quarta-feira, novembro 02, 2005

Sequela de Sequela


Esta história, tal como o nome indica, é a sequela de uma sequela, situação normal nos meandros da sétima arte, mas pouco habitual quando falamos de coisa escrita. Porém, este caso é tão curioso e ilustrativo de como as coisas acontecem (e correm mal) em Portugal (estou a falar de uma empresa privada, mais exactamente um banco), que não consigo deixar passar em branco o epílogo (espero que o seja) desta minha peregrinação. Podia fazer um link para o anterior artigo onde sintetizava os antecedentes da história, mas não vem grande mal ao mundo se voltar a transcrever o que há meses atrás foi dito, saciando a curiosidade a quem de direito. Por isso, aqui vai:

2005 Setembro 3 - A Sequela

Esta história verídica, teve o seu primeiro episódio em Outubro de 2002, tendo-a eu então revertido para um artigo que intitulei “A Inesgotável Imaginação”. Dizia eu, nessa altura, que os gatunos, malfeitores e vigaristas, entre os quais eu incluo algumas instituições bancárias, recorrem a processos e artes, uns mais subtis do que outros, com o objectivo de ludibriar os cidadãos. Não basta repetir que anda meio mundo a enganar o outro meio. Há que fugir deles, ou então estar de permanente sobreaviso. Foi o que se passou comigo e um banco onde guardava algumas economias.
A dita instituição bancária tinha por mau costume não reportar nos extractos de conta que periodicamente enviava aos depositantes, os depósitos a prazo que eventualmente se encontravam agregados à conta à ordem. Pior ainda. Quando os depósitos a prazo se venciam ou eram resgatados, a instituição bancária abria, por sua iniciativa, e sem disso dar conhecimento ao cliente, uma nova conta à ordem, que também não aparecia nos extractos, e onde a consabida instituição despejava o valor do tal depósito a prazo, e cuja operação de transferência não aparecia reflectida nos movimentos. Se na dúvida fossemos até à caixa Multibanco mais próxima e pedissemos um saldo de conta, nada transpirava. O dinheiro estava bem escondido e a recato, não se manifestando sequer na habitual diferença entre saldo efectivo e saldo contabilístico. Não houve roubo, não senhor, apenas um ligeiro desvio. O pé-de-meia continuava lá na tal instituição bancária, mas tão invisível e dissimulado, que só os conhecedores do ardil sabiam onde parava. Se o cliente não exercesse um apertado controle sobre os valores que deixava à guarda da dita instituição, corria o risco de ser detentor de um sem-número de contas, com uma existência muito próxima da clandestinidade, e com passaporte garantido para o esquecimento. Para cúmulo, a instituição apenas disponibilizava os valores deste tipo de contas (apelidadas de conta-investimento) se o cliente se dirigisse pessoalmente ao balcão (seja de cadeira de rodas ou amparado a muletas), e pedisse “encarecidamente” que os valores residentes nas tais contas-fantasma passassem para a conta à ordem tradicional. Falta acrescentar que as vítimas desta artimanha podiam ser pessoas idosas, acamadas ou com problemas de visão, umas menos vocacionadas para controles apertados do seu pecúlio, outras mais distraídas ou demasiado confiantes que, sem darem conta ou saberem como, corriam o risco de serem esbulhadas (ou os seus herdeiros), de forma silenciosa e indolor, fazendo lembrar o silêncio tumular que se abateu sobre os pecúlios dos judeus vítimas do holocausto nazi, depositados em contas de bancos suiços. Dizia eu, nessa altura, que a imaginação e criatividade dos salteadores é inesgotável, fossem eles vigaristas de meia-tijela ou insuspeitas e respeitáveis instituições bancárias, de porta aberta e nome firmado, restando-nos ficar atentos e de sobreaviso. Escusado será dizer que reclamei de tal procedimento, e o dinheiro foi transferido para a conta à ordem tradicional.
Ora esta história não terminou aqui. Tem uma sequela. Naturalmente desconfiado de quem recorria a processos tão dúbios e pouco ortodoxos, para com os bens alheios, ao longo destes três últimos anos fui retirando dinheiro da tal conta, sempre com a intenção de a deixar extinguir-se, o que veio a acontecer há perto de quinze dias, quando passei um último cheque de 30 Euros, baseado no saldo exibido pelo último extrato de conta. Dias depois, qual não é o meu espanto quando recebo em casa uma carta do tal banco, informando-me que este “estimado cliente” se encontrava em maus lençóis, em virtude de ter emitido um cheque sem provisão, que aquilo era um crime grave, muito embora o banco tivesse aceite o cheque, e que se não regularizasse a situação, o meu nome entraria na lista nacional dos portugueses passadores de cheques sem cobertura, logo, daí para a frente, sem direito aos ditos, fosse de que banco fosse. Caí das nuvens! Em boa verdade, as minhas relações com aquele banco nunca tinham sido as melhores, pontuadas aqui e ali, por episódios rocambolescos. Em vez de viver descansado e em paz, o pouco dinheiro que por lá tinha guardado, periódicamente, tornara-se uma fonte de sobressaltos e preocupações. Assim, mais uma vez, meti-me ao caminho, para tirar a limpo o que se passava. Lá chegado, fui atendido, contei a história do cheque, exibi os meus papéis e pedi explicações. O solícito funcionário consultou computadores, torceu o nariz, leu e tornou a reler os meus papéis, que afinal eram documentos do próprio banco, e acabou por sentenciar:
- Mas afinal o senhor não passou cheque nenhum! Aqui a sua conta ainda tem um saldo de 30 Euros e não há sinal do seu cheque, exclamou o funcionário mostrando-me um “print” ainda fresquinho, acabado de sair da impressora.
- Ai passei, passei! Então como explica a carta que o banco me enviou? Atalhei eu, a principiar a sentir-me embrulhado numa qualquer cabala de mau gosto.
- Lá isso é verdade! Só mais um momento, isto tem que ter uma explicação, atalhou o confundido funcionário.
- Também acho que sim... ripostei eu.
Foram feitas mais consultas ao computador, inquirido o chefe que encolheu os ombros, e efectuados dois telefonemas para um qualquer departamento “especializado” em embróglios, que dez minutos depois, acabou por fornecer a chave do mistério.
- Está explicado! Veio esclarecer finalmente o funcionário. O seu cheque foi indevidamente lançado numa antiga conta-investimento que estava a zeros, e por força disso ficou com o saldo negativo. Daí a razão desta antipática cartinha...
Ah bem, afinal sempre era aquela famigerada conta fantasma, criada há três anos atrás, que ainda andava a fazer maldades, disse eu para os meus botões.
- Bem, quero que regularizem esta situação, e depois vamos cancelar a conta, respondi eu. Para uma insignificante conta bancária, alojada num banco tão pouco fiável e confiável, já vai sendo altura de acabar com esta tendência para a proliferação de sequelas.

