domingo, janeiro 01, 2012

A Dinâmica do N.A.O. (*)


LUÍS de Camões, Alexandre Herculano, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, José Gomes Ferreira e Sophia de Mello Breyner Andresen - e isto só para citar alguns nomes da literatura portuguesa, entre muitos mais - nunca imaginaram que a expressão linguística, catapultada pelo Novo Acordo Ortográfico (N.A.O.), chegasse tão longe, à beira de nos considerarmos criadores de uma espécie de “novilíngua”.

A "coisa" é tão dinâmica e intuitiva que até foi necessário publicar um "Guia prático para perceber o Acordo Ortográfico", promovido pela revista VISÃO, a fim de que o cidadão comum consiga entender os fundamentos da "coisa", nomeadamente determinadas opções ortográficas, ou ainda a introdução das chamadas "facultatividades", isto é, a possibilidade da mesma palavra ter mais do que uma grafia permitida, o que não deve ser confundido com o criativo neologismo.

Quanto a mim, vou continuar a ignorar o Novo Acordo Ortográfico, exprimindo-me, o melhor que sei, segundo as regras do antigo modelo. Não é que eu seja contra acordos ortográficos, ou hostil a inovações, mas uma coisa são acordos com cabeça, tronco e membros, e outra são aberrações e piruetas linguísticas que descaracterizam o instrumento com que nos devíamos entender. 

(*) Novo Acordo Ortográfico

sábado, dezembro 31, 2011

Entrevista em Cima do Ano Novo


Pergunta – Diga-me, por favor, qual é o seu maior desejo para 2012?

Resposta – Que o Governo vá para o desemprego, tão depressa quanto possível...

terça-feira, dezembro 27, 2011

Entrevista à Beira do Novo Ano

Pergunta - O que acha da perspectiva apontada por Pedro Passos Coelho de que 2012 irá ser um ano de grandes mudanças?

Resposta - Acho bem, desde que o Governo se mude todinho, para o deserto de Gobi... 

segunda-feira, dezembro 26, 2011

Maus Hábitos, Bons Recursos e Notáveis Excepções


Caso 1 - Um homem de 35 anos, desempregado e com um filho, foi condenado a dois anos de prisão efectiva por roubar fio de cobre e conduzir sem carta, de acordo com um acordão do Tribunal Judicial de Setúbal. (in DIÁRIO DE NOTÍCIAS on-line)

Caso 2 - Mantendo um (mau) hábito que, por regra, aparece sempre associado a casos mediáticos, envolvendo personalidades graúdas da vida política nacional, e não só, Fernando Pinto Monteiro, o sempre atento procurador-geral da República, por suspeita de ter havido fuga de informação, ordenou a abertura de um inquérito disciplinar, pensa-se que ao procurador Rosário Teixeira, responsável pela investigação do caso Duarte Lima, implicado no caso BPN. Depois das primeiras reacções à notícia, a procuradoria-geral da República veio esclarecer (ou rectificar) que o inquérito foi dirigido “contra incertos”, e não contra qualquer procurador em especial. 

Caso 3 - Isaltino Morais anda há oito (8) anos a contas com um processo judicial, pelos crimes de participação económica em negócio, corrupção passiva, branqueamento de capitais, abuso de poder e fraude fiscal. Em 2009 é condenado a sete (7) anos de prisão e à perda do mandato autárquico, como presidente da Câmara Municipal de Oeiras, tendo recorrido da sentença para a segunda instância. O resultado é a redução da pena para dois (2) anos e a anulação da perda de mandato. É avançado novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com o objectivo de anular a pena de prisão efectiva, o que não se verifica, e pelo contrário, sobe para o dobro a indemnização cível a que Isaltino estava sujeito a pagar. Em Setembro de 2011 é detido pela PSP, no cumprimento de um mandado de detenção, para menos de 24 horas depois ser libertado, por existir (mais) um recurso pendente. O recurso é negado. Isaltino pede o afastamento da juíza, o que é também negado. Entre maus hábitos e muitos e bons recursos, a justiça portuguesa continua sem ver que os pesos e medidas estão adulterados. Assim, Isaltino continua em liberdade, empenhado em desmantelar o processo, e risonho recomenda-se, com os vários crimes de que é acusado, à beira da prescrição.

Caso 4 - Uma magistrada que se encontrava com baixa médica e hospitalizada, devido a intervenção cirúrgica recente, contrariando o conselho médico, regressou ao Tribunal de Aveiro, por sua conta e risco, para retomar os trabalhos relacionados com o julgamento do processo Face Oculta. Evitou assim que a interrupção das diligências, motivadas pela sua ausência, levassem à anulação das 11 sessões do julgamento já realizadas, obrigando à repetição dos depoimentos para a produção de prova.

