A miniaturização não é apenas um fenómeno dos séculos XX e XXI. Já no século XIX se produziam missais como este, datado de 1856, ano da inauguração do primeiro troço de caminho de ferro, entre Lisboa e o Carregado, e da concessão da liberdade a todos os escravos que desembarcassem em Portugal continental, Ilhas adjacentes, Índia e Macau. Tem as modestas dimensões de 68x48x16 milímetros (compare-se com os dicionários Lilliput ou com a moeda de 2 Euros), que dava para dissimular no cano das botas ou entre os punhos de renda, encerrando 255 páginas de católica e piedosa devoção. A capa é rígida e está decorada com a figura de um doutor da igreja, embutida numa filigrânica moldura oval. Está recheado de gravuras alusivas à missa e tem a protecção de um irrepreensível fecho dourado, feito de um metal indestrutível (será latão?), da mesma estirpe da moldura da capa. Com a idade de 150 anos (chegou até mim através de várias e parcas heranças), este Manual abreviadíssimo da Missa em português (e não em provecto e obscuro latim), foi compilado pelo presbítero J.-I. Roquette, editado e impresso pelos livreiros Aillaud, Monlon & Cª., com sede na Rue S.-André-des-Arts, 47, em Paris.
segunda-feira, março 27, 2006
domingo, março 19, 2006
A França não Dorme
Não parece, mas de tempos a tempos a França acorda. Anteontem foi a França da Revolução, da tomada da Bastilha, dos Estados Gerais, do Directório e do terror. Ontem, há quase quatro décadas atrás foi a França do Maio de 68, e hoje continua a não ser uma França qualquer: é a França que ainda há pouco rejeitou a Constituição Europeia de cariz neoliberal, e agora a França dos estudantes, aliados aos sindicatos e às forças políticas de esquerda, que fazem frente a uma legislação que quer deixar a juventude que acede ao mercado de trabalho, sujeita à mais dura e despudorada precariedade.
Voltam a despovoar-se as universidades, as ruas a transbordarem de estudantes e a contestação e propagar-se do Quartier Latin aos quatro cantos do país. Diz o governo que os contestatários não passam de um punhados de esquerdistas, de holligans e de vadios. O governo diz que está a fazer isto tudo para o bem das novas gerações, a acautelar o seu futuro, portanto, tenham paciência e muito juízo, caso contrário levam…
Porém, os franceses já perceberam que isto é o capitalismo puro e duro, guloso, desavergonhado e sem freio, a reeditar a cartilha novecentista da revolução industrial, que levantava monopólios e aferrolhava fortunas colossais, à custa da constituição de imensos exércitos de reservistas desempregados. O mundo mudou, porém, mau grado as lições do passado, o capitalismo continua igual a si próprio. E o poder político vai pelo mesmo caminho, renovando e reforçando o mesmo tipo de ligações amásias e perigosas com as gentes do capital e da finança, os tais para quem o pior dos outros é sempre o melhor para eles. Para enfrentar a revolta e o descontentamento, põem-se as polícias na rua, amanhã talvez a tropa, a tal que deixou de ser instituição nacional e passou a ser voluntária, para não dizer mercenária. E mundo continua a mudar, se calhar para pior, mas nós continuamos alegremente distraídos. A França não dorme, mas nós parece que sim. Pode faltar dinheiro para tudo e mais alguma coisa, mas nada se regateia para equipar os corpos especiais das polícias de choque, bem comidos, bem pagos, bem montados, bem couraçados, bem armados e bem treinados, para reporem uma ordem, que de democrática vai tendo cada vez menos. Temos andado distraídos, embalados nos nossos brandos costumes, mas em Portugal passa-se o mesmo que pelo resto da Europa e do Mundo. Durante o Euro 2004 já tivemos uma demonstração do super-equipamento das polícias anti-motim. Não faltará muito tempo que experimentemos no lombo, o que de lá até cá, veio reforçar as “forças da ordem”. A bem da ordem e da nação.
Autoridade à Portuguesa
Francisco Van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, disse com todas as letras:
- Adoro governos autoritários, não me afligem absolutamente nada.
