OH MARIA, hoje não vamos ouvir música de câmara! Hoje vou dar música, ou melhor, vou fazer uma comunicação ao país. E assim, o Presidente, baixou as mangas, vestiu o fatinho, afivelou um semblante circunspecto, trocou a pacatez do Facebook pelo auditório das televisões em horário nobre, e decidiu vir dizer-nos que está vivo, atento e preocupado, só que um bocadinho mais aliviado. O assunto, tinha a ver com a assistência financeira ao país, sob a forma de empréstimo, e como se previa decorreu naquela habitual toada monocórdica, generalista e pachorrenta, que não aquece nem arrefece.
O interesse da intervenção destinava-se essencialmente aos cidadãos distraídos, que por uma razão ou por outra, não se aperceberam que andou por cá uma missão tripartida, vulgo "troika", constituída pelo FMI-UE-BCE, a fazer um programa de governo que satisfizesse as exigências dos financiadores da emergência financeira e eminente bancarrota. Sua Excelência voltou a insistir numa música de se tornou popular entre os comentadores, isto é, que continuamos a viver acima das nossas possibilidades, a gastar mais do que aquilo que produzimos e a endividarmo-nos permanentemente perante o estrangeiro, metendo no mesmo saco o povo que vive na penúria e continua a ser cruelmente esbulhado pelo Estado, à mistura com o governantes que se refestelam à mesa do orçamento a encher os bolsos dos padrinhos, compadres e amigos, e com os banqueiros que se regalam a dois carrinhos, esbulhando o povo e o Estado. Sua Excelência, para deixar as tintas bem carregadas, faz coro com as pitonizas do “estado mínimo”, e insiste em co-responsabilizar o povo, pelo desbarato das contas públicas, pela incompetência, negligência e as incorrectas soluções políticas adoptadas, acrescentando, de forma paternalista, que o empréstimo de 78 mil milhões de Euros foi celebrado tendo em vista o interesse dos portugueses e das famílias, os quais sempre estiveram em primeiro lugar nas preocupações das governações, o que não é bem verdade.
A banca a operar em Portugal obteve do Banco Central Europeu (BCE), entre 2008 e 2010, a módica quantia de 82.614 milhões de Euros, pela qual pagou 1% de juro, ou seja 826 milhões de Euros. No mesmo período, cobrando juros de 5,05% e 6,87%, a banca embolsou, segundo fonte do Banco de Portugal, um resultado líquido de 3.828 milhões de Euros. Se nos ativermos apenas ao ano de 2010, os cinco maiores bancos nacionais tiveram lucros superiores a 3,9 milhões de Euros por dia, e pagaram menos 55% de impostos que em 2009. Ou seja, os bancos cavalgaram as mais variadas práticas de agiotagem e especulação, estiveram directa ou indirectamente relacionados com a crise, beneficiaram com ela e são os mesmos que agora exigem, por intermédio dos governos que influenciam, que sejam os trabalhadores a suportar a maior fatia de sacrifícios, com a penúria, a pobreza e o desemprego a atingirem números insuportáveis, e a nível social a ocorrerem rupturas que se prevêm altamente críticas e problemáticas.
Entretanto, da ajuda de 78 mil milhões de Euros, proposta pela “troika”, entre 2011 e 2013, só aos bancos irá caber uma tranche de 12 mil milhões de Euros, isto é, quase a sexta parte (15,4%) do empréstimo. Não admira que estejam sorridentes e que declarem, em coro com José Sócrates, que o resultado destas negociações, para eles, foi francamente positivo. A verdade é que, seja qual for a letra que se cante e a música que se toque, as hienas, os chacais e os lobos vestidos de cordeiros, mesmo exibindo fisionomias condoídas, todos se chegam à frente para esbulhar quem ainda pode ser esbulhado, e entrar animadamente no festim.