Conclusão - Oscilando entre o muito bom e o péssimo, o Ministério Público e a Justiça portuguesa, vagamente independentes do poder político, e com a Procuradoria-Geral da República pelo meio a ajudar à festa, são casos patológicos de incoerência, pois nunca sabemos o que dali pode sair… Não admira! Começa com os copianços nos exames do Centro de Estudos Judiciários, e acaba (até ver), não só no arquivamento dos processos de licenciaturas fraudulentas (dizem que por falta de provas), como também na destruição de escutas telefónicas (suspeita-se que por terem provas a mais), as quais eram denunciadoras de atentados contra o Estado de direito.

sábado, dezembro 24, 2011

Feliz Natal


Natividade

Paula Rego, 2002
Pasta s/papel, 54x52 cm - Capela do Palácio de Belém

Um Sábado com Daniel Oliveira - Facebook is watching you

MINHA INTRODUÇÃO – Embora já não dispense o E-MAIL como forma de comunicação por excelência, querem saber porque nunca fui grande adepto do FACEBOOK, do TWITTER e outras redes sociais? A resposta está mais à frente! Se é certo que nada tenho a esconder (quem sou, o que faço e o que penso, são do domínio público), não me sinta particularmente ameaçado, nem sequer seja uma pessoa muito medrosa (pois já passei várias vezes pelos túneis e subterrâneos do "castelo-fantasma"), há engrenagens que me deixam de pé atrás, pois parece que nos tempos que correm tudo tem custos dissimulados, ou como diria o senhor Afonso da mercearia cá do bairro, tudo tem um preço, e não há almoços grátis. O artigo que se segue, da autoria de Daniel Oliveira e publicado no EXPRESSO Online, confirma as minhas suspeitas e talvez responda às vossas dúvidas. 

Facebook is watching you 

Por Daniel Oliveira

«Max Schrems é um estudante de direito, austríaco, de 24 anos. Por curiosidade, fez o que a nenhum de nós ocorreu: quis saber que informações tinha a empresa Facebook sobre ele, mesmo depois de ter deixado de ser membro daquela rede social. Ou seja, depois de sair da rede, o que lá tinha ficado. 

Os seus piores receios foram largamente ultrapassados pela realidade: estava lá tudo. Depois de muitas pressões e ameaças recebeu, talvez por desleixo, diretamente da Califórnia, um CD com toda as informações que a empresa mantinha: 1.200 páginas (quando impressas) de dados pessoais, divididos por 57 categorias, recolhidos ao longo dos três anos em que esteve na rede. Como o próprio recorda, nem a CIA ou o KGB alguma vez tiveram tanta informação sobre um cidadão comum. 

Até mensagens trocadas com outros utilizadores, que ele entretanto apagara e julgava terem desaparecido, lá estavam, guardadas na base de dados da empresa. É como se um Estado abrisse toda a correspondência dos seus cidadãos e fosse guardando todas as informações. Tudo, desde que alguma vez tenha sido referido (em público ou em mensagens privadas), podia ser encontrado. Desde a orientação sexual à participação em manifestações políticas. Basta procurar através de palavras-chave. Multipliquem isto por 800 milhões de utilizadores em todo o Mundo. E lembrem-se que a timeline recentemente criada por Zuckerberg reduziu ainda mais a privacidade destas pessoas. 

É claro que tudo isto viola as leis europeias para bases de dados. Não seria um problema para a empresa, já que as leis americanas dão menos garantias na defesa do direito à privacidade dos cidadãos. Acontece que o Facebook tem, provavelmente para fugir aos impostos (que na Irlanda são muito "simpáticos" para as empresas), uma segunda sede em Dublin. Ou seja, pelo menos os usuários europeus estão defendidos pelas leis da União. Por isso, o jovem Max recolheu, na sua página Europe versus Facebook, 22 queixas contra a empresa e enviou-as à Autoridade Irlandesa de Proteção de Dados. E tem uma base legal sólida: nenhuma empresa pode guardar informação que foi apagada pelos seus detentores legais (que é cada um de nós). E a prova de que o faz tem Max Schrems naquele CD. Garante a empresa que terá sido um engano. O comissário irlandês para a proteção de dados está a investigar se aconteceu a extraordinária coincidência da única pessoas que conseguiu a informação armazenada sobre si ter recebido tão exaustivo material sobre a sua própria vida. 

Diz-se, com razão, que manter uma ditadura é mais difícil na era da Internet. Basta ver a recente onda de liberdade que varreu o mundo árabe para o confirmar. A censura (recordo a Wikileaks, que também mostrou as enormes fragilidades da segurança e da privacidade na Internet) é mais difícil, assim como a manipulação política. Mas tudo tem o reverso da medalha. Se é verdade que a liberdade de expressão nunca teve tão poderoso instrumento nas mãos, as tentações securitárias também não. Nem a STASI, uma das mais meticulosas polícias políticas da história, conseguiu alguma vez saber tanto sobre os cidadãos como algumas das empresas em que parecemos depositar tanta confiança. 