Passaram, entretanto, dois meses, altura de voltarmos à tal sequela da sequela. Quando eu pensava que o assunto tinha ficado encerrado, engano meu. Na sequência do tal erro do banco, posteriormente rectificado, o mesmo banco (mais os seus impagáveis computadores) achou por bem enviar-me uma nova cartinha, muito simpática e solícita, a informar-me que agora estava devedor de 19 Euros, a título de JUROS DE PENALIZAÇÃO, a castigar o tal cheque mal lançado pelo banco, e que devia correr a pagá-los, porque senão, como caloteiro reincidente que era, o caldo podia ficar entornado. Como português temente e bem comportado, sem dívidas e com os impostos em dia, lá fiz uma nova viagem até ao dito, dissimulando da melhor maneira possível, uma tremenda vontade de lançar alguns urros cavernícolas, para sublinhar que quem devia ser multado era aquele banco, de que eu, apesar de esforçadas diligências, não me conseguia desembaraçar.
Tenho agora comigo um documento que dá como como saldada e extinta, para todos e os devidos efeitos, a tal conta que em má hora subscrevi, há vinte anos atrás. Tanto amadorismo e incompetência brada aos céus! Portanto, oremos para que esta história de encantar, depois de tanta diligência, fique por aqui.

NOTA – Qual é o banco, qual é ele? Aceitam-se sugestões.

Sem comentários: