quinta-feira, junho 14, 2012

O Zoo Humano


Em proposta feita no passado dia 2 de Junho, o Papa Bento XVI sugeriu que as famílias ocidentais deveriam apadrinhar individualmente famílias de países pobres. A ideia foi entusiásticamente aplaudida pelos 350 mil participantes no Encontro Mundial das Famílias Católicas, no parque de Bresso, em Milão.

Através de doações, já conhecíamos o apadrinhamento de animais em cativeiro, promovida pelos jardins zoológicos, mas esta de apadrinhar famílias pobres de países pobres, convertendo-as em comunidades dependentes de esmolas, não lembra ao diabo, e se quisermos usar uma expressão popular de indignação, até brada aos céus. Com tal iniciativa, a Santa Sé pretende desvincular-se dos princípios que enformam a dignidade humana, passando uma esponja sobre as obrigações dos Estados detentores de demasiada pobreza - muita dela resultante da desenfreada exploração do trabalho, da super-protecção dos detentores da riqueza, e desta estar mal distribuída - e transferindo esse encargo para uma espécie de caridade a nível planetário, tão demagógica quanto ineficaz, acarinhada com a respectiva benção papal.

Eu que não sou crente, apetece-me tomar a liberdade, quiça ousadia, de sugerir a Sua Santidade o seguinte: que tal redigir uma encíclica dirigida aos governos de todas as nações, incitando-os a que se empenhem na dignificação do trabalho, diligenciando a sua justa remuneração, que não protejam tão escandalosamente os detentores do capital, e que promovam uma mais justa e equilibrada distribuição da riqueza? Os povos e os pobres, certamente que ficariam gratos.

sábado, junho 09, 2012

Dizer Uma Coisa e Fazer Outra


FOI editado pela Gradiva em Abril de 2011 o livro “Portugal na Hora da Verdade - Como Vencer a Crise Nacional”, da autoria do economista Álvaro Santos Pereira, agora ministro da Economia e do Emprego. Na página 465 da referida obra tem lugar um penúltimo capitulo, denominado “Políticas para retomar o sucesso”, onde são descritas algumas áreas e iniciativas que um futuro governo deveria adoptar (nesta altura ainda não havia governo de Passos Coelho), com o objectivo de tirar o país da crise. Vou transcrever dois excertos desse capítulo:

«(...) Não há maior motor do desenvolvimento, melhor distribuidor de riqueza, maior erradicador da pobreza e das desigualdades, maior promotor de oportunidades, ou factor mais importante para a subido do nível de vida do que o crescimento económico (...) a prioridade número um da política económica dos próximos anos tem de ser o crescimento económico. Sem crescimento económico, não poderemos criar empregos de uma forma sustentada. Sem crescimento económico, não conseguiremos travar o novo movimento emigratório nem a tão preocupante fuga de cérebros. (...)»

Façam uma pausa porque o melhor vem a seguir:

«(...) Como subinhei ao longo deste livro, há fortes indícios de que o nosso Estado está a matar a economia nacional. No entanto, isso não quer dizer que os funcionários públicos sejam os responsáveis por esta situação. Com efeito, nada poderia estar mais errado. Uma verdadeira reforma do Estado que torne as nossa contas públicas saudáveis e sustentáveis não deve ser feita contra os funcionários públicos ou contra o serviço público. Muito pelo contrário. Uma verdadeira reforma da administração pública terá que melhorar o serviço público, não piorá-lo. Uma verdadeira reforma da função pública terá de aumentar o prestígio do emprego público, não diminuí-lo. Uma verdadeira reforma do Estado terá de incentivar a auto-estima dos funcionários públicos e fazer com que sejam eles próprios a estimular a mudança de que a nossa administração pública necessita. Finalmente, uma verdadeira e duradoura reforma do Estado não poderá encarar a necessária dieta da administração pública como uma mera poupança de euros e de despesa pública, mas sim como uma oportunidade única para melhorar a eficiência do Estado e, assim, simplificar e auxiliar a vida dos portugueses. É neste sentido que uma reforma da administração pública tem de ser feita com os funcionários públicos e não contra eles. Porquê? Porque toda e qualquer reforma que seja contra os funcionários públicos está condenada ao fracasso. (...) não podemos fazer dos funcionários públicos os bodes expiatórios desta crise. Não são. A culpa do descalabro das finanças públicas nacionais não é dos funcionários públicos, é dos governos. (...)»

Estes são apenas dois exemplos do que é dizer uma coisa e fazer outra, mas há mais! Um ano bastou para que as prioridades se invertessem. As promessas de crescimento económico foram convertidas em desbragada austeridade, fazendo mergulhar o país nas falências em cascata e no desemprego galopante, ao passo que os funcionários públicos foram o alvo privilegiado e os bombos da festa dessa austeridade, com mobilidades a torto e a direito, grandes reduções de efectivos e machadadas salariais, e tudo isto pela mão do ministro da Economia e do Emprego. As outras incongruências que aqui não foram apontadas, podem apreciar-se nas notícias que quotidianamente nos chegam às mãos.

Já nem falo da solução do "franchising" dos pastéis de nata, mas ao dizer uma coisa e fazendo outra, será que se dá o caso de termos um ministro com dupla personalidade? Era bom que se tirasse isto a limpo.

quinta-feira, junho 07, 2012

Entre a Realidade e a Ficção, Que Venha o Diabo e Escolha


NUM noticiário da RTP foi divulgado que a Autoridade Tributária vai passar a acompanhar as operações stop da PSP, com o objetivo de averiguar se os condutores têm dívidas ao fisco. Caso se verifiquem incumprimentos fiscais, a apreensão do veículo poderá ser feita de imediato. A PSP já veio desmentir a notícia nos pormenores, muito embora na generalidade não a refute, mas a coisa continua a não se perceber bem, pois há jornais que dizem que os fiscais tributários andariam à procura de viaturas já penhoradas, ao passo que outros dizem que é usada a operação stop para detectar incumprimentos fiscais, e logo ali ser penhorada a viatura, seguida da respectiva apreensão. 

Verdade inteira ou apenas meia verdade, uma coisa é certa: tal como os caixeiros viajantes e outras profissões não sedentárias, os incumpridores fiscais, pelos motivos óbvios, são pessoas esquivas e difíceis de localizar. São autênticos nómadas, hoje aqui, amanhã ali, e apenas com expedientes desta espécie, o Estado espera poder interceptá-los e conseguir cobrar as dívidas existentes. 

Apesar da discrepância, e sabendo-se de antemão, que não há fumo sem fogo, para apurar a verdade, voltei a recorrer aos préstimos do anão Serapião, que como certamente estão recordados, é um dos espiões infiltrados que eu tenho ao meu serviço junto das instâncias do Governo. E assim foi. Ele lá conseguiu voltar a introduziu-se nas instalações do Conselho de Ministros, e no regresso, aliás, zangadíssimo, sujíssimo e muito maltratado, porque ficou dois dias escondido nas tubagens do ar condicionado, o que me contou foi o seguinte: 

Um dos ministros, aquele rapaz que costuma fumar às escondidas, discordou deste método das operações stop para apanhar os incumpridores fiscais. Disse ele que este processo é muito incipiente, limitado, e peca por excesso de amadorismo, e nesta de coisa das dívidas ao fisco, os governos, além de inflexíveis e intransigentes, têm que ser cínicos, calculistas e de uma frieza florentina. Assim, o tal ministro, diz que a solução ideal é que seja implementado um dispositivo que faça a interacção, em tempo real, entre os serviços fiscais e os serviços bancários, o qual procederá ao bloqueio das contas do contribuinte, sempre que este precise de dinheiro, e esteja assinalado como devedor ao fisco. 

Em resumo: o dito infractor fiscal deixará de poder levantar dinheiro no MultiBanco, abastecer o automóvel de combustível, pagar as compras no supermercado ou na farmácia, as facturas da televisão por cabo, do telefone, da água, do gás e da electricidade, comprar uma viagem de avião, ou renovar o passe da Carris ou da CP, isto é, ficará cercado por todos os lados, com a sua vida quotidiana esfrangalhada, e só lhe restará ir de joelhos e cabeça baixa até à repartição de finanças mais próxima, para regularizar a situação, ou passar a pagar tudo com dinheiro vivo, o que nos tempos que correm é práticamente impossível, ou então emigrar a salto. Diz o tal ministro que este método, além de muito mais limpo e directo, evitará a bagunça e aparato das operações stop, e será cem vezes mais eficaz que “o cobrador do fraque”. 

Por outro lado, o ministro que costuma palitar os dentes e tirar macacos do nariz contrapôs que esta solução é atentatória dos direitos das pessoas, pois vai devassar e interferir na vida privada dos cidadãos contribuintes, mas o outro foi peremptório: ou bem que se levam as coisas a sério e se corta a direito, ou não vale a pena fingir que se anda a dar caça aos caloteiros. E já agora, disse ele, se até os pescadores desportivos têm que pagar licença, mesmo que não pesquem nada, não via inconveniente nenhum que se voltasse a implementar a obrigatoriedade de licença para o uso de isqueiro, como no tempo da ditadura, pois os portugueses, além de serem muito pacientes, até gostam que apertem com eles. E o governo só é parvo se não aproveitar. 

Já o ministro que costuma calçar um número acima e vive obsecado com as canções do Emanuel, disse que estava impressionado e era gratificante como o problema estava a ser abordado, e rematou dizendo que a solução podia iniciar-se com os impostos, mas que depois podia alargar-se o seu âmbito, explorando as suas potencialidades noutras áreas, tão carecidas de controle. 

Por sua vez, o ministro que se coça frequentemente, sobretudo na zona testicular, chamou a atenção para o facto de os fiscais de impostos envolvidos nas operações stop terem que ser remunerados com umas reconfortantes horas extraordinárias, coisa que se vai tornando rara nos tempos que correm, e deu um palpite a despropósito, qualquer coisa como aquilo não estar devidamente orçamentado, e se não poderia ser inscrito nas despesas extraordinárias das reformas estruturais, ou uma coisa assim. 

Contou-me o anão Serapião que o assunto ficou de voltar a ser novamente debatido, depois de consultada a Troika, mas que para já, e com carácter experimental, iam avançar com as tais operações stop, embora sem fazer muito alarde e não dando notícias muito detalhadas à comunicação social, para não espantar a caça.

E o anão Serapião, ainda agastado com a fuligem e os arranhões que ganhou com aquela excursão ao Conselho de Ministros, deu por terminado o seu relatório, acrescentando-lhe este comentário jocoso: - Razão, razão tinha a Branca de Neve quando dizia que entre um vigarista disfarçado de príncipe encantado e uma deliciosa maçã envenenada, que venha o diabo e escolha…

NOTA - Curiosamente, e já que falamos de impostos, há uma situação que me intriga: as empresas não mudam fácilmente de lugar, logo não podem ser apanhadas em operações stop, no entanto, muitas delas continuam a fazerem-se desentendidas com as suas próprias contribuições, e a reterem indevidamente os impostos descontados aos seus trabalhadores, não os entregando, ou entregando-os tarde e a más horas, aos respectivos serviços tributários. Para isso, sendo inviável o recurso às operações stop, a coisa resolvia-se com facilidade, se os fiscais se dessem ao trabalho de fazer uma visita às suas instalações, para efectuar a respectiva cobrança. Sobre esta matéria, os Conselhos de Ministros, que se saiba, não produziram até agora qualquer parecer ou decisão. Se não o fazem, porque será?

Ray Bradbury

«Não acredito em colégios nem universidades. Acredito em bibliotecas»

Ray Douglas Bradbury (Waukegan, 22 de agosto de 1920 - Los Angeles, 5 de Junho de 2012) e a sua prolífica criatividade deixaram de estar entre nós. Ficaram os seus livros.

terça-feira, junho 05, 2012

Está de Volta, Pela Mão de Quem Menos se Esperava

«Conselho de Redação do PÚBLICO - que denunciou alegadas pressões de Miguel Relvas sobre o jornal - demitiu-se, não especificando os motivos da decisão.

No texto distribuido aos jornalistas, lê-se que «nas atuais circunstâncias, o Conselho de Redação entende que é mais útil e clarificador demitir-se e convocar eleições para quarta-feira, dia 6 de junho».