A esmagadora maioria das empresas não se regem pelo respeito pela democracia, pelos direitos cívicos ou por quaisquer valores políticos e morais. E estão dispostas a abdicar de quase tudo se o seu lucro estiver em perigo. Basta recordar como, durante demasiado tempo, a Google colaborou com a censura na China e como só a pressão de muitos "clientes" a levaram a recuar para não depositar grandes esperanças nestas multinacionais da era moderna. Não sei se alguma vez as informações que o Facebook tem sobre centenas de milhões de cidadãos serão fornecidas a Estados, anunciantes ou seguradoras. Sei que o mesmo poder que recusamos a Estados democráticos, sujeitos a leis e ao escrutínio público, temos de recusar, por maioria de razão, a qualquer empresa. 

É claro que já não dispensamos o uso da Internet e das redes sociais. Mas temos de aprender a viver com elas.Obrigando estas empresas a cumprir as mesmas leis que exigimos a todos e deixando de viver na ilusão de que estes espaços públicos, detidos por empresas, são privados. Ou um dia ainda nos arrependeremos amargamente da nossa tonta boa-fé.»

Publicado no EXPRESSO Online

MINHA CONCLUSÃO – Já que o Daniel Oliveira falou da colaboração que a Google aceitou manter com o governo chinês, no cerceamento da liberdade de informação, talvez seja oportuno relembrar que a multinacional IBM, entre 1930 e 1940, forneceu uma extensa panóplia de equipamentos informáticos, bem como a respectiva assistência técnica, ao III Reich de Adolf Hitler (*), cuja finalidade era efectuar o registo e recensamento dos judeus, e com isso optimizar e simplificar a consequente operação de extermínio, conhecida por Solução Final ou Holocausto. E a IBM, embora soubesse a que fim se destinavam os seus equipamentos, bem como a sua esforçada e continuada colaboração, fechava os olhos, porque negócios são negócios, e os pregaminhos morais não são para aí chamados. De facto, não é hábito dos grandes capitalistas e negociantes, andarem de braço dado com a moral, e sobretudo com os direitos humanos.

Nos dias de hoje, as tecnologias da informação e a Internet são, de facto, responsáveis por um grande salto, tanto quantitativo como qualitativo, na divulgação das ideias e na aproximação das pessoas, mas o facto dessa democratização andar intimamente associada aos meios e recursos, como sejam os motores de busca e as redes sociais, já quanto aos processos internos de gestão daquelas ferramentas, não há a garantia que sejam igualmente democráticos e caprichem pela pureza de intenções. 


Nota * – Tema ampla e profundamente tratado no livro “IBM e o Holocausto” de Edwin Black, publicado pela Editora Campus.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Depois de Casa Arrombada...

O secretário-geral do PS, António José Seguro, garantiu hoje que o partido vai estar "muito atento" à privatização da EDP, considerando ser "muito importante" que a empresa "mantenha a capacidade estratégica no nosso país".

Do suplemento DINHEIRO VIVO do DIÁRIO DE NOTÍCIAS on-line de 23 de Dezembro 2011

Meu comentário: Naturalmente que escusamos de ficar descansados…

Nota MÁXIMA, Apesar de Tudo o Resto…

EM 7 de Novembro de 2010, a propósito da astúcia geo-política dos dirigentes chineses, escrevi que “a China sabe o que faz. Penetra [ou iria penetrar] na Europa através do seu elo mais frágil, um Portugal com uma actividade económica diminuta, cheio de brechas e de carências, já colonizado por muitos, e à espera de ser colonizado por muitos mais”. Ora, ao tomar entre mãos 21,35% do capital da EDP, a China Three Gorges viu abrirem-se as portas de alguns dos mais apetecíveis e promissores mercados europeus e mundiais da energia, nomeadamente, na área das renováveis. Independentemente do facto desta privatização lesar profundamente a soberania e o interesse nacional, colocando na dependência de interesses estrangeiros, um potencial estratégico como é o da energia, se em 2010, face às expectativas, já dava à China a nota 19, hoje, mesmo sendo o vencedor quem é, e mantendo sobre ele as minhas reservas e reticências, subo-a para 20.

