Finanças. (...)»

Excerto da notícia do DIÁRIO ECONÓMICO on-line de 28 Agosto de 2012

Meu comentário: Assim sendo, e com os meios informáticos que tem à sua disposição, a Direcção Geral de Contribuições e Impostos não podia tirar isso a limpo, não vão os petizes terem-se perdido numa ida às compras, ou terem ficado esquecidos no parque infantil?

segunda-feira, agosto 27, 2012

Os Grandes Negócios da Austeridade

A PAR do buraco do ozono, do aquecimento global e do derretimento das calotas polares, começam a aparecer as más notícias, as primeiras anunciadas pela eminência parda das privatizações (António Borges), e as segundas, ditas pausadamente pela eminência parda das finanças (Victor Gaspar).

Nas primeiras incluem-se a perspectiva da privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, o encerramento do canal RTP2 e a privatização ou concessão a privados do canal RTP1, que os cidadãos irão continuar a financiar com o dinheiro da taxa de audiovisual cobrada nas suas facturas da energia, engordando as pobres, sacrificadas e coitadinhas das entidades privadas que vierem a ser contempladas. Neste suspeito negócio o governo garante um lucro de 20 milhões de euros a quem ficar com a RTP, o que significa que o governo garante aos outros aquilo que não consegue assegurar enquanto gestor de um serviço público, constitucionalmente consagrado. Está prometido que quando o delfim Miguel Relvas voltar a pisar triunfalmente os relvados, será ele (quem afinal tutela a comunicação social), que irá anunciar ao povo qual é o modelo adoptado para mais esta expropriação.

As segundas más notícias vieram embrulhadas no anúncio de que a execução orçamental entrou numa derrapagem de 3,9 mil milhões de euros, e que para tapar o buraco irão ser descarregadas mais medidas de austeridade sobre os trabalhadores e cidadãos contribuintes. Conforme prometido na festarola do PSD do Pontal, será o eminente e condoído primeiro-ministro que dirá ao povo, com a mão no peito e a voz embargada, como será concretizado mais este confisco. Os tratantes deste governo continuam a tentar iludirmos com as causas da crise, escondendo que tudo tem que ver com os convivas escolhidos, com os vinhos, iguarias e acepipes servidos à mesa do banquete do orçamento, mais a incompetência dos chefes de mesa, bem como o dissimulado propósito de aproveitar a maré para liquidar tudo o que tenha a ver com o estado social. Depois, fingem não perceber que é a própria imposição da austeridade que é a causa do colapso das receitas fiscais, logo geradora da impossibilidade de cumprimento da tal mirífica promessa de um défice orçamental de 4,5%. Qualquer merceeiro semi-analfabeto sabe que com empresas a fecharem as portas, estas a deixarem de ser colectadas em impostos, colocando os seus trabalhadores no desemprego, e estes por sua vez, sem rendimentos de trabalho, não podendo pagar impostos, estão reunidas as condições, não para a prometida e apressada recuperação económica já em 2013, mas sim para que a crise continue a engrossar imparável, até um ponto irreversível.

Na verdade, tudo o que este bando de gente desavergonhada vai dizendo e fazendo, fingindo que o seu propósito é a domesticação do défice orçamental e o regresso aos mercados, mais não são do que pretextos para levarem a cabo o mais desbragado empobrecimento do país e dos portugueses, a liquidação do estado social, a par do sistemático desmantelamento do tecido económico e do sector empresarial do Estado, a favor dos abutres que pairam à espreita do convite para o festim das privatizações, com os seus saldos e pechinchas. Podemos não acreditar, mas as crises e a austeridade que habitualmente lhes anda associada, sempre foram potenciadoras de óptimas oportunidades de negócio, tanto para as elites do costume, como para os outros que também querem engordar e progredir na vida, mesmo que à custa da miséria alheia.

domingo, agosto 26, 2012

Nunca Nenhum Homem Tinha Chegado Tão Longe

 
NEIL Armstrong, nascido a 5 de Agosto de 1930 em Wapakoneta, Ohio, E.U.A., falecido em Columbus em 25 de Agosto de 2012, foi o primeiro homem a pisar a superfície lunar em 20 de Julho de 1969. Foi um privilegiado; depois disso, todas as noites, com os pés assentes na Terra e olhando o céu, podia contemplar o local onde era quase certo nunca mais voltaria.

sábado, agosto 25, 2012

Se Estou Errado, Emendem-me!