Foi o Conselho de Redação do Público quem primeiro revelou as alegadas pressões e ameaças do ministro Miguel Relvas sobre o jornal.

Este facto mereceu críticas da direção do Público, que entendia não haver motivos para tornar públicas essas alegadas pressões por considerar que não existiu uma violação da lei.

Miguel Relvas já foi ouvido na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), tendo garantido que não exerceu qualquer pressão nem ameaçou nenhum jornalista do Público.»


Publicado a 29 Maio de 2012 pela TSF RÁDIO NOTÍCIAS 

(Sete dias depois…)

«Maria José Oliveira demitiu-se do jornal PÚBLICO.

A jornalista recusou gravar qualquer declaração à TSF, limitando-se a explicar que a forma como o processo do caso que envolve o ministro Miguel Relvas foi gerido levou-a a perder a confiança na direção e a vontade de continuar a trabalhar no jornal.

A TSF teve também acesso a um conjunto de respostas que Maria José Oliveira deu ao provedor do leitor do jornal Público, José Queirós.

A jornalista lamenta que a direção do Público não lhe tenha o pedido autorização para divulgar o conteúdo da ameaça do ministro Miguel Relvas e que não tenha «sublinhado que se trata de uma informação falsa que pretendia colar-me a uma agenda ideológica e descredibilizar o meu trabalho».

A isto, Maria José Oliveira acrescenta outro lamento, que ao dar conta da alegada ameaça de Miguel Relvas, «o jornal tenha transformado em facto a ideia de que eu vivo com uma pessoa da oposição, quase corroborando as queixas do ministro sobre a perseguição que lhe faço».

Por último, na resposta que enviou às questões colocadas pelo provedor do Público, a jornalista não percebe «como é que ninguém da direção teve lucidez e inteligência para não pensar nestas consequências que estão agora à vista de todos».

A TSF tentou um comentário da direção do Público, mas até ao momento sem qualquer sucesso.

Há duas semanas, o Conselho de Redação (CR) do Público denunciou ameaças do ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, que tutela a comunicação social, sobre o jornal e sobre a jornalista.

As alegadas ameaças, confirmadas pela direção do jornal, mas negadas por Miguel Relvas, incluiriam a divulgação na Internet de dados da vida privada de Maria José Oliveira e um boicote noticioso do Governo ao diário, caso fosse publicada uma determinada notícia.

Na notícia, que acabou por não ser publicada, com a direção do jornal a alegar que não havia matéria noticiável, a jornalista pretendia evidenciar «as incongruências» das declarações do ministro no Parlamento sobre o intitulado "caso das secretas".»


Publicado às 19:01 de 4 de Junho de 2012 pela TSF RÁDIO NOTÍCIAS. O título do post e a ilustração são de minha autoria.

 Meu comentário: De repente, está-se a fazer um grande silêncio. Aquilo que eu julgava ter sido erradicado do país há 38 anos, está a voltar pé-ante-pé, pela mão de quem menos se esperava.

domingo, junho 03, 2012

Sobre a Equidade dos Sacrifícios


DEPOIS de ter ouvido António Borges, como consultor do Governo, clamar pela urgência de baixar os salários dos portugueses, vim a saber que o cavalheiro ganhou no ano de 2011, como funcionário do Fundo Monetário Internacional, 225 mil euros (à volta de 45 mil contos, em moeda antiga) livres de impostos, benefício de que gozam estes excelentíssimos funcionários. Mas não nos escandalizemos! Estas isenções vão ser reparadas com a aplicação da chamada lei das compensações, isto é, com outras medidas, como aquela sugerida pelo secretário de Estado da Saúde, Leal da Costa, resultante da poupança que o Estado irá fazer, ao deixar de pagar actos médicos ou cirúrgicos de eficácia duvidosa, como por exemplo, as terapias que prolongam por mais algum tempo a vida dos doentes terminais de cancro.

Já lá diz o povo, e com razão, que a ocasião faz o ladrão. Foi gente como esta, exemplares chefes de família, frios, calculistas e técnicamente irrepreensíveis, que Adolf Hitler fez questão de colocar à frente dos campos de extermínio nazis, uns a gerirem a eficácia das câmaras de gás, outros a fazerem render os despojos extorquidos aos gaseados. Agora, embora os tempos sejam outros, podemos ficar descansados, pois há o pretexto da crise, e como seu remédio, a tão suposta quanto propalada equidade dos sacrifícios. Na verdade, o objectivo é encaminhar-nos para o campo de concentração, uns aos empurrões, outros de mansinho e de livre vontade, alguns com soporíferos, e os restantes com uma injecção atrás da orelha, ao som dos acordes e hinos de um futuro risonho.

Nem Submissão Nem Resignação


Intervenção do deputado Honório Novo na Assembleia de República, em 1 de Junho de 2012, dia em que foi debatido o projecto de resolução do Partido Comunista Português sobre a necessidade urgente de renegociação da dívida.

É urgente renegociar a dívida pública portuguesa

«Senhora Presidente
Senhores Deputados

O País soube ontem que a queda na receita dos impostos indiretos totais foi muito maior do que o Governo admitira na execução orçamental de Abril. Afinal, os impostos indiretos não caíram só 3,5%; caíram 6,8%! A receita não caiu só 233 milhões de euros! Caiu 472 milhões, o dobro do que o Governo dissera.

Pior: estima-se já um previsível descalabro na execução orçamental. 

Esta é uma constatação que não surpreende o PCP. Como a vida comprova, as políticas de empobrecimento da Troika estão a provocar a forte diminuição da atividade económica e uma queda das receitas fiscais e das contribuições, e o aumento das prestações sociais para fazer face à evolução dramática do desemprego. Esta espiral negativa está mais uma vez a conduzir ao disparar do défice orçamental, estimado em 7,4% no final do primeiro trimestre, 40% do valor total previsto para todo o ano, 2,9 p.p. acima do défice previsto pelo Governo para 2012 (4,5%)!

É a este beco sem saída que nos conduzem as políticas da Troika e o Pacto de Agressão com que o FMI, a UE e o BCE querem fazer vergar os trabalhadores e o Povo de um País com quase novecentos anos de história!