Com a perspectiva de termos um novo protagonista a banquetear-se à nossa custa, vamos agora ver como se vai comportar a nossa escandalosa Factura da Energia, aquela que de consumos, própriamente ditos, apenas tem 34%, e cujos restantes 66% são de taxas e impostos, que servem para pagar tudo e mais uma massagem tailandesa. Como diria o senhor Gervásio do talho cá do bairro, "sorte, sorte, teve o Ali-Babá, que só teve que lidar com 40 ladrões!". A minha esperança é que tudo o que é privatizável, também é nacionalizável.

quinta-feira, dezembro 22, 2011

Prendas no Sapatinho


(Com)Passos Coelho e António (In)Seguro estiveram reunidos em São Bento, a pedido do primeiro, com uma agenda confidencial e sem declarações no final do encontro, que durou 40 minutos. Imagino que não se devem ter limitado a trocar prendas de Natal entre si, mas aproveitaram a oportunidade para embrulharem mais umas quantas surpresas, para distribuirem pelos portugueses, já no início de 2012.

E nem de propósito, sabe-se agora que em reunião do Conselho Permanente de Concertação Social, o Governo, com o objectivo de promover a competitividade, e com ela o relançamento da economia, vai propor a eliminação do período suplementar de três dias de férias, reduzindo o seu número para 22 dias úteis, uma autêntica prenda no sapatinho para as associações patronais. É caso para perguntar: e porque não vão promover e relançar um par de coisas que eu cá sei?

terça-feira, dezembro 20, 2011

Duques e Conselheiros Acácios


O FACTO já tem uns dias, mas nunca é tarde para voltar a lembrá-lo. João Duque, um “tudólogo” arranjado à pressa para “coordenar” um grupo de trabalho que teria por objectivo, entre outras coisas, definir o conceito de serviço público na comunicação social, sugeriu que a RTP internacional devia ser tutelada directamente pelo Governo (tipo braço armado de uma espécie de Ministério da Propaganda à Joseph Goebbels), com o magnânimo objectivo de expandir uma imagem positiva do país, mesmo que ela não correspondesse à realidade. Isto é, teríamos um canal que só emitiria ficção, pura e dura, e lá pelo meio, propagandite governamental e sabe-se lá mais o quê. Manifestamente, os portugueses andam um bocado arredados da sorte; só nos saem duques e conselheiros acácios!

segunda-feira, dezembro 19, 2011

A Ilustre Geração


Kim-Jong-Il, o querido líder, filho de Kim-Il-Sung, o grande líder, arrumou as malas e bateu as suas botas de fabrico chinês. Naquela caricatura de paraíso terrestre, milhões de pétalas de flores, vergaram-se ao peso do triste evento, mas amanhã, secas as lágrimas, aleluia, o sol resplandecerá, e biliões delas desaboracharão para saudar o senhor que se segue, Kim-Jong-Un, o adorável líder.

Estou Um Bocado Farto Disto...


Excerto de uma entrevista concedida pelo futebolista Luís Figo ao jornal PÚBLICO de 17 de Dezembro de 2011
(...)
Pergunta - Hoje é também visto como um empresário. Diz-se que tem investimentos na área do imobiliário, hotelaria, combustíveis, etc. O que nos pode dizer sobre isto?

Resposta - Nada... Tenho vários negócios, muitos deles em Portugal, apesar de eu querer vender tudo o que tenho no meu país. Pago muitos impostos, ao contrário do que muita gente pensa. 

Pergunta - Mas quer vender tudo em Portugal por pagar muitos impostos?

Resposta - Não, quero vender porque estou um bocado farto disto. Mas o que eu estava dizer é que dou trabalho a muita gente e pago muito de IVA. Estou a dizer isto apenas para responder aos que dizem que eu não contribuo para o país.
(…)
Meu comentário: Oh Luís, tem graça que nós também estamos um bocado fartos disto, não só por causa do IVA, mas também por muitas outras razões, só que pouco ou nada temos para vender, excepto a nossa força de trabalho, ao contrário de outros para quem a crise é um maná, e até lhe chamam um figo… Veja lá que nos fartamos de trabalhar e dizem que somos mandriões, pouco competitivos e uns previligiados, depois cortam-nos o salário, o subsídio de Férias e de Natal, passamos a trabalhar mais meia hora por dia, carregam-nos com aumentos de preços, taxas e impostos, mandam-nos apertar o cinto ou então emigrar, em última instância mandam-nos para casa, e entretanto, vão dizendo que ainda temos que contribuir mais, só que já não sabemos com quê. E para cúmulo da nossa desdita, até já deixou de se ouvir aquele pregão que cantava assim:”quem quer figos, quem quer almoçar...”.

domingo, dezembro 18, 2011

Um Domingo com Rui Tavares - até ao ponto de não retorno

Aconselho a leitura deste notável artigo de Rui Tavares, publicado no jornal PÚBLICO de 13 de Dezembro de 2011, com o título “Até ao ponto de não retorno”. A foto é de 1888 e documenta o início da construção da Torre Eiffel.

