A POLÉMICA decisão do Tribunal Constitucional sobre o corte dos subsídios, ainda não se esgotou. Embora haja quem bata palmas ao ambíguo acordão, persiste um problema que é da maior gravidade: a dualidade de critérios e a invasão de um território que o Tribunal não deveria pisar: a acção governativa. Como alguém disse, e muito bem, o Tribunal Constitucional é, apenas e só, uma instância que aprecia a constitucionalidade das leis produzidas, e não um tribunal político, devendo abster-se de qualquer decisão que tome em linha de conta o rumo político adoptado num dado momento, pelo governo em exercício.
Assim, o que vemos é que as suas decisões, em vez de se confinarem à conformidade das leis, com o estipulado na Lei Fundamental, subverte a sua função, ajustando a decisão, em função do momento, da oportunidade, dos interesses e do quadro político em que decorre essa avaliação. Curiosamente, a mesma matéria - cortes dos subsídos -, já teve dois pareceres contraditórios, por parte do Tribunal Constitucional. Em 2011, no governo de José Sócrates, reconheceu não ter havido tratamento desigual, ao afectar funcionários públicos e pensionistas, excluindo da medida os trabalhadores do sector privado, ao passo que em 2012, na vigência do governo de Passos Coelho, já reconheceu essa desigualdade, porém, desta feita, com uma delirante acrobacia: embora os cortes já estejam em curso no ano de 2012, e para que o orçamento de Estado não seja posto em causa, a inconstitucionalidade apenas é aplicada a partir do ano de 2013, pelo que até lá, presume-se, fica suspensa a Constituição.
Ao Tribunal Constitucional não compete emitir juízos ou pareceres sobre se a lei é necessária ou não à coesão orçamental, eficaz ou coerente com as opções governativas, devendo apenas confinar-se à conformidade e compatibilidade dessa lei com a Constituição. Tudo o que menos precisamos é de um Tribunal Constitucional de geometria variável, consoante soprem os ventos, ou que desça ao ponto de por-se a confeccionar cataplasmas, para tapar as venenosas malfeitorias e incompetências dos governos.