quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Cóleras e Sorrisos


Tenham sido ou não uma provocação, destinadas a testar a capacidade de resposta dos muçulmanos, as famigeradas caricaturas dinamarquesas (na minha opinião, com um tema venenoso e de mau gosto), acabaram por trazer um benefício: voltar a pôr na ordem do dia, um problema que sempre se tem mantido em aberto. Quais são os limites da liberdade? O que é isso da liberdade com responsabilidade? Qual a fronteira entre liberdade plena e tépida condescendência? Será proibido proibir? Uma coisa é certa: quando os usos e abusos da liberdade se movimentam no plano cívico, mais pontapé, menos pontapé, mais queixa, menos queixa, o problema resolve-se. Porém, quando as religiões entram em cena, quando os púlpitos e as mesquitas se transformam em locais de desassossego, o caldo fica entornado.
Por caminhos ínvios andam as religiões, quando entronizadas de poder, visam impor os seus códigos de conduta, preceitos e regras, sabendo que a humanidade, tanto física como espiritualmente, se alicerça na diversidade. Mal vão também os políticos ditos laicos, que se dizem grandes e zelosos campeões das liberdades de expressão, quando assustados com a violência desencadeada, verberam contra os excessos de liberdade e a “irresponsabilidade” dos artistas do humor. Eu que sou agnóstico, costumo condescender e temperar estas situações com um pensamento: Se Deus, ao dar liberdade ao homem, permitiu que ele cultivasse a crítica, a comédia e a licenciosidade, é porque não estava muito interessado em que o homem respeitasse, sem vacilar, a sua intocabilidade e honorabilidade, dando razão a Albert Camus, quando disse que talvez sejamos mesmo livres e responsáveis, o que faz com que Deus não seja todo-poderoso. Apesar de tudo, é o que se sabe: os homens entenderam tornar-se, nuns casos, mais papistas que o Papa, noutros, mais puros que o próprio Profeta. Salman Ruschdie sofreu uma “fatwa” (decreto corânico) em 1989, que o condenava à morte, lançada pelos hayatolas iranianos, por ter escrito e publicado os seus VERSÍCULOS SATÂNICOS, tendo vivido largos anos na clandestinidade. Quanto ao Prémio Nobel José Saramago, foi anatemizado pelo Vaticano e vetado como candidato a um prémio literário, por um certo Lúcio Lara, subsecretário de estado da cultura português, quando escreveu e publicou o seu EVANGELO SEGUNDO JESUS CRISTO. Já o filme EU VOS SAÚDO, MARIA de Jean-Luc Godard, esteve impedido de ser exibido, ao passo que A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO de Martin Scorcese, enfrentou reacções hostis de múltiplos quadrantes, sobretudo católicos, prolongando-se até há muito pouco tempo, em alguns países, a proibição da sua exibição. Foi preciso surgir em 2002 uma adaptação cinematográfica d’O CRIME DO PADRE AMARO, romance de Eça de Queirós, editado pela primeira vez em 1875, e que explorava as consequências do celibato sacerdotal, para que os espíritos ficassem ao rubro. Antes mesmo do início das filmagens no México, já lavrava muita polémica, onde vários grupos de inspiração católica, tentaram por todos os meios impedir a sua realização. E isto é só para falarmos de alguns casos recentes, deixando de lado as mordaças impostas pelas mesas censórias e os autos de fé da Santa Inquisição, ou as colossais fogueiras alimentadas, na época do Califado, com os papiros, ditos heréticos e blasfemos, guardados na biblioteca de Alexandria.
A questão central destas confrontações não é uma luta entre culturas e civilizações, mas sim um braço de ferro entre o laicismo e o fundamentalismo religioso, entre a realidade e a superstição, entre a tolerância e a intransigência, entre uso da liberdade de expressão, fundamento das democracias, e algumas listas (umas mais extensas que outras) de restrições ao seu exercício. Embora eu respeite todas as religiões, e entenda que no contexto histórico, todas elas são responsáveis por diferentes modelos civilizacionais, também reconheço que, tanto podem amplificar como embotar os sentidos e a clarividência dos povos, tornando-se factor de perturbação e dando origem a situações bem pouco concordantes com a sua missão. Ao longo dos tempos, os provocadores, seja a que quadrante pertençam, sabem como usar qualquer pretexto, no caso o religioso, para ressuscitarem medos e preconceitos. Porém, as pessoas, seja a que quadrante pertençam, também são suficientemente inteligentes e sagazes, para saberem distinguir o essencial do acessório, desprezando e ignorando as provocações brandidas por agitadores, sejam eles supostos agressores ou pretensos ofendidos, deixando que elas se extingam como fogos fátuos. Sobre o planeta haverá sempre uns mais sisudos, e outros mais liberais, e nem todos os estômagos aceitam digerir as mesmas comidas. Dou um exemplo: ainda há dias a VISÃO publicou uma caricatura do Rui, onde a bandeira portuguesa aparecia confundida com o logótipo do Windows da Microsoft, parodiando os acordos que Sócrates estabeleceu com Bill Gates. Haverá quem veja nisto apenas uma colagem e um gracejo bem conseguidos, assim como haverá também quem veja no desenho, uma insuportável afronta ao mais carismático dos símbolos nacionais. O objectivo da caricatura é exactamente esse. Há que desfigurar a realidade, carregando-a de contrastes e cores fortes, em suma, há que ser mordaz, provocar o choque, pisar o risco, espicaçar os espíritos, subverter as normas e os cânones, para que a crítica e o anedótico atinjam o alvo e surtam efeito.
Cristo e o Vaticano, o Profeta e o Islão, Moisés e a Sinagoga, ou os ensinamentos do venerável Buda, isto para só falar das principais religiões, podem ficar descansados! Não serão caricaturas, afinal expressões do efémero burlesco, venham de que lado vierem, que calarão as fés e as convicções religiosas. Todas as pirotecnias que visam incendiar os espíritos e os sentidos, podem ser acirradas e instrumentalizadas, mas como todas as cóleras, se as remetermos para o seu verdadeiro lugar, apagar-se-ão por falta de combustível, e no fim, poucos vestígios sobrarão.
Com a criatividade temporariamente inquinada, gostei de ver que os dramas e turbulências provocados pelas caricaturas, tivessem sido superados com a realização de um torneio de desenhos humorísticos (embora, na minha opinião, novamente orientados para um tema de mau gosto), desta feita desencadeado pelo lado muçulmano, para ver quem possui maior grau de acidez e acutilância. Direi mais: tudo devia ter começado por aí, com as ofensas a dirimirem-se com canetas, pincéis e tinta-da-china, e não com o habitual folclore das bandeiras queimadas e das embaixadas vandalizadas, mais um punhado de políticos a acotovelarem-se e a colarem-se aos acontecimentos, tentando facturar prestígio e visibilidade. Agora, das duas uma: ou os alvos atingidos vão reclamar ruidosamente, ou todos vão ficar calados como homenzinhos mal comportados. A frio, e quando há culpas mútuas no cartório, o silêncio não é de ouro, mas de chumbo.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

GRANDE e simples


Lisboa, Praça de Londres. Estátua de Guerra Junqueiro, grande poeta português (1850-1923), que nos deixou poemas de crítica social e clerical como A MORTE DE D. JOÃO, A VELHICE DO PADRE ETERNO, MUSA EM FÉRIAS, FINIS PATRIAE, A INGLATERRA, CANÇÃO DO ÓDIO, e outros de lirismo singelo como OS SIMPLES, ORAÇÃO AO PÃO e ORAÇÃO À LUZ.

Três Repúblicas



A instauração do regime republicano em Portugal está quase a fazer um século de vida, tendo sido marcado por três períodos, cada um deles com a sua identidade própria. É certo que o mundo evolui, as condições da sociedade de há cem anos não são as mesmas de hoje, a História não se repete, porém, a propensão para tropeçar em erros do mesmo tipo, continua a ser uma constante da natureza humana, sobretudo quando se fica indiferente ao capital de experiência acumulada. Por isso, convém recordar a advertência formulada por George Santayana, quando afirmou que se não tirarmos algumas lições do passado, corremos o risco de voltar a repeti-lo. Hoje, quase 32 anos depois da restauração da democracia com a Revolução do 25 de Abril, e quando há tantas vozes a apregoarem que o regime entrou em crise, seria útil, antes de propor a terapêutica, elaborar um diagnóstico, radiografando o nosso processo histórico, em busca das causas profundas para o nosso actual estado de desalento.
Bem vistas as coisas, sempre fomos melhores gastadores que investidores. Após o grande crescimento provocado pelos descobrimentos, iniciados no século XV com a dinastia de Avis, a riqueza gerada pelo comércio com as Índias e o Brasil, em que a coroa era o grande beneficiário e administrador, não teve uma aplicação notória, porque faltava gente preparada para gerir e multiplicar a riqueza. Demos novos mundos ao mundo, mas quem disso se aproveitou foram os outros, até que, pouco a pouco, e pelas mais variadas razões, acabámos em Álcacer-Quibir e anexados por Castela, abraçados a um “sebastianismo” redutor.
Sessenta anos depois, e apesar de restaurada a independência em1640, iniciou-se com Portugal um longo e lento processo de declínio, que se veio estendendo até aos dias de hoje. No reinado de D.João V, o ouro que vinha do Brasil foi usado para satisfazer a megalomania e a ostentação real, como a construção do convento de Mafra e a transformação do país numa espécie de palco de uma grande ópera sacra, em que a Igreja era o actor principal. As prioridades da realeza tinham muito a ver com os seus hábitos e desejos sumptuários, e nada a ver com a valorização e beneficiação do país. Excepção deste estado de coisas foi o reinado de D.José e do seu todo-poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), cultor do despotismo esclarecido, que a par do reforço do poder régio, com a perseguição das vozes e poderes dissonantes, além de reconstruir a Lisboa mártir do terramoto de1755, se abalançou a modernizar o país, equipando-o com indústrias, das quais muitas foram sobrevivendo até aos nossos dias. Porém, eram também muitos os “estrangeirados”, como D.Luís da Cunha, Luís António Verney e outros, que viviam longe do provincianismo lusitano, das arremetidas da Inquisição e do cheiro a carne queimada dos autos-de-fé. Portugal era um deserto onde não havia políticos, nem economistas, nem educação, e os poucos homens de letras, sábios e cientistas que havia, apenas tinham oportunidade de trabalhar em relativa tranquilidade, obtendo estímulos e reconhecimento nos exílios forçados, longe do país, aliás, condição que continua a verificar-se nos dias de hoje, embora com outras motivações. Nos últimos 500 anos da sua história editorial, Portugal sofreu 420 anos de censura, iniciada com as reais mesas censórias e os autos-de-fé da Santa Inquisição, e a acabar nas rasuras do lápis azul dos Serviços de Censura do Estado Novo e nas apreensões da polícia política, concluindo-se que a publicação de livros em Portugal foi uma actividade cultural levada a cabo com uma taxa de repressão de 84 por cento. Isso explica porque é que os movimentos e as novas ideias que eclodiram além fronteiras, ou chegavam demasiado tarde, ou nunca chegavam, porque é que predominava o analfabetismo e se glorificava a ignorância e a pobreza de espírito, com as vidas ocupadas exclusivamente com a sobrevivência. Isso acaba por explicar também porque temos, na actualidade, 1 milhão de analfabetos, o que correspondente a 9% da população do país, isto sem contar com o analfabetismo funcional e a iliteracia, agravando-se o precoce abandono escolar, causa primeira da baixa qualificação da população e de um atraso congénito. Progressivamente, ia-se desinvestindo nas pessoas, deixando grassar a ignorância, a desqualificação, a boçalidade. Num país eminentemente agrícola, os portugueses limitavam-se a serem pagadores de impostos, arrebanhados aos campos, para as obras que entretanto se iam fazendo, ou para as toscas e indisciplinadas fileiras do exército, quando era preciso travar alguma guerra. Quanto aos outros, que por uma razão ou outra, ficavam fora deste esquema, que se amanhassem.