«Da janela do avião vejo uma enorme cidade, espalhada em todas as direções como um líquen dourado na paisagem escura. Um anel prateado no centro da-quela nebulosa dourada marca o perímetro da cidade, com as suas portas a distâncias qua-se regulares. Que cidade será? Será Paris? Nesse caso deveremos procurar um ténue arco negro, uma espécie de boca entreaberta que deverá ser o rio Sena. E, para tirar as teimas: se dirigirmos os olhos para o quadrante em cima e à direita (viajo de Bruxelas para Lisboa, sentado junto a uma janela do lado esquerdo do avião) deverei conseguir localizar… por ali algures… lá está ela — a Torre Eiffel, a esta distância parecendo apenas um pequeno alfinete dourado espetado nas luzes da cidade.

A Torre Eiffel foi inaugurada nos duzentos anos da Revolução Francesa, em 1889, mas em 1900 era ainda a porta de entrada para a gente de todo o mundo que veio ver a Exposição Universal e respirar o seu otimismo elétrico (a Sala das Máquinas, com os seus geradores, era uma das maravilhas para forasteiros de todas as nações). E a Exposição Universal de Paris foi a porta de entrada para um novo século, voluntarista, industrial, otimista, liberal, comercial, pacífico. Um século que não veio a acontecer. Menos de década e meia depois, toda a Europa estava em guerra, e arrastada por ela o resto do mundo. Porquê? As cabeças coroadas fizeram as suas declarações, um ou outro presidente da república (havia poucos) procedeu às suas demonstrações, houve promessas de soluções satisfatórias — mas nada conseguiu inverter o plano inclinado para uma guerra de milhões de mortos, que ninguém nunca entendeu bem, nem então, nem hoje. No fim de 1918, chegou a paz, sustentada no idealismo dos Quatorze Pontos do Presidente Wilson dos EUA. Em 1919, vieram as negociações de paz, sob o pano de fundo das reparações e das dívidas — “havemos de fazer a Alemanha pagar!”, dizia então um líder dos conservadores britânicos, “a Alemanha há-de pagar até guinchar!”.

Pensei na enorme Paris que vi e tento imaginar no que terá sido a ocupação militar de uma cidade daquelas. Por este defeito de imaginação de que padece o nosso tempo, não consigo chegar lá. Por defeito de imaginação da nossa época, as coisas que aconteceram na Europa há poucas gerações parecem ter acontecido noutro mundo, com outras regras, com outros humanos.

Levo como incumbência, durante esta viagem de avião, pensar em três perguntas: até que ponto somos Europeus? se não houver identidade europeia, não serei eu um incorrigível otimista, ao supor que ainda assim nos possamos entender democraticamente à escala deste continente? e, vendo os acontecimentos recentes na União Europeia, vale a pena fazer aquilo que faço no Parlamento Europeu?

A ideia é escrever um texto — este texto — mas não é só a viagem de avião que me distrai. (Curiosamente, nem gosto muito de Paris, apesar de, ou por causa de, lá ter vivido quatro anos. Se me pedirem patriotismo, direi primeiro Lisboa, certamente até Rio de Janeiro, antes de pensar em qualquer capital europeia.) O que me distrai é o dia de hoje.

E, se há dia para ser pessimista, é hoje.

Hoje, dia 9 de dezembro de 2011, foi um dos piores dias da Europa do novo século, talvez o pior. Não tenhamos qualquer ilusão. Na madrugada de hoje, os 27 chefes de governo da União foram de uma irresponsabilidade colossal. Chegaram a uma cimeira com uma crise da moeda euro que só é intratável por culpa deles. Não resolveram essa crise. E criaram uma crise nova na União.

A realidade desta crise tem varrido com debates teóricos sobre se somos europeus ou não somos. Num dia como hoje, isto é secundário quando comparado com a dimensão do que aconteceu e que talvez ainda não tenha sido digerido completamente por muito gente. Recapitulemos.

Os líderes da zona euro, com Merkel e Sarkozy à cabeça, e com a vergonhosa anuência de todos os outros, deram um golpe de morte à União Europeia. O novo tratado em que se lançaram vai ter de ser construído, por razões legais, fora da União. A construção que resultar daqui será puramente intergovernamental, porventura com a Comissão Europeia convocada para fazer de polícia. Esta será uma confederação feita à força mas que nunca terá força para lidar com as debilidades de uma moeda federal. Sim, houve conversa sobre dar 200 mil milhões ao FMI e ampliar o FEEF até 400 mil milhões, um dia destes. Entretanto, só a Itália precisará de, em janeiro, renovar 50 mil milhões da sua dívida. Fevereiro, mais cem mil milhões. Março, outros cem mil milhões. Abril, de novo cem mil milhões. Em quanto já vamos? Pouco importa: dinheiro desse não se encontra em lado nenhum. E a

