segunda-feira, dezembro 08, 2014

ACUSO!


Um país que consente que os seus governantes deixem que se instale o caos e o cisma linguístico dentro das suas fronteiras, é um país que vai a curto prazo deixar de se entender, tanto dentro como fora das suas fronteiras, ficando aberto o caminho para a desintegração cultural e identitária desse povo, e das suas comunidades.

Portugal é um pequeno país, mas está recheado de crimes. Há crimes de sangue, crimes ambientais, crimes económicos, corrupção, atentados à soberania, e agora também, por via do ALOP90, crimes linguísticos ou de identidade. Crimes políticos também os há, muito embora de natureza e âmbito diverso, daqueles que as ditaduras costumam etiquetar e perseguir. Só não há crimes de guerra, no sentido convencional do termo, porque não estamos em guerra com ninguém. Mas eu e muitos mais, estamos em guerra contra o AOLP90, um autêntico monstro invasor, gerado e manipulado em laboratório por pseudo "cientistas linguísticos", e que está empenhado em destruir o que levou quase nove séculos a edificar, respeitando as suas raízes e integrando o que achou por bem ser fruto da natural evolução: a Língua Portuguesa.

Cada dia que passa mais se percebe que a Língua Portuguesa entrou em coma ortográfico, e já não é com cuidados intensivos nem com respiração assistida que irá recuperar facilmente. O texto do Acordo não foi, desde 1990, revisto uma única vez, apesar de ter havido promessas nesse sentido, que não passaram disso mesmo: promessas vãs. Entretanto o Governo, no seu confortável imobilismo, não podia estar mais ausente da questão do AOLP90, pois anda ocupadíssimo a espatifar o ensino público, conjugando a suposta eficácia desse ensino com a redução de despesas, encerrando escolas, reduzindo ao mínimo os auxiliares educativos e desmembrando a classe docente. Pela cabeça dos políticos deve ter-se consolidado a ideia de que a seu tempo sempre se podia dar um passo à retaguarda, só que isso é uma ideia falsa e perversa. O AOLP90 está a fazer o seu caminho, em galope desenfreado, e nada o parará se ninguém o travar. Diáriamente, tanto os meios de comunicação escrita como audiovisual, as edições e reedições livreiras e a legendagem de filmes, presenteiam-nos com autênticos "ensopados" e "caldeiradas" ortográficas que têm um objectivo sinistro: satisfazer toda a clientela, sejam eles apoiantes ou adversários do famigerado AOLP90, ao passo que o sistema educativo foi inundado com publicações acordizadas, e a classe docente instada a ensinar segundo os cânones do novo modelo, percebendo que os estragos que foram feitos em apenas 4 anos, levarão décadas a recuperar. Entretanto, são muitos os que reconhecem que aquela norma ortográfica desfigura a escrita da língua e introduz uma subordinação da grafia à oralidade, bem como às suas divergências, perdendo-se as raízes etimológicas e com a escrita a capturar essas mesmas divergências. Não falta muito que não tenhamos várias versões da Língua Portuguesa, tantas quantos os dialectos falados. De quem se esperava recomendações, comentários ou um ponto de situação, apenas um prolongado e ruidoso silêncio. E passo a enumerar:

- Secretaria de Estado da Cultura
- Ministério da Educação
- Academia das Ciências de Lisboa
- Observatório da Língua Portuguesa
- Instituto Internacional da Língua Portuguesa
- Associação das Universidades de Língua Portuguesa - AULP
- Associação de Professores para a Educação Intercultural - APEDI

O que têm a dizer sobre o AOLP90? Nada? Não têm opinião? Estão a hibernar? O que andam cá a fazer? Habituados a que uns quantos façam cortes nos rendimentos de quem trabalha e vendam o património do país, apressaram-se a seguir o mau exemplo. Cortam consoantes e vendem também a Língua por atacado, fazendo "ouvidos de mercador" a quem abomina e contesta estes negócios de vão-de-escada. Contestatários do AOLP90 são para cima de 52.000 (fora a maioria silenciosa), divididos em vários grupos que intervêm nas redes sociais, tais como "Em Acção Contra o Acordo Ortográfico", "Professores Contra o Acordo Ortográfico", "Tradutores Contra o Acordo Ortográfico", "Meios Jurisdicionais de Luta Contra o Acordo Ortográfico" e "Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico". Não basta parodiar e fazer anedotário com a fraseologia ilegível recheada de patacoadas ortográficas que vai pontuando o nosso quotidiano. Penso que está na altura de promover umas quantas monumentais acampadas, frente às instalações destas "honoráveis" instituições, exigindo-lhes que cumpram o dever de se assumirem como os garantes da Língua Portuguesa. Pelo seu silêncio e desinteresse manifestado, acuso estas entidades de estarem a contribuir para cavar a vala comum de um grande crime de identidade. Os doutos eruditos e "cientistas linguísticos" que esculpiram este intragável e aberrante monumento, fizeram questão de levantar uma parede de silêncio, assistindo impávidos e serenos à instalação da miscelânea, do pandemónio ortográfico e à derrocada linguística, persistindo em assobiar para o lado, fingindo que está tudo a correr às mil maravilhas, e prosseguindo na trôpega e canhestra ideia de deixar normalizar, ao sabor das facultatividades, aquilo que não é normalizável.
- Não consumo nada que esteja acordizado, dirão alguns.
- Ai consomes, consomes, e nem sequer dás por isso, digo eu. O AOLP90 entra-te pela porta dentro, sem pedir autorização, seja quando ligas o televisor para ver os noticiários e te deparas com rodapés escritos em "bom português", seja quando recebes pelo correio as "faturas" da água, do gás ou da "eletricidade", quando tropeças na "semirreta" do teste lá da escola ou na "minissaia" do catálogo das vendas "diretas". Nesta pitoresca democracia não há "exceções", ninguém fica de fora e comem todos pela medida grossa.

Um país que consente que os seus governantes deixem que se instale o caos e o cisma linguístico dentro das suas fronteiras, é um país que vai a curto prazo deixar de se entender, tanto dentro como fora das suas fronteiras, ficando aberto o caminho para a desintegração cultural e identitária desse povo, e das suas comunidades. O AOLP90 é o expediente e o caminho mais curto para reduzir Portugal à irrelevância e insignificância. Mais do que qualquer outro factor, o que une os povos é a sua língua. Por isso mesmo, subscrevo o conteúdo Projecto de Resolução do PCP N.º 965/XII/3, divulgada em 28 de Fevereiro de 2014, aquando da apreciação da “Petição pela desvinculação de Portugal ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990”, e que nos parágrafos finais diz o seguinte: "Independentemente das posições diferentes que existem sobre o Acordo, há uma questão que é, para nós, PCP, muito clara: a inexistência de uma autoridade da língua, o que acaba por não contribuir para alcançar o consenso. Por isso mesmo, o PCP propõe um conjunto de medidas que passam também pela construção dessa autoridade da língua, um instituto da língua. Caso esse instituto não venha a conseguir um novo acordo até 2016, Portugal deve desvincular-se do actual Acordo e voltar ao Acordo de 1945. (...) O Acordo deve ser um instrumento para a valorização e salvaguarda da língua e não para a satisfação de interesses de editores e distribuidores. O Acordo deve ser um instrumento da língua e não o contrário." Ora essa mesma sessão parlamentar acabou por aprovar a constituição de uma comissão de acompanhamento (?) da aplicação do AOLP90, que ninguém sabe quem a compõe - caso alguma vez tenha sido empossada -, o que tem andado a fazer e a que conclusões chegou. Parece ter passado à clandestinidade, como convém. E por aqui me fico.

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