NÃO SÃO amigáveis nem recomendáveis, sejam eles quais forem, os governos e regimes intolerantes que perseguem, seja de que forma for, os seus incómodos poetas e cantores de intervenção, sejam eles Zecas, Reginas, Alegres, Buarques ou Pussys Riots.

quinta-feira, agosto 23, 2012

Registo para Memória Futura (71)

A PROPÓSITO de Julian Assange se ter refugiado na embaixada do Equador em Londres, e ter formulado um pedido asilo político àquele país, o semanário EXPRESSO publicou um destaque numa passada edição, onde referia os casos de alguns portugueses que recorreram ao mesmo tipo de solução, como forma de escaparem às pereseguições da polícia política da ditadura de Salazar. Lamentávelmente, entre vários nomes, esqueceram-se de referir a atribulada fuga do comandante Henrique Carlos da Mata Galvão (1895-1970) que em 1959, já então detido pela P.I.D.E., e aproveitando uma ida ao Hospital de Santa Maria, fugiu das instalações hospitares disfarçado de médico, tendo-se refugiado na embaixada da Argentina, e depois conseguido o estatuto de exiliado político na Venezuela.
 
Posteriormente, em 22 de Janeiro de 1961, ainda no exílio e em conjunto com Humberto Delgado, foi o organizador e comandante do espectacular assalto e sequestro do paquete Santa Maria, que andava em cruzeiro pelas Antilhas Holandesas, levado a cabo por uma luso-espanhola Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação, e que tinha por finalidade o derrube das ditaduras de Lisboa e Madrid. Baptizada de "Operação Dulcineia", a operação, embora tivesse falhado os seus objectivos, ganhou grande repercussão internacional, colocando a ditadura salazarista nas primeiras páginas da imprensa estrangeira.
 
A 7 de Novembro de 1991 Henrique Galvão foi agraciado postumamente com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Descubra as Diferenças


Imagem do blog CONVERSA AVINAGRADA de Rogério Pereira. O título deste post é de minha autoria. Clique para aumentar.

terça-feira, agosto 21, 2012

Massacre dos Mineiros de Marikana


SOBRE as razões e motivações do massacre dos mineiros de Marikana, melhor dizendo, sobre as razões e motivações de todos os massacres que pululam por esse mundo fora, venham os entendidos de onde vierem, digam o que disserem, façam o que fizerem, a verdade é que o que se passou é insuportável e imperdoável.

segunda-feira, agosto 20, 2012

Reler Sophia - Painéis do Infante


Píncipes do silêncio ó taciturnos
Por quem chamava nos longínquos céus nocturnos
A verdade das estrelas nunca vista.

A vossa face é a face dos elementos,
Solitária como o mar e como os montes
Vinda do fundo de tudo como as fontes
Dura e pura como os ventos.

Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen in Dia do Mar, 1947
Ilustração: detalhe dos painéis de Nuno Gonçaves

sábado, agosto 18, 2012

Assim é Que Elas Começam!

CHEGOU ao domínio público a informação de que o Conselho de Ministros de 18 de Julho, aprovou um Decreto-Lei que transfere os palácios de Sintra e de Queluz, bem como a sua gestão, da Direcção-Geral do Património Cultural para a Parques de Sintra-Monte da Lua, S.A. (empresa de capitais públicos), colocando os seus trabalhadores a laborar em regime de cedência de interesse público, a frio e sem consulta prévia. Estando esta transferência prevista para o dia 1 de Setembro de 2012, da tal Direcção-Geral do Património Cultural ninguém dá pormenores nem explicações da operação, seja aos sindicatos, seja à comunicação social.

Não me admirava que esta manobra fosse uma espécie de ensaio para o Governo começar a privatizar os monumentos nacionais...

sexta-feira, agosto 17, 2012

Austeridade Ortográfica

Pelas regras do antigo acordo ortográfico, havia duas expressões distintas:

"pelo sim, pelo não" significava "por causa das dúvidas", e "pelo" era o resultado da contração da preposição por com o artigo definido o;

"pêlo sim, pêlo não" exprimia alternância relativamente ao órgão filiforme, de origem epidérmica, que reveste a superfície do corpo dos mamíferos.