Espanha? A aplicação da austeridade em países como a Espanha, que já têm 20% de desemprego (e 45% de desemprego jovem) levará a níveis insustentáveis de tensão social. E os outros países? É quase inevitável que alguns entrem em incumprimento, outros em convulsão. A depressão económica será o destino da Europa como um todo. Para contrariar isto, a grande conquista da cimeira foi inserir limites à dívida na constituição e aplicar sanções semi-automáticas aos prevaricadores. Poderiam até tatuar os limites na testa e aplicar as sanções sob a forma de choques elétricos. 

O que é insustentável não se sustentará.

Entretanto, toda e qualquer esperança de democracia à escala europeia morrerá se este plano for avante. O Parlamento Europeu será mantido à margem, com uma boa desculpa: é uma instituição da União, tornada obsoleta pelo novo tratado. Algumas medidas virão a ser votadas nos parlamentos nacionais, é claro, por mero pró-forma. As decisões serão tomadas no eixo Berlim-Frankfurt, com gesticulação de Paris e um verniz de Bruxelas. Os governos bem tentarão atingir os limites do défice para reconquistar ao menos um pouco de independência, mas sem efeito. Se o pânico nos mercados não os derrubar já nas próximas semanas ou meses, a depressão chegará para impossibilitar o exercício nos próximos anos. Após cada fracasso dos governos periféricos chegarão mais imposições do centro. Alguém julga que isto será politicamente sustentável sequer a médio-prazo? O nacionalismo agressivo tomará conta de partes significativas do eleitorado.

Otimista, eu? Só se for um otimista trágico.

Há, no entanto, qualquer coisa aqui que está para lá do otimismo ou do pessimista.

É isto: salvo catástrofe natural (e mesmo as consequências dessas podem ser minoradas) tudo o que acontece aos humanos é obra de humanos. Tudo aquilo que é mau nas sociedades humanas, e tudo o que se consegue fazer de bom, saiu de nós. De uma maneira ou de outra, aquilo que humanos conseguem fazer, outros humanos conseguem desfazer. A “ganância estúpida” que Keynes lamentou em 1919 é humana. A “prudente generosidade” que Marshall concretizou após 1945 também. Exigir o pagamento de dívidas até toda a gente se lixar é humano. Perdoar dívidas para suster um dano maior também. A escravidão e a abolição, ambas humanas. Os humanos podem escolher.

O que foi feito na Europa nos últimos tempos tem de ser invertido, e depois reformulado. Tudo o que é antidemocrático, absurdo e irrealista pode ser substituído por coisas democráticas, que façam sentido e sejam sustentáveis. E quem tem de fazer isso somos nós. Porquê? Porque os marcianos não virão cá fazer por nós. Porque os mortos já não podem. Porque os vindouros ainda não podem. Não há mais ninguém: só nós.

Será certamente mais fácil, refazendo o trajeto desde a inauguração da Exposição Universal até à IIª Guerra Mundial, ser pessimista. Mas não é por alarmismo que se deve regressar à história europeia. É para dar sentido de responsabilidade e de possibilidade às pessoas.

A pergunta certa, por isso, não é se “vale a pena”. A pergunta certa é o que podemos fazer antes que seja irremediável. Devemos transcender diferenças menores para responder a estas necessidades maiores: evitar uma segunda depressão e conquistar a democracia europeia. Para o conseguir, esta geração de líderes, com a irresponsabilidade de todos, de Merkel a Sarkozy, de Cameron a Passos Coelho, terá de ser suplantada por um discurso público, cívico, fraterno, que inverta este plano inclinado de rancor e recriminação.

Estamos muito atrasados, mas o mesmo vale agora para qualquer um de nós. Somos europeus? Temos de ser. Até que ponto? Até ao ponto de não retorno. Antes que se chegue lá.»

sábado, dezembro 17, 2011

Portugal Tele_com(placente)

PARA QUE que os senhores accionistas possam fazer face ao generalizado agravamento do custo de vida, resultante dos cortes no subsídio de Natal, dos aumentos dos transportes, da factura da electricidade e das taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde, a Portugal Telecom, sensível aos problemas sociais daí resultantes, decidiu antecipar o pagamento de um dividendo intercalar bruto de 0,215 euros por acção, referente aos lucros do exercício de 2011, estando o pagamento agendado para o próximo dia 4 de Janeiro.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Três Rumores de Corredor