Senhora Presidente
Senhores Deputados

Um ano depois do Governo PS/Sócrates, de braço dado com o PSD e o CDS, terem assinado o Memorando da Troika, o País está mais pobre, os trabalhadores e o Povo perderam salários, subsídios e reformas, as falências sucedem-se aos milhares (vejam-se os exemplos da restauração e da construção civil), o desemprego atinge valores dramáticos, as manchas de pobreza e de exclusão social aumentam de forma insustentável e os jovens portugueses deixaram de ter perspetivas de futuro digno no País onde nasceram e de onde, apesar de tudo, recusam ser expulsos.

Um ano depois do Pacto de Agressão, este é um caminho que nos vai conduzir a mais cortes na saúde e na educação, a novos e mais gravosos cortes de salários e de subsídios de desemprego, a novos aumentos da carga fiscal e a mais operações de venda ao desbarato de empresas públicas estratégicas para satisfazer a voracidade dos grupos económicos e financeiros.

Um ano depois o País está bem pior e, como então tínhamos avisado, nem mesmo a dívida pública desceu, bem pelo contrário. Em 2011 pagamos mais de 6200 milhões de euros de juros e encargos, com uma taxa média superior à de 2010 (4,1%). Apesar disso, a dívida pública continuou sempre a aumentar, subiu para 184 mil milhões, mais 23 mil milhões de euros que em 2010. 

Ao contrário do que PS, PSD e CDS insinuaram há um ano, a dívida pública não está nem vai diminuir. Pelo contrário, vai continuar a aumentar. Em 2014, o País vai pagar 8300 milhões de euros de juros e encargos para que a dívida suba para um valor de 200 mil milhões de euros. É o próprio Governo quem o diz! 

Senhora Presidente
Senhores Deputados

O serviço da dívida, incluindo o que resulta do empréstimo de 78 mil milhões concedido por contrapartida das condições políticas aviltantes impostas no Memorando da Troika, conjugado com a fortíssima contração da atividade económica fazem com que a dívida pública seja impagável nas atuais condições.

Este é o caminho do desastre que nos pode conduzir a um novo resgate, e com ele a mais Troika, a mais ingerência e usurpação da soberania nacional, a mais ataques ao quadro constitucional resultante do 25 de Abril. 

Há que travar este caminho. Há que criar um outro rumo, uma alternativa patriótica que rompa com o Memorando da Troika, uma alternativa de esquerda que rompa com as políticas do Pacto de Agressão.

Uma alternativa que, tal como fizemos em Abril de 2011 e hoje atualizamos, estabelece as orientações a usar pelo Governo para renegociar a dívida pública, determinando a sua origem, legitimidade e natureza, fixando um serviço de dívida compatível com as condições de crescimento da economia portuguesa que inclua adequados períodos de carência, prazos alargados de amortização e pagamentos anuais de juros indexados ao crescimento das nossas exportações. 

Uma alternativa que a par da dinamização de instrumentos de poupança e da diversificação das fontes de financiamento, defende a reutilização de parte da tranche do empréstimo da Troika destinado à recapitalização da banca privada, afetando-a também à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e ao financiamento direto da economia.

Uma alternativa que, a par de cortes ou rescisões unilaterais de contratos abusivos em PPPs, ou com rendas elétricas, aposte num forte crescimento centrado na dinamização do mercado interno com a dignificação de salários e reformas, promova o investimento público reprodutivo e a plena utilização dos fundos comunitários, reforce e proteja a capacidade produtiva nacional e o setor empresarial do Estado permitindo, desta forma, substituir importações e reforçar a componente exportadora, tornando o país menos dependente e mais capaz de equilibrar de forma sustentável as contas públicas.

Estas são as ideias centrais da resolução que o PCP hoje apresenta.

Com a convicção que elas constituem o consenso mínimo para travar o caminho para o abismo a que nos estão a conduzir a Troika e este Governo. 

Com a convicção de que elas defendem Portugal, os trabalhadores e o nosso Povo. 

Com a certeza de que constituem uma barreira contra a submissão do País face a imposições e a interesses externos.

Disse.»


Nota: Na hora da votação, PSD, CDS-PP e PS insistiram em não querer admitir o óbvio e votaram contra. A sua intransigência, à beira do precipício, está a sair cada vez mais cara aos portugueses.

sábado, junho 02, 2012

Sua Luminária, o Caga-Sentenças


«Diminuir salários não é uma política, é uma urgência»

Declaração em entrevista à Económico TV, do economista António Borges, ex-dirigente do PSD, mas agora conselheiro do Governo para as privatizações, para as parcerias público-privadas, para a reestruturação do Sector Empresarial do Estado e a para a situação da banca. Foi Vice-Governador do Banco de Portugal, Vice-Presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman Sachs International, administrador do Citibank, BNP Paribas, Petrogal, Sonae, Jerónimo Martins, Cimpor e Vista Alegre, além de director do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional. Actualmente, é também administrador da Fundação Champalimaud.

Meu comentário: É uma palavra tão feia que tenho vergonha de dizer. Fico-me apenas pelo "caga-sentenças"!

sexta-feira, junho 01, 2012

Vão-se os Anéis, Ficam os Dedos, e Depois?


(Painéis de São Vicente de Fora da autoria do pintor Nuno Gonçalves – 1445)

«(...) Para vencer as actuais dificuldades, os países endividados do Sul da Europa, Portugal, Espanha, França e Itália, poderão ser convidados /obrigados a pôr as reservas de ouro e os tesouros nacionais como garantia de um plano de assistência e estabilização financeira de 3 mil milhões de euros que está a ganhar forma na Alemanha, em alternativa à criação de eurobonds.
(...)
Aparentemente, a ideia fez o seu caminho e a chanceler Angela Merkel já prefere este pacto à criação de eurobonds, uma questão que levanta grandes dificuldades ao parlamento alemão, o Bundestag, impedido de o fazer constitucionalmente.
(...)
O Pacto de Redenção combinaria as vantagens de taxas de juro semelhantes às da Alemanha e permitiria aos países endividados do Sul da Europa reduzir as respectivas dívidas.
(...)
Segundo o “Daily Telegraph”, os britânicos acham a ideia interessante, mas admitem que a exigência de colocação das reservas de ouro e tesouros nacionais como garantia de empréstimos possa vir a inflamar as opiniões públicas em Itália e Portugal.
(...)
A utilização de ouro para financiar operações financeiras pelos estados-membros “não é uma opção”, porque o ouro está ali apenas para proteger o euro, segundo Natalie Dempster, do Conselho Directivo do Ouro. Por agora, os tratados europeus proíbem formalmente que os estados-membros promovam operações de venda de ouro dos respectivos bancos centrais para financiamento corrente.»