Pelas regras do novo acordo ortográfico, a expressão "pelo sim, pelo não" é uma só. Que significado terá?

Felizmente que "bardamerda" não sofreu alteração!

terça-feira, agosto 14, 2012

Registo para Memória Futura (70)

Pedro Passos Coelho afirmou nesta terça-feira à noite (14 de Agosto de 2012), durante a tradicional festa do PSD, realizada no Pontal, que 2013 será o ano da recuperação económica e do fim da recessão.

Entretanto, neste mesmo dia, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a taxa de desemprego portuguesa atingiu os 15 por cento da população activa no segundo trimestre de 2012, o nível mais alto de sempre. Contando com os que já não recebem subsídio, o número total de trabalhadores portugueses desempregados rondará um milhão e trezentos mil.

Sabendo-se que o definhamento económico, recessão e desemprego andam sempre de braço dado, não se percebe como irá o Governo conciliar aquela perspectiva optimista de Passos Coelho, com a sua previsão de que a taxa de desemprego atinjirá uma média de 15,5 por cento, para o total de 2012, subindo para 16 por cento em 2013.

domingo, agosto 12, 2012

Submarinando


«Grande parte da documentação dos submarinos desapareceu do Ministério da Defesa. Sumiram, em particular, os registos das posições que a antiga equipa ministerial de Paulo Portas assumiu na negociação.

"Apesar de todos os esforços e diligências levadas a cabo pela equipa de investigação, o certo é que grande parte dos elementos referentes ao concurso público de aquisição dos submarinos não se encontra arquivada nos respetivos serviços [da Defesa], desconhecendo-se qual o destino dado à maioria da documentação", escreveu o procurador João Ramos, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), em despacho de 4 de junho que arquivou o inquérito em que era visado apenas o arguido e advogado Bernardo Ayala (o processo principal continua em investigação).

Nos últimos anos, já tinha sido noticiado o desaparecimento de vários documentos do negócio concretizado, em 2004, quando Durão Barroso era primeiro-ministro e Paulo Portas ministro de Estado e da Defesa Nacional. Mas, agora, é o próprio Ministério Público não só a reconhecer o problema como a atribuir-lhe uma dimensão que vai para além dos casos pontuais já noticiados.»

Notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS on-line de 11 de Agosto de 2012

Meu comentário: Os novos submarinos que equipam a Marinha Portuguesa, por terem a capacidade de operarem submersos, tornando-se indectáveis, são uma arma de ataque de inestimável valor. Quanto aos documentos que serviram de suporte ao nebuloso negócio da sua aquisição, e que são necessários à investigação que continua em curso, primam por ter a mesma característica, isto é, submergiram, andam a submarinar, tornaram-se indetectáveis, e vai ser difícil que voltem à superfície, tanto para respirar como para responder a perguntas.

De qualquer modo, e como isto anda tudo ligado, sempre podemos perguntar ao Paulo Portas pelo seu paradeiro, pois foi ele quem andou por lá a gerir a negociata, como ministro de Estado e da Defesa, e que ao sair, levou para casa (presume-se) à volta de 60.000 cópias de documentos oficiais, e se calhar, lá no meio (por engano, ou por lapso, como agora se diz), talvez alguns originais.

Com um Ministério da Defesa tão permeável e frouxo em termos de segurança, de onde até desaparecem documentos importantes (senão mesmo classificados), começo a não me sentir seguro nem a dormir descansado. Fica uma pergunta no ar: o que será assim tão problemático de ultrapassar, e o que será preciso fazer para chamar à responsabilidade quem tem que ser chamado (a alguém caberia a responsabilidade da guarda de tais documentos), fazer as respectivas diligências e apurar o que tem que ser apurado, para que tudo seja posto em pratos limpos?

sábado, agosto 11, 2012

Acabem Com Ele, Já!


O Tribunal de Contas detectou um milhão e 132 mil euros de facturação duplicada, bem como 883 mil euros de facturas que não constam nas listas de suporte da contabilidade do Ministério de Defesa, relativas à manutenção dos novos helicópteros EH 101 da Força Aérea, adquiridos em 2001, e destinados a substituirem os Puma em fim de vida. O Tribunal de Contas alargou os seus reparos ao modo como foram efectuadas as compras daqueles dez helicópteros, afirmando que o Estado, não acautelou os seus interesses, devido ao facto de ter optado por um tipo de contrato pouco adequado, acabando prejudicado em 120 milhões de euros.