Quem assim fala, é fácil perceber de que lado está, e não é, certamente, do lado da democracia. Quem assim fala, sabe o que quer, e sabe escolher o momento de começar a deitar as unhas de fora. Os portugueses, sobretudo os de curta memória, que se cuidem! Portanto, assentemos ideias e abramos os olhos.
Um homem autoritário, é uma coisa. Em princípio, não passa de um ditadorzeco singular, que aqui e ali, poderá ir destilando as suas exigências e criando desassossego, mas pouco mais será do que isso. Porém, um governo autoritário é algo de diferente, e por sinal bem pior, pois qualifica o órgão de governação de um país, sendo suposto que exerce o poder sobre todo o povo, e se for despótico e prepotente, é certo que arrastará consigo as mais inesperadas e inevitáveis consequências.
Samba à Portuguesa
Contrariando os pareceres dos serviços do seu ministério, o secretário de estado das comunidades, António Braga, deslocou-se ao Brasil, ele e a sua equipa, em “missão de estado”, para apaziguar um diferendo entre o consulado português e o Arouca São Paulo Clube, uma organização de emigrantes portugueses, que por sinal tinha um denso programa de festas, na semana em que o fogareiro carnavalesco estava ao rubro. O caso devia ser deveras grave, para exigir a presença de tão proeminentes personagens, mas afinal parece que também estavam previstos alguns contactos com autoridades locais, os quais primaram pela compreensível descoordenação e desencontro, atendendo às fogosas festividades em curso, confirmando que a folia não é compatível com contactos bilaterais. No ar fica mais uma dúvida: será que o governante e seus assessores foram até às terras de Vera Cruz para apagar o tal fogo que grassava na comunidade portuguesa, ou tratou-se de mais uma surtida suportada pelo erário público, destinada a espreitar, ao vivo e em directo, os delírios do Carnaval carioca? Embora sabendo que esta diligência era desaconselhada e estava condenada ao fracasso, o senhor Braga não desistiu do seu devaneio, talvez porque sendo Carnaval e estarmos em Portugal, é costume ninguém levar a mal…
quarta-feira, março 15, 2006
Adeus TRRRIM, TRRRIM …
Esta é a transcrição de uma carta que enviei à PT COMUNICAÇÕES, na sequência de mais um mau serviço aos clientes, à comunidade e ao país, sentido na pele. Será que o nervosismo (verdadeiro ou simulado, o tempo o dirá) desencadeado pela OPA, é a causa de tanta negligência e desnorte? Não, não é! A PT habituou-se, ao longo das décadas, a tratar os clientes como uma maçada que se deve despachar com duas pedras na mão, ou sacudir com desdém, quais limões que devem ser espremidos e enganados sem contemplação, sem direito a desculpas, mesmo quando têm razão.
“Exmos. Senhores:
Serve a presente para vos comunicar que, a partir do corrente mês de Março, prescindo dos vossos serviços, relativos ao fornecimento de rede fixa. Passo a especificar as minhas razões, em número de três (3), a saber:
1) De há uns meses a esta parte, e apesar de sempre ter informado que estava satisfeito com o actual prestador de serviços (XPTO), fui sistematicamente assediado e incomodado com contactos por escrito e via telefone, de pessoal da PT, no sentido de aderir aos vossos serviços e tarifas;
2) Bisando uma situação já ocorrida em 2005, no passado dia 3 de Março deixei de poder efectuar e receber chamadas pela rede fixa, muito embora o meu telefone tocasse quando alguém me pretendia contactar. Solicitei a intervenção da XPTO, a qual, após várias esforçadas diligências, me informou que o problema tinha origem na PT. Esta situação manteve-se até à tarde do dia 9 de Março (6 dias sem telefone), altura em que um funcionário da PT telefonou a informar que o problema já estava solucionado, explicando que umas obras teriam afectado a linha, justificação que dificilmente se aceita, dado que em modo de recepção o telefone tocava, muito embora não houvesse comunicação. Quando manifestei ao técnico a minha incredulidade por tal corte se ter arrastado durante 6 dias, e apenas me ter afectado a mim, o mesmo exibiu alguma admiração;
3) Nesse mesmo dia 9 de Março recebi uma Factura Nº. 99999999 da PT, relativa ao mês de Fevereiro de 2006, na qual me eram indevidamente debitados € 20,937 de comunicações, ao passo que a XPTO, para o mesmo período, me debitou, muito correctamente e como lhe competia, € 17,63 por essas mesmas comunicações.