Excertos da notícia do jornal "i" de 31 de Maio de 2012

Meu comentário: A seguir ao Pacto de Agressão, e como seu complemento, está a ser desenhado pela União Europeia um Pacto de Redenção, com os olhos fixos nos lingotes de ouro das reservas do Banco de Portugal, na Custódia de Belém, no Palácio da Bolsa, no Mosteiro da Batalha, no Museu dos Coches, no recheio da Torre do Tombo, na Torre dos Clérigos, na biblioteca do Convento de Mafra, no recheio do Museu de Arte Antiga e do Museu Soares dos Reis, e por aí adiante. 

Todos os dias, assim que o sol desperta, logo surge no horizonte, uma nova ideia rapinadora, melhor, um novo mostrengo. Os burocratas e os penhoristas "criativos" da União Europeia, não dormem e são insaciáveis. Dizem que não somos de confiança, e que se queremos continuar a dançar com os mercados, provando que somos de boas contas, somos obrigados a entregar aos agiotas do IV Reich, o nosso património como caução das dívidas, isto é, a entregar como refém a nossa memória colectiva. É como se estivéssemos a ser varridos por uma nova Invasão Napoleónica, a exemplo do que aconteceu no início do século XIX, e que deixou o país devastado, com as igrejas, os palácios e os museus, esvaziados do seu recheio artístico, arrebanhado a esmo pela soldadesca, e que hoje repousam, lá longe, nas vitrinas dos museus franceses. Agora, porque somos "civilizados", a pura rapinagem passou a ser substituída pelo esbulho administrativo, organizado pelo Bundestag, com direito a cimeira e tratado regulamentador. Como sublime humilhação, só falta começarem a pedir para despirmos a roupinha e descalçar os tamancos...

Vão-se os anéis, ficam os dedos, e estes para que servem, quando o trabalho escasseia? Gostava de saber o que é que o falinhas mansas do Pedro Passos Coelho, e a folha de Excel do ministro Victor Gaspar, têm a dizer sobre este assunto.

terça-feira, maio 29, 2012

Os "espiões" e o "Casino Royale"

A TELENOVELA que se tem desenrolado sob os nossos olhos, envolvendo ministros e aquela rapaziada dos "serviços secretos" da República, chegou a um ponto que já fede. A única conclusão que se tira é que os "serviços ditos secretos" acompanham o restante regabofe que se instalou neste protectorado - uma espécie de "Casino Royale" onde todos fazem batota -, chegando a assumir contornos de criminalidade organizada, pois ao fazerem uns trabalhinhos por fora, servem outros interesses, que nada têm a ver com a produção de informações necessárias à salvaguarda da independência e dos interesses nacionais, e à garantia da segurança interna e externa do Estado Português.

Considerando que os nossos inimigos já não são o que eram, e a nossa soberania já teve melhores dias, seria talvez uma boa solução prescindir desses serviços, contribuindo tal medida para eliminar mais algumas das famigeradas "gorduras do Estado", de que tantos se queixam, e fazer melhor aplicação dos impostos de que andamos tão sobrecarregados.

domingo, maio 27, 2012

Mais Papista que o Papa

«Sem querer procurar uma relação causa-efeito, não deixa de ser curioso que, no dia a seguir ao primeiro-ministro português ter-se oposto às Eurobrigações na reunião informal entre os líderes da UE, assumindo uma posição que objectivamente vai contra os interesses de Portugal, os juros da dívida portuguesa tenham disparado nos mercados secundários.
(...) 
Não é de estranhar que, já por várias vezes a troika e o FMI tenham alertado o Governo para o excesso de medidas de austeridade e para as consequências que esse excesso poderá ter na economia portuguesa. O primeiro-ministro arrisca-se um dia a ser único na UE a defender posições que, em primeiro lugar, prejudicam Portugal, o que seria extraordinário. Já não se trata de uma questão de incompetência, mas sim de fanatismo ideológico - e o pior que nos poderia acontecer, durante eeste período de empobrecimento acelerado, seria sermos governados por um grupo de fanáticos neoliberais que pusesse acima do interesse nacional uma qualquer agenda ideológica impraticável. Mas talvez, mais cedo do que tarde, a perda de soberania venha a funcionar em nosso favor. Aguardemos.»

Excerto do post de Sérgio Lavos, publicado em 24 de Maio de 2012 no blog ARRASTÃO, com o título "Governar contra os interesses do país". O título deste post é de minha autoria.

sexta-feira, maio 25, 2012

Justiça "exemplar" (2)

«O Ministério Público de Oeiras considerou prescrito o procedimento criminal contra o presidente da Câmara Municipal local, Isaltino Morais, pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito, pelo que arquivou o inquérito. 

Em nota da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa (PGDL) esclarece contudo que este arquivamento por prescrição (do crime de corrupção) "não tem qualquer relação, relevância ou consequência" na pena de prisão de dois anos aplicada a Isaltino Morais, pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2010, a qual ainda não foi executada. (...)»

Excerto da notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS de 24 de Maio de 2012

Meu comentário: Esta é a Justiça que temos, absurdamente rigorosa para com os humildes, permissiva e feita à medida para "safar" os poderosos. Isaltino de Morais, como muitos outros, usa-a a seu bel-prazer e não tem medo de ninguém. É um artista português, com sobrinhos espalhados por todo o lado, e está tudo dito.

quarta-feira, maio 23, 2012

Justiça “exemplar”

«O movimento Precários Inflexíveis foi alvo de uma Providência Cautelar pela empresa Ambição International Marketing. Esta empresa, dizendo-se injuriada por vários comentários (escritos por centenas de pessoas) num post de denúncia, avançou com um processo em tribunal para forçar o movimento a apagar todos os comentários do blogue. Independentemente de serem ou não contra esta empresa, independentemente do que está escrito, a empresa quer que seja apagado cada um dos mais de 350 comentários.