No imediato, o Governo diz que vai investigar como surgiu a tal duplicação e omissão de facturas, porém, não abrirá qualquer inquérito à compra das aeronaves, pois isso foi obra de anteriores governos. A coisa dita assim, até parece que já decorreu uma eternidade, no entanto, não nos devemos esqueçer que quem deve estar bem ao corrente e bem documentado sobre tudo isto, é o actual ministro Paulo Portas, pois quando ele deixou o ministério da Defesa, em 2005, diz-se que trouxe consigo algumas dezenas de milhares de cópias de documentos oficiais, e não consta que fossem trabalhos de casa ou despachos de última hora...

A verdade é que as compras de material para as forças armadas tem sido uma escandaleira quase permanente, envolvendo fardamentos, substituição das G3, aquisição de submarinos, helicópteros, aviões para transporte e vigilância marítima, blindados "pandur", todos eles objecto de pantagruélicas negociatas, destinadas a manter bem alimentada a tropa fandanga que continua a orbitar e a engordar à custa do aparelho de Estado, aparelho esse que tem por hábito cortar nas gorduras em que não devia cortar. Apuradas as manigâncias, há já umas vózinhas mais radicais, que vão arengando contra o incómodo e metediço Tribunal de Contas, sugerindo mesmo que se acabe com ele, e já.

sexta-feira, agosto 10, 2012

Aeroporto de Beja

O AEROPORTO de Beja fez em Abril de 2012 um ano que foi inaugurado, custou 33 milhões de euros e só recebe um avião por mês, tendo até aquela data passado por ele pouco mais de 2.500 passageiros.

Embora tenha resultado do aproveitamento de uma base aérea desactivada, supunha eu que quando se avança para uma obra daquela envergadura (e não é precisa muita perspicácia), já existiam objectivos e acordos pré-estabelecidos, precisos e concretos, e não apenas as habituais apostas vazias, promessas e vagas intenções.

Um Grupo de Trabalho para o Aeroporto de Beja, criado a 5 de Junho, está em vias de concluir o seu relatório que será entregue à tutela, sabendo-se apenas que já existe uma linha condutora muito sólida sobre aquilo que deve ser o aeroporto de Beja. Eu cá por mim, acho que deve continuar a ser aeroporto, embora com tráfego, já que a sua reconversão noutro tipo de equipamento é coisa assaz complicada.

Entretanto, quando não está às moscas, não deve estar muito longe disto…

quarta-feira, agosto 08, 2012

Estória Breve: Aurice Que Lavas no Rio


ERA o ano de 1543, um ano aziago, com o povo a voltar a ser maltratado pela peste, e com os campos definhados pela moléstia a prometerem mais um Inverno de fome, naquela região inóspita, senhorio do conde do Couto Calvo, que pouca semente lançava à terra, mas que compensava com as abundantes sementes que espargia pelas alcovas alheias, gerando um exército de bastardos. Eram tempos adversos, até mesmo para o mosteiro de Romalde, que pela sua traça mais parecia uma fortaleza que casa de retiro e oração, cuja fundação remontava aos recuados tempos da monarquia visigótica. Implantado no alto da colina, era amparado pelo pequeno burgo que crescera aconchegado à sua volta, sendo ponto de passagem de um dos caminhos de Santiago.

Estivera quase em ruínas, mas, dois séculos atrás fora reconstruído para albergar os freires da Ordem da Adoração, gente que ingressava na vida religiosa, como forma de se furtar ao cortejo de fome e miséria que os esperava no mundo dos outros mortais. Por isso e outras razões, era uma época em que a santidade andava pelas ruas da amargura. As exigências das regras conventuais eram bem mais brandas do que a dureza e precariedade do mundo exterior, razão porque pobres e bastardos, senão mesmo foragidos, era vê-los a fazerem fila para envergarem o hábito, tivessem ou não vocação para abraçarem a vida monástica e espalharem a mensagem divina, à mistura com o terror dos suplícios e fogos eternos. Entre uma vida dedicada à santidade, preferiam a santa vida que a fingida devoção proporcionava. Era o próprio papado que dava maus exemplos, que vivia amancebado e fazia vista grossa à vida dissoluta da classe sacerdotal, a qual, quantas vezes de barriga cheia e testículos vazios, tinha o costume de passar umas temporadas no recato dos mosteiros, entre jejuns e orações, a desintoxicarem-se de banquetes e orgias de sacristia.

Aurice Mendes, filha de Paio e Joana Mendes, tratava dos porcos, abichando algumas poucas moedas como lavadeira dos paramentos e toalhas de altar do mosteiro, tarefa que cumpria na ribeira de Sule, pois a cisterna conventual há muito que estava à míngua de água. Era neta de judeus que tinham sido enxotados de Castela em 1492, refugiando-se em Portugal, sendo forçados a receber o baptismo, e por cá foram ficando, cuidando de passarem despercebidos, furtando-se assim às perseguições e "limpezas de sangue" que periódicamente recaíam sobre os “cristãos-novos”. Uma vez por mês, Aurice voltava afogueada ao convento para entregar os panos lavados, recebia de volta as prometidas moedas, mas depois, esgueirando-se, espraiava-se pelo claustro e pela celas dos freires, a ouvir histórias, a ser seduzida com sermões e palmadinhas, e outras coisas mais. Até um dia! Atacada de vómitos e com a barriga a crescer cada dia que passava, ameaçada pelos pais de que a punham a comer e a dormir com os porcos, contou que aquele estado só podia ter acontecido no mosteiro, na brincadeira com os frades. Qual deles? Perguntaram os Mendes. Não sei! Respondeu ela.

Paio Mendes não perdeu tempo. Deu uma tareia na filha e logo a seguir subiu até ao mosteiro para falar com o Superior. Esqueceu-se de dizer à mulher, Joana Mendes, para se manter calada, e por isso, não era corrido meio-dia e já todo o povoado sabia da encomenda. O povo, não fez nada por menos, e à falta de haver quem mais frágil houvesse, onde descarregar as desgraças e misérias que se vinham acumulando, passou a palavra e ejaculou a acusação fatal. A porca da judia acamou-se com a fradalhada, e lá vem a caminho mais um filho do Demo!

Da conversa travada entre Paio Mendes e Monsenhor Damião, pouco ou nada se sabe, excepto que Aurice ia levar mais umas chibatadas e os frades iam ser interrogados por Monsenhor. Mas uma coisa era certa: daquele episódio, nem a neta de judeus, nem os frades da Adoração, se iam safar da forma habitual. Se havia uma pecadora, era preciso encontrar um pecador, e pelas contas de Monsenhor Damião, havia um candidato que se acomodava à pretensão: frei Bernardo, um sonso e solitário de modos doces, que não falhava uma novena, que não partia um prato, mas que ficava congestionado de luxúria quando se cruzava com a Aurice, e isso não passava despercebido a ninguém. Monsenhor iria fazer o que era preciso, isto é, interrogar todos, e sobretudo o depravado.


- Monsenhor, estive com essa rapariga na minha cela, recitei-lhe uns salmos mas não pecámos! E Bernardo jurou ser verdade o que dizia, apertando contra o peito as sagradas escrituras.

- Frei Bernardo, vós dizeis que não pecaste, mas frei Antão, frei Tadeu, frei Jorge e os outros irmãos desta ala do mosteiro garantem que ouviram, mesmo abafados pelas grossas paredes das celas, fortes risadas e repetidos gemidos de prazer.

- Mas monsenhor, se ela própria diz que era visita de todas as celas…

- Mas meu filho, é a tua palavra contra a palavra de muitos. Se o caso não tivesse escapado ao recato desta casa de Deus, indo cair no meio do povoado, sempre se podia compor, mas sendo assim, mandam as regras que se chame o Santo Ofício, com os seus interrogatórios e tormentos, para apurar a verdade…

- Monsenhor, a ser assim, é meu desejo que me escutais em confissão.

- Se é isso que desejais, espero por vós na capela, depois das orações, pela hora nona…


Naquele tempo, uma ameaça com a intervenção do Santo Ofício era o diabo. Casos de heresias, práticas judaizantes, bruxarias e feitiçarias, a envolverem paramentos e toalhas de altar, à mistura com fornicação entre judeus e cristãos, implicavam, habitualmente, a vinda do Santo Ofício, com os seus torniquetes e inquirições, para apreciar e julgar o desvio, e se necessário proceder à respectiva purificação, que podia acabar na fogueira. Ora, se a tolerância recorresse a outros meios mais consensuais - mais tarde conhecidos por acordos de cavalheiros - onde nenhuma honra ficasse ferida e a vida continuasse em suposta normalidade, tudo isso eram soluções que até a Deus agradavam, pois farto estava ele de julgar e castigar, tanta era a maldade à solta, e tantos os dissabores que a Humanidade lhe provocava.

Assim, embora fosse pouco habitual um freire abandonar a vida monástica, foi o que aconteceu com frei Bernardo, depois daquela prolongada confissão ao superior da Ordem. O que confessou, no segredo da confissão ficou. Dois dias depois, ao entardecer, abriram-se as portas do mosteiro de Romalde para ver partir Bernardo, já sem o hábito nem as sandálias da Ordem. Voltava para enfrentar o mundo de onde viera, como se fosse um penitente, abraçado a um saco com nacos de broa, descalço e com uns andrajos, recuperados do bafiento depósito do mosteiro, em jeito de misericórdia.

Muitos meses depois, o povo começou a sussurrar, e o que se ouvia, vindo de terras mais ao sul, era uma história inacreditável, pois tortuosos são os caminhos, que a mão da providência escolhe para exibir a verdade. Contava-se que o réprobo frei Bernardo teria sido emboscado por salteadores, e que à falta de valores, não tiveram contemplações, despojando-o dos míseros andrajos que trazia vestidos e deixando-o desnudo como viera ao mundo. E o que viram – surpresa das surpresas – deixou os malandrins boquiabertos: pela frente tinham não um Bernardo, mas sim uma Bernarda, havendo quem se lembrasse de associar o facto com a tão mal explicada, quanto ocultada história da Papisa Joana, ocorrida por volta do ano 1099. Já naquela época difícil, as mulheres recorriam ao embuste, mudando de género, tal era a vontade de sobreviver e superar a sua condição.

Finalmente, lá por Romalde, também a criança de Aurice acabou por nascer, um varão, porém, de pai incógnito não ficou. Mais do que desconfiança, logo se instalou no burgo a certeza de que o pai do petiz era o próprio superior da Ordem, Monsenhor Damião, tal era a semelhança entre ambos, que ia da expressão e contornos faciais, até àquele sinal, do tamanho de uma moeda, que ambos ostentavam na maçã direita do rosto. A confirmar isso, ficara garantido, por contrato firmado entre o avô Mendes e Monsenhor Damião, que ao atingir a maioridade, o pequeno Tiago Mendes, isento de exame vocacional, seria admitido e receberia o hábito de membro da Ordem da Adoração, e depois, seria o que Deus quisesse. Quanto a Monsenhor Damião, nunca mais pôs os pés fora do mosteiro, excepto quando foi a enterrar. Sobre Aurice, sabe-se que não voltou a lavar na ribeira de Sule, e quanto à suposta Bernarda não nos chegaram mais memórias, fossem elas escritas ou orais.

Texto de F.Torres. Agosto de 2012
Ilustração: Montagem fotográfica de F.Torres

domingo, agosto 05, 2012

Há 14 Anos Foi Pavilhão da Utopia


«O Pavilhão Atlântico foi vendido por 21,2 milhões de euros ao Consórcio Arena Atlântico, no qual se inclui Luís Montez, dono da Música no Coração e genro do Presidente da República. O equipamento custou ao Estado 50 milhões de euros e “era rentável”, tendo os seus lucros triplicados entre 2009 e 2010.
Assunção Cristas justificou esta venda argumentando que “o grupo Parque Expo tem uma dívida de 200 milhões de euros, daí a decisão de realizar ativos, vendendo um conjunto de património relevante sobre o qual o Estado não tem função pública crucial a prosseguir”»