A primeira República, organizada à volta de um regime eminentemente parlamentar, durou perto de 16 anos e iniciou-se com a implantação da república no dia 5 de Outubro de 1910. Era uma época em que a monarquia, com o regicídio ainda fresco na memória de todos, tinha atingido o ponto mais alto do descrédito, tornando-se incapaz de gerir crises, encontrar soluções e consensos. Naquele dia, a instauração da república esteve a um passo de não se concretizar, por demasiado improviso e falta de coordenação. Quando os revoltosos republicanos, descrentes do sucesso, já debandavam às mãos cheias das barricadas da Rotunda, convictos que a sua aventura havia fracassado, porque o exército se demarcara do golpe e o seu comandante se suicidou, o impensável aconteceu: a família real, com as malas já feitas, decidiu, pelo sim, pelo não, abandonar Portugal, rumo ao exílio em Inglaterra. O poder não caiu na rua. A queda da monarquia acabou por ser uma das mudanças de regime mais pacíficas e indolores que se conhecem, chegando a instauração do novo regime a ser divulgado, nos locais mais recônditos do país, através do telégrafo. Entre incrédulo e atabalhoado, o impreparado aparelho republicano acabou por ocupar o vácuo criado, mas a ambição de poder era desmedida, de tal modo que, num curto espaço de tempo, o antigo grande Partido Republicado acabou por se pulverizar numa miríade de novos partidos, alguns deles bem insignificantes e quase nada representativos.
Desta primeira experiência republicana, em que o país de viu liberto de uma monarquia moribunda e ineficaz, ficou-nos um período algo turbulento, de ânimos exaltados, fruto de um novo regime que experimentava, pela primeira vez, o pleno usufruto do poder, muito embora os seus principais protagonistas já houvessem passado pelas instituições da monarquia constitucional. O aspecto mais marcante deste primeiro período republicano foi o extremo anti clericalismo, que culminou na expulsão das ordens religiosas e a nacionalização dos bens da igreja.
A monarquia havia negligenciado o estado educacional e cultural do país, em benefício de iniciativas de cariz material, como sejam a implantação da rede de caminhos-de-ferro e alguns troços de estradas. A monarquia preocupava-se com as coisas, ao passo que a república, pelo contrário, interessava-se pelas pessoas, criando o Ministério da Educação Pública, promovendo a instalação de centros de ensino e fazendo da disseminação da educação básica uma grande causa.
O excessivo peso institucional do Congresso na vida política do país, e uma permanente anarquia parlamentar, que fazia e desfazia governos entre surtidas monárquicas, arruaças bombistas, tiroteio, assassinatos e revoluções palacianas, foi a característica mais marcante da vida política da primeira república. Portugal era, entre os principais países da Europa, recordista em instabilidade parlamentar, presidencial e governamental, levando a que começasse a grassar o abstencionismo junto do eleitorado, não como censura ou rejeição do jovem regime propriamente dito, mas sim fruto de promessas incumpridas, múltiplas traições e desilusões protagonizadas pelos políticos, que facilmente esqueciam ser a governação a sua principal função. Aqueles consumiam todas as suas energias nas guerrilhas entre partidos adversários, e também nas lutas internas e interesses mesquinhos dos seus próprios partidos, e não a encontrarem soluções para as muitas carências do país e da população. Em dezasseis anos de regime republicano houve sete eleições para o Parlamento, oito para a Presidência da República e quarenta e cinco ministérios, com estes últimos a terem uma duração média de escassos quatro meses. O Parlamento, órgão que interferia em todos os detalhes da vida governativa, se por um lado constituía um poderoso travão às ambições e um filtro da corrupção política, mantendo a governação sob permanente controlo, por outro, apresentava-se como um permanente foco de instabilidade, fazendo cair ministérios, quantas vezes por questões menores e insignificantes.
O país acabou ainda por se envolver na fase final da Primeira Grande Guerra, por força dos compromissos que a aliança com a Inglaterra impunha, bem como a salvaguarda da integridade do seu império colonial, por um lado ameaçado pelos alemães, e por outro, sujeito a uma eventual partilha, caso a derrota dos alemães se concretizasse. Esta intervenção foi levada a cabo por um corpo expedicionário de 50.000 homens, indisciplinados e mal preparados, que foram despejados nos campos de batalha da Flandres em 1917. Lançados no braseiro e enfrentando as divisões alemãs, esta intervenção acabou por se traduzir em 6.000 prisioneiros, 7.000 mortos, inúmeros estropiados e gaseados, e deixando os cofres públicos vazios. De crise em crise e com ditaduras de permeio, o regime sobreviveu mais oito anos, até que sobreveio o golpe militar de 28 de Maio de 1926, capitaneado pelo general Gomes da Costa, que redundou, durante os dois primeiros anos, numa ditadura militar, resvalando depois para a ditadura do Estado Novo.

A segunda República, foi um período marcado pela ditadura de Oliveira Salazar, um professor de finanças, que se arvorou em salvador da pátria e edificou um regime que baptizou de Estado Novo. Grassou durante 48 longos anos, e caracterizou-se por uma inquestionável estabilidade governativa, própria dos governos autoritários. Teve 3 Presidentes da República (Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás) e 2 governos, o primeiro, o mais longo de todos, conduzido com mão de ferro pelo todo-poderoso Prof. Salazar, e o último, pelo Prof. Marcello Caetano, que fora em tempos delfim do ditador, e que assumiu as funções, quando o primeiro, física e mentalmente incapacitado por um acidente, foi retirado de funções. Tal estabilidade governativa foi feita à custa do cerceamento das liberdades fundamentais e da instauração de um regime que se arrogava ser, para consumo externo, uma “democracia orgânica”, mas que na realidade não passava de um simulacro caricatural do sistema democrático. Cá dentro grassava um estado policial e repressivo, onde o essencial era saber ler, escrever, contar, rezar e trabalhar sem questionar. Ter acesso a mais altos voos era um privilégio a que muito poucos tinham acesso, sobretudo depois de manifestarem, por obras e pensamentos, a sua inquestionável fidelidade ao regime.
Os actuais adeptos do longo consulado salazarista esforçam-se por apagar tudo o que diga respeito ao estado policial-fascista que foi erigido, adaptado do modelo orgânico e institucional de Mussolini e da máquina repressiva do III Reich alemão. Preferem enaltecer outras iniciativas do regime, tais como sublinhar o meritório esforço que o ditador despendeu a equilibrar as contas públicas (o tal défice todo-poderoso) e a promover a acumulação de reservas de ouro, para arrancar o país à extrema pobreza e ao atraso em que a 1ª. República o deixara, objectivo que não concretizou, mascarando-o com uma paz e a segurança feita à custa da limitação das liberdades. Na verdade, o povo pouco mais ganhou que a segurança das prisões e a paz dos cemitérios. Por outro lado, teríamos ficado a dever-lhe também a manutenção do país ao abrigo de todas as consequências geradas pela Segunda Guerra Mundial, não sem que antes disso, em 1936, haja apoiado descaradamente o pronunciamento e a guerra civil espanhola, desencadeada pelo futuro ditador Franco. A vizinhança da novel República Espanhola era coisa que não lhe interessava, já que esta poderia tornar-se uma potencial exportadora para Portugal das "perigosas" ideias e práticas políticas que o Estado Novo estava tão empenhado em erradicar. Na altura da Segunda Guerra Mundial, momento alto em que as democracias se confrontaram com os fascismos, optou por escudar-se numa conspícua e bizarra neutralidade, porque ao envolver-se no conflito, estaria a comprometer os seus desígnios. Salazar era astuto, tinha um projecto pessoal de poder e sabia que só o poderia levar à prática com sucesso, se isolasse o país, disciplinando e silenciando as suas vozes e pensamento. Não queria partilhar esse projecto com ninguém, nem tão pouco tolerava que alguém nele se viesse intrometer. Desde o primeiro momento que pisara os corredores do poder, Salazar sabia o que queria, e para onde ia. O objectivo era submeter o povo à autoridade secular e religiosa, com padrões mínimos de instrução, sem ambições, reduzido à condição de força de trabalho humilde, domesticada e quase-forçada, arredado das ideias e opiniões contrárias ao regime, por uma impiedosa e castradora censura dos meios de comunicação social, permanentemente vigiado e reprimido pela polícia política, que se encarregava de distribuir os adversários políticos do regime, pela colónia penal do Tarrafal, e as prisões do Aljube, Caxias e Peniche.
A riqueza que entretanto ia sendo acumulada pouco ou nada tinha a ver com um tecido económico dinâmico, gerador de riqueza e de trabalho. As grandes fortunas iam-se fazendo à custa da exploração desmedida que o mossuliniano Estatuto Nacional do Trabalho permitia, ao mesmo tempo que o país ia vivendo de uma pseudo-indústria de turismo, do investimento estrangeiro e dos monopólios que estavam nas mãos de meia dúzia de famílias. Em vez de abrir o país ao desenvolvimento e progresso, deixou que o país se fosse exaurindo na exportação de mão-de-obra, através das sucessivas vagas de emigração, vindo depois a encherem-se os cofres do estado com as remessas dessa mesma emigração, num simulacro de prosperidade. As grandes conquista, descobertas, escolas e ideias que irrompiam pelo mundo fora, apenas nos afloravam, quase como meras curiosidades, dissimuladas por entre alguma informação filtrada que ia chegando até nós, importada de forma clandestina. Eleições era uma matéria rigorosamente controlada pelo aparelho repressivo e policial, não deixando que as mensagens oposicionistas chegassem aos destinatários, nem que as urnas fornecessem surpresas. Já em 1948 havia ocorrido um primeiro sobressalto com a candidatura oposicionista de Norton de Matos, mas foi nas eleições presidenciais de 1958, quando se apresentou como candidato da oposição o general Humberto Delgado, um “desertor” das fileiras do Estado Novo, que o regime tremeu. Foi tal o susto (Delgado teria ganho as eleições, caso a sua candidatura não houvesse sofrido toda a espécie de obstruções e os resultados não tivessem sido manipulados) que de imediato o regime procedeu a uma alteração constitucional, acabando com o sufrágio universal do presidente, e deixando a sua eleição/nomeação entregue à assembleia nacional, totalmente dominada pelo regime, travestida das funções de cinzento colégio eleitoral, para o cumprir as futuras investiduras. Quanto a Delgado, que apesar de exilado se mantinha activo, logo incómodo para o regime, viria a ser assassinado pela polícia política, em 1965, junto à fronteira de Espanha.
Depois disto, imerso numa imensa mediocridade e combatido por largos sectores da sociedade, fosse às claras ou na clandestinidade, o regime ia entrando em decadência. Sendo quase certo que o regime dificilmente sobreviveria ao seu mentor, a guerra colonial que irrompeu em 1961, fruto da mesquinhez e do isolacionismo salazarista, que teimava em ignorar os novos tempos que emergiram após a Segunda Guerra Mundial, e que traziam a marca da promoção e emancipação dos povos, acabou por ser o derradeiro balão de oxigénio que manteve vivo o regime, apenas adiando o colapso que já se vinha anunciando.
Acabaram por ser os militares, endurecidos por essa guerra colonial interminável, que se estendia por três frentes, e cuja vitória militar se tornava cada vez mais improvável, que se rebelaram e desceram à rua em 25 de Abril, apeando o regime, e manifestando a intenção de devolverem, ao país e à república, a sua matriz republicana e democrática. Em boa verdade, quando o regime caiu em 25 de Abril de 1974, para além da exaustão resultante de 48 anos de autoritarismo e de 13 anos de guerra, que consumia homens e recursos, o país ainda era, tal como fim da primeira república, e no dealbar do Estado Novo, em 1926, para além de um anacronismo político, a nação mais pobre e atrasada da Europa.