Infelizmente o Tribunal colocou-se do lado da empresa de forma mais do que inesperada: na sentença proferida, condena o PI a retirar não todos, mas muitos dos comentários escritos pelos cidadãos que por vezes nem sequer referem a empresa. Como sempre dissemos, nunca faremos qualquer censura nem julgaremos ninguém pelas suas opiniões. Por isso, discordamos frontalmente da sentença executada.

Apresentamos alguns factos: 

- A empresa em causa, Ambição Internacional Marketing, exige que se retirem os comentários sobre um texto que é sobre outra empresa, Axes Market, e não sobre qualquer texto em que fosse citada.

- A Ambição International Marketing, que avançou com o processo, nunca pediu direito de resposta ao PI e nunca dirigiu qualquer carta ou contacto ao movimento.

- Nenhuma das empresas (ou talvez a mesma com nome diferente) avançou com qualquer processo ou queixa contra quem escreveu os comentários. Portanto, o que preocupa a administração da empresa é a liberdade de expressão na internet. O mesmo preocupa o Tribunal.  

O movimento Precários Inflexíveis defende e defenderá sempre a liberdade de expressão e a igualdade na exposição de textos e ideias, críticas, ou outras, na internet, salvo excepções sobre textos violentos sob qualquer ponto de vista: físico ou social. A internet deve continuar a ser um espaço de liberdade e igualdade.  

O PI vai reagir judicialmente, porque não aceita que o Tribunal e a Justiça sejam instrumentos para afirmar que as empresas podem exigir que os comentários negativos sejam apagados ou que os seus textos e marcas valem mais do que as opiniões e denúncias dos cidadãos. Particularmente quando centenas de pessoas denunciam actividades suspeitas de empresas como esta. A liberdade é a base da democracia, porque, antes de mais, significa igualdade. Lutaremos por elas até ao fim. 

Pedimos a divulgação ampla desta luta que diz respeito a todos e a todas – é a luta de quem defende a liberdade e a democracia no espaço público, virtual ou não.» 
 

Transcrição do post do blog PRECÁRIOS INFLEXÍVEIS, publicado em 22 de Maio de 2012 e com o título "Comunicado: Empresa ataca liberdade de expressão em Blogue dos Precários Inflexíveis". O título deste post é de minha autoria.

(...)

«O movimento PRECÁRIOS INFLEXÍVEIS, criado por jovens trabalhadores precários, recebeu uma ordem judicial para ocultar do seu blogue vários comentários que imputavam alegadas ilegalidades a uma empresa de marketing.

A empresa que moveu a providência cautelar nas Varas Cíveis de Lisboa, denominada Ambição International Marketing, alega que tais comentários criaram dificuldades acrescidas no recrutamento de novos profissionais.

Os comentários surgiram na sequência de um post, publicado a 10 de Maio de 2011, em que uma utilizadora do blogue se dizia burlada por uma empresa de marketing, a Axes Market, para a qual terá trabalhado sem ter chegado a receber qualquer remuneração. Nos 360 comentários que se lhe seguiram, eram muitos os que apontavam práticas semelhantes à Ambição Internacional Marketing, acusando-a de práticas fraudulentas e desonestas.

Apesar de reconhecer o “direito fundamental de liberdade de expressão e informação, cujo exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”, o tribunal sustenta que “tal direito de informação e crítica não é ilimitado”, na medida em que colide com o direito que os visados têm “a ver respeitada a sua honra”. Conjugados os dois lados da questão, o tribunal considerou excessivo o pedido da empresa para que tais comentários fossem eliminados. Mas determinou a “suspensão ou ocultação” dos mesmos, estipulando uma multa de 50 euros por cada dia de atraso no cumprimento desta decisão.

Ao PÚBLICO, João Camargo, dos Precários Inflexíveis, sustentou que a decisão judicial “tem várias falhas processuais” e “é contrária aos princípios do Estado democrático”. “O que as pessoas [autores dos comentários] fizeram foi expor várias ilegalidades. E o tribunal, em vez de analisar se há ali matéria para actuar, determina que é preciso esconder tais comentários”.»

Transcrição de notícia do Jornal PÚBLICO de 22 de Maio de 2012

Meu comentário: Em Portugal, os Vigaristas Excelentíssimos, embora façam parte das várias quadrilhas de ladroagem que se têm especializado, sob variadas formas, na criação de falsas expectativas e na secagem dos bolsos dos portugueses, têm sempre salvaguardado o seu direito à honra e ao bom nome, atributos protegidos pela Meretíssima e Excelentíssima Justiça que nos calhou em sorte. Justiça essa que é inexcedível na sua contribuição para transformar Portugal numa caricatura do Estado de Direito, e por força de ser mal frequentado, num lugar pantanoso e fedorento, onde a falsa honestidade e bom nome se sobrepõem ao direito e à liberdade de expressão.

Já em Setembro de 2006, e tendo talvez constituído jurisprudência nesta matéria, o jornal PÚBLICO e três dos seus jornalistas, tinham sido condenados a pagar ao Sporting Clube de Portugal (SCP) uma indemnização de 75 mil euros, por terem noticiado em Fevereiro de 2001 que o clube tinha uma dívida ao fisco de 460 mil contos (cerca de 2,3 milhões de euros), notícia que embora sendo verdadeira atentava – no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça - contra o bom nome do clube. Posteriormente, e talvez animada pela leviandade com que a Justiça encara estas solicitações, em Janeiro de 2011,a empresa ENSITEL accionou uma Providência Cautelar, no sentido de obrigar uma cliente insatisfeita, a retirar do seu blog a descrição de desagradáveis acontecimentos ocorridos com a compra de um telemóvel, que não estaria nas melhores condições de funcionamento.