O iPad2 do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, teria sido sequestrado pelas autoridades angolanas, e adiada a sua devolução, como forma de pressão para que fossem aligeiradas as condições de aquisição do BPN, por parte do BPI. Vozes discordantes dizem que esta história não passa de uma cabala, e que a verdade é que o iPad teria sido visto à venda no mercado Roque Santeiro, por meia dúzia de quanzas;

José Guedes não é o “estripador de Lisboa”, garante uma fonte que pretende manter o anonimato. Conhecidos que são os seus dotes de actor, teria sido contratado pela “pequena troika” para criar uma manobra de diversão, destinada a desviar a atenção dos portugueses da turbulência política e dos problemas sociais que o país enfrenta. Terá obtido a garantia de que seria ilibado e libertado antes do Ano Novo (para ir assistir ao fogo de artíficio do Funchal), no entanto, ignora-se o valor do “cachet”;

Os dois manifestantes que foram detidos nas imediações da Assembleia da República, no dia da greve geral, por terem desrespeitado ordens e ofendido as forças policiais, foram condenados a seis meses de prisão, com pena suspensa por um ano. Já os agentes policiais infiltrados entre os manifestantes, e que de lá provocaram os seus próprios camaradas, potenciando os desacatos, diz-se que irão ser distinguidos com condecorações e promoções.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

A Lei é Dura...

Isaltino Morais, a bambolear-se e a aspirar a sua charutada, vai-se safando por entre prazos, lapsos e esquecimentos, estafetas que se enganaram no número da porta, juízes a abarrotarem de trabalho, mais alguns recursos e outras tantas prescrições, até à prescrição final. A lei será dura, mas é a lei, com a condição de ser apenas para os outros, por exemplo, os que andam em auto-estradas sem pagar portagens.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

Newt Gingrich, Contador de Histórias


«Temos que nos lembrar que a Palestina não existe como Estado. Ainda no início do século XX era parte do império Otomano (...) Penso que temos tido um povo palestiniano inventado quando, na verdade, o que temos são árabes (...) que tiveram a oportunidade de ir para qualquer outro lugar, mas que por várias razões decidiram manter desde a década de 1940 esta guerra contra Israel».

Dissertação de Newt Gingrich, candidato à nomeação republicana para as eleições presidenciais de 2012 nos E.U.A., em entrevista à estação de TV Canal Judaico.

domingo, dezembro 11, 2011

Um Domingo com Filipe Luís - O Quarto Reich


A guerra pode ter já recomeçado

A inflamada declaração de Angela Merkel, numa entrevista à televisão pública alemã, ARD, em que sugere a perda de soberania para os países incumpridores das metas orçamentais, bem como a revelação sobre o papel da célebre família alemã Quandt, durante o Terceiro Reich, ligam-se, como peças de puzzle, a uma cadeia de coincidências inquietantes. Gunther Quandt foi, nos anos 40, o patriarca de uma família que ainda hoje controla a BMW e gere uma fortuna de 20 mil milhões de euros. Compaghon de route de Hitler, filiado no partido Nazi, relacionado com Joseph Goebbels, Quandt beneficiou, como quase todos os barões da pesada indústria alemã, de mão-de-obra escrava, recrutada entre judeus, polacos, checos, húngaros, russos, mas também franceses e belgas. Depois da guerra, um seu filho, Herbert, também envolvido com Hitler, salvou a BMW da insolvência, tornando-se, no final dos anos 50, uma das grandes figuras do milagre económico alemão. Esta investigação, que iliba a BMW mas não o antigo chefe do clã Quandt, pode ser a abertura de uma verdadeira caixa de Pandora. Afinal, o poderio da indústria alemã assentaria diretamente num sistema bélico baseado na escravatura, na pilhagem e no massacre. E os seus beneficiários nunca teriam sido punidos, nem os seus empórios desmantelados.

As discussões do pós-Guerra, incluíam, para alguns estrategas, a desindustrialização pura e simples da Alemanha - algo que o Plano Marshal, as necessidades da Guerra Fria e os fundadores da Comunidade Económica Europeia evitaram. Assim, o poderio teutónico manteve-se como motor da Europa. Gunther e Herbert Quandt foram protagonistas deste desfecho.

Esta história invoca um romance recente de um jornalista e escritor de origem britânica, a viver na Hungria, intitulado "O protocolo Budapeste". No livro, Adam Lebor ficciona sobre um suposto diretório alemão, que teria como missão restabelecer o domínio da Alemanha, não pela força das armas, mas da economia. Um dos passos fulcrais seria o da criação de uma moeda única que obrigasse os países a submeterem-se a uma ditadura orçamental imposta desde Berlim. O outro, descapitalizar os Estados periféricos, provocar o seu endividamento, atacando-os, depois, pela asfixia dos juros da dívida, de forma a passar a controlar, por preços de saldo, empresas estatais estratégicas, através de privatizações forçadas. Para isso, o diretório faria eleger governos dóceis em toda a Europa, munindo-se de políticos-fantoche em cargos decisivos em Bruxelas - presidência da Comissão e, finalmente, presidência da União Europeia.