A terceira República, engloba o período que se estende, desde a revolução do 25 de Abril de 1974, até à actualidade. Desmembrou o estado totalitário, e na fase mais aguda de um conturbado processo revolucionários, procedeu ao desmembramento dos monopólios, a um arrojado programa de nacionalizações e reforma agrária. Levou a cabo a descolonização, acabando por fazer regredir o espaço territorial português para as fronteiras anteriores aos descobrimentos, foi gerador de uma nova Constituição, que reorganizou o país à volta de um regime democrático de matriz semi-presidencial, estruturado à volta de meia dúzia de partidos políticos, que passaram a cobrir, com razoável eficácia, o espectro sociológico do país. Até à data, teve 5 Presidentes da República (o sexto vai tomar posse dentro de dias), 6 Governos Provisórios e 16 Governos Constitucionais. Definitivamente encerrado o processo relativo ao seu passado colonial, com a adesão de Portugal à União Europeia, em 1986, o país passou a deslocar os seus centros de interesse para uma Europa que, sendo já uma potência económica, sem ser ainda uma unidade política, tem vindo a colher novas adesões, que também vão multiplicando as contradições e dificuldades.
Enumerar aqui todos os governos que até hoje se sucederam na ribalta política, seria fastidioso, além de que, dada a sua proximidade temporal, ainda persistem muitas memórias deles. Grosso modo, diremos apenas que todos eles, quase sem nenhuma excepção, enveredaram por promover vagas sucessivas de privatizações, restituindo os mais importantes sectores económicos e financeiros ao grande capital, reduzindo ao mínimo o sector empresarial do estado, mesmo em áreas consideradas estratégicas.
Por outro lado, entre 1985 e 1995, os muitos milhões de euros que entraram no país, vindos da União Europeia, esvaíram-se sabe-se lá para onde, e acabaram por não criar os alicerces duradouros e virados para a criação de riqueza produtiva, ficando muito longe de promover a qualificação dos portugueses, que continua a decair. Tal como o ouro do Brasil referido na introdução, os milhões europeus esvaíram-se em obras de estadão e pouco ou nada contribuíram para a criação de oportunidades, o revigoramento do tecido económico e a consequente elevação das condições de vida do país, ao passo que a agricultura e as pescas, longe de se modernizarem, acabaram desmanteladas e quase reduzidas a actividades de subsistência. Onde foram desaguar aqueles caudalosos rios de dinheiro? Quem deles beneficiou?
Deixaram-nos muitos milhares de quilómetros de auto-estradas, muitos viadutos, muitos “elefantes brancos” e uma indústria de betão que entra logo em crise assim que abranda a sofreguidão edificadora do estado, ao passo que a reorientação dos recursos e das competências ficaram-se pelas boas intenções.
A modernização e o desenvolvimento do país são, na actualidade, mais uma aparência que uma realidade, mantendo-se o país, apesar das quotidianas injecções de subsídios comunitários, um exemplo de descoordenação, ausência de rigor e sistemática falha de objectivos, o que conduz a que Portugal permaneça como um dos elos mais fracos da cadeia europeia, ocupando insistentemente os últimos lugares do “ranking” europeu.
O próprio Estado e a Administração Pública só aparentemente se modernizaram, sendo muitos os processos ainda tradicionais, que datam do século XIX, dos primórdios da república e do extenso consulado salazarista.
Do mais anónimo cidadão, até ao mais notável empresário, todos exigem ser beneficiários do subsidiarismo crónico que se instalou no país, o qual funciona como um sistema compensatório alternativo, face à ausência de projectos estruturantes, à ineficácia do aparelho administrativo e à mesquinhez e incompetência dos actores políticos. Com a alternância do poder, instalou-se a disseminação de clientelismos, secretas promiscuidades entre o poder político e os agentes económicos, o que potencia a difusão de favorecimentos e a instalação de uma generalizada corrupção, que alastra os todos os sectores da sociedade. Os programas de governo acabaram por tornar-se réplicas de outros anteriores, com ligeiras alterações de interesse e circunstância, onde está ausente qualquer vestígio de inovação e imaginação, sendo rara e minimamente cumpridos, quando não acontece serem cumpridos às avessas.
O guterrismo pensava que conseguia governar o país sem mexer uma palha, e que os problemas se resolveriam por si. O barrosismo pensava que conseguia governar o país virando tudo do avesso. Quanto ao santanismo, até há poucos meses, ainda pensava que conseguia governar como se tudo não passasse de um espectáculo de circo, com distribuição de caramelos pelo meio. Curiosamente, o socialista José Sócrates, apoiado numa maioria absoluta e na cartilha da “dama de ferro”, acaba por levar à prática as políticas que o barrosismo e o santanismo, ou não tiveram tempo, ou nunca se afoitaram a aplicar.
Portugal sempre foi uma identidade bem demarcada no contexto ibérico, porém, neste momento, dada a sua irrelevância económica, começa a assistir-se à perda de voz activa nas instâncias europeias, à deserção e transferência de muitos centros de decisão para Espanha, o que a breve prazo levará à diluição da nossa importância política, passando a ostentarmos, em termos de importância, o estatuto de região. Não é o regime democrático, como alguns sebastianistas pretendem, que é responsável pelo estado deplorável em que nos encontramos, mais sim quem tendo nas mãos as alavancas do poder, sob a capa e em nome dessa mesma democracia, gesto a gesto, passo a passo, empurraram o país para a presente situação. Hoje, tal como em 1926, aquando dos primeiros passos de Salazar pelos corredores do poder, é a questão do crónico défice orçamental que mobiliza, agora de forma contraditória, atabalhoada e imprecisa, alguns arremedos de gestão dos dinheiros públicos. Hoje, com o tempo mais que esgotado, torna-se necessário efectuar um salto qualitativo, já que, para além de alguns simulacros de modernização, panaceias e mezinhas avulsas, que descambaram em outras tantas experiências fracassadas, fomos incapazes de conceber e introduzir, no momento próprio, projectos de crescimento, coerente e sustentado, que fossem considerados e unanimemente aceites como desígnios e causas nacionais.
Será isto uma terceira República que reedita os vícios da primeira, ou apenas mais um lanço descendente, feito de compromissos secretamente lavrados, em tempos de cega globalização, entre mercenários da coisa pública e do apátrida sector capitalista, para que o país se apague?