No presente caso, e porque o que está em causa são problemas do foro laboral e da exploração desenfreada a que os desempregados estão sujeitos, na sua demanda por trabalho e emprego dignos, a tal Justiça Meretíssima e Excelentíssima, autora de tão "dignos" despachos e sentenças, pode ser justamente entendida como um legal e intransigente suporte do "verdadeiro" empreendedorismo de "novo tipo", baseado numa sugestiva cultura de risco, a tal que o nosso Primeiro-Ministro Caga-Sermões Excelentíssimo advoga para combater o desemprego que assola Portugal, deixando-o entregue a todos os aventureiros e flibusteiros que por cá montam a tenda.

terça-feira, maio 22, 2012

Uma Nova Batalha das Termópilas


SOB várias formas, aperta-se o cerco e sobe o tom das ameaças à Grécia. O Banco Central Europeu cortou o financiamento aos bancos gregos, confrontados com falta de liquidez, motivada por levantamentos maciços de dinheiro, o “gauleiter” José Manuel Durão Barroso, ameaçou, desavergonhadamente, o eleitorado grego, advertindo-o que os resultados das novas eleições de 17 de Junho, em que será escolhida uma nova equipa governativa para o país, terão que ser forçosamente interpretados como um referendo à sua manutenção na zona euro, ao passo que o FMI suspendeu todos os seus contactos com a Grécia e o seu Governo interino, como se aquele estivesse atacado de doença contagiosa. Antes disso, já Wolfgang Schäuble, ministro das finanças alemão tinha avisado que o programa da troika não podia ser renegociado, isto é, ou se mantêm as medidas de austeridade impostas, ou deixa de haver apoio financeiro ao país. Estas acções concertadas acabam por assumir os contornos de uma espécie de quarentena, destinada a retorcer a democracia e a isolar o país. Não bastou despedaçá-lo com a bárbara e continuada austeridade; há que ir mais longe, fragilizando-o, impondo-lhe um cordão sanitário e pondo-o de joelhos, para que as escolhas se façam segundo os interesses e propósitos dos credores mandantes.

Cá dentro, nas suas intervenções, uns quantos intelectuais de botequim, limitam-se a replicar os pontos de vista importados lá de fora, embora com algumas variações. Como aquele cretinóide que regurgitou a ideia de que a Grécia é um país artificial, inventado, nascido apenas em 1828, das entranhas do Império Otomano, ignorando que há 2.500 anos, mais exactamente em 480 A.C. os gregos sofreram uma invasão terrestre pelo exército persa do imperador Dario. Embora a sua unidade territorial fosse constituída por cidades-estado autónomas, disseminadas pela Hélada, Peloponeso e colónias da Ásia Menor, o povo grego já respirava uma identidade e prevalecia um espírito unitário, não de nação coesa como hoje a conhecemos, mas como seu indestrutível embrião. Assim, o rei Leónidas, à frente de uma força de apenas trezentos guerreiros da cidade-estado de Esparta, postou-se no desfiladeiro das Termópilas, disposto a barrar a passagem ao exército persa, que contaria 100.000 homens, com o objectivo de atrasar a dita invasão, acontecendo isto numa altura em que os gregos de todos os quadrantes, tinham arrumado as armas e reunido a sua extensa comunidade, a fim de celebrarem os Jogos Olímpicos. Conta a tradição que o persa Xerxes teria enviado um mensageiro a Leónidas com o seguinte convite: "Rende-te e entrega as tuas armas!" A resposta de Leónidas teria sido: "Vem buscá-las!" Perante esta recusa Xerxes enviou novo mensageiro com a seguinte ameaça:”Taparemos a luz do sol assim que os nossos arqueiros dispararem a suas setas!” A resposta de Leónidas não se fez esperar: “Melhor, combateremos à sombra!” Apesar da desproporção numérica, os espartanos resistiram durante 3 dias, até que foram totalmente chacinados, mas só depois de haverem provocado elevadas baixas ao inimigo. Aquela heróica resistência provocou o atraso do avanço persa, sendo decisivo para a salvação da cidade-estado de Atenas, que entretanto se havia preparado para enfrentar o invasor.

Hoje, o heróico e trágico episódio do desfiladeiro das Termópilas parece querer repetir-se, embora noutro contexto e com outros protagonistas. Mas deixa bem claro que a Grécia, berço e matriz da cultura ocidental, da civilização europeia e da democracia, é tudo menos uma ficção, um país inventado. E esperemos que enfrente e saiba responder a preceito, face a esta nova ameaça.

domingo, maio 20, 2012

Sobre a Importância dos "Coisos" e das "Coisas"


O MINISTRO da Economia, Álvaro Santos Pereira, ao responder no Plenário da Assembleia da República a perguntas, a propósito da alta taxa de desemprego, e lutando com alguma dificuldade para se expressar com o rigor que o assunto merece, afirmou que está determinado a ultrapassar "o coiso". Ora se o tal "coiso" for o desemprego que assola Portugal e os portugueses, e que o ministro fez questão de tratar como "coisa" tão banal e sem importância - digamos, como qualquer ultrapassagem numa gincana rodoviária -, é bom que se prepare melhor para os debates das sessões parlamentares, e que se disponha a solucionar o cancro do desemprego, conforme prometeu, mas não em transgressão, como o tem feito até agora.

JÁ COM o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, a "coisa" fia mais fino. Embora o que vou dizer não seja generalizável, o facto é que nunca simpatizei com pessoas que andam sempre com a "carinha na água", quer chova ou faça sol. Como dizia a minha madrinha Conceição, o rosto e os olhos de uma pessoa, porque são o espelho da alma, acabam por determinar, com mais ou menos fiabilidade, se uma pessoa é ou não recomendável. No caso do ministro Relvas, as minhas suspeitas confirmaram-se: atrás daquele permanente sorriso, entre matreiro e velhaco, esconde-se alguém que nos quer tramar, soando a falso tudo o que lhe sai pela boca fora.

A "coisa" conta-se em meia dúzia de palavras. O ministro Relvas foi responder à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdade e Garantias sobre o caso das “secretas”, e houve um aspecto que não ficou bem explicado. Com dúvidas, uma jornalista do jornal PÚBLICO pediu-lhe esclarecimentos, o Relvas não respondeu, e acto contínuo não foi de modas: ameaçou que se publicassem a não-notícia, enviava uma queixa para a ERC, promovia um "black out" de todos os ministros ao jornal PÚBLICO, e divulgava na Internet pormenores sobre a vida privada da jornalista. Assim mesmo, sem mais nem menos. Uma intolerável e desmedida pressão sobre o direito de informação e liberdade de expressão, seguida de uma asquerosa intromissão e chantagem sobre a vida privada da profissional.

