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terça-feira, setembro 11, 2012

Uma História para a História


EM 20 de Julho de 2012 e com o título "Vulnerabilidades" teci algumas considerações sobre o historiador Rui Ramos, enquanto autor de comentários na imprensa, e que por arrastamento me levaram à História de Portugal, de que ele foi coordenador e co-autor, que estava a ser oferecida pelo semanário EXPRESSO, e cuja leitura só naquela altura eu estava a iniciar. Estava longe de imaginar que se iria instalar, tanto na imprensa como na blogosfera, uma acesa polémica sobre a tal História de Portugal, a propósito das críticas que o historiador Manuel Loff fez da obra. Algumas semanas decorridas, o artigo que o professor Fernando Rosas dedicou à polémica, parece-se que a encerra, pouco mais havendo a dizer, mas mesmo mau foi quando no seu início, uma polémica que se adivinhava boa, se tentou matá-la com acusações de calúnia pessoal, ou ainda quando Maria Filomena Mónica sugeriu que Manuel Loff fosse ostracizado e os seus escritos censurados. Para tirar dúvidas, no CARTÓRIO DO ESCREVINHADOR estão coligidos alguns dos escritos que alimentaram a controvérsia.

Quanto à obra (a tal História de Portugal) propriamente dita, cuja leitura só agora estou a terminar, sobretudo nos capítulos pós-implantação da República, e no que respeita ao período da ditadura do Estado Novo, não gostei do que li, pois Rui Ramos ao enveredar pelo artifício da sistemática comparação do modelo português, com outros regimes seus contemporâneos, socorrendo-se da citação de muitos autores que encaravam a ditadura salazarista, com alguma benevolência, e não querendo expor-se demasiado, eu diria, quase desresponsabilizando-se, deixando a pairar no ar um "estão a ver, não fui eu que disse!", acaba por fazer uma História asséptica, branqueada, amena, descaracterizada, desbastada, desvinculada de ideias, que nada tem a ver com uma visão desapaixonada e questionadora da verdade histórica. Não é propriamente uma falsificação da História, mas sim uma criativa e aligeirada interpretação da História, além de que os factos históricos baseados em opiniões e testemunhos, viciados ou contaminados por preconceitos, tal como as pequenas e grandes omissões, não são propriamente falsificações, mas podem levar a que sejam manipulados resultados e conclusões. A minuciosa escolha das fontes e das citações, pelo facto de terem sido pronunciadas por outros, não liberta o historiador de responsabilidades. O historiador é mais médico legista que cirurgião estético ou anestesista. Tal como não basta dizer meias verdades; uma coisa é dizer apenas que um automóvel anda porque tem rodas, outra coisa é dizer que um automóvel anda porque tem rodas, um motor que as faz faz rodar e alguém que o conduz. Bem, e quanto ao período posterior à revolução do 25 de Abril de 1974, esta História deixa um bocado a desejar, e o facto de ser uma síntese não é desculpa. É mais panfleto que História propriamente dita, pois o senhor historiador Rui Ramos não esteve com meias medidas, e decidiu mesmo acertar contas com os ventos da História e com as pessoas de quem não gosta. Em resumo: nove fascículos depois, prevalece a minha opinião inicial. Gosto menos de Rui Ramos como comentador do que como historiador, muito embora como historiador também não o considere grande espingarda.

E já que falamos de História e de historiadores, e da tentação que é fazer cirurgia estética sobre os períodos históricos mais negros e controversos, queria terminar com dois apontamentos.

O primeiro tem a ver com uma notícia que chegou até nós,  em Janeiro de 2012, e que dava conta que o Presidente do Chile, Sebastian Piñera, fez aprovar pelo Conselho Nacional de Educação, uma disposição destinada a permitir a alteração da palavra “ditadura” nos manuais escolares, substituindo-a por "regime militar", sempre que era referido o período em que o general Augusto Pinochet governou o país entre 1973 e 1990, depois de ter deposto com um golpe militar o legítimo governo de Salvador Allende, deixando atrás de si mais de 3.000 mortos e desaparecidos, a par de uma repressão feroz, com perseguições e graves violações dos direitos humanos. De uma assentada, uma simples mudança de expressão, pretende varrer para debaixo do tapete todas as ignomínias praticadas durante aquele período negro. O objectivo é provocar a banalização e diluição, junto das camadas jovens, daquele período da História Chilena. E já agora, não me venham contrapor, como desculpa, os crimes e os "apagões" levados a cabo sobre a história soviética, durante o período estalinista, pois isso é matéria que já foi devidamente posta no seu lugar, e não serve para equilibrar os pratos da balança, antes pelo contrário.

O segundo apontamento, é mais um convite. Que leiam o excelente texto que o escritor Mário de Carvalho publicou no Facebook, e que tomei a liberdade de transcrever no CARTÓRIO DO ESCREVINHADOR. Intencional ou não, como forma de remate da polémica Manuel Loff vs Rui Ramos, deixo que cada um faça o seu julgamento, e que no fim prevaleça, indiferente a ventos e marés, a sempre omnipresente verdade, pois a História dita "normalizada", maquilhada, adoçada ou sujeita a reconstruções plásticas, é coisa que não se deve tolerar.

Ilustração: “História” do pintor grego Nikolaos Gysis (1892)

sexta-feira, julho 20, 2012

Vulnerabilidades

LI HÁ DIAS um artigo de opinião de um historiador da nossa praça que me deixou algo perplexo. Falava de pobres e desprotegidos, da classe média em geral, dos seus opíparos salários e condições de trabalho, de ordens profissionais, sindicatos e greves, do todo-poderoso, mãos-largas, grande empregador e protector chamado Estado, para rematar com uma irónica, simplificada e abusiva teoria sobre a causa das revoluções, que quanto a protagonistas, até teriam as suas lendas. Eu sei que aquilo era apenas um artigo de opinião, e se até eu, que não sou historiador, posso verter comentários e pareceres no meu blog, qual é o problema? O problema é que historiador é historiador, aqui e na Moita, e não um mero interessado no tema, como é o meu caso. Como diria o meu saudoso professor A.A., artigos de opinião assim tratados às três pancadas, valem o que valem, mas o autor, por mais curriculum e encómios que coleccione, não é para ser levado a sério.

Por isso, começo a ficar um pouco mais preocupado, quando sei que o tal senhor historiador é (ou foi) coordenador de uma síntese da História de Portugal que está agora a ser distribuída (em meritória iniciativa) com as edições do semanário EXPRESSO. É certo que ser coordenador, não é ser autor, mas para o leitor, fica sempre a pairar a convicção (ou desconfiança) de que persiste na abordagem dos temas, de forma mais ou menos velada, o cunho pessoal de quem orienta (estou-me a lembrar dos casos do Dicionário da Língua Portuguesa e do “novo” Acordo Ortográfico). Assim, nestas coisas da História (que não admite ligeireza, leviandade ou rudeza, mesmo quando se trata de artigos de opinião), qualquer leitor um pouco mais incauto, logo mais vulnerável, pode assim ser levado a considerar os factos históricos e os seus protagonistas - por exemplo, a Lei das Sesmarias, a Revolução de 1383/1385, ou a de 25 de Abril de 1974 - como banais jogos de aristocracias sócio-profissionais, ou guerra subversiva de corporações e de “lobbys”. Ao contrário de Portugal, a História de Portugal não precisa de ser resgatada ou reescrita pelos adoradores da nova ordem mundial; basta que não seja maltratada, nem esvaziada de sentido.