Notas Soltas


A Sonae lançou uma OPA (Operação Pública de Aquisição) hostil sobre a Portugal Telecom, mostrando que o empresário Belmiro de Azevedo continua empenhado em manter o crescimento do seu império económico. Se for bem sucedido na sua operação, o Estado (que por agora não interfere, mas lá no íntimo até talvez agradeça) perde o controle de uma grande empresa do sector empresarial do estado, mas encaixa uns quantos milhões para ver se equilibra o orçamento, ou esbanjar como é seu costume, sendo que a operação, se for concretizada, pouco ou nada acrescentará ao desenvolvimento económico de que o país carece. Indiferente aos problemas do país, e enquanto os grandes tubarões se divertem a jogar ao Monopólio, o governo deixa que empresas estratégicas sejam vendidas a retalho e a pataco, para que alguns poucos fiquem cada vez mais ricos, e todos os outros cada vez mais pobres.

Ainda não está tudo dito nem visto, mas o facto de Belmiro de Azevedo, ostentando dotes de áugure, ter afirmado, há uns meses atrás, que Cavaco Silva iria ser um excelente Presidente da República, para ombrear com o excelente Primeiro-Ministro que Sócrates já era, dá bem uma ideia do que pensam os grandes empresários, sobre as agradáveis perspectivas de uma coabitação abençoada pelo espírito santo do bloco central, que tanto pode dar em união de facto como em casamento de conveniência. Com a actual OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom em curso, começa a ficar explicada a afabilidade e deferência com que o governo encara a operação. Naturalmente, amor com amor se paga.

No país em que um qualquer Valentim (com mais direito de antena que qualquer outro português) se permite humilhar e ameaçar um agente da PSP em plena via pública, em que uma Fátima fugida à justiça regressa à terrinha para ganhar as eleições, para logo a seguir a justiça fazer recuar o processo para a estaca zero, para já não falar em Apitos Dourados, Freeports, Facturas Falsas, Aeroporto de Macau, corrupção nos Impostos e na Direcção Geral de Viação, Universidades Modernas, Casas Pias, Furacões, Portucales, Eurominas, e mais um interminável cortejo de arrastamentos, prescrições e respectivos arquivamentos, chamar a isto imunidade ou impunidade não faz grande diferença. Assim sendo, talvez a expressão mais adequada seja o de estarmos a viver numa sociedade corrompida até ao tutano.

Até Abril, em obras que avançam a passo acelerado, e contrariando a tão apregoada falta de verbas, vão ser gastos mais uns quantos milhões de euros para levantar em Évora um Centro de Estágio para a Selecção Nacional de Futebol, com vista ao campeonato do mundo que se disputa este ano. Depois dos dez (10) estádios de futebol, que ostentámos garbosamente durante o campeonato da Europa de 2004, e que actualmente nos estão a dar imenso jeito, temos agora mais uma obra que prima por contrariar a nossa pelintrice, ser eminentemente necessária e inadiável, enquanto escolas, tribunais, hospitais e outras estruturas de utilidade pública, umas são exíguas, outras metem água, ao passo que outras correm o risco de derrocada. (*)

Tive o meu primeiro sobressalto que quase tocou a raiva, quando assisti, nos idos de 60 do século passado, ao filme de Trufault, que se intitulava FARENHEIT 451, baseado no romance de ficção científica de Ray Bradbury, esse mesmo, onde as brigadas de bombeiros tinham a diabólica missão de atear o fogo a bibliotecas inteiras, reeditando os autos de fé do III Reich, e onde os poucos resistentes, optavam, cada um, por decorar uma obra da sua preferência, para mais tarde a declamar de memória, salvando-a assim de um trágico e fatal esquecimento. À época, lembro-me de ter ficado revoltado, porque todos os tostões que amealhava eram para resgatar livros em segunda mão aos alfarrabistas de rua (como aquele concorrido pátio ao lado do cinema Éden), e não concebia que o fruto da criatividade do espírito humano, adquirido com tanto sacrifício, e tratado com tanto cuidado e desvelo, pudesse ser inspiradora de perseguições e combustível para alimentar fogueiras.
Agora, a propósito das reacções desencadeadas pela publicação de algumas caricaturas, começo a acreditar que estamos a viver tempos complexos e perigosos. Ai das civilizações e da paz, quando as religiões se introduzem nas relações entre os povos, e vice-versa! Ai das artes e das culturas, quando a intolerância e as inquisições voltam a querer ditar regras, impedindo que os seres humanos cultivem a comédia e o grotesco, contando histórias licenciosas e exercitando o riso.