O Conselho de Redacção manifestou-se escandalizado com a "coisa", redigiu um comunicado, contudo, a Direcção do jornal achou por bem não dar importância ao caso, diz ela que aquele tipo de pressões são o pão nosso de cada dia dos jornais, mas também acabou por não publicar a tal não-notícia, diz ela que por ser irrelevante e não adiantar nada ao caso em questão. As ministeriais ameaças chegaram ao domínio público e o Relvas acabou por vir pedir desculpa, não se sabe bem de quê, e a "coisa" ficou assim: nem o jornal publicou a tal não-notícia que de tão inofensiva que era, provocou a ira do intragável Relvas, nem o indigesto Relvas foi demitido por comportamento impróprio de uma figura de Estado, ao tentar condicionar, limitar e obstruir a publicação de notícias, com ameaças de boicote e chantagem.

Num cidadão comum, este tipo de procedimento é grave; num governante é gravíssimo. Com uma classe política decente, tão deplorável comportamento seria sancionado de imediato; entre nós, graças à memória curta e aos habituais brandos costumes, faz-se tábua rasa da “coisa”. Assim vai a liberdade de expressão e informação em Portugal, e já agora, gostava de saber o que é que o Paulo Rangel tem a dizer sobre este ambiente de condicionamento da liberdade de expressão e de opinião, tal como o fez em 2008, face a alguns atropelos do mesmo jaez, ocorridos durante o primeiro governo do emigrado José Sócrates.

Nota: Para melhor esclarecimento do assunto, leia aqui no CARTÓRIO DO ESCREVINHADOR os comunicados do Conselho de Redacção do Jornal PÚBLICO e do Sindicato dos Jornalistas.

sábado, maio 19, 2012

Como se Eliminam os “Indesejáveis” da UE

«Muita gente alimenta a ilusão de que poderia haver uma austeridade mais justa. É não perceber a natureza desta austeridade. Ela corresponde a um processo de engenharia económica e social. O objetivo, já o disseram os senhores da Troika, é simular uma desvalorização cambial quando ela é impossível de fazer. Essa simulação faz-se através de uma desvalorização da economia. Ou seja, através da desvalorização dos custos de trabalho (que, segundo as últimas notícias, não está a ser bem sucedida) e da redução do consumo. Essa desvalorização consegue-se através da perda de rendimentos que só é possível com a pressão de um desemprego alto. O desemprego não é apenas consequência desta estratégia. É sua condição fundamental. (...)»

Excerto do post de Daniel Oliveira no blog ARRASTÃO, com o título " Austeridade? Nem muita, nem pouca", publicado em 16 de Maio de 2012. O título deste post e a ilustração são de minha autoria.

Meu comentário: Impôr a austeridade a um país, como receita para equilibrar as contas públicas (também conhecido por reajustamentos orçamentais), é uma forma insidiosa de proteger os ricos, tornando-os cada vez mais ricos, à custa da penúria dos remediados, que ficarão cada vez mais pobres, e do extermínio dos pobres, que deixarão de ser um encargo para o Estado. Num país que seja colocado sob quarentena austeritária, excepto os ricos, ninguém conseguirá sobreviver dignamente, numa larga banda que vai das entidades colectivas às pessoas individuais. Esta é a forma mais engenhosa de, sem declaração de guerra e sem disparar um único tiro, expoliar um país, colocando-o na situação de derrotado, falido, irrelevante, insustentável e indesejável, para finalmente acabar como estado falhado. A União Europeia, tal como a senhora Merkel a deseja, quer-se limpa, amiga do capitalismo e dos bancos, económicamente saudável e genéticamente pura.

sexta-feira, maio 18, 2012

Registo para Memória Futura (66)

«A Grécia é uma realidade política artificial. A Grécia, até ao Século XIX, até meados do século XIX, foi uma província do império otomano. Foi um país inventado em 1828. Portanto, não existe como país.»

Declaração de José Luis Arnaut, membro do PSD, ex-deputado, ex-Ministro Adjunto de Durão Barroso e Ministro das Cidades do governo de Pedro Santana Lopes, durante um programa da SIC Notícias, em 16 de Maio de 2012. Questionado o seu currículo académico, entre os vários diplomas que possui, não consta que tenha frequentado o Novas Oportunidades nem as Universidades de Verão do PSD.

quarta-feira, maio 16, 2012

A Propósito do «Manifesto por uma Esquerda Livre»


«(...) a esquerda está dividida entre a moleza e a inconsequência. Esta esquerda, às vezes tão inflexível entre si, acaba por deixar aberto o caminho à ofensiva reacionária em que agora vivemos, e à qual resistimos como podemos.
(...)»
Excerto do «Manifesto por uma Esquerda Livre» 

Meu comentário: Na verdade, quando se fala em moleza e inconsequência, não é difícil discernir que este é um recado que assenta que nem uma luva ao PS, mais exactamente às versões ex-Partido Sócrates e actual Partido Seguro.

Ao primeiro cabe a responsabilidade de ter posto o país à beira do abismo e de tê-lo entregue à troika, e ao segundo, as inqualificáveis abstenções violentas e votos a favor, seja mantendo-se inflexível no apoio aos indefensáveis compromissos assumidos, seja hipotecando o futuro do país e dos portugueses, ao emparceirar, passo a passo, com as austeritárias e empobrecedoras políticas de direita.

Como é óbvio, não tenho nada contra recados, nem das suas boas intenções, mas quando se fala de manifestos, sou um pouco mais exigente. Como diria o compadre alentejano, é preciso chamar os bois pelos nomes, para que os eventuais apoiantes da tal ideia de uma “Esquerda Mais Livre” (ou lá o que isso seja), saibam ao que vão, sem dúvidas ou equívocos, e não corram o risco de verem as suas expectativas defraudadas.

sexta-feira, maio 11, 2012

Cinema Recente


Deus da Carnificina (O) – [Carnage] – Realiz. Roman Polansky – 2011
Albert Nobbs – [Albert Nobbs] – Realiz. Rodrigo García - 2011
Habemus Papam - Temos Papa – [Habemus Papam] – Realiz. Nanni Moretti – 2011