Adam Lebor não é português - nem a narração da sua trama se desenvolve cá. Mas os pontos de contacto com a realidade, tão eloquentemente avivada pelas declarações de Merkel, são irresistíveis. Aliás, "não é muito inteligente imaginar que numa casa tão apinhada como a Europa, uma comunidade de povos seja capaz de manter diferentes sistemas legais e diferentes conceitos legais durante muito tempo." Quem disse isto foi Adolf Hitler. A pax germânica seria o destino de "um continente em paz, livre das suas barreiras e obstáculos, onde a história e a geografia se encontram, finalmente, reconciliadas" - palavras de Giscard d'Estaing, redator do projeto de Constituição europeia.

É um facto que a Europa aparenta estar em paz. Mas a guerra pode ter já recomeçado.

Artigo de Filipe Luís, publicado na revista VISÃO em 5 de Outubro de 2011

sábado, dezembro 10, 2011

Já não há Negócios da China…


 … agora há grandes prendas de NATAL nos sapatinhos de Américo Amorim, Isabel dos Santos & Companhia. 

O presidente do Banco BIC, Mira Amaral, confirmou a assinatura do contrato para a venda do BPN, tendo revelado que já deu um sinal de 25% dos 40 milhões de euros, valor total da aquisição. O remanescente será pago aquando da transacção final que, segundo o acordado, terá de acontecer até 31 de Março de 2012. Quanto ao número de funcionários, Mira Amaral revelou que até Janeiro serão escolhidos os trabalhadores dos serviços centrais, enquanto que os funcionários das agências serão escolhidos após a decisão final sobre quantas e quais as agências que o BIC quer ficar, tendo-se já comprometido a ficar com 150 balcões de uma rede comercial de 200. Recorde-se que o acordo inicial prevê que sejam integrados pelo menos 750 dos funcionários do 1.600 trabalhadores do grupo BPN. As rescisões dos restantes trabalhadores ficaram a cargo do Estado, o qual deverá injectar entre 550 a 800 milhões de euros no BPN (pagos pelos contribuintes), antes da venda ao BIC. O valor vai depender do grau de degradação dos rácios do banco.

Os restantes pormenores desta suculenta prenda de Natal irão serão conhecidos, em tempo oportuno, conforme se forem desenrolando as várias etapas do acordo de aquisição.

Contas feitas por alto, a burla cometida no BPN por Oliveira e Costa & Companhia, ascendeu ao astronómico valor de 9.710 milhões de euros. A nacionalização do banco, decretada pelo governo de José Sócrates em Novembro de 2008, com a desculpa do contágio ao restante sector financeiro, levou a que fossem injectados 2.000 milhões de euros para assegurar a sua viabilidade, verba que distribuída pelos 10 milhões de portugueses (caso todos pudessem pagar), caberia a cada um cerca de 971 euros. Como é óbvio, tal verba apenas foi paga pelos que contribuem para o erário público. Com a venda do BPN por 40 milhões de euros e a promessa de uma nova injecção de dinheiros públicos, que oscila entre 550 e 800 milhões de euros, é relativamente fácil de perceber qual o valor da prenda que foi oferecida a Américo Amorim, Isabel dos Santos & Companhia.

sexta-feira, dezembro 09, 2011

Tão Amigos Que Nós Éramos...


TIVE um imperdoável esquecimento ao deixar passar em branco que José Sócrates, afinal, não está a frequentar nenhum curso de filosofia, mas sim um curso de ciência política. Tenha a informação origem num lapso ou aldrabice de quem a deu, tanto faz; importante mesmo é que ele está por Paris, e cada vez que abre a boca, mesmo que seja a debitar teorias bizarras ou a garantir que estudou economia, continua a ser notícia de primeira página e de abertura dos telejornais, e a ser citado na blogosfera, como é agora o caso.

Mas o que eu acho mesmo lamentável é que Diogo Freitas do Amaral, que foi seu ministro e acérrimo defensor – é verdade, do Sócrates traficante de banha da cobra e das suas "corajosas" políticas - tenha vindo agora desencar o dito, nas televisões e em horário nobre, passando uma esponja sobre todos os postais e cartas de amor com que o incensou, acusando-o de ter dito as barbaridades que disse, e ainda, por ter sido o principal responsável por todas as calamidades e descalabros em que o país se encontra. Esta traição, dita assim, tem um sabor amargo, e parece que estou a ouvir Sócrates a exclamar indignado, tal como Júlio César ao ser apunhalado no Senado: Também tu Diogo? E tão amigos que nós éramos...