Naturalmente, apressei-me a cancelar junto do banco respectivo a autorização de débito directo que possuía para as facturas apresentadas pela PT Comunicações, pois não tenho por hábito pagar contas em duplicado.
Para confirmação do que atrás referi, junto fotocópias de ambos os documentos citados.
Apenas uma nota final: a PT Comunicações deveria ser tão diligente a tratar os seus clientes como trata os seus accionistas.
Nesta conformidade, e como referi no primeiro parágrafo, insisto em prescindir dos vossos serviços, ficando o aparelho telefónico à vossa disposição para ser recolhido na morada abaixo, quando muito bem entenderem. Sem outro assunto, subscrevo-me.”
segunda-feira, março 06, 2006
Farsas
José Sócrates diz que aquela sua iniciativa, é o máximo que a solidariedade humana podia ter engendrado. Eu digo que não, e para o provar aí está a entrevista que o Primeiro-ministro deu, onde tentou dourar uma pílula prenhe de propaganda e nula de consequências. O subsídio complementar de pobreza na velhice, com toda a sua panóplia de documentos burocráticos que o candidato tem que apresentar, é a súmula máxima da crueldade deste estado pseudo-social. Imaginem um solitário e carente octogenário, com relações familiares conflituosas ou inexistentes, ignorado, solitário, entregue às pequenas tarefas da sobrevivência, quase incapaz de se deslocar, afectado por aquela timidez e acanhamento próprio de quem se sente marginalizado, condição que o leva a escolher a invisibilidade e o silêncio, amparado à bengala, a calcorrear repartições para requerer atestados de pobreza, a preencher formulários, a querer apensar fotocópias de declarações de impostos que nunca chegam, enfim, a tentar provar que não tem onde cair morto. Este estado socialista, como de socialista só tem o nome, faz os velhotes passarem vergonhas, obrigando-os à humilhação de exibirem o abandono a que foram votados, ou a penúria dos seus descendentes, dá uma esmolinha aos que se sujeitam a levar o calvário até ao fim, e nos restantes casos põe-se de fora, satisfeito com a sádica tarefa de levantar barreiras ao elementar direito de sobreviver com alguma dignidade, na última etapa da vida.
Em vez de providenciar que as regras básicas do código da estrada e do comportamento cívico comecem nos bancos do ensino primário, em vez de exigir excelência e rigor nos exames de condução, em vez de pôr em acção mecanismos adequados para pôr um ponto final no comércio escandaloso da venda ao desbarato de licenças de condução, o governo quer impor o uso de limitadores de velocidade, nos veículos conduzidos por pessoas com carta há menos de dois anos. O governo, mais uma vez, na sua ânsia, ignorância e incompetência, quando não sabe, engendra, convencido que inventou a roda. Começa por não saber o que é um limitador de velocidade (não é um parafuso a travar o curso do acelerador), e não faz ideia de como e quem irá providenciar a fiscalização de tais dispositivos. Sem os tradicionais recursos policiais para cobrir adequadamente o espaço rodoviário do país, tudo isto tem a pretensão de travar a carnificina nas estradas portuguesas, que está provado, não é, tendencialmente, um problema dos traçados das vias, nem que se solucione com a limitação das aptidões dos veículos, mas sim com a moderação e civilidade de quem os conduz.
Por outro lado, Ricardo Almeida, deputado do PSD, é useiro e vezeiro em ultrapassar os limites de velocidade por esse país fora, qual lusitano Speedy Gonzalez, sem que nunca tenha pago uma única multa. Diz ele que tais excessos se devem ao facto de ser um político que gosta de cumprir horários. Todos somos portugueses, mas há uns que são portugueses pontuais, enquanto que outros são portugueses atrasados. Este argumento tem deixado sensibilizado até às lágrimas, quem lhe vai perdoando as acrobacias rodoviárias, provavelmente apoiado noutros precedentes, ocorridos com figuras do poder judicial, que deram como justificação para o facto de serem interceptados a velocidades proibitivas, razões e compromissos do foro jurídico, mas que afinal não passavam do anseio de chegar a tempo e horas a uma boa patuscada.