Artigo do blog ESQUERDA.NET em 1-8-2012

«As coisas mais simples são muitas vezes incompreensíveis para as mentes mais sofisticadas. O Estado construiu o PA (Pavilhão Atlântico) por 50 milhões de euros. Fê-lo porque considerou que este equipamento era importante no plano de recuperação urbanística da zona oriental de Lisboa. Trata-se de um equipamento cuja utilização comprova a justeza da opção do Estado já que os objectivos que presidiram à sua construção têm sido alcançados. Em função desse sucesso as receitas que gera são superiores aos custos incluindo os custos financeiros a ele associados. Não entra aqui nestas contas o valor de uso embora seja esse valor que justifica a construção de qualquer equipamento desta natureza. Não interessa sequer discutir se para esta construção existiram ou não financiamentos comunitários a fundo perdido.
O que interessa é o facto de não existir nenhuma racionalidade económica em alienar um equipamento, ainda novo, por menos de metade do seu custo apenas e só porque, afinal, o Estado não se revê na função de gestor de equipamentos culturais. Não existe racionalidade mas também não existe surpresa já que esta tem sido a nossa triste história. Infelizmente alguns teimam em não perceber mesmo as coisas mais simples.»

Comentário de José Guinote, em 4-8-2012 sobre a privatização do Pavilhão Atlântico

«(...) A venda do Pavilhão Atlântico é pois apenas mais um episódio (evidentemente simbólico em termos financeiros comparativos), da longa história das privatizações em Portugal, que por sua vez se insere num processo mais vasto, o do empobrecimento deliberado do Estado. Uma história que tem vindo a ser escrita com as linhas da mais pura «irracionalidade económica» (para usar os termos do pensamento económico dominante), na óptica da defesa do interesse público e do dinheiro dos contribuintes.
Quando ouvirem falar do Estado gordo, que gasta mais do que tem, que é ineficiente e que não produz recursos suficientes para permitir a existência de políticas sociais decentes, lembrem-se do Pavilhão Atlântico. Quando vos disserem que não é possível manter um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, ou um sistema público de educação com qualidade para todos, lembrem-se do Pavilhão Atlântico. Quando insistirem que não se podem assegurar os recursos mínimos de subsistência aos cidadãos mais carenciados, lembrem-se do que significa - simbolicamente - a privatização do Pavilhão Atlântico.»

Post de Nuno Serra em 31-7-2012 no blog LADRÕES DE BICICLETAS, com o título "Lembrem-se do Pavilhão Atlântico"

Meu comentário: Mais palavras para quê, se mantenho de pé a minha convicção de que tudo o que é privatizável, quando os ventos soprarem de feição, poderá voltar a ser nacionalizável?

sábado, agosto 04, 2012

Mais Imóvel e Isolado


DIZEM os jornais que a 15 de Agosto deste ano a Refer vai fechar mais 65 quilómetros de linhas, incluindo o ramal de Cácares, argumentando que não se justifica manter activos aqueles 65 quilómetros de linha unicamente para a passagem de dois comboios, tanto mais que existe a vontade da CP e da sua congénere Renfe de o fazer passar pela linha da Beira Alta, servindo assim cidades com mais mercado (sempre os mercados!) como Pombal, Coimbra, Nelas, Mangualde, Guarda e Salamanca.

Os sucateiros que compram por tuta e meia os carris inoperacionais, bem como os rapinantes que operam a coberto da noite, é que são os grandes beneficiários destas medidas, que tornam Portugal cada vez mais mais imóvel e isolado, cada vez mais região e menos país. Passo a passo, é garantido que voltaremos, não ao século XIX, onde até fomos pioneiros na implementação da cobertura ferroviária do país, mas bastante mais para trás.

quarta-feira, agosto 01, 2012

Detectada Mais Uma Causa do Desemprego

O DIÁRIO ECONÓMICO on-line de 1 de Agosto de 2012 noticia que a CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), no seu Relatório Anual do Governo das Sociedades cotadas, apurou que em 2010, 17 administradores acumulavam, cada um, lugares de gestão em 30 ou mais empresas, sendo que um deles tinha lugar na administração de 73.

Tomando como base esta informação da CMVM, e feitas as contas por alto, conclui-se que esses 17 cavalheiros monopolizaram (ou ainda monopolizam) a função de administradores, em perto de 700 empresas, com a simpática média de apenas 4 horas mensais de assistência a cada uma delas, factor que certamente acaba por se reflectir na rendibilidade e competitividade das mesmas. Por outro lado (e esse é o aspecto mais grave), tal exclusividade, acaba por contribuir para o desemprego que grassa entre os jovens licenciados, e explica porque razão em Portugal os cursos de Gestão de Empresas passaram a ter reduzidas saídas profissionais.