Na América as coisas passam-se assim: um empregado foi despedido porque, fora das horas de serviço, foi visto a consumir uma marca de cerveja, concorrente da marca para que trabalhava. O patrão diz que quem faz as regras é ele, e quem não gostar, paciência...
Nos EUA não há legislação que proteja quem trabalha, contra prepotências deste tipo, que roçam o mais retinto fascismo.

Folheei aquela revista e a páginas tantas, estava lá a casa que foi de Karen Blixen, a dinamarquesa que nos primórdios do século passado, cheia de coragem e com aquelas saias imensas a roçar os tornozelos, andou pelo Quénia a lutar contra as mentalidades, fórmulas e intransigências do espírito colonizador. Continuo a não saber se aquele morro sobranceiro ao vale dominado pelas montanhas Ngong, onde os leões, ao fim da tarde, se vinham deitar, como se viessem venerar o local que recebera os restos mortais de Finch Hatton, o homem que não queria pertencer a ninguém, nem a lado nenhum, é verdadeiro, ou se não passa de um produto da ficção que Sidney Pollack, genialmente, materializou para o cinema, baseado no livro que Karen nos deixou. Assim, voltei a rever o filme “Out of Africa” (África Minha), com a sua história simples, nostálgica, recheada de humanidade, imagens fortes e emoções, quando o mundo e muitas convenções estavam em vias de sofrer mais um safanão.


Falando ainda sobre cinema, cada filme de Andrei Tarkovsky, o cineasta que nos deixou “Andrey Rubliov”, “Solaris” e “Stalker”, é um mergulho em apneia, nas profundezas dos seres humanos e das suas relações com o universo.
(*) Publicado no EXPRESSO de 2006-02-11 com o título “Futebóis”.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Notícias do Choque


Ao mesmo tempo que constou que uma delegação portuguesa teria sido recebida no MIT, e sabendo-se que o governo era o impulsionador da possível parceria, logo parte interessada nestas diligências, devendo mesmo chefiá-las, ficámos perplexos por aquela não integrar um único representante governamental. Laconicamente, fomos informados que tais contactos continuam apenas a nível exploratório, que é o mesmo que dizer, que os preclaros e ocupadíssimos ministros desta parvónia têm mais que fazer.
Entretanto, o governo colou-se sofregamente à vinda de Bill Gates (um gestor implacável) a Portugal, esforçando-se por envolver e associar o patrão da Microsoft ao nosso conturbado Plano/choque Tecnológico, tão necessitado de credibilidade, nem que fosse à custa de pomposos espectáculos mediáticos, protagonizados por uma pindérica força de intervenção ministerial (o que talvez justifique a ausência do governo na delegação junto do MIT) e condecorações à mistura. Bill Gates é uma personagem controversa, que tanto venera Leonardo da Vinci (um estudioso e prolífico espírito da Renascença, multidisciplinar, inventivo e inovador), com quem se identifica, dando prioridade à frutificação das aptidões e competências, como elimina, sem compaixão e com audaciosa alma florentina, os seus adversários e concorrentes, usando e abusando da sua posição dominante. Porém, através da fundação que gere com a sua mulher, também é capaz de partilhar a sua imensa fortuna em projectos filantrópicos que pretendem erradicar doenças e epidemias, nas zonas mais fustigadas do planeta. Mas sempre que as oportunidades de negócio se oferecem, sempre que as “janelas” se abrem, não deixa os créditos por mãos alheias, indo tão longe quanto possível, não cedendo um palmo dos “territórios” conquistados, nem mesmo quando fica a braços com acções judiciais, acusando-o de práticas monopolistas, que secam tudo à sua volta. Numa área que exigia a ponderação de soluções alternativas (que já existem) ao domínio planetário da Microsoft, e uma prudente diversificação de opções, o governo, deslumbrado com a presença do homem mais rico do mundo, não pensou duas vezes. Entregou-se de olhos fechados e com um sorriso parolo nos braços do “mago” de Seattle. Resumindo: Bill Gates, como implacável homem de negócios que é, não vem dar nada a Portugal, tendo-se limitado a estabelecer protocolos e acordos para que a sua empresa ministre a tão desejada formação em tecnologias de informação, de que o país carece, passando depois a usufruir das dependências instaladas e recolhendo os respectivos lucros.