O ministro Jaime Silva, confrontado com perguntas sobre as precauções que devemos tomar com a gripe aviária, apesar de ter enunciado certas cautelas, fazendo alguma pedagogia sobre o assunto, acabou por estragar a intervenção, rematando com a confissão de que não dispensa o seu franguito assado, iguaria que aprecia. Se o vírus morre à temperatura de 70 graus, ficamos sem saber o que é mais seguro, se frango assado como o ministro gosta (na versão a carvão a temperatura do pitéu não chega aos tais 70 graus), galinha de fricassé ou canja de miúdos. Preocupado em desdramatizar o problema, mas esquecido da prudência que o caso exige, acabou por fazer uma triste figura, fazendo lembrar um outro ministro, apanhado a comer mioleira, com grande sofreguidão, na época em que a BSE começava a grassar em Portugal, e que disse não haver nada que o desviasse de deleitar-se com tal manjar.
Para avançar com a OPA sobre a Portugal Telecom, Belmiro de Azevedo vai utilizar os serviços de uma subsidiária holandesa, tirando partido das isenções de impostos que aquele país oferece nestas operações financeiras, pondo assim os seus interesses à frente do aconchego que tal maquia traria às finanças públicas de Portugal. Deste modo, vão deixar de entrar nos cofres do Estado português qualquer coisa como 57,5 milhões de euros relativos a imposto de selo, mais o pagamento de imposto sobre mais-valias e dividendos, bem como a retenção na fonte de juros bancários. Isto é capitalismo, puro e duro, sem olhar a quem.
Lembro-me de o patrão da Sonae ter dito, certa vez, que para enfrentar o Estado ávido de impostos, independentemente do dinheiro, dos assessores e advogados, e da perseverança que era preciso mobilizar, era preciso ter-se coluna vertebral. Porém, agora neste caso, em particular, vai também ser preciso assumir-se um nadinha menos patriota, economicamente falando, claro está.
O presidente Sampaio tem andado a despedir-se da função que ocupou durante uma década. Acabou a distribuir condecorações, entre muitas outras, por tudo o que apareceu, pelo menos uma vez, nos jornais, nas televisões, nos palcos e nas passerelles da moda. Passe a comparação, seguiu o exemplo do Papa João Paulo II, que se sentiu na obrigação de beatificar e santificar, todos os pretendentes que constavam dos processos pendentes, pelos corredores do Vaticano. Na última sessão fez questão de agraciar alguns jornalistas, gesto que apreciei sobremaneira, porque são eles que nos transmitem informação, conhecimento e não só. Só não percebi porque os apelidou, sem mais nem menos, de Pais da Pátria, porque, para mim, Pais da Pátria, continuam a ser os nossos egrégios avós, como aquele brutamontes do D. Afonso Henriques, o ínclito D. João I, o imortal Luís de Camões, os ousados conjurados de 1640, e um tão modesto quanto grande patriota de nome Salgueiro Maia.
sábado, março 04, 2006
O Nove de Março
Todo emproado, de fatinho novo, gravata berrante e cabelo empastado, a tresandar a autarca com ligações à construção civil e ao futebol regional, entra afoito na empresa de aluguer de automóveis, distribui sorrisos e cumprimentos, e dispara em voz alta para a funcionária:
- Oh menina, isto é urgente! Estou interessado em alugar uma limãosine, com motorista, para ir à tomada de posse do meu presidente.
- Peço desculpa mas limousines já não temos, foram todas requisitadas, articula a empregada, num sussurro.
- Oh menina, mas eu sou um dos 2000 felizes contemplados com direito a assistir à cerimónia…
- Pois, tenho muita pena, mas como lhe disse, não há limousines, logo não o posso ajudar…
- Ora, não está nada perdido! Cá por mim até prefiro que seja uma larangine, e na pior das hipóteses, serve uma tangerine.
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